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Entrevistas domiciliárias e o ensino e pesquisa em epidemiologia

Household surveys as related to epidemiological teaching and research

Resumos

São discutidas algumas características das entrevistas domiciliárias em sua utilização nas investigações sobre o processo saúde-doença e no ensino da Epidemiologia. É feito um relato sucinto de algumas experiências de pesquisa e ensino desenvolvidas no Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo-USP e no Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, relacionadas a entrevistas domiciliárias. São feitas considerações sobre o elevado interesse do uso de entrevistas domiciliárias para o conhecimento da realidade de saúde dos grupos sociais que constituem a população brasileira, bem como para o desenvolvimento da própria Epidemiologia. É mostrado o enorme potencial relacionado ao ensino da Epidemiologia, a nível de graduação e pós-graduação, que pode ser desenvolvido com investigações epidemiológicas a nível da população.

Epidemiologia; Entrevistas domiciliárias; Morbidade


Some aspects of the use of household surveys in research into the health-sickness process and in the teaching of Epidemiology are discussed. A brief report is made of some experiments in teaching and research, related to household surveys, carried out by the Department of Social Medicine of the School of Medicine of Ribeirão Preto, University of S. Paulo and by the Department of Preventive and Social Medicine of the School of Medical Sciences, University of Campinas. The great potencial of this type of investigation for the knowledge of the health conditions of social classes and for the development of Epidemiology is pointed out by the authors. The importance of these surveys for the teaching of Epidemiology for graduate and post-graduate students is emphasized.

Epidemiology; Household interview methods; Morbidity


ATUALIZAÇÃO

Entrevistas domiciliárias e o ensino e pesquisa em epidemiologia

Household surveys as related to epidemiological teaching and research

Marilisa Berti de Azevedo BarrosI; José da Rocha CarvalheiroII

IDo Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Rua Dr. Quirino, 1856 -13.100 - Campinas, SP - Brasil

IIDo Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP - "Campus" de Ribeirão Preto -14.100 - Ribeirão Preto, SP - Brasil

RESUMO

São discutidas algumas características das entrevistas domiciliárias em sua utilização nas investigações sobre o processo saúde-doença e no ensino da Epidemiologia. É feito um relato sucinto de algumas experiências de pesquisa e ensino desenvolvidas no Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo-USP e no Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, relacionadas a entrevistas domiciliárias. São feitas considerações sobre o elevado interesse do uso de entrevistas domiciliárias para o conhecimento da realidade de saúde dos grupos sociais que constituem a população brasileira, bem como para o desenvolvimento da própria Epidemiologia. É mostrado o enorme potencial relacionado ao ensino da Epidemiologia, a nível de graduação e pós-graduação, que pode ser desenvolvido com investigações epidemiológicas a nível da população.

Unitermos: Epidemiologia, ensino e pesquisa. Entrevistas domiciliárias. Morbidade.

ABSTRACT

Some aspects of the use of household surveys in research into the health-sickness process and in the teaching of Epidemiology are discussed. A brief report is made of some experiments in teaching and research, related to household surveys, carried out by the Department of Social Medicine of the School of Medicine of Ribeirão Preto, University of S. Paulo and by the Department of Preventive and Social Medicine of the School of Medical Sciences, University of Campinas. The great potencial of this type of investigation for the knowledge of the health conditions of social classes and for the development of Epidemiology is pointed out by the authors. The importance of these surveys for the teaching of Epidemiology for graduate and post-graduate students is emphasized.

Uniterms: Epidemiology, research and teaching. Household interview methods. Morbidity.

INTRODUÇÃO

Os pesquisadores dos problemas de saúde na coletividade têm, desde longa data, utilizado informações obtidas de pacientes ou de amostras da população para conseguir realizar suas investigações e responder as suas inquietações. Não investigou Snow, naquele agosto de 1854, em detalhe, as mortes ocorridas no início do surto de cólera do Golden Square, deixando um exemplo de investigação epidemiológica?

Embora as informações básicas dos estudos epidemiológicos sejam as derivadas dos registros de serviços médicos e registros de óbitos, as entrevistas realizadas com "leigos" sempre representaram um material rico para investigações na área da saúde.

O uso de entrevistas domiciliárias com o objetivo específico de avaliar a morbidade de uma população constitui, por sua vez, um campo de grande potencial para as investigações e para o ensino da epidemiologia. É com o intuito de estimular a discussão e o desenvolvimento desses projetos que se apresentam algumas reflexões, derivadas de experiências vividas pelos autores, sobre investigação de condições de saúde por meio de entrevistas domiciliárias.

A MORBIDADE DA POPULAÇÃO

A utilização de entrevistas domiciliárias para investigar a morbidade da população e para o ensino de Epidemiologia, ainda que não suficientemente explorada em sua potencialidade e sistematicamente analisada, tem acumulado contribuições valiosas e aberto perspectivas que a situam como uma técnica das mais promissoras para o desenvolvimento da disciplina.

Uma questão metodológica fundamental deste tipo de investigação é que desloca das instituições médicas para a comunidade, a posição de fonte central das informações sobre saúde. Este deslocamento tem várias implicações.

Umas delas, sempre destacada, é que a entrevista domiciliar possibilita avaliar a "morbidade geral" da população, que não poderia ser obtida da análise dos dados de óbitos ou dos registros de serviços médicos; dos óbitos, porque dependem, além da freqüência das doenças, das suas taxas de letalidade, principalmente; dos registros médicos, porque sofrem as restrições, por azar existentes, na cobertura, distribuição e qualidade dos serviços de saúde. No entanto, cabe frisar que estas fontes são preciosas para investigações clínicas e mesmo epidemiológicas, merecendo um esforço contínuo, conjunto, para melhoria de sua qualidade. E neste país, onde sequer as declarações de óbitos atingem cobertura e qualidade suficientes, as propostas mais abrangentes e avançadas não devem servir de motivo para o descuido das fontes tradicionais de informações de saúde.

A entrevista domiciliar como forma de obtenção de dados de morbidade e de consumo de serviços de saúde, permite o acesso àquele conhecimento que fica submerso, a "morbidade percebida" ou "morbidade sentida", bem como ao conhecimento das práticas não formais de restauração da saúde. Obviamente, se nem todas as pessoas puderem ser entrevistadas, não se conseguirá atingir o conjunto da "morbidade sentida", mas apenas aquele, cujo conhecimento é compartilhado pelo membro entrevistado da família.

De qualquer forma, a entrevista domiciliar permite esta ampliação do conhecimento do universo da morbidade no interior da população, dando a impressão de que o epidemiologista passa a ter em mãos a "verdadeira morbidade", pronta para ser mensurada.

E não é assim. À medida em que o método ultrapassa a barreira da fonte médica de dados de saúde e os obtém ao nível da população, transforma-se o objetivo da investigação. Não são mais diagnósticos médicos a serem quantificados e analisados; na verdade, uma questão fundamental se impõe à reflexão: o significado da "morbidade referida" pela população. Mais que a percepção de sinais mórbidos, as experiências de sintomas podem ser miradas, comparadas e quantificadas como se fossem "diagnósticos clínicos"?

Embora a percepção da doença, sua diferenciação entre grupos sociais, imprima seu efeito na demanda de serviços de saúde, esta é uma questão que não se agudiza enquanto a fonte de dados é constituída por registros médicos.

Deste modo, a morbidade percebida ou sentida apresenta-se como objeto importante para reflexão e investigação, especialmente no quadro das propostas de análise da determinação social do processo saúde-doença. A morbidade referida constitui dimensão operacionalizável do processo saúde-doença a ser, também, conceitualmente elaborada.

A DETERMINAÇÃO SOCIAL

Aspecto importante dos projetos de investigações de saúde por meio de entrevistas domiciliárias é que da análise de "casos clínicos", que favorece a ênfase nos aspectos biológicos, passa-se, de fato, para a análise de uma coletividade ou amostra desta, cujas características são fundamentalmente sociais. Enquanto a descrição dos casos pode restringir-se a distribuições por idade, sexo, antecedentes mórbidos e outros dados, o mesmo não pode ser feito para a coletividade investigada. As informações da população sobre a presença de sintomas ou doenças e suas práticas de saúde não podem ser meramente quantificadas e abstraídas da realidade em que produz e se reproduz a sociedade e da forma em que se divide o sujeito social.

Nestas investigações a inserção social das famílias e grupos revela-se com muita força, não podendo ser, facilmente, marginalizada. Nas pesquisas internacionais sobre "usos de serviços de saúde", como a desenvolvida por Kohn e White15 (1976) por exemplo, as limitações decorrentes das comparações de dados médios de localidades, com estruturas sociais tão distintas, ficavam evidenciadas.

Desta forma, a passagem do estudo de "casos clínicos" para o da morbi-mortalidade na população, tende a provocar questionamentos sobre as análises do processo saúde-doença feitas até então e colocam em cena reflexões sobre a unidade de estudo: a "população". A presença das classes sociais passa então a emergir nos estudos epidemiológicos.

A utilização de entrevistas domiciliárias nas investigações de saúde coloca, também, em evidência a questão da validade e interesse das informações do "leigo" em contraposição às informações do médico, bem como do objeto e unidade da investigação. A possibilidade de transcender o evento e o indivíduo amplia a perspectiva de análise dos determinantes sociais da produção e distribuição da morbi-mortalidade.

ENTREVISTADOR E ENTREVISTADO

Outro potencial a se considerar nos inquéritos de morbidade a nível domiciliar é que embora, em muitas investigações sejam utilizados questionários fechados, num esquema analítico totalmente pré-definido pelo pesquisador, a técnica de entrevistas domiciliárias guarda o germe da abertura, no espaço da entrevista, para a visão e perspectiva do entrevistado, para o conjunto de suas representações. Podem, então, ser trazidas para o universo da pesquisa, questões não colocadas previamente pela equipe de pesquisadores e até mesmo por ela insuspeitadas. Só como exemplo, poder-se-ia lembrar o questionamento, aceitação, rejeição e considerações que os entrevistados emitem sobre o significado e valor da pesquisa em pauta, sobre o próprio entrevistador e inclusive sobre a figura do pesquisador.

Outra característica desse tipo de investigação é o seu dinamismo, seu caráter transformador. Pesquisadores e entrevistadores são postos em intercâmbio com as pessoas e fatos investigados, num espaço econômico e político que não pode ser ignorado. E, ainda que "em menor intensidade, também os entrevistados são solicitados a refletir, avaliar, a "ter voz". Pesquisa e pesquisadores se transformam no decorrer dela. Essa vitalidade, essa permeabilidade, essa transformação inerente à técnica, provocada por uma relação mais próxima entre objeto investigado e pesquisadores, confere a essa forma de investigação uma feição didática e põe à tona sua dimensão política.

Esse potencial das investigações de saúde por meio de entrevistas domiciliárias, num momento em que crescem as inquietudes para desvendar e aprofundar o conhecimento sobre as relações do social com o processo saúde-doença e práticas de saúde, precisa ser explorado mais insistentemente e utilizado, também, nas práticas de ensino da Epidemiologia.

INQUÉRITO DE MORBIDADE E ENSINO DE EPIDEMIOLOGIA: A EXPERIÊNCIA DE RIBEIRÃO PRETO.

O relato, ainda que breve, de algumas experiências vividas em Ribeirão Preto e outras ainda incipientes, em Campinas, são úteis para situar alguns pontos sobre a operacionalização desses projetos bem como sobre os desdobramentos que podem ter a nível do ensino da Epidemiologia.

Em Ribeirão Preto, o projeto desenvolvido a partir de 1974, foi precedido por duas investigações de menor porte realizadas, uma na Vila Guatapará - sede de um distrito do município de Ribeirão Preto - em 1972, e outra na Vila Lobato, bairro da cidade de Ribeirão Preto, em 1973.

A metodologia empregada nesses dois projetos e os resultados gerais obtidos, já se encontram publicados9,10, 11,12.

Vale destacar que enquanto desenvolvimento de um projeto de investigação epidemiológica (levantamento de condições de saúde e pesquisa epidemiológica específica), essas experiências foram fundamentais para apurar os instrumentos, métodos e técnicas específicas de coleta e análise dos dados. Foram importantes na germinação e maturação do Projeto de Investigação de Morbidade e Uso de Serviços de Saúde por meio de Entrevistas Domiciliárias de Ribeirão Preto, caminhando no sentido de uma complexidade crescente na amostragem, na estruturação do questionário e no treinamento e padronização dos entrevistadores.

Enquanto na Vila Guatapará todas as 330 casas foram investigadas e, na Vila Lobato, 50% das 924 casas, resultado de uma amostragem casual simples, a obtenção de uma amostra semanal de 1% dos domicílios de Ribeirão Preto exigiu técnicas complexas de amostragem8.

Quanto ao treinamento dos entrevistadores e as características destes, no projeto de Guatapará, ainda não havia um manual de preenchimento do questionário, enquanto que o manual do projeto de Ribeirão Preto atingiu grande detalhamento. De algumas poucas reuniões para o treinamento (no projeto Guatapará) chegou-se, no de Ribeirão Preto, a uma prolongada e cuidadosa preparação dos entrevistadores5.

Com 100 estudantes de 3° ano de Medicina atuando como entrevistadores na primeira experiência, e poucos alunos de enfermagem e alunos de pós-graduação na segunda (10 entrevistadores), no projeto de Ribeirão Preto já se dispõe de uma equipe de 13 entrevistadoras contratadas e treinadas especificamente para esta atividade.

O próprio questionário sofre mudança radical nessa 3ª fase em relação às anteriores, que vem propiciar ao sistema sua grande versatilidade. Versatilidade que pode ser avaliada pela variedade de temas incluídos em uma "Apresentação Coordenada", realizada na 30.ª Reunião Anual da SBPC, em 19781,6,7,17,22.

Por outro lado, em relação ao ensino da epidemiologia, os diferentes projetos tiveram características diversas. O de Guatapará serviu de prática de levantamento de dados a alunos de 3° ano de medicina, no interior de um curso de Parasitologia. A realização da entrevista domiciliar, da verificação do nível de vida, das condições da habitação e dos quintais, da criação de animais e procedência dos alimentos, permitia entender e discutir os resultados dos exames coprológicos numa análise mais abrangente e integrada na realidade sócio-econômica daquela população.

No projeto de Vila Lobato, a experiência de entrevistador é vivenciada por alunos de enfermagem em estágio de saúde pública e por alunos de pós-graduação, servindo agora, de preparo e treinamento para pessoal que vai se voltar a práticas de saúde na coletividade e a práticas de investigações.

No 3° momento, quando a execução das entrevistas e a manutenção do sistema de coletas de dados independe de uma integração com o ensino da epidemiologia, verifica-se que ela se mantém principalmente a nível do curso de pós-graduação.

A disciplina de "Amostragem" da área de bioestatística passa, a partir de 1978, a ser oferecida também aos pós-graduandos da área de medicina preventiva e é criada a disciplina "Métodos de Inquérito em Investigação Epidemiológica". Essas disciplinas permitiram a integração, em projetos ligados ao Sistema de Amostragem e Coleta de Dados, de pós-graduandos com formações diversas e com evidentes vantagens para o conjunto dos alunos8.

Com base no Sistema de Investigação de Morbidade e de sua infra-estrutura, pós-graduandos de medicina preventiva elaboraram projetos de teses de mestrado e doutoramento3, 4, 13, 16, 18, 23.

A nível de graduação, o projeto representou uma fonte de dados atualizados para trabalhos, exercícios e análises. Constituiu, também, material de análise para projetos de iniciação científica de alunos interessados na área de medicina preventiva e social1,2,14,19, 21.

ALGUMAS EXPERIÊNCIAS EM CAMPINAS

De menor porte e ainda incipientes, algumas experiências vividas em Campinas serão brevemente relatadas, indicando as alternativas que têm sido buscadas.

No segundo semestre de 1979, os alunos do Curso de Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP desenvolveram um levantamento sobre condições de saúde e prevalência de parasitoses em uma amostra da população de Monte Mór1 1 Dados inéditos 2 Nota: descreve levantamentos anteriores à experiência de Guatapará, 1972. . Trata-se de município pequeno (com 9.826 habitantes em 1979), próximo a Campinas (20 km), cujo prefeito havia solicitado uma avaliação ao Departamento de Medicina Preventiva e Social da UNICAMP. A Prefeitura contribuiu com veículo para transportar os alunos aos bairros mais distantes. Um ônibus pertencente ao Centro de Saúde Escola de Paulínia transportou alunos e supervisores a Monte Mór.

O questionário, o manual de preenchimento e algumas observações sobre técnicas de entrevistas foram discutidos com os alunos antes do trabalho de campo. O levantamento dos dados foi realizado em 4 períodos, um por semana. Embora os alunos não tenham tido tempo suficiente para analisar os dados, e se revelassem questionáveis os resultados obtidos dos exames coprológicos, o trabalho constituiu experiência didática bastante interessante, tendo o curso sido avaliado positivamente pelos alunos.

No segundo semestre de 1980, também no Curso de Epidemiologia para enfermagem, os alunos, em grupos, realizaram visitas a grupos de famílias, nas quais haviam ocorrido casos de doenças de notificação compulsória. Sem pretender um levantamento completo dos casos, a experiência foi didaticamente feliz. As visitas favoreceram e estimularam o estudo e discussão dos aspectos epidemiológicos das doenças selecionadas.

Em 1983, inicia-se no Departamento de. Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, o trabalho de campo do Projeto "Mortalidade e Classe Social: um estudo no município de Campinas", financiado pela FINEP. Com o objetivo de caracterizar o perfil da mortalidade nas frações de classes sociais, o projeto implica a organização de uma infra-estrutura que permita a coleta das declarações de óbitos, o sorteio de uma amostra semanal e a realização das entrevistas domiciliárias junto aos familiares dos óbitos selecionados20.

Aproveitando a estrutura montada para este Projeto, um grupo de 14 alunos do 2° ano de medicina da UNICAMP, realiza, no segundo semestre de 1983, um estudo sobre os óbitos infantis ocorridos em Campinas, em agosto daquele ano1 1 Dados inéditos 2 Nota: descreve levantamentos anteriores à experiência de Guatapará, 1972. . O estudo constitui um dos projetos desenvolvidos como "parte prática" da Disciplina "Ciências Sociais aplicadas à Medicina". O questionário bem como todas as etapas da pesquisa foram discutidos e decididos com o grupo de alunos. As famílias onde ocorreram os óbitos deveriam ser entrevistadas e, ao lado de uma análise quantitativa dos dados, os alunos fizeram uma análise "qualitativa", discutindo a situação de vida daquelas famílias, suas histórias de migração e ocupação, relatando com mais detalhe os casos que os "marcaram" e analisando, inclusive, o valor deste tipo de pesquisa, na vivência do estudante de medicina.

Constituíram, sem dúvida, experiências estimulantes que motivam a continuidade da busca de formas de ensinar epidemiologia associando a discussão dos conceitos e técnicas às práticas de investigação.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DE ENTREVISTAS DOMICILIARIAS NO ENSINO DE EPIDEMIOLOGIA

Desse conjunto de experiências vividas, não suficientemente analisadas e sistematizadas, busca-se avançar algumas observações.

O ensino da epidemiologia torna-se mais motivador e mais abrangente à medida em que os alunos têm a possibilidade de vivenciar alguma forma de pesquisa. Por outro lado, e especialmente tratando-se de alunos de graduação, essa prática é muito mais gratificante quando possibilita o "contato com a realidade" (na expressão dos alunos), do que quando utiliza dados secundários.

Mas, a inserção dos alunos em pesquisa é questão complexa e controversa. Questiona-se o significado dessa experiência: tem valor apenas como técnica didática ou é possível realizar, com alunos, uma pesquisa com "validade científica"?

Também se indaga sobre a validade de inserir o aluno apenas na fase de coleta de dados, de pesquisa já planejada e definida em seus objetivos. Os alunos deveriam participar em todas as fases do projeto, quando possível. Mas, nessa situação seria exequível a realização completa da pesquisa? Seria possível conseguir o treinamento e padronização necessários?

Evidentemente o caráter de cada curso e suas limitações, sejam de carga horária, perríodos e horários, número de alunos, local, recursos disponíveis e outras, vão definir as possibilidades dessa inserção dos alunos em investigações e o caráter dessas investigações. De qualquer forma, uma experiência de investigação na comunidade é melhor que nenhuma e é sempre possível buscar a pesquisa possível nos limites de cada curso.

A localização das Universidades e Faculdades de Medicina em grandes centros urbanos coloca acessível aos estudos uma realidade sanitária que sofre o impacto da migração e urbanização intensas, das profundas desigualdades sociais e da trágica situação dos serviços de saúde. Desta forma parece mais adequada a investigação que, ao lado do "quantitativo", abra espaço para o "qualitativo".

As entrevistas domiciliárias como técnica de investigação-ensino permitem detectar e refletir sobre a relação da organização social com a questão da saúde. Possibilitam análises sobre a distribuição da morbi-mortalidade por bairros e grupos sociais. Permitem a reflexão sobre a percepção e concepções populares da doença e o conhecimento das considerações e críticas da população com respeito aos serviços de saúde.

Representam, nesta perspectiva, um instrumento do maior valor para a ampliação do conhecimento do processo saúde-doença na coletividade e para a formação de profissionais da área da saúde.

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Recebido para publicação em 28/06/1984

Aprovado para publicação em 17/08/1984

Apresentado no 1° Seminário Estadual de Epidemiologia e Estatísticas de Mortalidade. Teresina, Piauí, março de 1984

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  • 23. RAMOS, M. C. Levantamento da prevalência de doenças respitatórias obstrutivas crônicas na cidade de Ribeirão Preto - São Paulo. Ribeirão Preto, 1980. [Tese de Doutoramento-Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP].
  • 1
    Dados inéditos
    2
    Nota: descreve levantamentos anteriores à experiência de Guatapará, 1972.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Out 1984

    Histórico

    • Aceito
      17 Ago 1984
    • Recebido
      28 Jun 1984
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