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EFEITOS DO TRATAMENTO COMBINADO DE IRRADIAÇÃO GAMA E REFRIGERAÇÃO NO CRESCIMENTO DE LEVEDURA (Saccharomyces cerevisiae Hansen) EM SUCO DE LARANJA

Resumos

O efeito da radiação gama e baixas temperaturas foi estudado no crescimento de Saccharomyces cerevisiae em suco de laranja. O suco concentrado de laranja (65°Brix) foi diluído a 10,5°Brix e inoculado com levedura comercial. As amostras foram irradiadas com doses de 1,0, 1,5, 2,0, 2,5, 5,0 e 7,5 kGy (Cobalto 60), a uma taxa de dose de 2,83 kGy/h. Todas as amostras foram armazenadas a 0°, 5° e 25°C, por 1, 7, 14, 21, 30, 60 e 90 dias. O tratamento combinado de 1 kGy e refrigeração a 0°C foi efetivo para a conservação do suco de laranja por 90 dias de armazenamento. A dose de 2,5 kGy foi suficiente para conservar o suco de laranja por 90 dias de armazenamento a 5°C. A 25°C, somente as doses mais altas (5 e 7,5 kGy) foram efetivas no controle do crescimento da levedura no suco de laranja.

irradiação; suco de laranja; Saccharomyces cerevisiae


The effect of gamma radiation and of low temperatures was studied on yeast growth in orange juice. Concentrated orange juice (65° Brix) was diluted to 10,5° Brix and inoculated with comercial biological yeasts. The samples were irradiated with doses of 0.0 (control), 1.0, 1.5, 2.0, 2.5, 5.0 and 7.5 kGy (Cobalt-60), with a 2.83 kGy/h dose rate. All the samples were stored at 0°, 5° and 25°C for periods of 1; 7; 14; 21; 30; 60 and 90 days of storage. Combined treatment of 1 kGy and refrigeration at 0°C was effective for orange juice conservation for 90 days of storage. The dose of 2.5 kGy, was sufficient to conserve the juice for 90 days of storage at 5°C. At 25°C only the two highest radiation doses (5.0 and 7.5 kGy) were effective to control yeast growth in orange juice.

irradiation; orange juice; Saccharomyces cerevisiae


EFEITOS DO TRATAMENTO COMBINADO DE IRRADIAÇÃO GAMA E REFRIGERAÇÃO NO CRESCIMENTO DE LEVEDURA (Saccharomyces cerevisiae Hansen) EM SUCO DE LARANJA1 1 Trabalho apresentado no III ENAN, Águas de Lindóia, 7-11 agosto, 1995.

R.E. DOMARCO2; M.H.F. SPOTO2; J.M.M. WALDER2; L. BLUMER2;3; C. MATRAIA2

2 Centro de Energia Nuclear na Agricultura/USP, C.P. 96, CEP: 13400-970, Piracicaba, SP.

3 Pós-graduanda da Seção de Entomologia/Irradiação de Alimentos-CENA/USP.

RESUMO: O efeito da radiação gama e baixas temperaturas foi estudado no crescimento de Saccharomyces cerevisiae em suco de laranja. O suco concentrado de laranja (65°Brix) foi diluído a 10,5°Brix e inoculado com levedura comercial. As amostras foram irradiadas com doses de 1,0, 1,5, 2,0, 2,5, 5,0 e 7,5 kGy (Cobalto 60), a uma taxa de dose de 2,83 kGy/h. Todas as amostras foram armazenadas a 0°, 5° e 25°C, por 1, 7, 14, 21, 30, 60 e 90 dias. O tratamento combinado de 1 kGy e refrigeração a 0°C foi efetivo para a conservação do suco de laranja por 90 dias de armazenamento. A dose de 2,5 kGy foi suficiente para conservar o suco de laranja por 90 dias de armazenamento a 5°C. A 25°C, somente as doses mais altas (5 e 7,5 kGy) foram efetivas no controle do crescimento da levedura no suco de laranja.

Descritores: irradiação, suco de laranja, Saccharomyces cerevisiae

EFFECTS OF GAMMA IRRADIATION AND REFRIGERATION ON Saccharomyces cerevisiae GROWTH IN ORANGE JUICE

ABSTRACT: The effect of gamma radiation and of low temperatures was studied on yeast growth in orange juice. Concentrated orange juice (65° Brix) was diluted to 10,5° Brix and inoculated with comercial biological yeasts. The samples were irradiated with doses of 0.0 (control), 1.0, 1.5, 2.0, 2.5, 5.0 and 7.5 kGy (Cobalt-60), with a 2.83 kGy/h dose rate. All the samples were stored at 0°, 5° and 25°C for periods of 1; 7; 14; 21; 30; 60 and 90 days of storage. Combined treatment of 1 kGy and refrigeration at 0°C was effective for orange juice conservation for 90 days of storage. The dose of 2.5 kGy, was sufficient to conserve the juice for 90 days of storage at 5°C. At 25°C only the two highest radiation doses (5.0 and 7.5 kGy) were effective to control yeast growth in orange juice.

Key Words: irradiation, orange juice, Saccharomyces cerevisiae

INTRODUÇÃO

O principal interesse em se tratar alimentos com radiação ionizante é assegurar sua preservação. Isso pode envolver a inativação de muitas espécies de microrganismos que podem contaminar alimentos e causar deterioração.

Os efeitos da radiação não podem ser descritos de maneira geral, para todos os organismos, uma vez que esses efeitos estão relacionados com a natureza do organismo e, principalmente, com a sua complexidade. A correlação da sensitividade à irradiação é, de maneira geral, inversamente proporcional ao tamanho do organismo.

Leveduras e fungos tem uma suscetibilidade à radiação comparada a de algumas bactérias não formadoras de esporos. As doses letais para leveduras estão, aproximadamente, na faixa de 4,65 a 20 kGy e para os bolores entre 2,5 a 6,0 kGy (Urbain, 1986).

Para alguns alimentos, como sucos de frutas, essas doses podem ser muito altas, causando alterações principalmente no sabor.

Inúmeras pesquisas têm demonstrado que um aquecimento moderado ou a refrigeração, combinados com a irradiação, causam um efeito inibitório sobre a multiplicação de microrganimos deteriorantes, reduzindo a dose de radiação requerida para o seu controle.

Segundo Dharkar (1964), a esterilização efetiva do suco de laranja foi obtida submetendo-se o suco a uma dose de 8 kGy ou a uma dose de 4 kGy seguida de aquecimento a 50°C por 15 minutos.

Kaindl (1966), irradiando sucos de maçã e uva, verificou que foi necessária uma dose de 18 kGy para inibir o processo de formação de colônias por um período de 20 dias, da linhagem mais resistente de Saccharomyces cerevisiae Hansen em sucos de maçã e uva. O autor também mostrou que o suco de maçã aquecido e irradiado com 3 kGy poderia ser armazenado sem fermentação por mais de um ano à temperatura ambiente; para suco de uva filtrado, uma dose de 10 kGy foi necessária para retardar a fermentação. Resultados semelhantes foram conseguidos por Hussain & Maxie (1974), onde a esterilização efetiva do suco de laranja, com qualidade aproximada do normal, foi conseguida com dose de 3 kGy, seguida de aquecimento.

Kaupert et al. (1981) observaram que é necessária uma dose de 1 kGy para obter a redução de um ciclo logarítmico na população de Saccharomyces rouxii em suco de maçã irradiado. Enquanto Jona et al. (1983), irradiando suco de uva com 0, 5, 10 e 25 kGy, observaram que a fermentação não foi igual em todos os tratamentos, mas a quantidade de álcool foi inversamente proporcional à dose de radiação e os açúcares foram mais abundantes em amostras irradiadas com doses mais altas.

Os efeitos do processo combinado de irradiação e refrigeração foram estudados na população de leveduras e de microrganismos do purê de goiaba (Brekke et al., 1968). A amostra não irradiada se deteriorou após dois dias a 24°C e seis dias quando armazenada a 7,2°C. A irradiação com 5 e 10 kGy aumentou o número de células nas amostras armazenadas a 24°C, mas decresceu com o armazenamento a 7,2°C.

O presente trabalho procurou estudar os efeitos do processo combinado de irradiação gama e refrigeração no crescimento de leveduras em suco de laranja.

MATERIAL E MÉTODOS

As amostras foram obtidas do suco de laranja, variedade Pera, concentrado a 65° Brix, extraído em extrator industrial (CITROSUCO PAULISTA). A seguir, foram diluídas a 10,5° Brix, com pH = 3,5.

A suspensão de leveduras foi preparada colocando-se 10 g de fermento biológico comercial (FLEISHMANN), em 90 ml de solução salina (0,9%) e agitando-se em agitador mecânico por uma hora à temperatura ambiente. Dessa solução, foram realizadas diluições em série, em solução salina (2%), até se obter a diluição adequada para inoculação no suco (10-6) (TABELA 1).

Deste inóculo retirou-se 1 ml e transferiu-se para tubos de ensaio contendo 9 ml de suco (10,5° Brix) e em seguida irradiou-se em triplicata, com doses de 0,0 (testemunha); 1,0; 1,5; 2,5; 5,0 e 7,5 kGy. Os tubos foram mantidos a 0 ± 1°C (congelador), 5 ± 1°C (refrigerador) e 22-25°C (temperatura ambiente), por 1, 7, 14, 21, 30, 60 e 90 dias de armazenamento.

A semeadura nas placas foi feita em superfície, com 0,1 ml do suco, utilizando-se três placas para cada diluição. Usou-se o meio Batata-dextrose-agar (BDA), com adição de ácido tartárico até pH 3,5 para a semeadura (Johnson & Curl, 1972). A contagem das células foi realizada após 48 horas de incubação a 32°C.

A análise estatística dos dados foi feita utilizando-se o sistema SAS (1985). Os dados obtidos foram transformados através da fórmula Log (x + 1) antes da análise de variância. As comparações mútiplas entre as médias foram efetuadas pelo teste Tukey (P > 0,05), somente quando o F foi significativo ao nível de a = 0,05.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As médias obtidas das contagens microbiológicas de S. cerevisiae encontram-se na TABELA 2.

Um efeito sinérgico é evidenciado pelo uso combinado da irradiação gama e temperatura de armazenamento (TABELA 3). Os resultados relativos a esses fatores (dose de radiação, temperatura e período de armazenamento) são mostrados na TABELA 4. A comparação das médias das doses de radiação foi realizada dentro de cada temperatura, ao longo do período de armazenamento.

Observando-se essa TABELA, pode-se notar que no 1º dia após a irradiação, as parcelas irradiadas diferiram estatisticamente da testemunha para todas as temperaturas (0°, 5° e 25°C), em todos os níveis de doses. Entretanto, somente a partir da dose de 1,5 kGy, as parcelas armazenadas à temperatura ambiente (25°C) não apresentaram unidade formadora de colônia.

Aos sete dias de armazenamento, as amostras armazenadas a 0°C apresentaram os mesmos resultados do 1° dia, com as parcelas irradiadas diferindo da testemunha para nenhuma unidade formadora de colônia, enquanto que as amostras armazenadas a 5°C apresentaram diferenças significativas entre as parcelas irradiadas (doses de 1,0 e 1,5 kGy) e a testemunha. Entretanto, somente com 2,0 kGy, houve uma completa esterilização do produto nessa mesma temperatura. A 25°C não houve diferença significativa entre as doses até 2,5 kGy, diferindo de 5,0 e 7,5 kGy, as quais atingiram nível zero de UFC (TABELA 4).

Aos quatorze dias de armazenamento, não houve alterações nos resultados apresentados para as amostras armazenadas a 0°C, entretanto, quando se utilizou 5°C, somente se observaram diferenças a partir da dose de 2,5 kGy com inativação das leveduras nas doses de 5,0 e 7,5 kGy. A 25°C, não houve diferença alguma entre a testemunha e as amostras irradiadas com as doses de 0,0; 1,0; 1,5 e 2,5 kGy, entretanto, as colônias foram completamente inativadas com as doses 5,0 e 7,5 kGy.

Aos vinte e um dias de armazenamento, bem como aos trinta dias, as amostras apresentaram comportamentos iguais para todas as temperaturas, sendo que a 0°C não se observou diferença em nenhuma das amostras, quanto ao crescimento de Saccharomyces cerevisiae. A 5°C, a diferença foi constatada a partir da dose de 2,0 kGy, diferindo das doses mais baixas para menor quantidade de unidade formadora de colônias e com 2,5 kGy, já houve esterilização do suco, não diferindo das doses mais altas, 5,0 e 7,5 kGy (TABELA 4). A 25°C, os resultados não diferiram até a dose de 2,5 kGy, constatando-se que as doses de 5,0 e 7,5 kGy esterilizaram totalmente o suco.

De modo semelhante, as amostras armazenadas aos sessenta e noventa dias a 0°C, não apresentaram diferença entre as parcelas irradiadas e as não irradiadas. A 5°C já houve redução no crescimento de Saccharomyces cerevisiae aos sessenta dias de armazenamento, enquanto que aos noventa dias essa redução no crescimento se obteve somente a partir da dose de 2,0 kGy. A 25°C nenhuma amostra diferiu da outra até a dose de 2,5 kGy, as quais diferiram de 5,0 e 7,5 kGy, onde não se constatou presença de UFC da levedura.

Até a dose de 2,5 kGy o suco não apresentou diferença nas características organoléticas, as quais se caracterizaram pelos sabores amargo, remédio, cozido e óleo, observados nas doses de 5,0 e 7,5 kGy (Spoto, 1994).

Esses resultados estão de acordo com Brekke et al. (1968), os quais obtiveram purê de goiaba esterilizado com doses acima de 5,0 kGy e Kiss & Farkas (1972), que asseguraram produtos praticamente estéreis, ao irradiarem sucos de morango e maçã com 8 e 10 kGy, respectivamente. Wilska Jeszka & Skorupinska (1975), também conseguiram conservar sucos de tomate e ameixa e xarope de groselha por mais de um ano, quando irradiados com 5 e 15 kGy e armazenados a 23°C, enquanto Jona et al. (1983), conservaram, por nove meses, suco de uva irradiado com 10 e 25 kGy.

CONCLUSÕES

Irradiação com 1 kGy, associada com a temperatura de 0°C provou ser efetiva na conservação do suco de laranja até 90 dias de armazenamento, nas condições do ensaio, pela inativação total da população de leveduras.

Com temperaturas mais elevadas, aumentaram também as doses de irradiação para esterilização do suco em função do período de armazenamento. Desse modo, para conservação por 90 dias, somente as doses de 5,0 e 7,5 kGy inativaram as leveduras S. cerevisiae nas temperaturas de 5° e 25°C.

AGRADECIMENTOS

À Nadir Helena Voltarelli, pela digitação e diagramação do trabalho.

Recebido para publicação em 16.05.95

Aceito para publicação em 29.02.96

  • BREKKE, Y.E.; TONAKI, K.; MOY, J.H. The effect of gamma irradiation and refrigeration on spoilage and microbial population in guava pure concentrate. Food Irradiation, v.8, n.4, p.10, 1968.
  • DHARKAR, S.E. Radiation of orange juice. Indian Journal of Engenering and Technology, v.2, n.1, p.24, 1964.
  • HUSSAIN, A.; MAXIE, E.C. Effect of gamma rays on shelf life and quality of orange juice. International Biodeterioration Bulletin, v.10, n.3, p.81-86, 1974.
  • JOHNSON, L.F.; CURL, E.A. Methods for research on the ecology of soil-borne plant pathogens. Lane: Burgess, 1972. 24 p.
  • JONA, R.; GRIBAUDO, I.; VIGLIOCCO,R. Changes induced by radiations in unfermented grape juice. Radiation Physics and Chemistry, v.22, n.3/5, p.755-8, 1983.
  • KAINDL, K. International programme on irradiation of fruit and fruit juices. IN: SYMPOSIUM ON FOOD IRRADIATION, Vienna, 1966. Proceedings Vienna:IAEA, 1966. p.701-713.
  • KAUPERT, N.L.; LESCANO, H.G.; KOTLIAR, N. Conservation of apple and pear juice concentrates synergic effect of heat and radiation. IN: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON COMBINATION PROCESS IN FOOD IRRADIATION, Colombo, 1980. Proceedings Vienna: IAEA, 1981. p.205-216.
  • KISS, I.; FARKAS, J. Radiation preservation of fruit juices in combination with freeze-concentration. International Journal of Applied Radiation and Isotopes, v.23, n.4, p.161-71, 1972.
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  • SPOTO, M.H.F. Técnicas quimiométricas na avaliaçăo do sabor e aroma do suco de laranja concentrado e irradiado. Săo Paulo, 1994. 136p. Tese(Doutorado) - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares.
  • URBAIN, W.M. Biological effects of ionizing radiation. In:________. Food irradiation Orlando: Academic Press, 1986. p.83-117.
  • WILSKA-JESZKA, J.; SKORUPINSKA,A. Evaluation of radurized and pasteurized fruits juices during 12 months of storage. Chemia Spozywcza, v.23, n.169, p.243-59, 1975.
  • 1
    Trabalho apresentado no III ENAN, Águas de Lindóia, 7-11 agosto, 1995.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Fev 1999
    • Data do Fascículo
      Jan 1996

    Histórico

    • Aceito
      29 Fev 1996
    • Recebido
      16 Maio 1995
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