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Diplomacia em Saúde e Saúde Global: perspectivas latino-americanas

RESUMO

Analisa-se e comenta-se a obra Diplomacia em Saúde e Saúde Global: perspectivas latino-americanas, editada por Paulo Marchiori Buss e Sebastián Tobar, publicado pela Editora Fiocruz. O livro, em 653 páginas, traz contribuições de destacados autores nacionais e estrangeiros no campo da diplomacia em saúde e da saúde global, retratando uma década em que o Brasil teve grande protagonismo internacional no campo da saúde pública, sobretudo na cooperação Sul-Sul, de forma inovadora e estruturante. Ademais, os capítulos apresentam aspectos teóricos e princípios básicos da saúde global como novo campo de conhecimento, no qual o país vem desenvolvendo e compartilhando uma produção científica com uma perspectiva latino-americana, voltada para a busca da equidade e da saúde para todos os povos do mundo.

Resenhas de Livros; Diplomacia em Saúde; Saúde Global

ABSTRACT

We will analyze and comment on the book Health Diplomacy and Global Health: Latin American Perspectives, edited by Paulo Marchiori Buss and Sebastián Tobar and published by Editora Fiocruz. Throughout its 653 pages, the book brings prominent national and foreign authors in the field of Health Diplomacy and Global Health, depicting a decade in which Brazil had great international protagonism in the field of Public Health, especially in South-South cooperation, in an innovative and structuring manner. Furthermore, the chapters present theoretical aspects and basic principles of Global Health as a new field of knowledge, in which the country has been developing and sharing scientific production with a Latin American perspective, focused on the pursuit of equity and health for all peoples of the world.

Book Reviews; Health Diplomacy; Global Health

Durante mais de uma década, o Brasil viveu uma extraordinária experiência de inserção internacional no campo da saúde pública. O Estado brasileiro não apenas participou ativamente da evolução do campo emergente da saúde global, marcando presença em numerosos foros internacionais e obtendo reconhecimento mundial pela excelência de alguns de seus programas de saúde pública, mas também se tornou referência de uma posição crítica sobre a governança global da saúde, influenciando numerosos países, principalmente do chamado Sul Global.

As características e os efetivos resultados de tal protagonismo começam a ser estudados em profundidade por pesquisadores de diversos países e disciplinas – algo que deve ser encorajado porque a compreensão crítica dessa história recente é imprescindível para o futuro da atuação brasileira. Nesse sentido, a obra lançada em setembro de 2017, pela Editora da Fiocruz, constitui uma contribuição fundamental, com a adicional qualidade de aportar, para além do caso brasileiro, um prisma latino-americano. Diplomacia em Saúde e Saúde Global: perspectivas latino-americanas11. Buss PM, Tober S, organizadores. Diplomacia em Saúde e Saúde Global perspectivas latino-americanas. Rio de Janeiro (RJ): Editora Fiocruz, 2017., organizada por Paulo Marchiori Buss e Sebastián Tobar, vem preencher parte de uma lacuna importante na literatura acadêmica brasileira em saúde pública/coletiva nas suas dimensões internacionais. De autoria de 41 renomados pesquisadores nacionais e estrangeiros, muitos deles da Fundação Oswaldo Cruz, outros de instituições estrangeiras, o tema central é a saúde global inserida nas relações internacionais. Nasceu, então, essa rica experiência de diplomacia em saúde.

No Prefácio da obra, o Embaixador Celso Amorim (Ministro das Relações Exteriores do Brasil entre 2003 e 2011, e Ministro da Defesa entre 2011 e 2015) faz referência à expressão “política internacional da saúde”, arena em que o Brasil exerceu significativo protagonismo, tendo na cooperação Sul-Sul e na promoção da integração regional dois dos pilares fundamentais de sua atuação, a ponto de abrigar definitivamente no Rio de Janeiro (RJ) o Instituto Sul-americano de Governo em Saúde da União Sul-americana de Nações (ISAGS/UNASUL), entidade intergovernamental de caráter público que tem como principal objetivo promover o intercâmbio, a reflexão crítica, a gestão do conhecimento e a geração de inovações no campo da política e governança em saúde.

No livro, estão presentes autores que participaram ativamente da diplomacia da saúde exercida pelo Estado brasileiro nas últimas décadas, como é o caso dos organizadores da obra. A obra sistematiza um acervo construído pelos pesquisadores da Fiocruz, instituição cuja excelência qualificou sobremaneira a atuação internacional brasileira, mas que também foi pioneira em matéria de produção acadêmica no domínio emergente da saúde global. Estão presentes contribuições, além daquela dos organizadores, de Celia Almeida, Ligia Giovanella, José Paranaguá de Santana, Roberto Ferreira e Luiz Eduardo Fonseca, entre outros renomados pesquisadores da Fiocruz. Entretanto, a obra excede este acervo, dando voz a autores oriundos de outras instituições que são referências internacionais do campo da saúde global, como Ilona Kickbusch, Oscar Feo, Ronald Labonté, Mario Dal Poz e Mauricio Lima Barreto, entre outros destacados convidados.

Estruturado em cinco partes, o livro tece considerações conceituais valiosas em um campo marcado pela polissemia de suas categorias básicas (Parte I); identifica desafios contemporâneos em matéria de saúde global e diplomacia da saúde (Parte II); enfoca a saúde e o desenvolvimento sob a ótica da governança (Parte III); debruça-se sobre a cooperação e a diplomacia em saúde no Brasil (Parte IV), que integra, também, capítulo sobre Saúde e Diplomacia da Saúde no Brics; e algumas aplicações da diplomacia em saúde (Parte V).

O capítulo 5, Cooperação em Saúde na Perspectiva Bioética, de José Paranaguá Santana e Volnei Garrafa ilustra bem o ineditismo e a oportunidade dessa obra. Relatam pesquisa bibliográfica em que se buscou identificar a literatura no tema com o termo de busca “diplomacia em saúde” e que resultou em somente três artigos na BVS/Bireme e em 114 no PubMed/NCBI, em 2011.

Adicionalmente, o livro traz dados relevantes, que permitem ao leitor compreender as iniquidades internacionais em saúde e a oportunidade da cooperação estruturante Sul-Sul. A tabela na página 550, com comparação entre indicadores-chave dos países Brics, destaca dados em que as diferenças entre países são abissais. Para ilustrar: a taxa de mortalidade materna (por 100 mil nascidos vivos, 2010) variava de 34 na Rússia, passando por 56 no Brasil e 200 na Índia e culminando em 300 na África do Sul. Também a mortalidade de menores de cinco anos por 1.000 nascidos vivos variava: 10,3 na Rússia, 14,4 no Brasil e 44,6 na África do Sul.

Há um destaque na obra para a Saúde nos Processos de Integração Regional da América Latina e Caribe (capítulo 13), a fim de reduzir riscos de epidemias e outros problemas que transcendem fronteiras, e aproveitar oportunidades no campo da saúde. Dentre as oportunidades estão a formação de bloco regional para enfrentar problemas como o controle de tabaco e de consumo abusivo de álcool e a produção, o tráfico e o consumo de drogas. Igualmente, o diálogo e as negociações com o complexo médico-industrial-financeiro (corporações privadas que lucram com a doença) pode se dar de forma integrada por países da região para se avançar na construção do bem-estar de seus povos. Assim, os processos de integração constituem um dos eixos condutores da política externa de muitos países da América Latina.

O livro conta ainda, em suas orelhas, com o comentário de José Gomes Temporão, que exerceu as funções de Ministro da Saúde do Brasil e Diretor do ISAGS em um áureo período de cooperação internacional em saúde. Temporão destaca “a clara importância da saúde como questão internacional”. Além de seu material didático indispensável, o conteúdo da obra aqui comentada tem o potencial de deflagrar uma profunda reflexão, apta a evitar o retrocesso quanto ao reconhecimento desta importância destacada por Temporão.

Segundo os organizadores, houve a opção de se ligar, já no título do livro, os termos saúde global, que diz respeito à dimensão da saúde como produto local, oriundo de conceitos e práticas de múltiplos atores envolvidos, em uma dimensão supranacional, com diplomacia em saúde, que é campo conceitual e de prática, de relações entre governos e nações (que inclui a sociedade civil), também socialmente construído, tendo a saúde por seu objeto (Buss e Tobar, 2017, p. 24).

Nas atuais circunstâncias econômicas e sociais da América Latina, um livro que procura explicar a saúde no cenário global e o que a molda social e economicamente é útil para a formação de professores, pesquisadores e estudantes de saúde pública. Igualmente importante é entender como o global dialoga com o local e como se dá a governança em saúde global.

O fator que motivou essa obra foi a complexidade internacional das últimas décadas aliada à atual conjuntura. As desigualdades sociais e sanitárias profundas entre países e no interior deles foram acentuadas pelo comprometimento ambiental em escala planetária, pelas crises econômica e humanitária relacionada a conflitos armados e pelas migrações em massa de excluídos e desprotegidos sociais.

O livro apresenta alguns capítulos conceituais, importantes para o estabelecimento dessa nova área de conhecimento, pesquisa e atuação. Neles, se reforçam alguns princípios básicos e éticos da saúde global em sua vertente latino-americana: a importância da cooperação Sul-Sul entre países que enfrentam problemas semelhantes e podem trocar práticas inovadoras, respeitando a soberania nacional, a independência e a equidade, sem imposições e buscando benefícios mútuos. Buss e Ferreira defendem a “cooperação estruturante em saúde”, que implica no fortalecimento de instituições estruturantes dos sistemas de saúde nacionais para que possam assumir uma agenda de desenvolvimento para o futuro, que incorpore os determinantes sociais e ambientais da saúde e as ações intersetoriais.

A obra discute, ainda, sobre desafios atuais dos sistemas de saúde e sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável em suas relações com a saúde. Outro ponto a se destacar é a apresentação de vários acordos, documentos orientadores com seus conteúdos primordiais, o que, de um lado, deixa alguns capítulos enfadonhos; de outro, serve de rico acervo para aqueles que buscam referencias e que querem se aprofundar no tema.

Como obra organizada e um grande número de autores, é quase natural que ocorram algumas pequenas repetições, pois servem de argumentos para diferentes enfoques. Sem prejudicar a leitura, elas reforçam a interligação dos assuntos tratados e uma certa sintonia de pensamento dos autores.

Como produção literária a ser usada em cursos de Diplomacia em Saúde e Saúde Global, ela se insere bem no objetivo primordial da Saúde Global Acadêmica, que é melhorar a vida de todos os povos ao redor do mundo22. Wernli D, Tanner M, Kickbusch I, Escher G, Paccaud F, Flahault A. Moving global health forward in academic institutions. J Glob Health. 2016;6(1):010409. https://doi.org/10.7189/jogh.06.010409
https://doi.org/10.7189/jogh.06.010409...
. Coaduna-se, também, com a Saúde Global Acadêmica em termos epistemológicos, no sentido de não ser uma disciplina e sim uma inter ou transdisciplina que busca a integração e a implementação de tecnologias mais acessíveis, inclusive as sociais. Igualmente, a leitura da obra permite identificar alguns princípios da Saúde Global Acadêmica, a saber: o respeito aos direitos humanos e à dignidade dos povos, a busca da equidade, a ética e a sustentabilidade.

REFERENCES

  • 1
    Buss PM, Tober S, organizadores. Diplomacia em Saúde e Saúde Global perspectivas latino-americanas. Rio de Janeiro (RJ): Editora Fiocruz, 2017.
  • 2
    Wernli D, Tanner M, Kickbusch I, Escher G, Paccaud F, Flahault A. Moving global health forward in academic institutions. J Glob Health. 2016;6(1):010409. https://doi.org/10.7189/jogh.06.010409
    » https://doi.org/10.7189/jogh.06.010409

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2018
  • Aceito
    19 Jun 2018
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