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Esquistossomose mansônica autóctone no Distrito Federal, Brasil

Autochthonous cases of schistosomiasis mansoni in the Federal District, Brazil

Resumos

Sete casos autóctones de esquistossomose mansônica são descritos no Distrito Federal (Brasil). Todos os casos são de crianças cujas idades variavam de 3 a 13 anos e que habitavam área suburbana da cidade de Planaltina. Cinco destes casos pertencem a uma mesma família vivendo às margens de um criadouro de Biomphalaria glabrata onde foram encontrados dois caramujos infectados por Schistosoma mansoni em 229 examinados.

Esquistossomose mansônica; Biomphalaria glabrata


Seven autochthonous cases of schistosomiasis mansoni are described in this paper. All of them refer to children, 3 to 13 years old, living in Planaltina, Federal District, Brazil. Five out of the seven cases belong to the same family living for 14 years in Planaltina. For the last 4 years this family has lived in a wooden hut 40 meters distant from a breeding place of B. glabrata. Of the 229 snails examined, two were naturallv infected with S. mansoni.

Schistosomiasis; Biomphalaria glabrata


ARTIGOS ORIGINAIS

Esquistossomose mansônica autóctone no Distrito Federal, Brasil1 1 Trabalho realizado com auxílio do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq. 2 A. Barreto — comunicação pessoal, 1978. 3 Atualmente a SUCAM, do Ministério da Saúde, faz trabalho intenso de controle da doença na região.

Autochthonous cases of schistosomiasis mansoni in the Federal District, Brazil

Frederico Simões Barbosa; Carlos E. A. Coimbra Junior

Da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília — 70910 — Brasília — DF — Brasil

RESUMO

Sete casos autóctones de esquistossomose mansônica são descritos no Distrito Federal (Brasil). Todos os casos são de crianças cujas idades variavam de 3 a 13 anos e que habitavam área suburbana da cidade de Planaltina. Cinco destes casos pertencem a uma mesma família vivendo às margens de um criadouro de Biomphalaria glabrata onde foram encontrados dois caramujos infectados por Schistosoma mansoni em 229 examinados.

Unitermos: Esquistossomose mansônica, Brasília, DF, Brasil. Biomphalaria glabrata.

ABSTRACT

Seven autochthonous cases of schistosomiasis mansoni are described in this paper. All of them refer to children, 3 to 13 years old, living in Planaltina, Federal District, Brazil. Five out of the seven cases belong to the same family living for 14 years in Planaltina. For the last 4 years this family has lived in a wooden hut 40 meters distant from a breeding place of B. glabrata. Of the 229 snails examined, two were naturallv infected with S. mansoni.

Uniterms: Schistosomiasis, Brasilia, DF, Brazil. Biomphalaria glabrata.

INTRODUÇÃO

O Distrito Federal (DF) tem sido considerado como foco isolado de esquistossomose mansônica. Este fato encontra-se referido em várias publicações brasileiras e estrangeiras sobre epidemiologia da esquistossomose.

A primeira referência a esquistossomose na região do DF é de Crespo e col.2 (1965). Estes autores encontraram Biomphalaria glabrata na bacia do Rio Preto com infecção de 10,26%.

Em 1966 Magalhães3 (1966) encontrou B. glabrata na região do Rio Preto em dois focos com infecção por S. mansoni de 2,7% e 3,3% e dois casos humanos considerados como autóctones.

Em face dos resultados acima mencionados e diante do encontro de um caso seguramente autóctone de esquistossomose em criança nascida na região de Planaltina (Barbosa e Lavor1, 1977) decidiu-se investigar a área onde este caso foi registrado.

MÉTODOS

A região investigada compreende o bairro de Na Sra. de Fátima, cidade de Planaltina, e as áreas suburbanas adjacentes.

O bairro acima chega até as proximidades de importante criadouro de B. glabrata, uma baixada alagada, alimentada pelo Rio Mestre d'Armas e pelas chuvas de verão. O volume da água varia de acordo com as estações do ano. Existem ainda valas no local e um tanque para criação de peixes.

Foi feito um levantamento coprológico da população vivendo no bairro Na Sra. de Fátima. Foram examinadas 594 pessoas pela técnica de sedimentação simples, o que representa cerca de 90% de toda a população. Um único exame de fezes foi feito para cada pessoa. Os casos positivos foram investigados do ponto de vista epidemiológico.

Caramujos foram coletados na baixada, valas e riachos localizados nas proximidades do bairro Na Sra. de Fátima. Os caramujos coletados foram examinados à luz e, em seguida, esmagados para verificação da infecção por S. mansoni.

RESULTADOS

Os resultados dos exames de fezes para S. mansoni estão contidos na Tabela 1.

Os dezoito casos positivos foram investigados do ponto de vista epidemiológico, procurando-se verificar a possível ocorrência de casos autóctones, particularmente em crianças. Destes, 7 casos são considerados como seguramente autóctones, cujos dados estão resumidos na Tabela 2.

Todos os menores do quadro acima, nascidos em Planaltina, pertencem a uma mesma família cujo chefe, H.F.A., de 41 anos, originário da Bahia, infectou-se presumivelmente em seu Estado natal, chegando ao DF há 14 anos atrás. A mulher, I.M.S., de 34 anos teve dois exames de fezes negativos. Todos os filhos, em número de cinco, estavam infectados, sendo que

D.F.S., de 8 anos, foi o primeiro a ter exames de fezes positivos, em agosto de 1976. Nesta época todos seus irmãos tiveram exames de fezes negativos, sendo que M.S.S. teve seu primeiro exame positivo em agosto de 1977 e seus outros três irmãos positivaram apenas em outubro de 1978. Há 4 anos a família vive em um barraco construído a cerca de 40 m de um criadouro de Biomphalaria glabrata com o qual as crianças tinham contato freqüente.

Os outros dois casos autóctones são de pessoas que chegaram ao DF com um ano de idade, nasceram em áreas não endêmicas e nunca se afastaram para outras regiões do País. Ambos habitavam a primeira rua do bairro a cerca de 100 m do foco e tinham contato freqüente com as águas naturais.

O estudo epidemiológico revelou ainda que a população residente nas duas primeiras ruas acima do criadouro de B. glabrata é a que tem maior contato com o foco. Estas águas são freqüentemente utilizadas para lavagem de roupa, pesca e folguedo de crianças. As casas do bairro não possuem água encanada e a população que não tem cacimbas supre-se das águas do criadouro para uso doméstico.

Há um caso adicional que não foi classificado como autóctone, mas que é bastante suspeito. Trata-se de C.T.F. de 13 anos, sexo feminino, nascida em Campina Grande, PB, e que mora em Planaltina há 8 anos. Embora ela tenha afirmado nunca ter se afastado de Campina Grande em direção ao litoral, foi preferível classificar este caso como suspeito.

Caramujos infectados foram encontrados apenas no criadouro acima descrito. Neste local foram coletados, de 31/1/78 a 21/9/78, 229 exemplares de B. glabrata, dois dos quais estavam positivos para cercárias de S. mansoni (0,87%).

COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

Os primeiros dois casos de esquistossomose, considerados como autóctone no DF, foram assinalados por Magalhães3 (1966), em pessoas nascidas em Formosa, GO, um com 16 anos e o outro com 34 anos. Ambos tinham contato com áreas de cultivo de arroz em zona rural de Planaltina. Foram encontrados caramujos infectados na percentagem de 2,7 e 3,3.

A população fixa das áreas acima (córregos São José e Capão Rico) era extremamente baixa. Os trabalhadores que freqüentavam os arrozais constituiam população bastante móvel e inconstante.

Anteriormente Crespo e col.2 (1965) haviam assinalado taxa muito elevada de infecção natural de B. glabrata por S. mansoni em Grotão, área rural de Planaltina. Em 1966, entretanto, Magalhães3 (1966) não mais encontrou caramujos infectados nesta área. Também Barreto2 1 Trabalho realizado com auxílio do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq. 2 A. Barreto — comunicação pessoal, 1978. 3 Atualmente a SUCAM, do Ministério da Saúde, faz trabalho intenso de controle da doença na região. (1978) em pesquisas sistemáticas em áreas do Rio Preto (DF), e Formosa (GO), nos anos de 1973-74 não encontrou um só caramujo, B. glabrata, infectado dentre 3.700 examinados.

A impressão que se tem é de que os caramujos encontrados infectados e a baixa densidade dos três focos acima assinalados, todos na bacia do Rio Preto, não foram capazes de manter a infecção, podendo os casos humanos assinalados ser considerados como esporádicos.

Entretanto, o vale do Rio Preto, pertencente à bacia do Rio São Francmisco, é potencialmente um foco importante da doença pela presença de uma população muito elevada de B. glabrata, embora seja, no momento, uma das regiões menos habitadas do DF.

No presente trabalho deve ser registrado que populações bem estabelecidas de B. glabrata foram encontradas em afluente do Rio São Bartolomeu que, por sua vez, compõe a bacia do Prata. Este fato permite supor que B. glabrata possa se expandir atingindo regiões distantes do centro e sul do País.

Deve-se ainda assinalar que todas as regiões, nas Américas, onde B. glabrata foi assinalado, constituiriam-se em focos ativos de transmissão de esquistossomose.

Os casos aqui registrados são seguramente autóctones. O estudo de casos da família de H.F.S. mostrou como as infecções foram se sucedendo. Há, ou havia3 1 Trabalho realizado com auxílio do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq. 2 A. Barreto — comunicação pessoal, 1978. 3 Atualmente a SUCAM, do Ministério da Saúde, faz trabalho intenso de controle da doença na região. , transmissão ativa na área.

O bairro de Na Sra. de Fátima está situado um pouco acima do criadouro estudado neste trabalho. Apenas 3 casas estão localizadas nas proximidades do criadouro. Entretanto, loteamentos estão sendo feitos no bairro, prevendo-se, assim, que casas ou casebres serão construídos cada vez mais próximos do foco de B. glabrata.

As áreas do DF habitadas por B. glabrata devem ser consideradas como altamente favoráveis à instalação da doença, faltando apenas concentração de populações marginalizadas nas condições em que vivem usualmente no País para que passem a "fabricar" focos produtivos da doença. Os demais fatores condicionantes da esquistossomose já existem na região.

Deve ainda ser mencionado que a área investigada neste trabalho foi muito limitada e que outras regiões do DF habitadas por B. glabrata, assim como o município de Formosa, GO, devem ser investigadas cuidadosamente a fim de que se possa medir a extensão do problema.

AGRADECIMENTOS

Aos técnicos Delfino G. Curado, da Universidade de Brasília, e Jovelino I. Coelho, da SUCAM (Superintendência de Campanhas de Saúde Pública) pela valiosa cooperação.

Recebido para publicação em 24/01/1979

Aprovado para publicação em 22/03/1979

  • 1. BARBOSA, F. S. & LAVOR, A. C. H. Esquistossomose autóctone no Distrito Federal. In: Congresso Brasileiro de Higiene, São Paulo, 1977. Resumo dos trabalhos. São Paulo, 1977. Trabalho 11.2.
  • 2. CRESPO, V. M. et al. Esquistossomose em áreas do Distrito Federal. Rev. bras. Malar., 17:367-9, 1965.
  • 3. MAGALHÃES, L. A. Moluscos planorbídeos do Distrito Federal. Campinas, 1966. [Tese de Doutoramento Faculdade de Medicina da Universidade de Campinas]
  • 1
    Trabalho realizado com auxílio do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq.
    2
    A. Barreto — comunicação pessoal, 1978.
    3
    Atualmente a SUCAM, do Ministério da Saúde, faz trabalho intenso de controle da doença na região.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 1979

    Histórico

    • Aceito
      22 Mar 1979
    • Recebido
      24 Jan 1979
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