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Desenvolvimento de um questionário de freqüência alimentar para o estudo de dieta e doenças não transmissíveis

Development of a food frequency questionnaire to study diet and non-communicable diseases in adult population

Resumos

O objetivo do estudo foi desenvolver um questionário de freqüência alimentar com o intuito de investigar possíveis relações entre dieta e doenças não transmissíveis. Foram estudados 200 indivíduos adultos, atendidos no ambulatório geral de um hospital cardiológico de São Paulo, SP. A lista de 98 alimentos do questionário de freqüência alimentar foi construída a partir de recordatórios de 24 horas, estimando-se a contribuição percentual de cada alimento para o consumo de energia e de 21 nutrientes. O questionário desenvolvido representou 96,8% das calorias consumidas pela população estudada e ao menos 95% da ingestão dos nutrientes selecionados. Uma vez adaptado e validado, esse questionário poderá ser utilizado em estudos epidemiológicos em populações adultas.

Consumo de alimentos; Questionário de freqüência alimentar; Doenças crônicas não transmissíveis


The study purpose was to develop a food frequency questionnaire (FFQ) to investigate potential relationships between diet and non-communicable diseases. Two hundred adults were selected among attendees at the general outpatient clinic of Heart Institute of São Paulo, Brazil. A 98-food item list was created from 24-hour recalls, based on the weighted contribution of each food to energy intake and 21 nutrients. The questionnaire represented 96.8% of energy and at least 95% of the selected nutrients consumed by the study population. Once adapted and validated, this FFQ could be used in epidemiological studies in adult population.

Food consumption; Food frequency questionnaire; Non-communicable diseases


COMUNICAÇÕES BREVES

Desenvolvimento de um questionário de freqüência alimentar para o estudo de dieta e doenças não transmissíveis

Development of a food frequency questionnaire to study diet and non-communicable diseases in adult population

Renata Furlan-Viebig; Maria Pastor-Valero

Departamento de Nutrição. Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Renata Furlan-Viebig Rua Dr. Eudoro Lemos de Oliveira, 117 02022-030 São Paulo, SP, Brasil E-mail: refurlan@terra.com.br

RESUMO

O objetivo do estudo foi desenvolver um questionário de freqüência alimentar com o intuito de investigar possíveis relações entre dieta e doenças não transmissíveis. Foram estudados 200 indivíduos adultos, atendidos no ambulatório geral de um hospital cardiológico de São Paulo, SP. A lista de 98 alimentos do questionário de freqüência alimentar foi construída a partir de recordatórios de 24 horas, estimando-se a contribuição percentual de cada alimento para o consumo de energia e de 21 nutrientes. O questionário desenvolvido representou 96,8% das calorias consumidas pela população estudada e ao menos 95% da ingestão dos nutrientes selecionados. Uma vez adaptado e validado, esse questionário poderá ser utilizado em estudos epidemiológicos em populações adultas.

Descritores: Consumo de alimentos. Questionário de freqüência alimentar. Doenças crônicas não transmissíveis.

ABSTRACT

The study purpose was to develop a food frequency questionnaire (FFQ) to investigate potential relationships between diet and non-communicable diseases. Two hundred adults were selected among attendees at the general outpatient clinic of Heart Institute of São Paulo, Brazil. A 98-food item list was created from 24-hour recalls, based on the weighted contribution of each food to energy intake and 21 nutrients. The questionnaire represented 96.8% of energy and at least 95% of the selected nutrients consumed by the study population. Once adapted and validated, this FFQ could be used in epidemiological studies in adult population.

Keywords: Food consumption. Food frequency questionnaire. Non-communicable diseases.

INTRODUÇÃO

Estudos epidemiológicos têm sido realizados com o objetivo de investigar possíveis relações entre alimentos e nutrientes da dieta e doenças crônicas não transmissíveis. Para que essas associações possam ser bem investigadas é fundamental estudar a dieta pregressa ou "habitual", que caracteriza o consumo alimentar durante um longo período de tempo (anos ou décadas).5

O questionário de freqüência alimentar (QFA) é o método mais utilizado para mensurar a dieta pregressa, pois tem a capacidade de classificar os indivíduos segundo seus padrões alimentares habituais, além de ser um instrumento de fácil aplicabilidade e baixo custo, o que viabiliza sua utilização em estudos populacionais.5

O objetivo do presente estudo foi construir um questionário de freqüência alimentar que possa ser utilizado em estudos epidemiológicos sobre dieta e doenças não transmissíveis na população adulta em geral.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo transversal, do qual participaram indivíduos a partir de 20 anos de idade, homens e mulheres, residentes na região metropolitana de São Paulo (RMSP), que compareciam voluntariamente ao ambulatório geral de um hospital cardiológico localizado em São Paulo, SP, para realizar check-ups.

Os indivíduos que, após avaliados, não tinham diagnóstico de doenças cardiovasculares, eram incluídos no projeto "Avaliação Cardiológica", desenvolvido pelo hospital estudado desde 1997, com o objetivo de investigar a saúde cardiovascular dos participantes.

A amostra foi composta por 200 indivíduos selecionados a partir dos participantes desse projeto e que, portanto, não tinham diagnóstico comprovado de doenças crônicas moderadas ou graves e/ou de enfermidades que exigissem dietas especiais.

Estudos mostraram que amostras compostas por cerca de 200 indivíduos são suficientes para desenvolver instrumentos (QFA) que produzam resultados aceitáveis de validade e reprodutibilidade, quando testados.2,3,5

A coleta de dados foi realizada em 2002, no ambulatório geral do hospital, mediante entrevistas, nas quais foi aplicado um questionário padronizado socioeconômico e de estilo de vida e um recordatório de 24 horas por participante.

Para desenvolver a lista de alimentos do QFA, foram utilizadas informações coletadas pelos recordatórios, nos quais os indivíduos relataram detalhadamente os alimentos e bebidas consumidos nas 24 horas anteriores à entrevista. Perguntaram-se as quantidades ingeridas e tamanhos de porções, em medidas caseiras. Os recordatórios coletaram 314 alimentos, que foram codificados e convertidos em nutrientes,utilizando-se um programa computadorizado.* * Philippi ST, Szarfarc SC, Laterzza AR. Virtual Nutri (software) versão 1.0, for Windows. São Paulo: Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP; 1996.

Os 314 alimentos obtidos foram agrupados em 123 itens alimentares, levando-se em consideração sua similaridade nutricional, matérias-primas empregadas na fabricação e importância para classificar corretamente um indivíduo de acordo com a ingestão dos nutrientes de interesse (ex. maçã e pêra; laranja e mexerica).

Uma primeira lista de alimentos foi elaborada, a partir da contribuição percentual de cada um dos 123 alimentos para a ingestão de energia e de 21 nutrientes: carboidratos; proteínas; lipídeos totais; colesterol; fibras dietéticas; vitaminas A, B1, B2, B6, B12, C, E, folacina e niacina; cálcio; ferro; magnésio; selênio; zinco; sódio; potássio. Esses nutrientes, em sua maioria, foram sugeridos na literatura como relevantes por sua possível relação com o risco de doenças não transmissíveis.

Para identificar os alimentos importantes para nossa população foram utilizados os métodos propostos por Block et al1 (1985), mediante a seguinte equação:

Uma vez elaboradas as listas de contribuição percentual dos alimentos, foram identificados aqueles com maior relevância na dieta da população. Foram escolhidos os que contribuíram com até 95% da ingestão total de calorias e dos nutrientes selecionados. A partir desses alimentos, desenvolveu-se uma lista ordenada do alimento de maior contribuição ao de menor, tipo ranking, que formaria a lista final do QFA.

A lista obtida foi comparada às informações da Pesquisa Nacional de Orçamento Familiar – POF 1995/96 – para a RMSP, com o objetivo de detectar alimentos que não tivessem sido relatados nos recordatórios, mas que poderiam ser componentes importantes do padrão dietético da população estudada.

O questionário desenvolvido é considerado semi-quantitativo, pois oferece somente porções de consumo padronizadas, baseadas nas porções médias informadas pelos participantes nos recordatórios (ex. cinco unidades de biscoito salgado; dois pedaços de pizza; uma unidade de pão francês).

O QFA elaborado dispõe de nove possíveis categorias de respostas sobre a freqüência de consumo de cada alimento presente na lista do QFA, baseadas no QFA do Estudo de Enfermeiras de Harvard, que vão desde "nunca" até "acima de seis vezes/dia".5

RESULTADOS

A população estudada foi composta por 61,5% de mulheres e 38,5% de homens, com idade média de 41 anos (mediana =41,7), residentes na RMSP.

A lista final com 98 alimentos representa 96,8% de calorias totais, 99,5% de proteínas, 98,3% de carboidratos, 99,5% dos lipídeos totais, 99,9% da Vitamina A, 99,9% da Vitamina C, 99,7% da Vitamina E, 99,9% do sódio, 99,7% do cálcio, 99,2% do ferro e no mínimo 95% dos outros nutrientes selecionados, da ingestão da população estudada (Tabela).

A comparação dessa lista com a POF 1995/96 apontou que os alimentos mais adquiridos pelas famílias da RMSP já estavam inclusos no QFA. Além disso, os recordatórios identificaram 16 alimentos não mencionados na POF, dos quais seis eram preparações (estrogonofe, panqueca, polenta, pão de queijo, batatas fritas e torta) e, portanto, não poderiam ser identificados pela pesquisa, que leva em consideração a aquisição familiar de alimentos e não o consumo individual dos mesmos.

Os demais itens não observados na POF poderiam estar incluídos em categorias nas quais foram agrupados alimentos não adquiridos com tanta freqüência. Por exemplo: brócolis poderia estar presente na categoria "outros legumes e verduras"; suco de caju e acerola em "outros sucos"; pêssego, ameixa, morangos em "outras frutas". O consumo desses alimentos manifestou-se suficientemente importante para que fossem incluídos individualmente no QFA.

DISCUSSÃO

Poucos estudos foram realizados no País com o objetivo de desenvolver um QFA que coletasse e avaliasse o consumo alimentar da população adulta em geral.

Um QFA com 73 itens alimentares foi desenvolvido por Sichieri & Everhart4 (1998), baseado em informações fornecidas pelo Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF 1974/75). O estudo de validação foi realizado com uma população do Rio de Janeiro e os coeficientes de correlação de Pearson observados entre o QFA e a média de quatro recordatórios de 24 horas variaram de 0,18 para vitamina A a 0,55 para cálcio. Observou-se uma tendência do QFA em superestimar a ingestão de alguns micronutrientes antioxidantes, tais como a ingestão de vitamina C, que coletada pelo QFA foi de 329 mg, cerca de 200% maior do que a coletada pelos recordatórios (110 mg).4

Estudos epidemiológicos sugerem que os micronutrientes antioxidantes exercem um papel importante na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. Portanto, é fundamental dispor de uma ferramenta que colete a "verdadeira" ingestão desses micronutrientes, principalmente quando as relações entre esses e as enfermidades crônicas são objetivos de pesquisa.

Outro QFA foi desenvolvido e validado com o objetivo de ser utilizado na avaliação do consumo alimentar "habitual" da população nipo-brasileira do município de São Paulo. Foi elaborada uma versão reduzida desse QFA, com 67 itens alimentares, excluindo-se os alimentos de origem japonesa, com o intuito de ser utilizada como subsídio para programas de prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. Esse instrumento foi aplicado em uma população de funcionários da Secretaria de Estado da Saúde, com predomínio do sexo feminino (78%). Os autores ressaltaram a importância desse QFA ser validado em grupos populacionais com características diferentes dos participantes do estudo.2

Recentemente, Salvo & Gimeno3 (2002) desenvolveram um QFA para avaliar o consumo alimentar "habitual" de indivíduos com excesso de peso, baseado em dados de prontuários de indivíduos com sobrepeso e obesidade atendidos em uma universidade do município de São Paulo.

É possível que a lista de 98 alimentos do presente QFA represente a dieta "habitual" da população da RMSP. Comprovadas sua validade e reprodutibilidade, o instrumento poderá ser utilizado em futuros estudos epidemiológicos que busquem investigar associações entre dieta e doenças não transmissíveis, em populações adultas.

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. Alfredo José Mansur, pela oportunidade e colaboração, e à Sandra Miranda Souza, pelo auxílio na execução da coleta de dados, ambos do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Recebido em 12/3/2003

Reapresentado em 16/9/2003

Aprovado em 3/9/2003

Baseado em dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 2002.

Trabalho realizado no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

  • 1. Block G, Dresser CM, Hartman NA, Carrol MD. Nutrient sources in the American diet: quantitative data from the NHANES II survey. Am J Epidemiol 1885;122:13-26.
  • 2. Ribeiro AB, Cardoso MA. Construção de um questionário de freqüência alimentar como subsídio para programas de prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. Rev Nutrição 2002;15:239-45.
  • 3. Salvo VLMA, Gimeno SGA. Reprodutibilidade e validade do QFCA. Rev Saúde Pública 2002;36:505-12.
  • 4. Sichieri R, Everhart JE. Validity of a Brazilian food frequency questionnaire against dietary recalls and estimated energy intake. Nutr Res 1998;18:1649-59.
  • 5. Willett WC. Nutritional Epidemiology. 2nd ed. New York: Oxford University Press; 1998.
  • Endereço para correspondência
    Renata Furlan-Viebig
    Rua Dr. Eudoro Lemos de Oliveira, 117
    02022-030 São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • *
    Philippi ST, Szarfarc SC, Laterzza AR. Virtual Nutri (software) versão 1.0, for Windows. São Paulo: Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP; 1996.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      03 Set 2003
    • Revisado
      16 Set 2003
    • Recebido
      12 Mar 2003
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