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Eventos adversos pós-vacina contra a difteria, coqueluche e tétano e fatores associados à sua gravidade

Adverse events following diphtheria, pertussis and tetanus vaccinations and factors associated with severity

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os eventos adversos pós-vacina contra a difteria, coqueluche e tétano (EAPV-DPT) e os fatores associados à sua gravidade. MÉTODOS: Estudo transversal com componente descritivo e analítico, abrangendo os eventos adversos pós-vacina DPT notificados no Estado de São Paulo, de 1984 a 2001, entre crianças menores de sete anos de idade. A definição de caso foi a adotada pela vigilância de EAPV-DPT; os dados obtidos foram originados da vigilância passiva desses eventos. No cálculo das taxas, o numerador foram os EAPV e o denominador o número de doses aplicadas. A associação entre a gravidade dos EAPV-DPT e as exposições de interesse foi investigada pelas estimativas não ajustadas e ajustadas da odds ratio, com os respectivos intervalos de 95% de confiança, usando regressão logística não condicional. RESULTADOS: Identificaram-se 10.059 EAPV-DPT relativos a 6.266 crianças, apresentando um ou mais EAPV, 29,5% foram internadas e em 68,2% houve contra-indicação das doses subseqüentes de DPT. Cerca de 75% dos eventos ocorreram nas primeiras seis horas após a aplicação da vacina. Os eventos mais freqüentes foram: febre<39,5°C, reação local, evento hipotônico hiporresponsivo e convulsão. Mostraram-se independentemente associadas à gravidade: intervalo inferior a uma hora entre a aplicação da vacina e o evento (OR=2,1), primeira dose aplicada (OR=5,8), antecedentes neurológicos pessoais (OR=2,2) e familiares (OR=5,3). CONCLUSÕES: A vigilância passiva de EAPV mostrou-se útil no monitoramento da segurança da vacina DPT, descrevendo as características e a magnitude desses eventos, assim como permitiu identificar possíveis fatores associados às formas graves.

Vacina contra difteria, tétano e coqueluche; Vacinas; Vigilância epidemiológica; Estudos transversais


OBJECTIVE: To analyze adverse events following vaccinations against diphtheria, pertussis and tetanus (AEFV-DPT) and to investigate factors associated with event severity. METHODS: A cross-sectional study was carried out with a descriptive and analytical component covering AEFV-DPT that were notified in the State of São Paulo, Brazil, between 1984 and 2001, among children less than seven years old. Cases were defined as used in AEFV-DPT surveillance; the data source was AEFV-DPT passive surveillance. In calculating the rates, the numerator was the number of AEFV-DPT and as denominator was the number of doses applied. The association between severity of AEFV-DPT and the exposures of interest was investigated by means of non-adjusted and adjusted estimates of odds ratios, with their respective 95% confidence intervals, using non-conditional logistic regression. RESULTS: A total of 10,059 AEFV-DPT were identified, corresponding to 6,266 children who presented one or more AEFV-DPT, 29.5% were hospitalized and 68.2% presented contraindications for subsequent DPT doses. Around 75% of the events occurred during the first six hours after vaccination. The most frequent AEFV-DPT were: fever < 39.5°C, local reactions, hypotonic-hyporesponsive episodes and convulsion. Time interval of less than one hour between vaccination and the event (OR = 2.1), first dose applied (OR=5.8) and previous personal (OR=2.2) and family (OR=5.3) neurological histories were independently associated with severe events. CONCLUSIONS: Passive surveillance of AEFV-DPT was shown to be useful for monitoring the safety of the DPT vaccine, through describing the characteristics and magnitude of these events, and also enabling identification of possible factors associated with severe forms.

Diphtheria-tetanus-pertussis vaccine; Vaccines; Epidemiologic surveillance; Cross-sectional studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Eventos adversos pós-vacina contra a difteria, coqueluche e tétano e fatores associados à sua gravidade

Fabiana Ramos Martin de FreitasI; Helena Keico SatoII; Clélia Maria Sarmento de Souza ArandaII; Benedito Antonio Figueiredo ArantesII; Maria Aparecida PachecoII; Eliseu Alves WaldmanIII

IPrograma de Pós-Graduação. Faculdade de Saúde Pública (FSP). Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP, Brasil

IICentro de Vigilância Epidemiológica "Alexandre Vranjac". Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IIIDepartamento de Epidemiologia. FSP-USP. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência | Correspondence: Eliseu Alves Waldman Faculdade de Saúde Pública Universidade de São Paulo Av. Dr. Arnaldo, 715 01246-904 São Paulo, SP, Brasil E-mail: eawaldma@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os eventos adversos pós-vacina contra a difteria, coqueluche e tétano (EAPV-DPT) e os fatores associados à sua gravidade.

MÉTODOS: Estudo transversal com componente descritivo e analítico, abrangendo os eventos adversos pós-vacina DPT notificados no Estado de São Paulo, de 1984 a 2001, entre crianças menores de sete anos de idade. A definição de caso foi a adotada pela vigilância de EAPV-DPT; os dados obtidos foram originados da vigilância passiva desses eventos. No cálculo das taxas, o numerador foram os EAPV e o denominador o número de doses aplicadas. A associação entre a gravidade dos EAPV-DPT e as exposições de interesse foi investigada pelas estimativas não ajustadas e ajustadas da odds ratio, com os respectivos intervalos de 95% de confiança, usando regressão logística não condicional.

RESULTADOS: Identificaram-se 10.059 EAPV-DPT relativos a 6.266 crianças, apresentando um ou mais EAPV, 29,5% foram internadas e em 68,2% houve contra-indicação das doses subseqüentes de DPT. Cerca de 75% dos eventos ocorreram nas primeiras seis horas após a aplicação da vacina. Os eventos mais freqüentes foram: febre<39,5°C, reação local, evento hipotônico hiporresponsivo e convulsão. Mostraram-se independentemente associadas à gravidade: intervalo inferior a uma hora entre a aplicação da vacina e o evento (OR=2,1), primeira dose aplicada (OR=5,8), antecedentes neurológicos pessoais (OR=2,2) e familiares (OR=5,3).

CONCLUSÕES: A vigilância passiva de EAPV mostrou-se útil no monitoramento da segurança da vacina DPT, descrevendo as características e a magnitude desses eventos, assim como permitiu identificar possíveis fatores associados às formas graves.

Descritores: Vacina contra difteria, tétano e coqueluche, eventos adversos pós-vacina. Vacinas. Vigilância epidemiológica. Estudos transversais.

INTRODUÇÃO

Por sua elevada efetividade, as atividades de vacinação constituem componente obrigatório dos programas de saúde pública. Sua avaliação requer o contínuo acompanhamento da cobertura vacinal, da eqüidade no acesso, da incidência e gravidade das doenças objeto do programa, assim como da sua segurança.4

À semelhança de outros produtos farmacêuticos, as vacinas não são inteiramente livres de riscos. Enquanto a maioria dos efeitos colaterais não apresenta gravidade, algumas vacinas têm sido associadas a raros, porém graves eventos adversos12 que, por serem pouco freqüentes, são identificados somente após ampla utilização pela população.4

O rigoroso monitoramento da segurança das vacinas é o principal instrumento de manutenção da confiança e adesão aos programas de imunização, evitando o ressurgimento de doenças já controladas. Isso ocorreu no passado, em vários países, em relação à coqueluche14 e mais recentemente com a difteria,13 justificando a necessidade da vigilância de eventos adversos pós-vacina (EAPV). A vigilância tem o objetivo de identificar prontamente lotes reatogênicos, eventos adversos não conhecidos, assim como oferecer subsídios para identificação de preditores e grupos de risco.23

A vacina combinada contra a difteria, coqueluche e tétano (DPT) é a mais freqüentemente associada a eventos adversos dentre as de uso rotineiro.17 Assim, o presente trabalho teve por objetivo avaliar os EAPV-DPT e fatores associados à sua gravidade.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal com componentes descritivo e analítico, realizado no Estado de São Paulo, onde desde meados da década de 1980, as coberturas com três doses de vacina DPT têm atingido proporções superiores a 85% da população de menores de um ano. Essa ação tem permitido o controle da coqueluche, tétano e difteria.* * Centro de Vigilância Epidemiológica "Prof Alexandre Vranjac". Casos, incidência, óbitos e letalidade de tétano, coqueluche e difteria. 1979 – 2005 — Estado de S.Paulo. 2005 [acesso em 4/6/2005]. Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/zoo/tetac_7905.htm

A população de estudo é composta por crianças menores de sete anos de idade que receberam pelo menos uma dose da vacina DPT no Estado da São Paulo, entre 1984 e 2001. O esquema básico dessa vacinação é composto de aplicações aos dois, quatro, seis e 15 meses e aos cinco ou seis anos de idade.

Foram seguidas duas definições de caso, uma vigente de 1984 a 1996 e outra de 1997 a 2001, ambas abrangem crianças menores de sete anos de idade, vacinadas no Estado de São Paulo. A primeira delas é mais sensível, incluindo EAPV-DPT identificados nas primeiras 72 horas após a vacinação, independentemente da gravidade; os casos apresentando a síndrome clínica de encefalopatia foram considerados até sete dias após a vacinação. A segunda definição, vigente a partir de 1997, exclui os EAPV-DPT mais leves, mantendo os graves e os de intensidade média como manifestações de sonolência, irritabilidade, vômitos e anorexia.

Considerando que o episódio hipotônico-hiporresponsivo (EHH) pode ser confundido com vários eventos, entre eles a síncope e a convulsão,5 sempre que um caso de EAPV-DPT notificado assinalasse EHH e convulsão num mesmo paciente, apenas a convulsão era registrada como evento adverso.

Foram excluídos do estudo os casos cujas fichas de notificação à vigilância de EAPV não continham informações relativas à vacina recebida, tipo de evento adverso apresentado, identificação da fonte e da unidade de notificação, bem como data de aplicação da vacina sob suspeita. Também foram excluídos casos que não apresentassem consistência temporal entre a aplicação da vacina e o início das primeiras manifestações, conforme as normas do Ministério da Saúde.

Os dados analisados referem-se aos da vigilância de EAPV da vacina DPT do Estado de São Paulo. Todos os dados relativos às notificações dos eventos de interesse, os resultados de investigações de casos, a identificação dos lotes e o total de doses de vacina DPT aplicados foram obtidos com a vigilância de EAPV, coordenada pela Divisão de Imunização do Centro de Vigilância Epidemiológica "Professor Alexandre Vranjac", da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A vigilância de EAPV foi iniciada no Estado da Saúde de São Paulo, em 1984, adquirindo, em 1992, abrangência nacional, sob a coordenação do Ministério da Saúde. É um sistema passivo de vigilância que recebe notificações da rede básica e hospitalar de serviços de saúde, tanto pública como privada, com predomínio da primeira. Os principais objetivos da vigilância de EAPV abrangem conhecer, quantificar, investigar e analisar os EAPV; elaborar recomendações quanto às indicações e contra-indicações às vacinas; identificar os lotes reatogêncios e manter a segurança do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Foram analisadas as seguintes variáveis: sexo, idade, data da aplicação da vacina, ano de ocorrência do evento adverso, intervalo entre a aplicação da vacina e a ocorrência do evento adverso, tipos de eventos adversos notificados, gravidade do evento, conduta, evolução, antecedentes neurológicos pessoais e familiares e lote da vacina.

Os dados do período de 1984 a 1998 estavam subdivididos em cinco bancos de dados diferentes, em EpiInfo, de 1984 a 1991, de 1993 a 1995, e os referentes a 1996, 1997 e 1998; os de 1992 foram excluídos por estarem incompletos. De 1999 a 2001, os dados foram armazenados num software exclusivo do Ministério da Saúde, cuja denominação é Sistema de Informações dos Eventos Adversos Pós-Vacinação (SI-EAPV).

Procedeu-se à conversão de todos os bancos originais para SPSS versão 8. Como as variáveis existentes nos bancos originais não obedeciam aos mesmos critérios quanto ao nome, tipo e categorização das variáveis, foram padronizadas todas as variáveis que entraram na análise final para, em seguida, promover-se a integração de todos os dados em um único banco. Antes dessa última etapa, realizou-se análise da consistência de todas as variáveis, com a eliminação das duplicidades de casos e eliminação dos pacientes que não preenchiam os critérios das definições de caso.

Inicialmente foram apresentados alguns dados relativos a dois indicadores de desempenho da vigilância: aceitabilidade e oportunidade. Após análise descritiva, foram calculadas as taxas de EAPV-DPT notificados, tomando-se como numerador o total de casos de EAPV-DPT e como denominador o número de doses aplicadas.

Seguindo critério adotado pelo Centers for Disease Control and Prevention8 e pela OMS** ** World Health Organization. Uppsala Monitoring Centre. Definitions: Serious Adverse Event or Reaction. Uppsala Sweden; 2004 [acesso em 30/3/2005]. Disponível em: http://www.who-umc.org/index2.html os eventos classificados como graves foram os que resultaram em hospitalização por mais de 12 horas, independente do tipo de evento apresentado e mais os seguintes eventos: EHH, convulsão, encefalopatia, assim como púrpura e/ou reação de hipersensibilidade com início em até duas horas após a aplicação da vacina; os demais eventos foram considerados não-graves.

Para a análise exploratória de fatores associados à gravidade de EAPV foram analisados os dados relativos ao período de vigência da primeira definição de caso (1984 a 1996), pois para o período seguinte algumas variáveis de interesse não estavam disponíveis. Além disso, com a mudança da definição de caso, a proporção de eventos graves passou a situar-se em torno de 85% dos eventos notificados, muito acima daquela verificada na literatura em população exposta à vacina.17,20

Para a análise bivariada e multivariada, tomou-se como variável dependente a que expressava a gravidade do evento. A existência de associação entre formas graves de EAPV-DPT e as exposições de interesse foi investigada pelas estimativas não ajustadas e ajustadas da odds ratio, com os respectivos intervalos de 95% de confiança, usando regressão logística não condicional. A significância estatística das variáveis nos modelos foi avaliada pelo teste de razão de verossimilhança.10

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

RESULTADOS

De 1984 a 2001 foram aplicados cerca de 54 milhões de doses de vacina DPT no Estado de São Paulo, com a notificação de 10.051 EAPV-DPT correspondentes a 6.266 crianças vacinadas, em média 1,6 eventos por caso. Desse total 55,6% eram do sexo masculino e a mediana e a média das idades foram de, respectivamente, cinco e 11,9 meses.

Os números anuais médios de eventos adversos notificados em todo o período foi de 369 e nos últimos cinco anos de 476. De 1997 a 2001, 367/645 (57%) municípios do Estado de São Paulo, notificaram ao menos uma vez no período, e 33 deles (9%) o fizeram ao menos uma ao ano. Somente 39 municípios do estado têm mais de 15.000 habitantes com idade inferior a cinco anos, diminuindo a probabilidade de identificação de eventos raros como os EAPV nos municípios menores.

A proporção de informações presentes na ficha de notificação foi superior a 90% em relação à idade, sexo, datas da aplicação e do início dos sintomas, principais sintomas e número do lote da vacina. Essa proporção foi inferior com relação à evolução, conduta e hospitalização, que se situaram, respectivamente, em 48%, 27% e 65%. O intervalo entre a data de aplicação da vacina e a da notificação foi de um dia em 24% dos casos e em 74% foi de até dez dias.

Analisando as informações disponíveis para o período, 29,5% (1.661/5.632) foram internados; entre eles, 42,2% (467/1.106) permaneceram hospitalizados por mais de 12 horas, em 68,2% (1154/1.691) houve contra-indicação da doses subseqüentes de vacina DPT, possivelmente substituídas pela DPaT (DPT com o componente pertussis acelular) e em 97,4% (3166/3.250) a evolução foi para a cura sem seqüelas. Não foram confirmados óbitos entre os casos.

Na vigência da primeira definição de caso, 32,0% das notificações (1.246/3.899) foram de casos graves, 21,6% (767/3.547) hospitalizados e 67,9% (1.136/1.673) não completaram as doses subseqüentes da vacina. Na vigência da segunda definição, 88,0% dos casos (2.094/2.379) foram graves e 42,9% (894/2.085) hospitalizados. Para o segundo período não havia registros da conduta e evolução.

Para 92,4% (5.789/6.266) dos EAPV houve a identificação dos lotes de vacinas correspondentes, totalizando 752 lotes. O número médio e a mediana de eventos notificados por lote foram de, respectivamente, 7,6 e de 2; para 1,9% (11/752) dos lotes houve registro de 50 notificações ou mais.

Cerca de 75,0% dos casos notificados tiveram início nas primeiras seis horas após a vacinação. A distribuição dos intervalos de tempo entre a vacina e cada um dos EAPV-DPT são apresentados na Tabela 1.

Na vigência da primeira definição de caso, as reações leves mais notificadas foram febre abaixo de 39,5ºC (52,6%) e reação local (39,5%); entre as reações graves destacaram-se o EHH (15,4%) e convulsão (12,8%) (Tabela 2). De modo geral, a maior proporção de EAPV ocorre no primeiro ano de vida.

As taxas de casos notificados de reação local, o EHH e convulsão foram de um episódio para, respectivamente, 35.714, 62.500 e 76.923 doses. Em investigação efetuada em 1996 de um lote mais reatogênico, as estimativas das taxas do EHH e de convulsão foram de um episódio para, respectivamente, 3.047 e 6.095 doses aplicadas.

Entre 1997 e 2001, quando as reações leves deixam de ser notificadas, os EAPV-DPT mais freqüentes foram o EHH (57,0%), a convulsão (28,5%) e febre acima de 39,5ºC (34,1%). Nesse período, houve também aumento do número absoluto de casos notificados desses dois EAPV, elevando as taxas de casos notificados de EHH e convulsão, que foram de um episódio para, respectivamente, 12.658 e 25.000 doses.

Entre os EAPV com manifestações sistêmicas, os mais notificados durante o período de interesse foram o EHH e a convulsão; suas principais características são apresentadas na Tabela 3. Quando comparados à convulsão, os EHH incidem em crianças mais novas, são reações mais precoces e ocorrem em maior proporção na primeira dose (p<0,001), e houve maior proporção de antecedentes neurológicos familiares entre os que apresentaram convulsão (p<0,001).

As análises bivariadas e multivariadas de preditores de formas graves de EAPV-DPT estão apresentadas nas Tabelas 4 e 5. O modelo final da análise, utilizando a regressão logística multivariada não condicional, mostrou como exposições associadas à gravidade do evento, independentemente das demais: o intervalo de tempo inferior a uma hora entre a aplicação da vacina e o evento (OR=2,1 e IC 95%: 1,6;2,9), primeira dose aplicada (OR=5,8 e IC 95%: 1,6;20,8), antecedentes neurológicos pessoais (OR=2,2 e IC 95%: 1,1;4,8) e antecedentes neurológicos familiares (OR=5,3 e IC 95%: 2,9;9,7).

DISCUSSÃO

As baixas incidências de difteria, coqueluche e tétano verificadas no Estado de São Paulo nos últimos 20 anos* * Centro de Vigilância Epidemiológica "Prof Alexandre Vranjac". Casos, incidência, óbitos e letalidade de tétano, coqueluche e difteria. 1979 – 2005 — Estado de S.Paulo. 2005 [acesso em 4/6/2005]. Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/zoo/tetac_7905.htm indicam o impacto favorável das elevadas coberturas alcançadas pela vacina DPT. Os resultados ora apresentados apontam de forma consistente a magnitude, as características e fatores associados à gravidade dos EAPV-DPT e a relevância da vigilância desses eventos.

A análise desses resultados deve levar em consideração as limitações da vigilância passiva de EAPV, entre eles, a baixa sensibilidade, que subestima das taxas desses eventos por não poder utilizar numeradores e denominadores adequados. Além disso, há as dificuldades de padronização da definição de caso e de obtenção de informações de re-exposição entre os que apresentam reações pós-vacinais.9,17,24

O fato de utilizar como denominador o número de doses aplicadas e não a de doses distribuídas, como em outros países, confere maior validade interna às nossas estimativas. Também fortalecem os resultados do presente estudo a sua consistência e plausibilidade biológica. Os indicadores obtidos de aceitabilidade e de oportunidade da vigilância se aproximam do desempenho de sistemas semelhantes em países industrializados.7,8,20

A primeira definição de caso é mais sensível, oferecendo dados mais representativos do espectro desses eventos. Com isso, os resultados desse período mostram que a proporção de casos graves foi superior aos verificados pelos sistemas passivos de vigilância de EAPV da Austrália e dos EUA,7,17 (10,0% e 15,0%, respectivamente). Isso sugere que tais taxas estejam superestimadas em virtude do viés de notificação preferencial dos casos de maior gravidade.16

As proporções de casos hospitalizados (29,5%), de seqüelas (2,6%) e de contra-indicação das doses subseqüentes da vacina DPT de célula inteira (68,2%) indicam o impacto potencial desses eventos na percepção de risco por parte da população e o seu custo para a assistência médica. Isso aponta a importância da vigilância na rápida identificação de lotes mais reatogênicos assim como grupos e fatores de risco a serem considerados na elaboração de estratégias, visando tornar a vacinação mais segura.

A alta proporção de reações nas primeiras seis horas após a vacinação (75%) mostra a importância de alertar a população a respeito, especialmente em se tratando de grupos de maior risco. Todavia, indica a possibilidade de subestimação da freqüência de EAPV com início tardio. 20

Durante a vigência da primeira definição de caso destacou-se entre os eventos leves a reação local, porém com taxa inferior aos 40% verificados por estudos realizados por Cody et al11 (1981) e Baraff et al1 (1984). Contudo, tais manifestações podem também estar associadas a outros fatores, como procedimentos incorretos na aplicação.22 A subestimação nesse caso deve também estar relacionado ao viés de notificação já apontado.16

O EHH predominou entre os EAPV-DPT com manifestações sistêmicas durante todo o período de interesse. A intensidade de seu quadro clínico, mesmo sabendo que a totalidade dos pacientes acometidos tenham se recuperado, permite inferir o impacto na adesão à vacinação com a DPT.6,15

O EHH é considerado um EAPV tipicamente associado à vacina DPT, ainda que tenha sido associada a outras vacinas.6,15 No Brasil, sua ocorrência contra-indica as doses subseqüentes da vacina DPT de célula inteira e sua substituição pela acelular. Ainda que sejam relatados casos de EHH após a aplicação de vacina DPT acelular (DPTa) e dupla infantil (DT), a freqüência desse evento nessas circunstâncias tem sido menor.11,19

A taxa de casos notificados de EHH verificada no presente estudo pode ser considerada baixa quando comparada com a literatura, que varia de 36 a 250/100.000 doses aplicadas.6 Da mesma maneira, a mesma taxa relativa à convulsão também foi menor do que o observado por outros autores.3,11 A subestimação verificada deve-se possivelmente à já comentada baixa sensibilidade da vigilância passiva. Todavia, a importância relativa desses dois eventos em relação aos demais é consistente com a literatura.5

Na análise de preditores de gravidade dos EAPV-DPT não foi possível analisar separadamente as convulsões acompanhadas ou não de febre, não permitindo investigar a associação da febre com a convulsão pós-vacina DPT.3,5

Na análise bivariada não se verificou associação entre gravidade do evento e o número de casos notificados por lote de vacina. Tal resultado concorda com os achados de Baraff et al,2 (1989) que não encontraram um único lote consistentemente associado a taxas mais elevadas para a maioria dos eventos adversos. Por ausência de informação, não foi levado em conta o número de doses aplicadas por lote, que pode ser muito variável. No entanto, considerando-se que o risco não foi analisado e o grande número de lotes de EAPV estudados e aceitando-se que ambos se distribuem ao acaso, é plausível ponderar que o número de doses aplicadas não esteja influenciando de forma expressiva a medida da associação.

Entre os fatores que se mostraram associados à gravidade independente dos demais, o aparecimento precoce das manifestações do evento já na primeira hora após a aplicação da vacina aponta a necessidade de orientações especiais para o período imediatamente após a vacinação, principalmente em grupos de maior risco.

A primeira dose foi outro fator que se mostrou independentemente associado à gravidade, resultado consistente com o verificado por Cody et al11 (1981). Finalmente, como fatores fortemente associados à gravidade dos EAPV estão os antecedentes neurológicos pessoais e familiares, conforme já descrito na literatura.18,21 A plausibilidade biológica desse resultado em relação ao EHH é difícil de ser discutido, pois a sua fisiopatogenia não está perfeitamente estabelecida.6,15

Como a análise de fatores associados à gravidade dos EAPV tomou como grupo de comparação crianças que apresentaram formas leves de EAPV e não aquelas que não apresentaram esses eventos, as associações possivelmente apresentam-se subestimadas.

Apesar das suas limitações, a vigilância passiva de EAPV mostrou-se útil, permitindo o melhor conhecimento desses eventos, apontando características e magnitude, assim como possíveis fatores associados à gravidade. Essas informações são relevantes para a contínua atualização de normas para garantir a segurança e confiabilidade do programa nacional de imunização.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Glacus de Souza Brito, da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, pela criação da vigilância de eventos adversos pós-vacina no Estado de São Paulo; aos responsáveis pela Central de Vigilância Epidemiológica do Centro de Vigilância Epidemiológica "Professor Alexandre Vranjac" e equipes regionais e municipais do Estado de São Paulo; à Direção do Centro de Vigilância Epidemiológica "Professor Alexandre Vranjac", por terem permitido o acesso aos dados e pelo apoio oferecido ao desenvolvimento da pesquisa.

Recebido: 2/5/2007

Aprovado: 13/6/2007

Artigo baseado na dissertação de mestrado de FRM de Freitas, apresentada à Faculdade Saúde Pública da USP, em 2005.

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  • Correspondência | Correspondence:
    Eliseu Alves Waldman
    Faculdade de Saúde Pública Universidade de São Paulo
    Av. Dr. Arnaldo, 715
    01246-904 São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • *
    Centro de Vigilância Epidemiológica "Prof Alexandre Vranjac". Casos, incidência, óbitos e letalidade de tétano, coqueluche e difteria. 1979 – 2005 — Estado de S.Paulo. 2005 [acesso em 4/6/2005]. Disponível em:
  • **
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      02 Maio 2007
    • Aceito
      13 Jun 2007
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