Acessibilidade / Reportar erro

COSMOPOLITISMO, PRÁTICAS DE MOBILIDADE E JUVENTUDE: A EXPERIÊNCIA DO INTERCÂMBIO ACADÊMICO ENTRE UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS

COSMOPOLITANISM, MOBILITY PRACTICES AND YOUTH: THE EXPERIENCE OF ACADEMIC EXCHANGE AMONG BRAZILIAN UNIVERSITY STUDENTS

Resumo

Os intercâmbios acadêmicos têm se tornado uma das principais políticas de internacionalização do ensino superior no Brasil e no mundo. Além de permitir aos estudantes a experiência de viver em outro país, aprender uma nova língua e adquirir novas habilidades, a eles estão associadas esperanças de renovação, atualização e modernização das universidades brasileiras. O presente artigo busca compreender as dinâmicas desse processo, articulando-o ao debate sobre cosmopolitismo, que sustenta parte do discurso acerca da ciência como projeto universal. Pretende ainda analisar a experiência de estudantes brasileiros que, financiados por sua própria universidade, puderam cursar parte de sua graduação em uma instituição estrangeira. Observa-se, em suas experiências, ganhos tanto em relação a suas trajetórias quanto às percepções sobre a universidade e a vida acadêmica.

Palavras-chave:
Cosmopolitismo; Intercâmbios acadêmicos; Internacionalização do Ensino Superior; Juventude; Mobilidade acadêmica

Abstract

Academic exchanges have become a main policy for the internationalization of higher education in Brazil and worldwide. Besides allowing students the experience of living in another country, learning a new language and acquiring new skills, they are associated with hopes of renewing, updating and modernizing Brazilian universities. This article seeks to understand the dynamics of this process, articulating it with the debate on cosmopolitanism, which upholds part of the scientific discourse as a universal project. Finally, it analyzes the experience of Brazilian students who, financed by their own university, were able to attend part of their undergraduate studies in a foreign institution. According to these students, studying abroad contributed to both their life trajectories and to broaden their understanding of university and academic life.

Keywords:
Cosmopolitanism; Academic exchange; Internationalization of Higher Education; Youth; Academic mobility

As práticas de mobilidade internacional são diversas e envolvem diferentes dimensões e atores1 1 Compreendemos mobilidade não apenas como o movimento de um ponto A ao ponto B, mas sim como um movimento imbuído de significado, produzido em determinado contexto e gerador de diferentes consequências (Adey, 2010). , apresentando-se como centrais para estruturar a vida de pessoas em diferentes partes do mundo. Dentre os múltiplos tipos de movers, pode-se citar: turistas e peregrinos; migrantes e refugiados; diplomatas, homens de negócio e trabalhadores de organizações internacionais; missionários e trabalhadores de ONGs; estudantes, professores e pesquisadores; atletas e artistas; soldados e jornalistas; crianças e cuidadores; bem como aqueles que trabalham em indústrias de tráfego e transporte, que movem as pessoas mundo afora (Salazar, 2018Salazar, Noel B. (2018). Theorizing mobility through concepts and figures. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, 30/2, p. 153-168.: 154).

Porém, cada tipo de mobilidade envolve uma dinâmica específica, com singularidades e características próprias, articuladas com dimensões mais amplas - “as viagens das pessoas e das coisas, das imagens e das ideias, estão sempre, de maneira direta ou indireta, interligadas em sistemas cada vez mais complexos e interdependentes” (Freire-Medeiros & Pinho, 2016Freire-Medeiros, Bianca & Pinho, Patricia de Santana. (2016). O turismo num mundo de mobilidades. Plural: Revista de Ciências Sociais, 23/2, p. 5 16: 5). Ao se analisar as práticas de mobilidade geográfica voluntária, observa-se frequentemente conexões translocais articuladas a algum tipo de mobilidade social, econômica e cultural (Salazar, 2017Salazar, Noel B. (2017). Key figures of mobility: an introduction. Social Anthropology, 25/1, p. 5-12.).

O presente artigo pretende focar em um tipo específico de movers: estudantes universitários. Essa prática de mobilidade transnacional tem suas particularidades, sendo um tipo de deslocamento valorizado e prestigiado. Entretanto, há, em tais movimentos, fatores estratificadores relevantes, como a orientação e os locais desses movimentos.

A circulação internacional tornou-se um trunfo decisivo na competição entre as elites nacionais e internacionais. Títulos, diplomas e competências adquiridos no estrangeiro vêm-se mostrando recursos cabais nos debates sobre a reforma do Estado, nas transformações do campo científico e na atribuição de poderes a instituições supranacionais (Almeida et al., 2004Almeida, Ana Maria F. et al (orgs.). (2004). Circulação internacional e formação intelectual das elites brasileiras. Campinas: Editora Unicamp.: 9).

Além da dimensão institucional, tais deslocamentos produzem impactos na vida cotidiana, nos projetos e nas trajetórias individuais e coletivas dos atores envolvidos (Barreto & Bitter, 2012Barreto, Alessandra Siqueira & Bitter, Daniel. (2012). Dossiê: deslocamentos urbanos: fluxos, trajetos e projetos. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia, 32, p. 11-17.). Velho (1997Velho, Gilberto. (1997). Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar.), ao analisar as consequências da saída dos indivíduos de suas famílias, origem, bairro, cidade ou país, para explorar novas possibilidades, observa que muitas vezes tais movimentos são traduzidos em sucesso, através do dinheiro e/ou diploma, que gera ascensão social e confere algum prestígio. Tal sucesso, portanto, é construído em domínios externos.

O fato de sair principalmente quando decorrente de uma decisão voluntária marca e enfatiza a existência do indivíduo enquanto sujeito moral, unidade mínima significativa que se destaca para fazer a sua vida, lutar, tornar-se um stranger em algum outro lugar ou meio. Ao sair da cidade, do bairro, da vizinhança, ao afastar-se dos parentes, o agente empírico sublinha a sua particularidade (Velho, 1997Velho, Gilberto. (1997). Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar.: 50).

Nestes termos, podemos entender o intercâmbio como um mecanismo gerador de prestígio adicional, pois o sujeito se torna literalmente um stranger, enfraquecendo - mesmo que por um momento demarcado temporalmente - os laços e redes constituídos e consequentemente se distinguindo de seus pares.

Além de produzir tais efeitos, há que se destacar o entrelaçamento do intercâmbio estudantil com o campo científico, que se configura internacionalmente. A ciência ocidental surge com uma forte pretensão universalista, acreditando ser capaz de compreender as diferentes características do mundo para além das fronteiras nacionais, utilizando-se de uma linguagem comum. A França, por exemplo, berço do Iluminismo, incorporou tal “missão” ao construir as cidades universitárias internacionais, com vistas a formar a “elite intelectual mundial”. O uso da categoria “elite”, recorrente até hoje entre os pesquisadores que lá frequentam, como nos mostrou Brum (2014Brum, Ceres Karam. (2014). Maison du Brésil: um território brasileiro em Paris. Porto Alegre: Evangraf.), tem como pano de fundo esse ideal civilizador universalista de formação, em que “os agentes possuidores de certa distinção social (os membros da elite) são socializados para retornarem a seus países e se tornarem disseminadores” (Brum, 2014Brum, Ceres Karam. (2014). Maison du Brésil: um território brasileiro em Paris. Porto Alegre: Evangraf.: 29).

É a partir dessa perspectiva, de compreender o intercâmbio estudantil como um tipo específico de mobilidade, produzido em determinado contexto e vinculado a um ciclo geracional específico, que apresentaremos o presente artigo. Para tal, iniciaremos pela discussão sobre cosmopolitismo, perspectiva presente nas concepções correntes de mobilidade internacional científica; posteriormente, articularemos tal noção com o debate de juventude, compreendendo que é majoritariamente nesse ciclo geracional específico que acontece a prática de mobilidade aqui retratada - intercâmbio internacional de estudantes de graduação. Tal argumento se sustentará com dados etnográficos de estudantes universitários que fizeram intercâmbio acadêmico internacional durante a graduação.

COSMOPOLITISMO E INTERNACIONALIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR

O debate sobre cosmopolitismo nos remete à Grécia antiga, frequentemente atrelado ao ideal de compreensão mais ampla do mundo, para além do lugar em que se está inserido. Naquele período, ser cosmopolita significava ser cidadão do mundo, pressupondo uma atitude positiva em relação à diferença em comunidades pacíficas, iguais e com capacidade de se comunicar através de fronteiras culturais e sociais distintas (Ribeiro, 2001Ribeiro, Gustavo Lins. (2001). Cosmopolitanism. In: International Encyclopedia of Social and Behavioral Sciences. Amsterdam: Elsevier, p. 2842-2845 (vol. 4).). Contemporaneamente, com o fenômeno da globalização, a definição ganha outra dimensão, considerando a ampliação das possibilidades de trânsito e circulação entre diferentes países e modos de vida. A ideia de um mundo sem fronteiras, com a circulação livre de pessoas e uma progressiva equalização entre nações, dando espaço para liberdades e escolhas individuais, sustenta essa perspectiva. Tal leitura se ancora politicamente pela noção do enfraquecimento da soberania dos Estados nacionais, simultaneamente com a emergência da ordem cosmopolita de negociações multilaterais, direitos humanos, paz e governança global. Baseia-se igualmente na noção de cidadania planetária, onde todos estão conectados a todos através de uma grande comunidade de mútuas compreensões e intercâmbios construtivos, em que as pessoas podem escolher a riqueza da diversidade humana e cultural (Hayden & El-Ojeili, 2009Hayden, Patrick & El-Ojeili, Chamsy (eds.). (2009). Globalization and utopia: critical essays. London: Palgrave Macmillan .). Ou seja, a concepção de cosmopolitismo estaria diretamente oposta ao de localismo, sendo a cosmopolis a indicação de um mundo sem fronteiras, de características universalistas e em que a circulação, o trânsito, a troca e a interação contribuiriam para essa experiência (Velho, 2010Velho, Gilberto. (2010). Metrópole, cosmopolitismo e mediação. Horizontes Antropológicos, 16/33, p. 15-23.).

É nesse sentido que Beck (2002Beck, Ulrich. (2002). The cosmopolitan society and its enemies. Theory, Culture & Society, 19/1-2, p. 17-44.: 18) apresenta a perspectiva cosmopolita como um novo patamar das “comunidades imaginadas”, como aquela que consegue superar a monologia contida no processo de consolidação dos Estados nacionais, uma vez que este é fundamentado na exclusão da alteridade. O cosmopolitismo trata, a seu ver, do projeto de formas alternativas de racionalidade que se pretendem inclusivas ao colocar experiências culturais contraditórias como centrais, seja no campo político, econômico, social ou científico. Neste sentido, o autor define três características principais de uma sociedade cosmopolita: a globalidade (abertura para o mundo com responsabilidades compartilhadas globalmente); a pluralidade (o reconhecimento da alteridade de outros povos e culturas); e civilidade (o compromisso com o diálogo e a não violência). Defende ainda, em virtude da realidade contemporânea de intensificação de fluxos de ideias, pessoas e bens, a necessidade de que as ciências sociais desenvolvam e aprimorem “metodologias cosmopolitas”, pois dualidades como global versus local, nacional versus internacional ou nós versus eles, que sustentaram tantas análises sociológicas ao longo do século passado, dissolveram-se em novas formas, que exigem atualização conceitual e empírica para que sejam compreendidas (Beck & Sznaider, 2010Beck, Ulrich & Sznaider, Natan. (2010). Unpacking cosmopolitanism for the social sciences: a research agenda. The British Journal of Sociology, 61/01, p. 381-403.).

O sujeito cosmopolita, produzido nesse contexto, teria a capacidade de mediar e se adaptar a diferentes códigos, símbolos e interesses. Hage (2005Hage, Ghassan. (2005). A not so multi-sited ethnography of a not so imagined community. Anthropological Theory, 5/4, p. 463-475.), por exemplo, ao estudar um grupo específico de libaneses - comerciantes e banqueiros, que circulam com frequência por diferentes países -, observou que eles nunca se autodenominam migrantes. Diziam que estavam apenas vivendo em diferentes cidades, mesmo que essa estadia durasse décadas. Segundo o autor, estes atores constituíam uma classe libanesa cosmopolita internacional, com os melhores passaportes, dinheiro e poder de compra, e, principalmente, compartilhando de habitus que os permitem se “sentir em casa” em diferentes lugares do mundo. Para estes, a casa é o mundo, e mover-se através de fronteiras não é mais significativo do que entre cidades ou casas dentro do próprio país. Estes sujeitos, por mais que tenham nascido em países considerados “periféricos”, ou seja, fora dos grandes centros capitalistas globais, constituíram um ethos fortemente cosmopolita.

Porém, nem todos os migrantes se consideram “cidadãos do mundo”, vinculados ao discurso da tolerância e aceitação da diversidade (Barreto & Dutra, 2015Barreto, Alessandra Siqueira & Dutra, Rogéria Campos de Almeida. (2015). Cosmopolitisme au pluriel: flux, médiation et différence dans le monde contemporain. Ateliers d’anthropologie: Laboratoire d’ethnologie et de sociologie comparative, 41.). Nesse sentido, outras abordagens sobre o cosmopolitismo se tornam possíveis, como tomá-lo antes por um fenômeno coletivo situado historicamente, fruto de relações sociais, do que ancorado em qualidades individuais ( Werbner, 2008Werbner, Pnina (ed.). (2008). Anthropology and the new cosmopolitanism: rooted, feminist and vernacular perspectives. Oxford: Berg.); ou por outras abordagens não tão idealizadas ou elitistas, como os conceitos de “cosmopolitismos discrepantes”, de Clifford (1992Clifford, James. (1992). Traveling cultures. In: Grossberg, Lawrence; Nelson, Carry & Treichler, Paula A. (eds.). Cultural studies. New York: Routledge , p. 96-116.), para tratar as culturas itinerantes de trabalhadores migrantes e refugiados; ou, ainda, por “cosmopolitismo vernacular” de Bhabha (1996Bhabha, Homi Kharshedji. (1996). Unsatisfied: notes on vernacular cosmopolitanism. In: García-Moreno, Laura & Pfeiffer, Peter. C. (eds.). Text and nation: cross-disciplinary essays on cultural and national identities. Columbia, SC: Camden House, p. 191-207.), levando em consideração a hibridização de culturas e tradições nos diferentes processos de circulação de pessoas, bens e significados.

Nessa nova perspectiva, não se pretende pensar o cosmopolitismo como contraponto à existência do Estado-nação, mas enfatizar as dimensões das práticas e ações, redefinindo o debate de cidadania a partir das noções de cidadania global ou cidadãos transnacionais. Ribeiro (2005Ribeiro, Gustavo Lins. (2005). What is Cosmopolitanism? Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, 2/1-2, p. 19-25.) também se esforça em atualizar o conceito, argumentando que a intensificação dos movimentos migratórios globais nos últimos dois séculos gerou pessoas “desenraizadas”. Essas pessoas estariam, ainda, imbricadas em complexas segmentações étnicas urbanas, redes transnacionais e diásporas culturais que, articuladas com os meios de comunicação de massa, produziram um cosmopolitismo popular, através de processos e visões de globalização descritos pelo autor como “vindo[s] de baixo”2 2 “from below”, no original (Ribeiro, 2005: 23). . Para ele, portanto, é preciso explorar a existência de vários cosmopolitismos, sendo que o popular difere dos corporativos, que por sua vez diferem dos turistas e dos acadêmicos internacionais.

A retórica do cosmopolitismo, em suas diferentes versões e interpretações, se faz frequente nos discursos sobre intercâmbios e internacionalização do ensino superior. O pressuposto universalismo da ciência moderna (Siegel, 2002Siegel, Harvey. (2002). Multiculturalism, universalism, and science education: in search of common ground. Science Education, 86/6, p. 803-820.; Somsen, 2008Somsen, Geert J. (2008). A history of universalism: conceptions of the internationality of science from the Enlightenment to the Cold War. Minerva, 46/3, p. 361-379.; Southerland, 2000Southerland, Sherry A. (2000). Epistemic universalism and the shortcomings of curricular multicultural science education. Science & Education, 9/3, 289-307.) sustenta esse discurso e essa pretensão. A ideia de um ethos científico universalista, como definido pelos quatro pilares de Merton (1973Merton, Robert K. (1973). The normative structure of science. In: Merton, Robert K. The sociology of science: theoretical and empirical investigations. Chicago: The University of Chicago Press, p. 267-278.)3 3 1) comunalismo epistêmico - o compartilhamento irrestrito do conhecimento científico; 2) o universalismo, ou impessoalidade - a validação científica independe de atributos pessoais, étnicos, nacionais ou culturais dos pesquisadores; 3) o desinteresse - isenção do conhecimento, ou seja, sem constrangimentos ou interesses políticos e econômicos; 4) e o ceticismo organizado - baseado na dúvida metódica de se escrutinar o conhecimento científico produzido (Merton, 1973). , permitiria com mais facilidade que estudantes universitários conseguissem protagonizar trajetórias cosmopolitas, adquirindo a habilidade de mediadores entre diferentes mundos.

Alguns estudos (Noble, 2009Noble, Greg. (2009). Everyday cosmopolitanism and the labour of intercultural community. In: Wise, Amanda & Velayutham, Selvaraj (eds.). Everyday Multiculturalism. London: Palgrave Macmillan , p. 46-65.; Rovisco & Nowicka, 2011Rovisco, Maria & Nowicka, Magdalena (eds.). (2011). The Ashgate Research Companion to cosmopolitanism. Farnham: Ashgate.; Vasta, 2012Vasta, Ellie. (2012). Affinities in multicultural neighbourhoods: shared values and their differences [Artigo apresentado]. Australian Sociological Association Conference, Brisbane, Queensland, Australia.; Wise, 2009Wise, Amanda. (2009). Everyday multiculturalism: transversal crossings and working class cosmopolitans. In: Wise, Amanda & Velayutham, Selvaraj (eds.). Everyday Multiculturalism. London: Palgrave Macmillan , p. 21-45.) procuram demonstrar como encontros acadêmicos interculturais - entre pessoas de diferentes países - favorecem a construção de crenças compartilhadas, produzindo visões globais sobre inclusão e diversidade social, além de uma compreensão mais “cosmopolita” do mundo. As mobilidades acadêmicas têm se tornado prática corrente mundo afora, sendo parte de uma mudança contínua nos processos de ensino-aprendizagem das instituições de ensino superior, produzindo alterações tanto nos currículos quanto nas práticas de recrutamento de alunos e funcionários (Kirpitchenko, 2014Kirpitchenko, Liudmila. (2014). Locating cosmopolitanism within academic mobility. Cosmopolitan Civil Societies Journal, 6/1, p. 56-75.). Porém, para além das dinâmicas institucionais, o processo de intensificação da mobilidade acadêmica permite trocas interculturais significativas, sobretudo quando protagonizadas por estudantes de diferentes continentes. Há autores que ressaltam essa dimensão, enfatizando que uma tradução cultural bem-sucedida entre esses estudantes estimula novas práticas de produção de conhecimento, mais interativas, com diferentes vínculos e compartilhamento de diferentes perspectivas socioculturais (Kim, 2010Kim, Terri. (2010). Transnational academic mobility, knowledge, and identity capital. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 31/5, p. 577-591.; Kirpitchenko, 2014Kirpitchenko, Liudmila. (2014). Locating cosmopolitanism within academic mobility. Cosmopolitan Civil Societies Journal, 6/1, p. 56-75.; Marotta, 2010Marotta, Vince P. (2010). The cosmopolitan stranger. In: Van Hooft, Stan & Vandekerckhove, Wim (eds.). Questioning cosmopolitanism. New York: Springer, p. 105-120.). Kirpitchenko (2014)Kirpitchenko, Liudmila. (2014). Locating cosmopolitanism within academic mobility. Cosmopolitan Civil Societies Journal, 6/1, p. 56-75. recorre à Bourdieu ao propor o conceito de “disposições cosmopolitas” para nomear essas novas práticas que consistem no desenvolvimento de um repertório de habilidades para conseguir transitar e mediar diferentes gramáticas culturais.

Nesse ensejo, várias políticas foram criadas com vistas a intensificar esse processo, como o Programa Erasmus, iniciado na União Europeia em 1987, cujo objetivo era garantir o intercâmbio entre estudantes pelos países membros do bloco. Embora tenha sido, posteriormente, ampliado para o “Erasmus Mundus”, financiando a viagem de estudantes universitários por todo o globo, vale destacar a ênfase conferida à circulação interna aos países daquele continente. Seus propositores defendem que “migrantes acadêmicos” adquirem, com esta experiência, certo “espírito cosmopolita”, capaz de produzir uma comunidade científica internacional (Kirpitchenko, 2014Kirpitchenko, Liudmila. (2014). Locating cosmopolitanism within academic mobility. Cosmopolitan Civil Societies Journal, 6/1, p. 56-75.; Waldron, 1992Waldron, Jeremy. (1992). Minority cultures and the cosmopolitan alternative. University of Michigan Journal of Law Reform, 25/3-4, p. 751-793.). Além disso, o Programa conseguiria promover “valores europeus comuns”, como tolerância e respeito à diversidade cultural; bem como o discurso da liberdade do movimento dentro da União Europeia, tida como elemento agregador político, econômico e social (European Comission, [2019]European Comission. ([2019]). International cooperation and policy dialogue. Disponível em <Disponível em https://education.ec.europa.eu/international-cooperation-and-policy-dialogue >. Acesso em 2 abr. 2022.
https://education.ec.europa.eu/internati...
). Nesse processo, a juventude acaba por ser o ciclo geracional privilegiado para incorporar tais disposições e protagonizar esse deslocamento.

SER UM JOVEM INTERCAMBISTA: PROJETO DE FUTURO E INICIAÇÃO ACADÊMICA INTERNACIONAL

A juventude é uma categoria sociológica relevante, havendo inúmeros trabalhos dedicados ao tema. Porém, falar dos jovens como uma unidade social, com interesses comuns determinados por uma faixa etária, é um esforço simplista de compreender essa fase geracional; mas tampouco é fácil conceituá-la. A própria sociologia da juventude, conforme nos lembra Pais (1993Pais, José Machado. (1993). Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.), ora opta por compreender a juventude como um conjunto social cujo atributo central é compartilhar determinada “fase da vida”, com aspectos mais ou menos uniformes e homogêneos; ora por compreender a juventude como um conjunto social diversificado, atravessado por outros marcadores sociais da diferença, como classe, envolvendo universos sociais radicalmente distintos. Bourdieu (1983Bourdieu, Pierre. (1983). Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero), por exemplo, enfatiza o fato de ser a idade um dado biológico manipulado e manipulável socialmente, sendo impossível compreender os jovens4 4 De acordo com a definição do Estatuto da Juventude, utilizada na elaboração de políticas públicas de juventude no Brasil, considera-se jovem todo aquele que tem entre 15 e 29 anos (BRASIL, 2013). Entretanto, as classificações sociológicas ultrapassam esse limite, havendo as que compreendem juventude mais como um ethos, um estilo de vida, do que circunscrita a um recorte geracional específico (Almeida, 2016). como uma unidade social ou grupo constituído dotado de interesses comuns.

Por outro lado, o debate sobre “cultura juvenil”, desenvolvido principalmente a partir da metade do século XX (Hobsbawm, 1995Hobsbawm, Eric. (1995). Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras.), privilegia a existência dos “valores em comum” deste grupo, ao reconhecer os jovens como aqueles que melhor incorporariam o “espírito de seu tempo”: uma existência “moderna”, caracterizada pela abertura a novas possibilidades e formas de vida, baseada na renovação, criatividade e hedonismo (Enne, 2010Enne, Ana Lucia. (2010). Juventude como espírito do tempo, faixa etária e estilo de vida: processos constitutivos de uma categoria-chave da modernidade. Comunicação, Mídia e Consumo, 7/20, p. 13-35.).

As práticas de mobilidade protagonizadas por jovens, nomeadas de “viagens de juventude”, se nutrem desta percepção, ao serem identificadas como um período de aventura e construção de subjetividade, de suspensão temporária do “mundo dos adultos”. De forma diversa a outros tipos de viagem, como as viagens de negócio, turismo ou trabalho, a experiência destes jovens, intensamente compartilhada entre iguais, é compreendida como “mistura experiencial”, em que educação, lazer, evasão e cultura se cruzam, articuladas por um ciclo geracional específico (Calvo, 2014Calvo, Daniel Malet. (2014). “Tornar-se outra pessoa”: narrativas de transformação subjetiva e processos de distinção entre os jovens estudantes Erasmus em Lisboa. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia , (37), p .51-77.; Jafari, 1992Jafari, Jafar. (1992). Significado sociocultural y educacional del turismo de juventud. Papers de Turisme, 8-9, p. 39-55.).

As iniciativas de intercâmbio acadêmico de graduação5 5 Os intercâmbios acadêmicos protagonizados por estudantes de pós-graduação, pesquisadores e professores possuem dinâmica distinta da observada, não estando necessariamente articulados à ideia de “viagem de juventude”. podem ser compreendidas sob esse prisma. Calvo (2014Calvo, Daniel Malet. (2014). “Tornar-se outra pessoa”: narrativas de transformação subjetiva e processos de distinção entre os jovens estudantes Erasmus em Lisboa. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia , (37), p .51-77.), ao abordar a “experiência Erasmus” em Lisboa, aponta como aqueles estudantes vivenciavam o período do intercâmbio como rito de passagem da juventude para a idade adulta, marcada pelo alcance a um perfil “cosmopolita”, caracterizado pelo “prazer por viajar, capacidade de falar línguas estrangeiras, de adaptação a novos contextos e tolerância perante as diferenças culturais” (Calvo, 2014Calvo, Daniel Malet. (2014). “Tornar-se outra pessoa”: narrativas de transformação subjetiva e processos de distinção entre os jovens estudantes Erasmus em Lisboa. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia , (37), p .51-77.: 58). Nos termos de Murphy-Lejeune (2001Murphy-Lejeune, Elizabeth. (2001). Le capital de mobilité: genèse d’un étudiant voyageur. Mélanges Crapel, 26, p. 137-165.), trata-se de um processo de aquisição e incorporação de um “capital de mobilidade”, pois estes sujeitos estão expostos e são obrigados a transitarem em diferentes gramáticas culturais, sociais e afetivas. Assim, o intercâmbio pressupõe a incorporação e desenvolvimento de determinado ethos, que está diretamente associado a determinado eidos6 6 Para Bateson (2008: 96) o eidos de uma cultura refere-se à expressão dos aspectos cognitivos padronizados dos indivíduos, enquanto ethos é a expressão correspondente de seus aspectos afetivos padronizados. A soma do ethos e eidos forma o que Benedict (1932) chamou de configuração. Como salienta Velho (1991: 122), a ênfase nos aspectos cognitivos recai em visão de mundo e eidos, enquanto ethos estaria associado a estilo de vida, aspectos afetivos, estéticos etc. . Apesar de compreendermos que as “viagens de juventude” não são práticas homogêneas, e tampouco compartilhadas por atores sociais, independentemente de outros marcadores sociais da diferença, entende-se que elas representam possibilidades de se viver experiências até então não vividas, fazendo coisas e visitando lugares que até então não se fizeram ou visitaram; e consequentemente adquirindo novas habilidades que poderão ser úteis no país de origem.

A essa perspectiva, podemos agregar as contribuições de Mannheim (1993Mannheim, Karl. (1993). El problema de las generaciones. Reis: Revista Española de Investigaciones Sociológicas, 62, p. 193-243.), que procura sistematizar o caráter estruturalmente inovador da juventude. O autor reconhece a existência de uma “conexão geracional” (Generationszusammenhang) que, casualmente, interliga todos os indivíduos de um mesmo ciclo de vida. Para ele, não se pode deduzir o pertencimento a uma geração pelas estruturas biológicas e lineares, como defendia o positivismo. O problema das gerações teria que ser tratado como um processo dinâmico e interativo, através do movimento constante de irrupção de novos portadores de cultura e da substituição dos antigos. Identifica-se, portanto, a inerente conexão entre gerações no processo histórico, pautada pela necessidade de transmitir constantemente, pelas gerações anteriores às novas gerações, os bens culturais acumulados, bem como sua renovação, gerando um caráter contínuo de mudança (Mannheim, 1993Mannheim, Karl. (1993). El problema de las generaciones. Reis: Revista Española de Investigaciones Sociológicas, 62, p. 193-243.; Weller, 2010Weller, Wivian. (2010). A atualidade do conceito de gerações de Karl Mannheim. Revista Sociedade e Estado, 25/2, p. 205-224.).

O intercâmbio acadêmico se sustenta, enquanto projeto, na aposta no caráter transformador da juventude, permitindo com que novas gerações, ao experenciar outros lugares e culturas, contribuam para a renovação da educação superior em seus países de origem, assim como das suas trajetórias profissionais. Tal fenômeno, de caráter global, é sustentado por iniciativas que contemplam diferentes dimensões estratégicas: a dimensão política, como forma de intensificar relações diplomáticas entre países; a econômica, pois empregadores valorizam trabalhadores com “habilidades transculturais”, para operar internacionalmente; a educacional, como forma de permitir maior internacionalização das instituições de ensino superior, bem como ampliar o fluxo de diferentes capitais para as universidades; e também a pessoal, pois permite que os jovens possam adquirir novas habilidades que não estariam disponíveis em seu local de origem (Cairns, 2014Cairns, David. (2014). Youth transitions, international student mobility and spatial reflexivity: being mobile? London: Palgrave Macmillan., 2018Cairns, David. (2018). Mapping the youth mobility field: youth sociology and student mobility and migration in a european context. In: A. Lange, H. Reiter, S. Shutter, A. Lange , C. Steinar (eds.). Handbuch Kindheits-und Jugendsoziologie. Wiesbaden: Springer, p. 463-478.).

Em 2017, havia 4 milhões e 600 mil estudantes universitários fora de seus países de origem, sendo os principais destinos Estados Unidos (24%), Reino Unido (11%), China (10%), França (7%), Austrália (7%), Canadá (7%), Rússia (6%) e Alemanha (6%) (Institute of International Education, 2018Institute of International Education. (2018). A world on the move: trends in global student mobility: issue 2. New York: Institute of International Education.). Quando se compara o número de estudantes estrangeiros com o total de estudantes matriculados no país, lideram Reino Unido (21%), Austrália (20%) e Canadá (12,9%) (Institute of International Education, 2018Institute of International Education. (2018). A world on the move: trends in global student mobility: issue 2. New York: Institute of International Education.).

Segundo a Unesco, havia, em 2019, cerca de 82 mil (81.882) estudantes brasileiros em mobilidade no exterior, número baixo, se comparado com alguns países do BRICS7 7 Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. , como Índia (461.792) e China (1.061.511) (Unesco, 2022aUnesco. (2022a). Global f low of tertiary-level students. Montreal: Unesco Institute for Statistics. Disponível em <Disponível em http://uis.unesco.org/en/uis-student-flow#slideoutsearch >. Acesso em 2 abr. de 2022.
http://uis.unesco.org/en/uis-student-flo...
, 2022bUnesco. (2022b). Outbound internationally mobile students by host region. Montreal: Unesco Institute for Statistics . Disponível em <Disponível em http://data.uis.unesco.org/index.aspx?queryid=3807 >. Acesso em 2 abr. de 2022.
http://data.uis.unesco.org/index.aspx?qu...
). De acordo com estudo coordenado pelo Institute of International Education (The Power of International Education), apenas 0,6% dos estudantes universitários brasileiros estão no exterior. Entre os fatores que mantêm baixo esse número - quando comparado com países vizinhos, como Equador (2%), Colômbia (1,2%) e Chile (0,8%) -, pode-se indicar o não domínio do inglês pelos universitários brasileiros, bem como um consolidado sistema universitário no país (Robles & Bhandari, 2017Robles, Chelsea & Bhandari, Rajika. (2017). Higher education and student mobility: a capacity building pilot study in Brazil. New York: Institute of International Education .).

Porém, tal cenário tem mudado gradativamente, tendo como ápice desse processo a criação do Programa “Ciência sem Fronteiras” (CsF), em 2011, como uma política nacional de envio de estudantes para o exterior8 8 Já havia uma política consolidada de envio de estudantes brasileiros para o exterior pelas duas principais agências de fomento à pesquisa e pós-graduação no Brasil: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Com o CsF, entretanto, a quantidade de bolsas ofertadas cresceu consideravelmente. . O Programa tinha como objetivo fomentar o intercâmbio de alunos de graduação e pós-graduação no exterior, com vistas a ampliar a internacionalização das instituições de ensino superior brasileiras, bem como contribuir para a competitividade das empresas do país através da qualificação de recursos humanos (Brasil, 2011Brasil. (2011). Decreto nº 7.642, de 13 de dezembro de 2011. Institui o Programa Ciência sem Fronteiras. Diário Oficial da União, 14 dez. 2011. Disponível em <Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7642.htm >. Acesso em: 24 mar. 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Do total de 92.880 bolsas implementadas pelo Programa, 73.353 foram para a “graduação sanduíche no exterior” (aproximadamente 79%)9 9 Tais dados foram retirados do “Painel de Controle do Programa Ciência sem Fronteiras”. Disponível em <http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/painel-de-controle>. Acesso em 08 out. 19. .

O incremento dessa política, entretanto, vinha acontecendo gradualmente ano a ano, mesmo antes do CsF. Ao compararmos os dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) sobre o número de bolsas ofertadas para a “graduação sanduíche” a partir de 1998, pode-se observar esse crescimento gradual, potencializado a partir de 2012, com o CsF10 10 A responsabilidade da oferta das bolsas do CsF foi compartilhada, sobretudo, pela Capes e CNPq. O Programa tinha a pretensão inicial de atrair empresas para auxiliar na concessão de bolsas, mas a responsabilidade maior ficou a cargo dos órgãos de fomento nacionais. (Tabela 1).

Tabela 1
Número de bolsas de graduação sanduíche/ano

Além da Capes e do CsF, algumas instituições de ensino superior criaram programas internos de bolsas de intercâmbio acadêmico, com recursos oriundos de seus próprios orçamentos, como é o caso dos bolsistas interlocutores do presente trabalho, que foram contemplados com bolsas de sua instituição para realizar intercâmbio durante a graduação. O que aqui se busca compreender é, a partir das experiências desses bolsistas, como essas políticas de internacionalização através da mobilidade estudantil são vivenciadas pelos estudantes e quais os desdobramentos de tais incentivos.

Para tal, realizou-se trabalho de campo nos eventos de seleção e integração desses bolsistas de graduação da universidade estudada e, a partir disso, selecionou-se um grupo representativo do universo total dos intercambistas, oriundos de diferentes cursos e áreas de conhecimento e que se destinaram a diferentes países para realizarem o intercâmbio, com vistas a construir um grupo heterogêneo. Estes alunos já estavam, em sua maioria, na segunda metade de seus cursos de graduação quando foram selecionados para realizar o intercâmbio. No momento em que os contatamos, eles tinham entre 21 e 26 anos, e as entrevistas foram realizadas em duas ocasiões: antes de irem para o exterior e assim que retornaram, além de terem sido acompanhados pelos pesquisadores, no período que estiveram fora, através de suas redes sociais virtuais.

É POSSÍVEL SER UM JOVEM COSMOPOLITA VINDO DE FORA DO CENTRO?

Cosmopolitismo como projeto

Alguns autores têm apontado os alunos de intercâmbio como portadores de três diferentes estigmas: “jovens”, “estrangeiros” e “estudantes”, o que faz com que encontrem dificuldades de socialização no exterior. Essa situação acaba por gerar uma endogenia intensa, em que práticas de socialização se concentram frequentemente entre pares, ou seja, com outros estudantes na mesma condição, muitas vezes da própria nacionalidade (Calvo, 2014Calvo, Daniel Malet. (2014). “Tornar-se outra pessoa”: narrativas de transformação subjetiva e processos de distinção entre os jovens estudantes Erasmus em Lisboa. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia , (37), p .51-77.). Apesar de identificarmos esta situação, o discurso de experimentação do mundo e descoberta de si esteve presente na fala dos interlocutores da pesquisa aqui retratada.

Entre os estudantes entrevistados, Tiago11 11 Todos os nomes aqui utilizados são pseudônimos, garantindo o anonimato dos interlocutores da pesquisa. , graduando do curso de Direito que foi para a Itália, afirmou, antes de partir, ser sua principal motivação para o intercâmbio a possibilidade de novas experiências ao acessar “a riqueza que morar em um país distante e com cultura diferente pode proporcionar”. Para ele, viajar era algo prazeroso, que fazia sempre, mas viajar via intercâmbio lhe permitiria “realmente viver uma experiência mais completa, com aprimoramento da língua, fazer amigos nativos e estrangeiros e morar numa cidade estrangeira, com possibilidade de se fazer turismo durante os dias livres”. Ele acreditava que se tornaria mais maduro e independente com a viagem, pois seria a primeira vez que ficaria tanto tempo “longe de casa”. Queria conhecer melhor a Itália e a Europa, se tornar fluente em italiano e desenvolver ainda mais o inglês e francês12 12 Dados obtidos através de entrevista antes da viagem, em 2013. .

Carlos, estudante de Direito que foi para os Estados Unidos - país que “sempre sonhou morar” -, também acreditava que o intercâmbio permitiria uma mudança profunda em sua forma de ver o mundo, que se tornaria “uma pessoa diferente depois da experiência, mais seguro e mais confiante de seus projetos pessoais”:

Eu quero que o intercâmbio seja isso, que eu consiga me enxergar a ponto de definir ‘eu quero fazer isso, eu quero fazer aquilo’. […] É aquela coisa, eu preciso me distanciar da minha vida de aqui, da vida que eu levo aqui, dos problemas que eu levo aqui, do convívio social que eu levo aqui, pra avaliar, pra julgar. Eu acho que foi nas aulas de antropologia que eu vi, que eu preciso ter um olhar distanciado desse meu íntimo aqui pra poder [dizer] ‘isso eu quero’, ‘isso eu não quero’, ‘isso precisa mudar’, ‘isso não precisa mudar’, e ter certeza, ter firmeza […]. É uma viagem de autoconhecimento, acho que definiria assim (Carlos, entrevista antes da partida, 2013).

Projeto semelhante foi compartilhado por Ricardo, estudante de Economia que foi para a Coréia do Sul. Ele, porém, defendia que seu projeto era fazer um “intercâmbio cultural”. Para tal, ir para a Europa ou Estados Unidos pouco acrescentaria à sua experiência, pois a “nossa cultura” teria muitas semelhanças à daqueles países: “quando você já fala alguma coisa, tipo, um país árabe, no Oriente, alguns países da Europa também, rola um tipo e contato que é, assim, um pouco mais impactante, é um pouco mais chocante. E eu acho que assim, pra essa questão cultural, o choque, eu acho que ele é bastante importante, sabe? Você ter um choque com uma outra cultura13 13 Dados obtidos através de entrevista antes da viagem, em 2013. . Para ele, a experiência no país asiático permitiria uma mudança profunda em sua própria existência.

Eu acho que quando eu voltar, a única certeza que eu realmente tenho em fazer o intercâmbio é de que, quando eu voltar, eu não vou ser a mesma pessoa. Eu não vou voltar da mesma maneira, até porque tem essa possibilidade pra além do âmbito profissional. Eu acho que quando você observa um novo estilo de vida, como as pessoas levam uma outra vida completamente diferente, você começa a arrumar exemplos pra sua própria vida, né? A gente é criado pra estudar, passar no vestibular, sabe? Será que não existe uma outra maneira de viver? Essa pra mim é a grande questão do meu intercâmbio pra Coréia (Ricardo, entrevista antes da partida, 2013).

Todos os estudantes interlocutores da pesquisa, antes de ir, justificavam a viagem pela possibilidade de se tornar “outra pessoa” e ver seu próprio país de outra maneira. Acreditavam, portanto, que conviver em contextos culturais distintos os habilitaria a transitar e habitar melhor o mundo, incorporando “disposições cosmopolitas” (Kirpitchenko, 2014Kirpitchenko, Liudmila. (2014). Locating cosmopolitanism within academic mobility. Cosmopolitan Civil Societies Journal, 6/1, p. 56-75.).

Porém, estar em outro país obrigatoriamente posiciona o sujeito como “estrangeiro”, pertencente a outro lugar, levando estes estudantes no exterior a reconstruir sua identidade como brasileiros. Como afirma Ribeiro (1998Ribeiro, Gustavo Lins. (1998). Goiânia, Califórnia: vulnerabilidade, ambiguidade e cidadania transnacional. Série Antropologia, 235, p. 1-22.: 13) a respeito da experiência do imigrante em um país estrangeiro, “a inserção em uma segmentação étnica mais ampla torna os brasileiros um segmento identificado por sua identidade nacional, um rótulo a priori que informa as interações sociais que performam”. Desta forma, “ser brasileiro” no exterior orienta as interações dos sujeitos e os conduz à reflexão acerca de sua identidade, que, compreendida de forma difusa no Brasil, no exterior se constrói de forma clara e sistematizada.

A identidade nacional torna-se, então, ao mesmo tempo, uma verdadeira identidade internacional e a mais importante para as interações diárias no espaço público. Os brasileiros, em situações cosmopolitas, expostos a uma grande variedade de segmentos étnicos, tornam-se ao mesmo tempo mais e menos brasileiros. Enquanto no Brasil, a identidade nacional brasileira é uma abstração que raramente intervém nas interações sociais, afinal de contas ser brasileiro é dado de barato no Brasil, nos EUA é necessário apenas abrir a boca para ser classificado como estrangeiro, alguém de uma terra distante e exótica (Ribeiro, 1998Ribeiro, Gustavo Lins. (1998). Goiânia, Califórnia: vulnerabilidade, ambiguidade e cidadania transnacional. Série Antropologia, 235, p. 1-22.: 13).

Carlos, que antes de viajar se considerava uma pessoa” americanizada”, por causa da frequência com que assistia a séries americanas, afirmou que “Eu tive que sair daqui pra ver que eu sou brasileiro mesmo”. Para ele, o principal fator para essa percepção de se “sentir brasileiro” foi a questão do toque e da intimidade de amigos. “É aí que eu vejo que eu sou brasileiro mesmo: eu gosto de tocar as pessoas, eu gosto de me envolver com as pessoas. Eu gosto de saber o pessoal, o privado, e eles escondem o privado. O privado é só deles”. Ao retornar, reconheceu que tinha uma visão sobre os americanos que não encontrou durante sua experiência. Ele acreditava que se encaixaria com tranquilidade na vida daquele país, mas, de volta ao Brasil, afirmou que tal pressuposição nunca se concretizaria14 14 Dados obtidos através de entrevista após o retorno, em 2014. .

Adriana, estudante de Letras que foi para França, foi confrontada com representações cristalizadas sobre o Brasil.

Olha, foi assim, você se sentir ninguém, porque eles não sabem o quê que é Brasil, eles têm uma ideia totalmente diferente do que é ser brasileiro, do que é Brasil. Eles acham até hoje que no Brasil só tem negro, eles acham que a capital do Brasil é Buenos Aires… Ih, a gente ouviu cada coisa assim sabe, hilária. E assim, realmente eles não sabem nada, então foi assim, a gente ficava, não sabem que a gente fala português, eles acham que a gente fala espanhol. […] E foi onde meio que surgiu aquele patriotismo, né? Aquela coisa “eu amo o meu país” mesmo (Adriana, entrevista após o retorno, 2014).

Não estava traçado, para nenhum destes estudantes, um objetivo único com a viagem, antes de partir. Muitos deles tinham o discurso de aproveitar a experiência para poder aprimorar determinadas dimensões em suas vidas, mas não era nisso que a viagem se resumia. Para muitos, o intercâmbio aparecia como uma oportunidade criada na universidade e que poderia ser aproveitada por eles.

sempre foi meu sonho, sempre foi meu sonho. Desde que eu comecei a fazer inglês em 98, eu tinha vontade de morar fora, de viver um período fora, de ter uma experiência fora. Só que eu era muito novo, não me sentia com tanto apoio assim, pra poder fazer isso, e agora que veio a oportunidade eu falei ‘vamos tentar’ (Carlos, entrevista antes da viagem, 2013).

A possiblidade da experiência de morar fora orientou a ação desses sujeitos, a maioria dos quais viajando para o exterior pela primeira vez. A pretensão cosmopolita de conhecer e transitar pelo mundo fazia parte de seus horizontes. E mesmo com as dificuldades inerentes a tal tipo de experiência eles puderam experimentar parte dessa pretensão.

você vê como o mundo, seu mundo é pequeno. Por mais que você seja viajado, tem condição boa, você tem uma noção de universo que não é real - isso amplia a sua cabeça. E você vê um monte de gente de tudo quanto é lugar, você vê gente com o mesmo problema, mesmo drama que você. Você vê que o mundo é muito extenso, muito, muito grande. […] Eu acho que eu cresci como pessoa, cresci como olhar o indivíduo ali. […] E aprender a ter tato com as pessoas. Isso é fenomenal. E, assim, é aquela coisa, eu sempre falei muito, mas era meio tímido, hoje eu acho que eu consigo me expor mais, ‘vestir a camisa’, vamos dizer assim. E eu acho que esse contato com as pessoas acho que cresceu também. Acho que [o] positivo foi isso: mudar o olhar, o mudar o pensar, o mudar a cabeça (Carlos, entrevista após o retorno, 2014).

Inserção acadêmica internacional

Esta experiência, além de afetar projetos individuais, também influenciou percepções sobre o contexto universitário. Ao vivenciarem outro sistema educacional, as diferentes possibilidades de como pode ser uma universidade passam a fazer parte da compreensão destes atores. Tiago, por exemplo, ao retornar, destacou como a estrutura do ensino na universidade italiana produz maior autonomia, se comparada ao modelo brasileiro.

a estrutura em geral é muito diferente. Aqui, em geral, a gente tem, pelo menos no Direito, um ensino muito voltado pra sala de aula, quadro, professor escrevendo no quadro, e a gente ouvindo, ouvindo. Lá tem um pouco mais de, não sei, deixa o aluno pesquisar um pouco mais por si mesmo. Por exemplo: a gente tem que ler um livro base e fazer um trabalho a respeito dele e a prova oral a respeito sobre esse livro base que a gente tem que ler durante os seis meses que a gente tá lá, que é o período do curso. Pra cada matéria tem um livro. E aqui no Brasil a gente não tem muito isso, a gente estuda muito por caderno, é uma coisa bem diferente nesse sentido (Tiago, entrevista após o retorno, 2014).

Já Ricardo enfatizou que o corpo docente da universidade para onde foi era bem internacionalizado, modelo inacessível no Brasil. Tal fator, para ele, havia sido um incentivo adicional para escolher aquela universidade.

Tem muito mais professores estrangeiros que a nossa, mas, assim, eu não posso afirmar que toda Coreia seja assim porque é uma universidade de estudos estrangeiros, de línguas estrangeiras, então você tem professores do mundo inteiro, mesmo assim dando aula de política, você tem o norte-americano, um canadense, um sul-coreano, entendeu? O corpo docente da universidade é bem misto, do mundo inteiro. Eu achei isso diferente, porque aqui a gente não tem um contato tão grande com professores estrangeiros assim (Ricardo, entrevista após o retorno, 2014).

Esse perfil internacionalizado também foi destacado por Carlos, em relação à universidade norte-americana; além da estrutura acolhedora e organizada da instituição.

é um tipo de universidade que tá preparada pra receber estrangeiro. Você tem um monte de facilidade pra estrangeiro: você tinha a tutoria, gratuita, quantas vezes você quisesse; estavam disponíveis pra consertar se estava errado, se estava bem escrito. Vários programas de interação. […] Ela fala que o lema dela é global education, assim, ela está buscando, dá um monte de benefício pra estrangeiro que vem, ela está preparada pra receber. […] o bom foi isso: estava com os estrangeiros o tempo todo, menos com os americanos que não moravam na faculdade.

A biblioteca, assim, é mais que casa. É aquela coisa, a biblioteca nossa aqui é fria, você não tem prazer de estar ali. A biblioteca lá, ela tinha evento toda semana, estimulava que os clubes se encontrassem lá: era clube de crochê, clube indiano, clube chinês, tudo num mesmo evento. Micro-ondas pro pessoal que levava almoço - eu fazia isso: sentar e comer lá. Não tem essa palhaçada de ter que guardar bolsa, você entrava com bolsa, circulava nos três andares e ninguém tava nem aí. Tinha uma videoteca que você podia pegar e ficar uma semana com DVD, um monte de sofá espalhado, pro pessoal chegar lá, deitar e…perfeito. Assim, é o que eu falo: a única coisa que se eu pudesse tirar de lá e traz[er] - era a biblioteca. Esse sistema de apoio que a biblioteca dá pros alunos lá, a tutoria em inglês que a gente ia tirar dúvida era lá. Assim, eu vejo [que] isso foi uma segunda casa pra mim. E não existe aqui. E essa questão de comparação que eu vejo que a gente tá lá embaixo é isso: esse apoio que a biblioteca dá, não só do espaço físico pra estudar e livro. É de fazer sentir bem, é de fazer você melhorar (Carlos, entrevista após o retorno, 2014).

Tais relatos demonstram, de alguma maneira, a potencialidade da experiência em termos de internacionalização do ensino superior. Conhecer outras universidades permite, consequentemente, uma reflexão dos estudantes sobre suas próprias instituições - exercício nem sempre possível quando não se conhece outra realidade. Dessa forma, para além de ganhos pessoais no investimento nas trajetórias desses estudantes, fazer o intercâmbio permite que a própria experiência da universidade do Brasil seja colocada em questão, seja para melhorá-la, seja para reconhecer as qualidades da instituição de origem. Ricardo, por exemplo, destacou as limitações do modelo sul-coreano, festejado internacionalmente.

Em relação à cultura, o quê que eu vi: um país que tem um preparo muito maior, então eles são extremamente desenvolvidos em área de tecnologia, que eles tiveram um investimento nessa área imenso né, depois da Guerra e tal, então eles são ponta no mundo hoje em tecnologia, e isso facilita muito a vida em diversos aspectos. Por outro lado, eles não desenvolveram a área de Humanas deles: eles têm uma mente muito fechada pra tudo, mesmo os debates de Humanas e da área de Política na universidade são muito aquém do que a gente tem aqui no Brasil. Porque a gente sempre priorizou a área de Humanas aqui, nossa História… não de priorização, não houve isso politicamente realmente, mas o país tem essa veia de área de Humanas, então, a nossa área de Humanas é muito mais desenvolvida que a deles, coisa que a gente não percebe. Às vezes eu leio matérias aqui falando sobre educação na Coreia e eu percebo que eles não têm noção do que eles estão falando, porque a educação lá é totalmente castrativa, é extremamente violenta, é um processo extremamente violento. Ok, gera seus frutos lá de tecnologia, et cetera e tal, mas […], além de totalmente tecnicista, gera altos níveis de suicídio, e as crianças, elas estudam dia e noite, é uma coisa doentia. E quando a gente fala alguma coisa positiva em relação a eles aqui, eu percebo que esse lado não está sendo visto (Ricardo, entrevista após o retorno, 2014).

Estar em outro contexto, portanto, permite que esses jovens universitários produzam um olhar mais complexo e diversificado sobre a universidade (em particular) e sobre a realidade sociocultural (de seu país e do país estrangeiro) em um sentido mais amplo. Potencialmente favorece, ainda, a redefinição de seus projetos, como por exemplo fortalecer a intenção de viver no exterior, fato esse que suscita reflexões acerca da “fuga de cérebros”. Apesar de diferentes interpretações teóricas sobre este fenômeno (Meyer, 2001Meyer, Jean-Baptiste. (2001). Network approach versus brain drain: lessons from the diaspora. International Migration, 39/5, p. 91-110.; Ramos & Velho, 2001; Videira, 2013Videira, Pedro. (2013). A mobilidade internacional dos cientistas: construções teóricas e respostas políticas. In: Araújo, Emília; Fontes, Margarida. & Bento, Sofia (eds.). Para um debate sobre mobilidade e fuga de cérebros. Braga: Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, p. 138-162.), cujas compreensões em torno dos significados dessa mobilidade internacional qualificada não necessariamente se coincidem, é consenso entre elas que políticas de mobilidade podem se tornar um facilitador nesse processo, permitindo que estudantes possam construir redes profissionais, pessoais e afetivas no exterior, e assim optar por trocar o país de origem pelo país de destino.

Não houve, entretanto, entre os interlocutores da pesquisa, nenhum que optou por tentar continuar no exterior, assim que finalizou o período do intercâmbio. Claro que a hipótese de retornar a um país estrangeiro apareceu nos discursos assim que retornaram, mas mais como uma possibilidade de futuro do que como um projeto concreto. Estes estudantes, ao estarem no exterior, portanto, ampliaram seus “campos de possibilidades” (Velho, 2003Velho, Gilberto. (2003). Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar .) e passaram a incorporar “disposições cosmopolitas” em seus projetos pessoais, mesmo que de forma pouco estruturada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos analisar o intercâmbio acadêmico de graduação a partir de dois eixos analíticos: o cosmopolitismo enquanto projeto, permitindo a incorporação de disposições que fazem com os jovens convivam melhor com a diferença e diversidade, e o desenvolvimento de alguns aspectos do “letramento” acadêmico desses jovens em diferentes universidades mundo afora, como uma política estratégica de países e instituições, visando sua internacionalização e inserção mundial.

A partir dos relatos acima apresentados, observamos que o projeto cosmopolita sustentou o discurso desses estudantes, que aspiravam a adquirir maior capacidade de transitar em diferentes gramáticas culturais (domínio da língua e dos códigos) - ou seja, incorporar “disposições cosmopolitas” (Kirpitchenko, 2014Kirpitchenko, Liudmila. (2014). Locating cosmopolitanism within academic mobility. Cosmopolitan Civil Societies Journal, 6/1, p. 56-75.). Estes conseguiram alcançar parte desse projeto; mas também conheceram suas limitações, enfrentando uma série de categorias cristalizadas sobre o Brasil e dificuldades de interação.

Este ideal cosmopolita sustenta grande parte dos projetos de fomento à mobilidade internacional de estudantes de graduação, como o Programa Erasmus, da União Europeia, um dos maiores e mais antigos do mundo. Estudos, como o realizado por Cairns et al. (2018Cairns, David et al. (2018). Mobility, education and employability in the European Union: inside Erasmus. London: Palgrave Macmillan .), demonstram que esse discurso também compõe a narrativa dos próprios estudantes sobre sua experiência em outro país.

Apesar de ser possível identificarmos pontos em comum entre essas narrativas - das políticas de internacionalização implementadas e dos estudantes por elas contemplados -, há uma diferença substantiva na forma com que tal projeto se efetiva entre estes contextos: União Europeia e Brasil. Estar na semiperiferia do sistema-mundo ( Wallerstein, 1974Wallerstein, Immanuel. (1974). The modern world-system I: capitalist agriculture and the origins of the european world-economy in the sixteenth century. New York: Academic Press.) faz que com os universitários brasileiros se motivem a ir em direção ao “centro”, escolhendo majoritariamente os países da América do Norte e Europa Ocidental (Institute of International Education, 2018Institute of International Education. (2018). A world on the move: trends in global student mobility: issue 2. New York: Institute of International Education.). Enquanto o Erasmus se torna uma ferramenta política estratégica, considerando a circulação entre os países europeus como um mecanismo para fortalecer a cidadania da União Europeia, não há movimento semelhante na América Latina. Apesar de alguns esforços recentes, como a criação da Universidade de Integração Latino-americana (Unila), ao Brasil não é possível não manter laços com os grandes centros globais de produção da ciência. Estes estudantes, portanto, são importantes agentes da manutenção de uma geopolítica internacional do conhecimento científico já estabelecida (Lima & Contel, 2011Lima, Manolita Correia & Contel, Fábio Betioli. (2011). Internacionalização da educação superior: nações ativas, nações passivas e a geopolítica do conhecimento. São Paulo: Alameda.).

Se por um lado querer ser “cosmopolita” traz atribuições positivas e abrangentes aos atores, cabe observar qual cosmopolitismo tal experiência produz. Os intercambistas brasileiros, oriundos de universidades pouco conhecidas no exterior e de um ambiente com pouca presença de pesquisadores e estudantes internacionais, descobrem outras formas de produzir ciência e de ser universitário, porém carregam consigo a posição subalternizada de não ser de um país “central”. Desta forma, tais experiências demonstram a limitação da construção de um “comunalismo epistêmico” a nível global, como proposto por Merton (1973Merton, Robert K. (1973). The normative structure of science. In: Merton, Robert K. The sociology of science: theoretical and empirical investigations. Chicago: The University of Chicago Press, p. 267-278.). Por mais que tais desafios possam também estar presentes na experiência de estudantes europeus - que também estão implicados em desigualdades internas àquele continente - é mais acentuada para aqueles que se originam de países não centrais.

Dessa maneira, as pretensões cosmopolitas - produzidas em uma perspectiva eurocêntrica - são limitadas pelas diferentes configurações econômicas, sociais e políticas dos países de onde se originam os estudantes. Mesmo com essas limitações, porém, nossos interlocutores conseguiram se inserir nas universidades estrangeiras e ter ganhos individuais, de forma direta, como também ganhos para sua instituição de origem, de forma indireta. Conhecer outras universidades e consequentemente repensar sua própria instituição de origem habilita esses atores a viver sua condição como estudantes universitários de forma distinta daqueles que não puderam ter tal experiência. Tais práticas, a médio prazo, podem produzir mudanças substanciais, tornando as instituições brasileiras mais aptas a dialogar com outras instituições e estudantes mundo afora.

Sendo assim, a potencialidade transformadora da juventude, como apontada por Karl Mannheim (1993Mannheim, Karl. (1993). El problema de las generaciones. Reis: Revista Española de Investigaciones Sociológicas, 62, p. 193-243.), se mantém. Estes sujeitos, ao experenciar diferentes mundos, repensam seus próprios projetos de vida, podendo modificá-los, como também produzir mudança em seu país de origem. Com todas as limitações e críticas possíveis, eles ainda conseguem protagonizar parte do projeto cosmopolita da convivência com a diversidade e com a livre circulação pelo mundo. Nesse processo, esses atores acabam por redescobrir o Brasil, suas limitações e suas potencialidades.

REFERÊNCIAS

  • Adey, Peter. (2010). Mobility. New York: Routledge.
  • Almeida, Ana Maria F. et al (orgs.). (2004). Circulação internacional e formação intelectual das elites brasileiras. Campinas: Editora Unicamp.
  • Almeida, Maria Isabel Mendes de (coord.). (2016). Cartografias da paragem: desmoizações jovens contemporâneas e o redesenho das formas de vida. Rio de Janeiro: Gramma.
  • Barreto, Alessandra Siqueira & Bitter, Daniel. (2012). Dossiê: deslocamentos urbanos: fluxos, trajetos e projetos. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia, 32, p. 11-17.
  • Barreto, Alessandra Siqueira & Dutra, Rogéria Campos de Almeida. (2015). Cosmopolitisme au pluriel: flux, médiation et différence dans le monde contemporain. Ateliers d’anthropologie: Laboratoire d’ethnologie et de sociologie comparative, 41.
  • Bateson, Gregory. (2008). Naven: um exame dos problemas sugeridos por um retrato compósito da cultura de uma tribo da Nova Guiné, desenhado a partir de três perspectivas. São Paulo: Edusp.
  • Beck, Ulrich & Sznaider, Natan. (2010). Unpacking cosmopolitanism for the social sciences: a research agenda. The British Journal of Sociology, 61/01, p. 381-403.
  • Beck, Ulrich. (2002). The cosmopolitan society and its enemies. Theory, Culture & Society, 19/1-2, p. 17-44.
  • Benedict, Ruth. (1932). Configurations of culture in North America. American Anthropologist, 34/1, p. 1-27.
  • Bhabha, Homi Kharshedji. (1996). Unsatisfied: notes on vernacular cosmopolitanism. In: García-Moreno, Laura & Pfeiffer, Peter. C. (eds.). Text and nation: cross-disciplinary essays on cultural and national identities. Columbia, SC: Camden House, p. 191-207.
  • Bourdieu, Pierre. (1983). Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero
  • Brasil. (2011). Decreto nº 7.642, de 13 de dezembro de 2011. Institui o Programa Ciência sem Fronteiras. Diário Oficial da União, 14 dez. 2011. Disponível em <Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7642.htm >. Acesso em: 24 mar. 2022.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7642.htm
  • Brasil. (2013). Lei 12.852 de 5 de agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. Diário Oficial da União , 6 ago. 2013. Disponível em <Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm >. Acesso em 24 mar. 2022.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm
  • Brum, Ceres Karam. (2014). Maison du Brésil: um território brasileiro em Paris. Porto Alegre: Evangraf.
  • Cairns, David. (2014). Youth transitions, international student mobility and spatial reflexivity: being mobile? London: Palgrave Macmillan.
  • Cairns, David. (2018). Mapping the youth mobility field: youth sociology and student mobility and migration in a european context. In: A. Lange, H. Reiter, S. Shutter, A. Lange , C. Steinar (eds.). Handbuch Kindheits-und Jugendsoziologie. Wiesbaden: Springer, p. 463-478.
  • Cairns, David et al. (2018). Mobility, education and employability in the European Union: inside Erasmus. London: Palgrave Macmillan .
  • Calvo, Daniel Malet. (2014). “Tornar-se outra pessoa”: narrativas de transformação subjetiva e processos de distinção entre os jovens estudantes Erasmus em Lisboa. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia , (37), p .51-77.
  • Clifford, James. (1992). Traveling cultures. In: Grossberg, Lawrence; Nelson, Carry & Treichler, Paula A. (eds.). Cultural studies. New York: Routledge , p. 96-116.
  • Enne, Ana Lucia. (2010). Juventude como espírito do tempo, faixa etária e estilo de vida: processos constitutivos de uma categoria-chave da modernidade. Comunicação, Mídia e Consumo, 7/20, p. 13-35.
  • European Comission. ([2019]). International cooperation and policy dialogue. Disponível em <Disponível em https://education.ec.europa.eu/international-cooperation-and-policy-dialogue >. Acesso em 2 abr. 2022.
    » https://education.ec.europa.eu/international-cooperation-and-policy-dialogue
  • Freire-Medeiros, Bianca & Pinho, Patricia de Santana. (2016). O turismo num mundo de mobilidades. Plural: Revista de Ciências Sociais, 23/2, p. 5 16
  • Hage, Ghassan. (2005). A not so multi-sited ethnography of a not so imagined community. Anthropological Theory, 5/4, p. 463-475.
  • Hayden, Patrick & El-Ojeili, Chamsy (eds.). (2009). Globalization and utopia: critical essays. London: Palgrave Macmillan .
  • Hobsbawm, Eric. (1995). Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras.
  • Institute of International Education. (2018). A world on the move: trends in global student mobility: issue 2. New York: Institute of International Education.
  • Jafari, Jafar. (1992). Significado sociocultural y educacional del turismo de juventud. Papers de Turisme, 8-9, p. 39-55.
  • Kim, Terri. (2010). Transnational academic mobility, knowledge, and identity capital. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 31/5, p. 577-591.
  • Kirpitchenko, Liudmila. (2014). Locating cosmopolitanism within academic mobility. Cosmopolitan Civil Societies Journal, 6/1, p. 56-75.
  • Lima, Manolita Correia & Contel, Fábio Betioli. (2011). Internacionalização da educação superior: nações ativas, nações passivas e a geopolítica do conhecimento. São Paulo: Alameda.
  • Mannheim, Karl. (1993). El problema de las generaciones. Reis: Revista Española de Investigaciones Sociológicas, 62, p. 193-243.
  • Marotta, Vince P. (2010). The cosmopolitan stranger. In: Van Hooft, Stan & Vandekerckhove, Wim (eds.). Questioning cosmopolitanism. New York: Springer, p. 105-120.
  • Merton, Robert K. (1973). The normative structure of science. In: Merton, Robert K. The sociology of science: theoretical and empirical investigations. Chicago: The University of Chicago Press, p. 267-278.
  • Meyer, Jean-Baptiste. (2001). Network approach versus brain drain: lessons from the diaspora. International Migration, 39/5, p. 91-110.
  • Murphy-Lejeune, Elizabeth. (2001). Le capital de mobilité: genèse d’un étudiant voyageur. Mélanges Crapel, 26, p. 137-165.
  • Noble, Greg. (2009). Everyday cosmopolitanism and the labour of intercultural community. In: Wise, Amanda & Velayutham, Selvaraj (eds.). Everyday Multiculturalism. London: Palgrave Macmillan , p. 46-65.
  • Pais, José Machado. (1993). Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
  • Ramos, Milena Yumi & Velho, Lea. (2011). Formação de doutores no brasil e no exterior: impactos na propensão a migrar. Educação & Sociedade, 32/117, p. 933-951.
  • Ribeiro, Gustavo Lins. (1998). Goiânia, Califórnia: vulnerabilidade, ambiguidade e cidadania transnacional. Série Antropologia, 235, p. 1-22.
  • Ribeiro, Gustavo Lins. (2001). Cosmopolitanism. In: International Encyclopedia of Social and Behavioral Sciences. Amsterdam: Elsevier, p. 2842-2845 (vol. 4).
  • Ribeiro, Gustavo Lins. (2005). What is Cosmopolitanism? Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, 2/1-2, p. 19-25.
  • Robles, Chelsea & Bhandari, Rajika. (2017). Higher education and student mobility: a capacity building pilot study in Brazil. New York: Institute of International Education .
  • Rovisco, Maria & Nowicka, Magdalena (eds.). (2011). The Ashgate Research Companion to cosmopolitanism. Farnham: Ashgate.
  • Salazar, Noel B. (2017). Key figures of mobility: an introduction. Social Anthropology, 25/1, p. 5-12.
  • Salazar, Noel B. (2018). Theorizing mobility through concepts and figures. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, 30/2, p. 153-168.
  • Siegel, Harvey. (2002). Multiculturalism, universalism, and science education: in search of common ground. Science Education, 86/6, p. 803-820.
  • Somsen, Geert J. (2008). A history of universalism: conceptions of the internationality of science from the Enlightenment to the Cold War. Minerva, 46/3, p. 361-379.
  • Southerland, Sherry A. (2000). Epistemic universalism and the shortcomings of curricular multicultural science education. Science & Education, 9/3, 289-307.
  • Unesco. (2022a). Global f low of tertiary-level students. Montreal: Unesco Institute for Statistics. Disponível em <Disponível em http://uis.unesco.org/en/uis-student-flow#slideoutsearch >. Acesso em 2 abr. de 2022.
    » http://uis.unesco.org/en/uis-student-flow#slideoutsearch
  • Unesco. (2022b). Outbound internationally mobile students by host region. Montreal: Unesco Institute for Statistics . Disponível em <Disponível em http://data.uis.unesco.org/index.aspx?queryid=3807 >. Acesso em 2 abr. de 2022.
    » http://data.uis.unesco.org/index.aspx?queryid=3807
  • Vasta, Ellie. (2012). Affinities in multicultural neighbourhoods: shared values and their differences [Artigo apresentado]. Australian Sociological Association Conference, Brisbane, Queensland, Australia.
  • Velho, Gilberto. (1991). Indivíduo e religião na cultura brasileira: sistemas cognitivos e sistemas de crença. Novos Estudos CEBRAP, 31, p. 121-129.
  • Velho, Gilberto. (1997). Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar.
  • Velho, Gilberto. (2003). Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar .
  • Velho, Gilberto. (2010). Metrópole, cosmopolitismo e mediação. Horizontes Antropológicos, 16/33, p. 15-23.
  • Videira, Pedro. (2013). A mobilidade internacional dos cientistas: construções teóricas e respostas políticas. In: Araújo, Emília; Fontes, Margarida. & Bento, Sofia (eds.). Para um debate sobre mobilidade e fuga de cérebros. Braga: Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, p. 138-162.
  • Waldron, Jeremy. (1992). Minority cultures and the cosmopolitan alternative. University of Michigan Journal of Law Reform, 25/3-4, p. 751-793.
  • Wallerstein, Immanuel. (1974). The modern world-system I: capitalist agriculture and the origins of the european world-economy in the sixteenth century. New York: Academic Press.
  • Weller, Wivian. (2010). A atualidade do conceito de gerações de Karl Mannheim. Revista Sociedade e Estado, 25/2, p. 205-224.
  • Werbner, Pnina (ed.). (2008). Anthropology and the new cosmopolitanism: rooted, feminist and vernacular perspectives. Oxford: Berg.
  • Wise, Amanda. (2009). Everyday multiculturalism: transversal crossings and working class cosmopolitans. In: Wise, Amanda & Velayutham, Selvaraj (eds.). Everyday Multiculturalism. London: Palgrave Macmillan , p. 21-45.
  • 1
    Compreendemos mobilidade não apenas como o movimento de um ponto A ao ponto B, mas sim como um movimento imbuído de significado, produzido em determinado contexto e gerador de diferentes consequências (Adey, 2010Adey, Peter. (2010). Mobility. New York: Routledge.).
  • 2
    “from below”, no original (Ribeiro, 2005Ribeiro, Gustavo Lins. (2005). What is Cosmopolitanism? Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, 2/1-2, p. 19-25.: 23).
  • 3
    1) comunalismo epistêmico - o compartilhamento irrestrito do conhecimento científico; 2) o universalismo, ou impessoalidade - a validação científica independe de atributos pessoais, étnicos, nacionais ou culturais dos pesquisadores; 3) o desinteresse - isenção do conhecimento, ou seja, sem constrangimentos ou interesses políticos e econômicos; 4) e o ceticismo organizado - baseado na dúvida metódica de se escrutinar o conhecimento científico produzido (Merton, 1973Merton, Robert K. (1973). The normative structure of science. In: Merton, Robert K. The sociology of science: theoretical and empirical investigations. Chicago: The University of Chicago Press, p. 267-278.).
  • 4
    De acordo com a definição do Estatuto da Juventude, utilizada na elaboração de políticas públicas de juventude no Brasil, considera-se jovem todo aquele que tem entre 15 e 29 anos (BRASIL, 2013Brasil. (2013). Lei 12.852 de 5 de agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. Diário Oficial da União , 6 ago. 2013. Disponível em <Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm >. Acesso em 24 mar. 2022.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ). Entretanto, as classificações sociológicas ultrapassam esse limite, havendo as que compreendem juventude mais como um ethos, um estilo de vida, do que circunscrita a um recorte geracional específico (Almeida, 2016Almeida, Maria Isabel Mendes de (coord.). (2016). Cartografias da paragem: desmoizações jovens contemporâneas e o redesenho das formas de vida. Rio de Janeiro: Gramma.).
  • 5
    Os intercâmbios acadêmicos protagonizados por estudantes de pós-graduação, pesquisadores e professores possuem dinâmica distinta da observada, não estando necessariamente articulados à ideia de “viagem de juventude”.
  • 6
    Para Bateson (2008Bateson, Gregory. (2008). Naven: um exame dos problemas sugeridos por um retrato compósito da cultura de uma tribo da Nova Guiné, desenhado a partir de três perspectivas. São Paulo: Edusp.: 96) o eidos de uma cultura refere-se à expressão dos aspectos cognitivos padronizados dos indivíduos, enquanto ethos é a expressão correspondente de seus aspectos afetivos padronizados. A soma do ethos e eidos forma o que Benedict (1932)Benedict, Ruth. (1932). Configurations of culture in North America. American Anthropologist, 34/1, p. 1-27. chamou de configuração. Como salienta Velho (1991Velho, Gilberto. (1991). Indivíduo e religião na cultura brasileira: sistemas cognitivos e sistemas de crença. Novos Estudos CEBRAP, 31, p. 121-129.: 122), a ênfase nos aspectos cognitivos recai em visão de mundo e eidos, enquanto ethos estaria associado a estilo de vida, aspectos afetivos, estéticos etc.
  • 7
    Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
  • 8
    Já havia uma política consolidada de envio de estudantes brasileiros para o exterior pelas duas principais agências de fomento à pesquisa e pós-graduação no Brasil: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Com o CsF, entretanto, a quantidade de bolsas ofertadas cresceu consideravelmente.
  • 9
    Tais dados foram retirados do “Painel de Controle do Programa Ciência sem Fronteiras”. Disponível em <http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/painel-de-controle>. Acesso em 08 out. 19.
  • 10
    A responsabilidade da oferta das bolsas do CsF foi compartilhada, sobretudo, pela Capes e CNPq. O Programa tinha a pretensão inicial de atrair empresas para auxiliar na concessão de bolsas, mas a responsabilidade maior ficou a cargo dos órgãos de fomento nacionais.
  • 11
    Todos os nomes aqui utilizados são pseudônimos, garantindo o anonimato dos interlocutores da pesquisa.
  • 12
    Dados obtidos através de entrevista antes da viagem, em 2013.
  • 13
    Dados obtidos através de entrevista antes da viagem, em 2013.
  • 14
    Dados obtidos através de entrevista após o retorno, em 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2020
  • Revisado
    08 Mar 2021
  • Aceito
    04 Maio 2021
Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo do São Francisco de Paula, 1, sala 420, cep: 20051-070 - 2224-8965 ramal 215 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistappgsa@gmail.com