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Variabilidade espacial e temporal do potencial mátrico da água em terra roxa estruturada

Spatial and temporal variability of soil water matric potential in a dark red latosol

Resumos

As variabilidades de medidas de potencial mátrico da água no solo e de gradiente de potencial hidráulico são analisadas utilizando conceitos geoestatísticos e estatística da distribuição normal. São analisados 25 pares de dados, coletados ao longo de uma transecção de terra roxa estruturada, de 125 m de comprimento. Autocorrelogramas e semivariogramas não indicaram dependência espacial nas variáveis estudadas. A variabilidade do potencial mátrico da água no solo, medida através de tensiômetros, é menor do que a variabilidade do gradiente de potencial hidráulico. Este último apresentou alta variabilidade, a ponto de comprometer seu uso em estimativas de fluxos de água no solo.

variabilidade espacial; variabilidade temporal; autocorrelação; semivariograma; potencial mátrico; gradiente de potencial hidráulico


Variabilities of soil water matric potential and of hydraulic gradients are analysed using geostatistical concepts and normal distribution statistics. Twenty five data pairs, collected along a 125 m transect of a dark red latosol (terra roxa estruturada) are analysed using autocorrelograms and semivariograms. No spatial dependence was found for both variables. The variability of soil water matric potential, measured by tensiometry, is less than the variability of hydraulic gradients. This last variable presented a high variability, to the point of compromising its use in soil water flux estimatives.

spatial variability; temporal variability; autocorrelation; semivariogram; matric potential; hydraulic gradient


GEOCIÊNCIAS

Variabilidade espacial e temporal do potencial mátrico da água em terra roxa estruturada

Spatial and temporal variability of soil water matric potential in a dark red latosol

F.B.P. PachecoI; K. ReichardtI; R.L. TuonI; O.O.S. BacchiII; M.M. VillagraIII

IDepartamento de Física e Meteorologia, ESALQ/USP, C.P. 9, CEP: 13418-900 - Piracicaba, SP

IICentro de Energia Nuclear na Agricultura, USP, C.P. 93, CEP: 13400-970 - Piracicaba,SP

IIIUniversity of Gent, Coupure Links 653, B-9000, Gent - Bélgica

RESUMO

As variabilidades de medidas de potencial mátrico da água no solo e de gradiente de potencial hidráulico são analisadas utilizando conceitos geoestatísticos e estatística da distribuição normal. São analisados 25 pares de dados, coletados ao longo de uma transecção de terra roxa estruturada, de 125 m de comprimento. Autocorrelogramas e semivariogramas não indicaram dependência espacial nas variáveis estudadas. A variabilidade do potencial mátrico da água no solo, medida através de tensiômetros, é menor do que a variabilidade do gradiente de potencial hidráulico. Este último apresentou alta variabilidade, a ponto de comprometer seu uso em estimativas de fluxos de água no solo.

Descritores: variabilidade espacial, variabilidade temporal, autocorrelação, semivariograma, potencial mátrico, gradiente de potencial hidráulico.

ABSTRACT

Variabilities of soil water matric potential and of hydraulic gradients are analysed using geostatistical concepts and normal distribution statistics. Twenty five data pairs, collected along a 125 m transect of a dark red latosol (terra roxa estruturada) are analysed using autocorrelograms and semivariograms. No spatial dependence was found for both variables. The variability of soil water matric potential, measured by tensiometry, is less than the variability of hydraulic gradients. This last variable presented a high variability, to the point of compromising its use in soil water flux estimatives.

Key words: spatial variability, temporal variability, autocorrelation, semivariogram, matric potential, hydraulic gradient.

INTRODUÇÃO

Sendo o potencial mátrico da água no solo uma medida de seu estado de energia em relação ao estado da água livre e pura, sua importância na descrição dos processos dinâmicos que ocorrem no solo, torna-se indiscutível. Nas ultimas décadas tem-se observado com maior ênfase a grande variabilidade, principalmente espacial, de propriedades do solo, ao ponto de mostrar sérias dificuldades no uso de dados coletados em condições de campo. Variabilidade no arranjo poroso de solos leva a diferentes condições de retenção de água e, consequentemente à variações de potencial mátrico. VILLAGRA et al.. (1988) apresentam resultados detalhados sobre esta variabilidade e concluem que ela é fator importante, não podendo ser desprezada tanto em experimentação científica como em seu uso para manejo de solos. Em seu trabalho as medidas foram feitas com tensiômetros instalados na zona arável do solo. Seus dados são portanto específicos para a camada superficial, mais sujeita à ações antrópicas e do tempo. O presente estudo é complementar ao de VILLAGRA et al. (1988), envolvendo medidas em camadas mais profundas do solo, mais estáveis do ponto de vista estrutural e medidas ao longo de um período mais extenso (2 anos).

REICHARDT et al. (1990) abordam aspectos da dificuldade do uso de dados de potencial mátrico em cálculos de balanços hídricos e REICHARDT et al. (1993a) discutem o problema da dificuldade de quantificar fluxos de água no solo, chegando à conclusão de que não é possível utilizar o modelo condutividade-gradiente de potencial (equação de Darcy) para estimar fluxos de água em condições de campo. Torna-se imperativo, portanto, caracterizar melhor a variabilidade dos diversos parâmetros que governam o movimento de água no solo. Este trabalho tem por objetivo melhorar a caracterização das variabilidades temporal e espacial do potencial mátrico da água no solo, para viabilizar seu uso na solução de problemas ligados ao manejo agrícola de solos.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido no campo experimental da ESALQ/USP, município de Piracicaba, S.P., em terra roxa estruturada, classificada como Rhodic Kandiudalf. Trata-se de solo argiloso, com 64.0, 7.5 e 28.5% de argila, limo e areia, respectivamente. O perfil é profundo, com lençol freático a vários metros de profundidade.

O potencial mátrico h (cm H2O) foi medido com tensiomêtros de manômetro de mercúrio, instalados nas profundidades de 135 e 165 cm a partir da superfície do solo. Vinte e cinco conjuntos de tensiômetros foram instalados de 5 em 5 metros ao longo de uma transceção de 125 m, em área praticamente horizontal do campo experimental. As medidas foram feitas por um período de mais de 2 anos (4/2/89 a 14/3/91) com freqüências diárias, semanais ou quinzenais, dependendo da situação do campo. Durante os dois anos houve períodos de pousio, solo arado e gradeado, cobertura morta, milho, etc. As medidas de potencial mátrico foram feitas nas profundidades indicadas com o objetivo de estudar gradientes de potencial hidráulico H na profundidade z =150 cm, por diferenças finitas, de acordo com:

Com este critério, valores positivos de H indicam fluxo descendente e valores negativos ascendente.

As variabilidades espaciais e temporais do potencial mátrico h e do gradiente de potencial total H foram estudadas empregando a estatística da distribuição normal e a geoestatística. Para isto foram empregados os programas LOTUS e STAT-GRAPHICS que permitem a análise de distribuições, obtenção de momentos da distribuição normal, testes de significância e semivariogramas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Uma visão geral da variabilidade espacial dos dados de potencial matricial ao longo da transe-ção, na profundidade de 135 cm, pode ser vista na Figura 1, para três situações nas quais o valor médio das 25 medidas representava condições de solo cada vez mais seco. Nesta profundidade relativamente grande, raramente foram encontrados valores de potencial mátrico inferiores a -400 cm H2O.


Para verificar a existência de uma dependência espacial nos dados de h procedeu-se à elaboração de autocorrelogramas (Figura 2) e de semivariogramas (Figura 3). Vê-se claramente que não existe dependência espacial significativa já para os primeiros vizinhos. Os semivariogramas tendem imediatamente para a variância da população, como seria esperado em caso de não-dependência espacial.



A Figura 4 mostra histogramas de freqüência e gráficos de probabilidade normal para as 25 amostras da Figura 1. Para o solo mais úmido (h em torno de -77cm H2O, Figuras 4a e 4b) nota-se que os dados parecem seguir a distribuição normal. Com o secamente do solo (h = - 154 e -335cm H2O Figs 4c, 4d, 4e e 4f) torna-se nítido o desvio do comportamento normal, até que para h = -335 cm H2O a distribuição foge completamente da normal. Apesar destas limitações foi feita análise de variância e os dados encontram-se na TABELA 1. O C.V. foi maior para o solo mais úmido (11,5%) e menor para o solo mais seco (4,6%). Usando a metodologia proposta por WARRICK & NIELSEN (1980) pode-se estimar o número N de tensiômetros (medidas) necessários para obter um valor médio h* com uma precisão pré estabelecida. Segundo estes autores, o número N de amostras necessárias para a nova média estar dentro de d unidades da média, dentro de um nível de significância xa escolhido, é dado por:

sendo xaobtido da tabela t de Student para infinitos graus de liberdade, eso desvio padrão.




Para os dados do Quadro 1, considerando os desvios d de 5%, ou 0.05h* e um nivel de probabilidade de 95% (xa = 1.96), os números de tensiômetros necessários nas três condições de potencial matricial de água são: 20, 14 e 03, respectivamente. Estes dados mostram que, para um mesmo nível de precisão, mais tensiômetros são necessários para medida em solo úmido (potencial menos negativo) do que em solo seco. E exatamente em condições de solo úmido, quando os fluxos de água assumem os maiores valores, é que são necessárias estimativas mais corretas. Tudo indica que o número de 25 tensiômetros, previamente escolhido, foi o ideal, mesmo para o caso de solo mais úmido. Abaixando o nível de exigência, isto é, para 10% de desvio, o número de tensiômetros é bem menor, 5, 3 e 1 respectivamente.

A Figura 5 mostra os gradientes de potencial total da água, calculados pela equação (1), para as mesmas datas. Vê-se que os gradientes oscilam em torno de 1.5, 1.7 e 1.2 para as condições de solo cada vez mais seco. A totalidade dos gradientes é maior que zero (positivos), indicando fluxos descendentes.


Da mesma forma como se procedeu com h, foram elaborados autocorrelogramas e semivariogramas, para verificar a existência de uma dependência espacial no gradiente de potencial VH (Figuras 6 e 7). Estas figuras mostram, da mesma forma, não haver dependência espacial.



A Figura 8 mostra os histogramas de freqüência e os gráficos de probabilidade normal, para os dados de gradiente de potencial da Figura 5. Neste caso, apenas os dados referentes à situação intermediária de umidade de solo parecem se aproximar mais da distribuição normal. Da mesma forma como no caso de h, foi também feita a análise de variância dos dados de H, assumindo distribuição normal (TABELA 2). Vê-se claramente que os coeficientes de variação são bem maiores que no caso de h, sendo da ordem de 30% para as três condições de solo. Conseqüentemente o número de medidas N necessário para obter nova média dentro de limites pré estabelecidos, é bem maior. Na TABELA 2 verifica-se que o N (5%) é proibitivo e que até o N (10%) está acima dos 25 pontos utilizados neste trabalho. Daí a conclusão de REICHARDT et al. (1993a e 1993b) de que é praticamente impossível determinar fluxos de água em condições de campo, pelo uso da equação de Darcy.


CONCLUSÕES

À medida do potencial matricial da água neste solo, feita com tensiômetros, em camadas profundas do solo, tem coeficientes de variação da ordem de 5 a 12%, sendo tanto menor quanto mais seco o solo. O número de pontos de medida do potencial matricial, para obter um valor médio dentro de 10% do valor esperado é 5. Nas mesmas condições para medidas de gradiente de potencial total da água, os coeficientes de variação são da ordem de 30%, independentemente da umidade do solo, e o número de pontos de medida está em torno de 50. A variabilidade espacial dos dados de gradiente de potencial total é muito alta, a ponto de compro-meter o uso da equação de Darcy na estimativa de fluxos de água no solo em condições de campo.

Enviado para publicação em 15.07.93

Aceito para publicação em 01.03.94

  • REICHARDT, K.; LIBARDI, P.L.; MORAES, S.O.; TURATTI, A.; VILLAGRA, M.M. Soil spatial variability and its implications on the establishment of water balances. In: INTERNATIONAL CONGRESS OF SOIL SCIENCE, 14., Kioto, 1990. Proceedings... Amsterdam: ISSS, 1990. p.141-148.
  • REICHARDT, K.; BACCHI, O.O.S.; VILLAGRA, M.M. Estimativa de fluxos de água em solos não saturados. Bragantia, Campinas, v.52, n.l, p.83-87, 1993a.
  • REICHARDT, K.; BACCHI, O.O.S.; VILLAGRA, M.M.; TURATTI, A.L.; PEDROSA, Z.O. Hydraulic variability in space and time in a dark red latosol of the tropics. Geoderma, Amsterdam, v.60, p.159-168, 1993b.
  • VILLAGRA, M.M.; MATSUMOTO, O.M.; BACCHI, O.O.S.; MORAES, S.O.; LIBARDI, P.L.; REICHARDT, K. Tensiometria e variabilidade espacial em terra roxa estruturada. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Campinas, v.12, p.205-210, 1988.
  • WARRICK, A.W.; NIELSEN, D.R. Spatial variability of soil physical properties in the field. In: HILLEL, D. ed. Application of soil physics. New York. Academic Press, 1980. 350p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 1994

Histórico

  • Aceito
    01 Mar 1994
  • Recebido
    15 Jul 1993
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