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ELSA Brasil: maior estudo epidemiológico da América Latina

ELSA Brasil: the greatest epidemiological study in Latin America

INFORMES TÉCNICOS INSTITUCIONAIS TECHNICAL INSTITUTIONAL REPORTS

ELSA Brasil: maior estudo epidemiológico da América Latina

ELSA Brasil: the greatest epidemiological study in Latin America

Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Decit - Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde Esplanada dos Ministérios Bloco G sala 845 70058-900 Brasília, DF, Brasil

Em setembro de 2008, o Ministério da Saúde anunciou oficialmente o lançamento do maior estudo já desenvolvido na área de epidemiologia na América Latina, o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto. Conhecido como ELSA Brasil, é uma pesquisa pioneira sobre doenças crônicas, como diabetes e doenças cardiovasculares, e seus fatores de risco na população brasileira. Criado a partir de uma chamada pública lançada, em 2005, pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, o ELSA reúne investimentos de mais de R$ 22 milhões do Governo Federal.

O ELSA é também a maior pesquisa multicêntrica de coorte realizada por um país fora do eixo dos países desenvolvidos e envolve um consórcio composto por seis instituições brasileiras de ensino e pesquisa. Compõem o Consórcio ELSA Brasil: a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade de São Paulo (USP).

Ao longo de 20 anos, serão pesquisados e monitorados 15 mil funcionários e docentes (homens e mulheres, entre 35 e 74 anos) que trabalham nessas instituições. Os voluntários responderão um questionário sobre suas condições gerais de saúde, história familiar de doenças, uso de medicamentos, saúde mental, entre outros tópicos. Além disso, serão submetidos a uma série de exames laboratoriais e físicos. Periodicamente essas pessoas fornecerão informações sobre internações, doenças e cirurgias ocorridas e realizarão novos exames.

Os dados recolhidos ao longo da pesquisa serão arquivados para posterior análise e padronização de estratégias analíticas. Para isso, existirá um Centro de Dados, responsável pela gerência do Sistema de Dados do ELSA e pela supervisão do processo de análise.

As informações obtidas com a pesquisa, que representa um marco na investigação de doenças não-transmissíveis no Brasil, serão essenciais para orientar a prática médica e o desenvolvimento de programas preventivos para o Sistema Único de Saúde. A previsão é de que, em cinco anos, já haja dados parciais do estudo para divulgação.

Doenças crônicas não-transmissíveis na atualidade

As doenças crônicas não-transmissíveis estão na agenda de prioridades da maioria dos países pelo seu impacto na mortalidade, na morbidade e nos custos decorrentes da assistência médica. No Brasil, esse cenário está bem documentado nas estatísticas oficiais de mortalidade, nos dados rotineiros de vigilância epidemiológica de doenças crônicas do Ministério da Saúde e, principalmente na série de estudos transversais realizados para determinar a freqüência de fatores de risco para as doenças crônicas não-transmissíveis. Apesar dessa somatória importante de informações, ainda hoje se desconhece a incidência dessa parcela de doenças e os fatores de risco a ela associada na população brasileira. Tais informações são essenciais para o desenvolvimento de programas preventivos e para a formulação de políticas públicas capazes de reduzir o impacto dessas doenças no País.

Em 2003, 69% dos óbitos bem definidos no Brasil foram causados pelos seguintes grupos de doenças: doenças cardiovasculares (32%), neoplasias (15%), doenças respiratórias (11%), doenças endócrinas/metabólicas (6%) e doenças digestivas (5%). Ressalta-se, também, que o Brasil tem a maior taxa de mortalidade por doença cerebrovascular entre os países americanos e que o impacto da mortalidade por doenças cardiovasculares atinge estratos populacionais mais jovens (em idade laboral) de modo mais intenso do que em países como os Estados Unidos, Canadá, Japão e os da Europa ocidental.

As doenças crônicas não-transmissíveis respondem pelos maiores gastos com atenção médica no Sistema Único de Saúde (SUS), conforme dados apresentados no site do Ministério da Saúde. Em 2005, dos seis bilhões gastos com o pagamento de Autorizações de Internação Hospitalar (exceto partos), as doenças crônicas representaram 58% do gasto total, liderado pelos gastos das doenças cardiovasculares (22%), doenças respiratórias crônicas (15%) e neoplasias (11%). Além disso, essas doenças crônicas pioram a qualidade de vida e comprimem o orçamento das populações mais pobres e mais acometidas por estas doenças e suas complicações mais freqüentes.

Os determinantes principais do crescimento epidêmico das doenças crônicas não-transmissíveis no Brasil são demográficos, com uma proporção maior de indivíduos alcançando a senescência, período em que essas doenças se manifestam com maior freqüência. A alteração do padrão dietético-nutricional e de atividade física da população brasileira também contribuem para uma maior incidência dessas doenças, pois têm como desdobramento o aumento de peso corpóreo e vários desfechos desfavoráveis à saúde como, por exemplo, o diabetes.

Epidemia de obesidade e o surgimento da "diabesidade"

Embora as taxas de mortalidade pelas doenças cardiovasculares no Brasil e na maioria dos países tenham declinado, assim como a prevalência de um importante fator de risco, o hábito de fumar, observa-se um aumento da prevalência de excesso de peso (definido como índice de massa corpórea igual a ou acima de 25 kg/m2). Essa mudança no perfil da população merece ser tratada como prioridade de saúde pública.

No Brasil, os resultados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2002-2003 revelaram um crescimento acelerado do excesso de peso desde 1974. Em 30 anos, sua prevalência entre os homens elevou-se de 16% para 41% e, entre as mulheres, de 29% para 40%.

Um dos principais fatores relacionados e determinados pela obesidade como risco para a mortalidade cardiovascular é o fato de ela propiciar o aumento de casos novos de diabetes. Em adição, o risco relativo de doença coronariana pela presença de diabetes é sempre maior do que os riscos relativos dos três principais fatores de risco coronariano - hipertensão arterial, tabagismo e dislipidemia - cujos valores no máximo se aproximam de dois. Portanto, a presença de diabetes adiciona um risco maior e o aumento da sua prevalência decorrente do aumento de peso aumenta o risco atribuível populacional do diabetes à doença coronariana. Por esses motivos, a atual epidemia, muitas vezes cunhada como "diabesidade", precisa ser mais bem entendida para se obter um melhor controle.

Ainda há poucos dados para uma avaliação da tendência temporal da prevalência de diabetes em todo território nacional. A diabesidade e suas relações com as doenças cardiovasculares são pouco conhecidas no Brasil. O perfil demográfico e nutricional próprio da população brasileira neste início de século sugere que avanços nessa área podem trazer subsídios importantes para ações de saúde no Brasil.

Um aspecto relevante para o entendimento das doenças cardiovasculares e do diabetes é que ambas têm fatores de risco comuns, o chamado "solo comum" de causalidade. Nesse solo comum, merecem destaque alguns processos patológicos como a resistência à insulina, a obesidade central, a disfunção endotelial e a inflamação.

A forma de manifestação das doenças cardiovasculares e do diabetes mostra ter importante determinante social. Para exemplificar, a mortalidade pela doença cerebrovascular é três vezes maior nas áreas com maior exclusão de São Paulo comparada à área com melhores indicadores. Nessa cidade, os fatores de risco cardiovasculares ocorrem com maior freqüência entre trabalhadores de ocupação básica comparada àqueles com ocupação que exigem formação universitária. Na outra ponta da cadeia causal, o ganho de peso é diferencial em termos sociais tanto quando se analisam os estratos sociais em vários países. Isto pôde ser verificado no Estudo Pró-Saúde, no qual observou-se distribuição diferenciada do ganho de peso quando se incorporam na análise variáveis como raça e situação social familiar. No Estudo Pró-Saúde, aspectos ainda pouco explorados como a percepção de racismo se mostraram associada à freqüência maior de hipertensão arterial.

O ELSA trará subsídios fundamentais para a identificação de fatores ambientais que desencadeiam e mantêm anormalidades associadas ao solo comum de causalidade do diabetes e das doenças cardiovasculares no contexto social e racial heterogêneo brasileiro. Variáveis associadas ao ambiente de trabalho, bem como aquelas associadas ao percurso de vida (life course epidemiology) serão exploradas juntamente com outras variáveis de determinação social mais comumente utilizadas como renda, educação, gênero e situação marital. A possibilidade de se estudar uma população com heterogeneidade permitirá que sejam incluídos fatores ainda pouco explorados na epidemiologia cardiovascular e do diabetes, como o local de moradia como variável independente.

Além disso, o estudo proporcionará a análise conjunta de marcadores bioquímicos e anatômicos da doença cardiovascular e do diabetes, ao mesmo tempo em que são avaliadas variáveis sociais e psicológicas. A riqueza de inter-relações caracteriza um potencial científico inédito no País, colocando o ELSA na linha de frente da pesquisa epidemiológica em diabetes e doença cardiovascular.

Texto de difusão técnico-científica do Ministério de Saúde.

  • Correspondência | Correspondence:
    Decit - Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde
    Esplanada dos Ministérios
    Bloco G sala 845
    70058-900 Brasília, DF, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2009
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