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Risco de infecção tuberculosa em município do interior do Estado de São Paulo e suas aplicações

Risk of tuberculous infection in a community in the State of S. Paulo (Brazil) and its applications

Resumos

Foi proposto estimar o risco de infecção tuberculosa na população de Ribeirão Preto, SP (Brasil), a partir de estudo transversal, assim como a incidência anual de casos bacilíferos nessa comunidade. As estimativas foram efetuadas com dados de 35.680 pessoas residentes no município e que foram cadastradas na Unidade Sanitária local. Foi estimado o risco de infecção para diferentes grupos etários e para a população geral, bem como analisadas suas variações e implicações.

Infecção tuberculosa; Prevalência e incidência; São Paulo, Brasil


The risk estimation of tuberculosis infection in the population of Ribeirão Preto, State of S. Paulo (Brazil), based on a transversal study, as well as on the annual incidence of positive sputum smear cases in that community is proposed. Data from 35.680 persons living in that community which had been registered at the local Public Health Center were used for this estimation. The risk of infection for different age groups and for the whole population as well its variations and implications was analysed.

Tuberculosis infection; Prevalence and incidence; S. Paulo State (Brazil)


ARTIGO ORIGINAL

Risco de infecção tuberculosa em município do interior do Estado de São Paulo e suas aplicações

Risk of tuberculous infection in a community in the State of S. Paulo (Brazil) and its applications

Antonio Ruffino NettoI; Gilberto Ribeiro ArantesII

IDa Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP – Ribeirão Preto, SP – Brasil

IIDa 6.a Divisão Regional de Saúde da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo – Rua Minas, 895 – Ribeirão Preto, SP – Brasil

RESUMO

Foi proposto estimar o risco de infecção tuberculosa na população de Ribeirão Preto, SP (Brasil), a partir de estudo transversal, assim como a incidência anual de casos bacilíferos nessa comunidade. As estimativas foram efetuadas com dados de 35.680 pessoas residentes no município e que foram cadastradas na Unidade Sanitária local. Foi estimado o risco de infecção para diferentes grupos etários e para a população geral, bem como analisadas suas variações e implicações.

Unitermos: Infecção tuberculosa, risco. Prevalência e incidência. São Paulo, Brasil.

SUMMARY

The risk estimation of tuberculosis infection in the population of Ribeirão Preto, State of S. Paulo (Brazil), based on a transversal study, as well as on the annual incidence of positive sputum smear cases in that community is proposed. Data from 35.680 persons living in that community which had been registered at the local Public Health Center were used for this estimation. The risk of infection for different age groups and for the whole population as well its variations and implications was analysed.

Uniterms: Tuberculosis infection, risk. Prevalence and incidence. S. Paulo State (Brazil).

INTRODUÇÃO

O programa antituberculose executado pelas Unidades Sanitárias do Estado de São Paulo é constituído basicamente por três atividades: descoberta de casos, tratamento e proteção aos susceptíveis.

O efeito gerado pelo programa, isto é, o impacto provocado na magnitude do problema, será conseqüência da soma das eficácias alcançadas em cada uma das atividades que o compõem.

Sabemos que, a partir da prevalência de reatores à prova tuberculínica (em diferentes grupos etários) é possível calcular o risco de infecção tuberculosa nessa população3,4. Styblo & Sutherland (1974)6 propõem que a partir do conhecimento do risco de infecção seria possível estimar a incidência anual de meningite tuberculosa, assim como incidência anual de morbidade (na ausência de programas de controle para a doença).

Analisando os dados referentes a pessoas que demandam ao Centro de Saúde de Riberão Preto, SP, Brasil (de diferentes grupos etários), propusemo-nos no presente trabalho a múltiplos objetivos:

1. estimar o risco de infecção tuberculosa nessa população;

2. estimar a incidência de tuberculose a partir do risco de infecção;

3. cotejar a incidência esperada e a incidência observada (detectada pelo Centro de Saúde ou notificada ao mesmo) para estudar possível aplicabilidade deste método para avaliar a eficácia da atividade "descoberta de casos" executada no programa de controle da tuberculose.

MATERIAL E MÉTODOS

O município de Ribeirão Preto, cuja população era de 235.231 habitantes em 1/9/73, possui um Centro de Saúde Polivalente, de cujo programa constam atividades para controle da tuberculose. Para isso conta com uma Clínica Tisiológica atendida por médicos especialistas, abreugrafia, radiologia, teste tuberculínico padronizado, exames bacteriológicos (realizados no laboratório do Instituto Adolfo Lutz), enfermagem e visitação domiciliar. O descobrimento de casos é feito, passivamente, entre as pessoas que afluem à Unidade espontaneamente ou para obter certificados de saúde; o serviço de visitação domiciliar é insatisfatório, limitando-se ao chamamento de doentes faltosos e comunicantes cujo comparecimento é muito inferior ao previsto 1. Não há trabalho de educação junto à comunidade visando um maior comparecimento de pessoas com sintomatologia respiratória.

Os casos diagnosticados por outras fontes de atenção médica foram conhecidos através de relatórios que os laboratórios de análises, por força de lei, enviam mensalmente ao Centro de Saúde, contendo o nome e endereço das pessoas que apresentaram exames positivos para doenças de notificação compulsória.

A prevalência de infectados (reatores fortes) por grupos etários foi obtida pela aplicação do teste tuberculínico padronizado (com 2 T.U. de PPD rt 23) a todas as pessoas residentes no município, com mais de 3 meses de idade, que se matricularam no Centro de Saúde durante 12 meses consecutivos (maio de 1973 a abril de 1974).

O coeficiente ou risco anual de infecção foi calculado pela fórmula:

sugerida por Ruffino Netto 4 (1975), para estudos longitudinais, onde:

No = número de pessoas virgens de infecção no início da contagem do tempo (ou seja para tempo t =0);

N = número de pessoas que ainda permanecem virgens de infecção (entre os No iniciais) decorrido certo tempo t;

t = tempo decorrido em anos;

e = base do logarítimo neperiano ou natural;

r = risco anual de infecção.

Embora a fórmula tenha sido deduzida para estudos longitudinais, poderá ser utilizada em estudos transversais se chamarmos No e N as percentagens de não reatores em dois grupos etários consecutivos; t é o intervalo entre os pontos médios dos dois grupos etários e r o risco de infecção. (Observar que a fórmula N = Noe-rt é equivalente àquela sugerida por Narain e col. (1966) 3, q' = qe-rn, embora tenha sido deduzida por caminho diferente).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A demanda estudada embora nao sendo uma amostra casual da população, provavelmente expresse a sensibilidade tuberculínica da mesma, pelas razões apresentadas em outra publicação2.

Os resultados da aplicação do teste tuberculínico, lido em 35.680 pessoas em função dos grupos etários, são apresentados na Tabela 1.

Assim, supondo que ao nascimento 100% das pessoas sejam não reatores e que no grupo etário de 0 até 15 anos a prevalência de negativos seja de 95,1% podemos tomar o tempo como o intervalo entre 0 e 7,5 (ponto médio entre 0 e 15) e calcular o risco de infecção:

ou seja, o risco de infecção no grupo etário de 0 a 15 anos foi de 0,6699%.

Outros exemplos:

a) o risco de infecção no grupo etário de 15 a 20 anos será:

onde o tempo é igual a 10, isto é, o intervalo entre 7,5 (ponto médio de 0 a 15) e 17,5 (ponto médio de 15 a 20).

b) o risco de infecção no grupo etário de 20 a 25 anos será:

Observe-se que o tempo igual a 5 é o intervalo entre 17,5 (ponto médio de 15 a 20 ) e 22,5 (ponto médio de 20 a 25).

Na Tabela 2 são apresentados os riscos anuais de infecção para os diferentes grupos etários. Cerca de 91% da população cadastrada se encontra abaixo da idade de 45 anos (Tabela 1) ou 94% abaixo da idade de 50 anos. Realmente, a partir dos 50 anos, o número dos cadastrados vai caindo progressivamente. Por estas razões, e acrescido o fato de nos preocuparmos mais com o risco de infecção abaixo dos 50 anos, iremos nos deter mais no intervalo de 0 a 50 anos, onde observamos que o "r" varia de 0,6699 a 1,9095 %, com um valor mediano de 1,3820%. Observamos que o "r" aumenta com idade até o máximo dos 25 anos (1,8556%) a seguir decrescendo até 0,9063.

Em estudo longitudinal levado a efeito entre escolares (de 14 escolas primárias) no grupo etário de 7 a 12 anos, na cidade de Ribeirão Preto, Ruffino Netto e col. (1975) encontraram o risco anual de infecção tuberculosa de 1,3290%, valor esse bem próximo aos valores encontrados no presente trabalho, e especificamente ao valor mediano (1,382%) entre os riscos assinalados para os vários grupos etários compreendidos entre 0 a 50 anos.

A partir do conhecimento do risco de infecção nos diferentes grupos etários ( calculado através do estudo transversal). procuramos calcular qual seria o risco de infecção na população geral ou em outros diferentes extratos etários.

Lembrando a expressão (2)

N = Noe-rt,

o número de pacientes infectados (I) em certo tempo t será:

I = No - Noe-rt (3)

ou

I = No [1 - e-rt] (4)

Estimamos a população total nos diferentes grupos etários da cidade de Ribeirão Preto (Tabela 3), estimando em seguida o número de pessoas não infectadas (No dentro de cada subgrupo). Conhecendo-se para cada extrato ou grupo etário o valor de Ao e de "r", podemos aplicar a fórmula (4) e estimar o número esperado de infectados (I) em 1 ano.

Na Tabela 3 apresentamos estas estimativas.

Efetuando o raciocínio inverso, isto é, dados agora os valores de I, No e t podemos calcular o r (para qualquer composição etária), ou seja:

I = No [1 - e-rt] = No - Noe-rt

Noe-rt = No - I

Exemplo: o risco de infecção geral para a população de 0 a 65 anos será, no decorrer de um ano:

Na Tabela 4 apresentamos o risco de infecção (em %) estimado para diferentes extratos etários da população estudada. Chama a atenção nesta tabela que o "r" assume valores crescentes em função de idade. Por outro lado, quando tomamos os estratos maiores de 20 anos, encontramos os grandes valores de "r". Assim, de 20 |– 50, foi encontrado 1,4890.

Na Tabela 2 também se observa que ocorre um grande salto quando se passa do grupo etário 15 |– 20 (r = 0,9017%) para o grupo 20 |– 25 (r = 1,8556%).

Parece que as coortes de 0 |– 20 ou 0 |– 25 anos apresentaram probabilidades de se infectarem durante estes seus anos de vida, bem menores que as coortes de idades superiores a 20 ou 25 anos. Se levarmos em consideração que a coorte de 0 a 25 (em 1973) constituem as pessoas nascidas a partir de 1950 ou 1955, concluiremos que seguramente as fontes de infecção no município devem ter sido sensivelmente reduzidas a partir desta época. É possível que o fato esteja relacionado ao aparecimento e aplicação em maior escala dos quimioterápicos específicos.

Conhecido o risco de infecção, o nosso segundo objetivo seria estimar a incidência anual de casos bacilíferos em pessoas residentes no município. Segundo Styblo & Sutherland6 (1974), para países de alta prevalência de tuberculose a incidência anual de casos bacilíferos à baciloscopia (todas as idades e por cem mil habitantes) é 60 vezes maior que o risco de infecção anual (r%). Se assumirmos esta relação como válida, para r = 1,0210% (risco geral da população de 0 a 65 anos em Ribeirão Preto) seria esperada, portanto, uma incidência anual de 61,26/100.000, ou seja, 140 casos nessa população.

No período de maio de 1973 a abril de 1974, a Unidade Sanitária de Ribeirão Preto descobriu 57 casos de tuberculose pulmonar confirmada bacteriologicamente em pessoas residentes no município (das quais 37 (65%) positivas à baciloscopia). Outros 8 casos foram diagnosticados fora da Unidade, perfazendo um total de 65 casos descobertos no ano.

Assim, a incidência esperada era 140 e a observada de 37, ou seja, a eficácia da descoberta de casos seria apenas 26,4% e, conseqüentemente, 103 casos não teriam sido detectados.

Considerando todos os casos, inclusive os positivos apenas à cultura (35%), a incidência esperada seria 215, dos quais apenas 65 (30%) diagnosticados. Se essas estimativas de novos infectados (1.816) e doentes (215) estiverem corretas, cada doente infecta, em média, 8 pessoas por ano nessa área.

Os fatores que poderiam explicar essa baixa eficácia seriam:

1. o método usado para calcular o risco de infecção seria inadequado, não acreditamos que esse fator pudesse ser o responsável uma vez que aplicamos metodologia já estudada e testada, ficando assim essa hipótese afastada;

2. a relação da incidência igual 60 vezes o valor do risco de infecção poderia não ser verdadeira para a área em pauta, onde são executadas atividades antituberculose; aliás, os próprios autores ressalvam que a relação seria aplicável somente em comunidades onde não existem programas efetivos de controle da doença;

3. ressalvadas essas possíveis causas de erro, ainda assim a eficácia estimada revelou-se muito abaixo do esperado, sugerindo que não se trata apenas de deficiências relacionadas com a metodologia usada. O que não é surpresa, considerando-se que se trata de Unidade Sanitária estática com mínima penetração junto à comunidade onde atua.

A dinamização das atividades, alicerçadas em programa educativo especialmente dirigido aos residentes em bairros economicamente menos favorecidos, poderá contribuir para esclarecer as dúvidas aventadas.

CONCLUSÕES

1. O risco anual de infecção tuberculosa na população geral é de 1,02%.

2. A incidência anual de casos bacilíferos (ao exame bacterioscópico e/ou cultura) deve ser superior à observada.

3. Se as estimativas de incidência de infectados e de casos novos estiverem corretas, cada fonte bacilífera infecta nessa área, em média, 8 pessoas por ano.

Recebido para publicação em 03/12/1975

Aprovado para publicação em 05/01/1976

Apresentado no XVII Congresso Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias – Brasília, DF, 1975

  • 1. ARANTES, G. R. Avaliação de serviço anti-tuberculose na rotina de Saúde Pública. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 8:105-18, 1974.
  • 2. ARANTES, G. R. et al. Interpretação da sensibilidade tuberculínica em população do interior do Estado de São Paulo. [Apresentado no XVII Congresso Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias. Brasília, DF, 1975].
  • 3. NARAIN, R. et al. Problems connected with estimating the incidence of tuberculosis infection. Bull. Wld. Hlth. Org., 34:605-22, 1966.
  • 4. RUFFINO NETTO, A. Epidemiologia da tuberculose: estudos de alguns aspectos ligados a modelos de prevenção, diagnóstico e modelos epidemiométricos. Ribeirão Preto, SP, 1975 [Tese de livre-docência Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP].
  • 5. RUFFINO NETTO, A et al. Alergia tuberculínica pós-vacinação com B.C.G. intradérmico e pós-infecção natural. [Apresentado no XVII Congresso Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias. Brasília, DF, 1975].
  • 6. STYBLO, K. & SUTHERLAND, I. Epidemiological Indices for planning, surveillance and evaluation of tuberculosis programms Bull. int. Un. Tuberc., 49:66-73, 1974.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 1976

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 1975
  • Aceito
    05 Jan 1976
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