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RAYMOND WILLIAMS: PARTIDO TRABALHISTA, CULTURA E EDUCAÇÃO

RAYMOND WILLIAMS: LABOUR PARTY, CULTURE AND EDUCATION

Resumo

O objetivo deste artigo é comentar e interpretar um texto de Raymond Williams intitulado “Uma democracia educada”, publicado no periódico Socialist Commentary em 1959. Quanto ao método, por meio da explicação do texto do autor, busca-se analisar suas ideias apresentando-as na forma de excertos, à maneira daquilo que Williams nos ensinou como “método interpretativo”, principalmente em Reading and Criticism e The Country and the City. Outros trabalhos de sua autoria também são mobilizados para discutir o que foi selecionado para o debate: “A cultura é algo comum”; “Education and British Society”; “Britain in the 1960s”; “Você é marxista, não é?”; “Os usos da teoria da cultura”; A Política e as Letras, além de outras referências indicadas na bibliografia para debater “grammar schools”, “comprehensive schools”, “eleven-plus”, entre outros elementos constitutivos do sistema educacional britânico, pautado pelos partidos Trabalhista e Conservador nas eleições de 1959.

Palavras-chave:
Raymond Williams; Partido Trabalhista; Educação; Democracia; Eleições de 1959

Abstract

The aim of this article is to comment on and interpret a text by Raymond Williams entitled “An Educated Democracy,” published in the journal Socialist Commentary in 1959. Regarding the method, by explaining the author’s text, I seek to analyse his ideas by presenting them in the form of excerpts, in the manner of what Williams taught us as the “interpretative method,” mainly in Reading and Criticism and The Country and the City. Other works of his authorship are also mobilized to discuss what was selected for the debate: “Culture is ordinary;” “Education and British Society;” “Britain in the 1960s;” “You’re a Marxist, aren’t you?;” “The Uses of Cultural Theory;” Politics and Letters, as well as other references indicated in the bibliography to discuss “grammar schools,” “comprehensive schools,” “eleven-plus,” among other constituent elements of the British educational system, on the agenda for the 1959 elections.

Keywords:
Raymond Williams; Labour Party; Education; Democracy; 1959 Elections

Falta um sistema de ensino novo para poder modificar as condições sociais (Marx, 2006Marx, Karl. (2006). O ensino e a educação da classe trabalhadora. In: Marx, Karl & Engels, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. 5. ed. São Paulo: Centauro, p. 89-109.: 117).

Em 1959, Raymond Williams (1921-1988) escreveu um artigo intitulado “Uma democracia educada” para o periódico londrino Socialist Commentary. Seu objetivo era tratar das eleições daquele ano e das três razões de ordem política, pessoal e cultural para votar no Partido Trabalhista (Labour Party) britânico.

Mas, antes de adentrar no texto de Williams, é importante adiantar que, para o autor, a razão cultural a ser debatida ligava-se a um problema estrutural e a uma situação política. Estruturalmente, era urgente ampliar a educação para todos na Grã-Bretanha do pós-guerra, que tinha escolhido a grammar school como um modelo educacional formador não de uma maioria cultural, mas de uma minoria. Já, politicamente, tratava-se da demora da classe trabalhadora em participar, por meio da esquerda britânica, do debate sobre a educação geral, tendo ficado circunscrita muitos anos à esfera da educação de adultos trabalhadores (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Políticas do modernismo: contra os novos conformistas. São Paulo: Editora Unesp.: 199; 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 174).

O artigo de Williams é um aprofundamento dessa situação, pois representa a entrada dos trabalhadores, conjuntamente com a nova esquerda britânica, no campo da educação em termos gerais. Isso porque o programa do Partido Trabalhista deveria defender, ao menos, o modelo de ensino escolar da comprehensive school, em contraposição ao Partido Conservador, favorável à grammar school.

Na época de Williams, especificamente na Inglaterra e no País de Gales, as escolas do ensino secundário eram divididas em grammar, modern e technical. Entre as escolas modernas (modern), encontramos as chamadas comprehensive schools, que eram gratuitas e públicas, bem como priorizavam um ensino mais democrático. Hoje, estas últimas não existem mais, e os modelos de ensino mais próximos existentes advêm das community schools, mantidas pelas autoridades locais (condados), ou das free schools, asseguradas pelo governo. Por sua vez, as escolas técnicas, hoje chamadas “colégios de tecnologia”, recebem tanto subvenção estatal quanto financiamento privado. Já as escolas de ensino clássico, chamadas grammar schools, continuam sendo gratuitas e exigindo exames e testes para que o aluno possa cursá-las. Um desses testes chamava-se eleven-plus, realizado com a idade de, aproximadamente, 11 anos, quando as crianças então terminavam o ensino primário ou elementar. Os testes ainda existem, e hoje chamam-se testes nacionais (national tests), continuando a englobar exames de línguas e matemática. Existem também as escolas privadas, atualmente chamadas escolas independentes, pois não precisam seguir o currículo nacional1 1 Mais informações sobre os tipos de escolas e testes de admissão no ensino secundário do Reino Unido, conferir United Kingdom (2022). .

Williams foi educado na grammar school, que, segundo ele, tinha o propósito de anglicizar a sociedade britânica, sobretudo nas vilas galesas, onde essa feição do ensino britânico passou a ser implementada. Exemplo disso foi a própria localidade onde estudou, em Abergavenny, no País de Gales: “[as grammar schools] impunham uma orientação completamente inglesa, que nos desconectava de nossa raiz galesa”, sendo, portanto, “intelectualmente desenraizante” (Williams, 2013Williams, Raymond. (2013). A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp .: 10-13) e, obviamente, contrária a sua perspectiva de uma cultura comum, enraizadora (Williams, 2015bWilliams, Raymond. (2015b). A cultura é algo comum. In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo . São Paulo: Editora Unesp , p. 3-28.). Em síntese, para o autor: “Há claras e notórias conexões entre a qualidade de uma cultura e a qualidade de seu sistema de ensino” (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 153, tradução nossa)2 2 No original: “There are clear and obvious connexions between the quality of a culture and the quality of its system of education”. . Por isso, neste artigo será feita uma reflexão sobre a grammar school, e sobre os sistemas de exame e divisões que estão na origem desse modelo de ensino escolar, que remonta, pelo menos, ao início do século XX, se pensarmos no momento em que a escola secundária na Grã-Bretanha assentou as bases de um sistema nacional de educação: “Em 1902, a instauração de Autoridades Educativas Locais, responsáveis por satisfazer todas as necessidades educacionais de suas jurisdições, assentou as bases de um sistema de ensino nacional de educação secundária” (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 169, tradução nossa)3 3 No original: “In 1902 the creation of Local Education Authorities, with responsability for the full educational needs of their areas, laid the basis for a national system of secundar education”. .

Mas qual a finalidade desse sistema educacional nacional? Essa será uma das perguntas de Williams no artigo que será discutido. Adianto que sua resposta se dividirá em dois argumentos: primeiro, defende uma educação para todos (educação amplamente pública); segundo, uma educação liberal minoritária (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 170), representada preferencialmente pela grammar school. A educação primária e secundária obrigatória na Grã-Bretanha era um dever do Estado, subvencionado por ele, logo de acesso gratuito. Entretanto, esse mesmo sistema nacional e público transformava a educação geral numa cultura exclusiva a determinados grupos sociais, a uma minoria cultural que tinha êxito nos sistemas de exames e seleção para cursar o currículo clássico e tradicional da grammar.

Williams (2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 178), em The Long Revolution, convida-nos a pensar numa cultura genuinamente aberta a todos, algo que o sistema de ensino secundário britânico de caráter público realizava, mas só até a primeira página. Isso porque o sistema social de divisão das classes era perpetuado pelo sistema educacional: “De minha parte, acredito que nosso sistema educacional, com suas frações de ouro, é demasiado parecido com nosso sistema social - uma camada superior de líderes, uma média de supervisores e uma grande camada de baixo, dos operadores” (Williams, 2015bWilliams, Raymond. (2015b). A cultura é algo comum. In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo . São Paulo: Editora Unesp , p. 3-28.: 22). E se não cabia ainda revolucionar esse sistema educacional por meio de uma mudança social efetiva, como pela via do socialismo, transformá-lo era pelo menos viável e bem-vindo por meio de um governo trabalhista que priorizasse, não de forma acrítica, a comprehensive school.

Como disse Williams em 1986 numa palestra proferida em Oxford, o que estava em jogo, referindo-se ao final da década de 1950, momento em que publicou “Uma democracia educada”, “era o surgimento de uma nova versão de educação pública reformada em expansão […]” (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Políticas do modernismo: contra os novos conformistas. São Paulo: Editora Unesp.: 201), reconhecida nas chamadas comprehensive schools. Eram escolas mais democráticas, se comparadas às grammar schools, cujo modelo de ensino era clássico e tradicional. Parte do debate político no momento das eleições de 1959 assentava-se nessas discussões sobre os modelos escolares de ensino tradicional e democrático, estabelecendo-se uma verdadeira “luta cultural” (cultural struggle) (Hoggart, 2009Hoggart, Richard. (2009). The uses of literacy: aspects of working-class life. London: Penguin Books.: 306) no interior da sociedade britânica, protagonizada pelo Partido Trabalhista, de um lado, e pelo Partido Conservador, de outro.

O ano de 1959 não é uma data qualquer, se considerado como parte dos anos decisivos para a produção intelectual de Raymond Williams. O texto “Uma democracia educada” foi produzido e publicado num arco temporal em que artigos e, principalmente, livros importantes do autor vieram a público em solo britânico. No que se refere a esses escritos, lembremos o ensaio “A cultura é algo comum”, de 1958. Em se tratando dos livros, refiro-me, especialmente, à publicação de: Culture and Society, em 1958; Border Country, em 1960; e The Long Revolution, em 1961. Os três livros, o segundo deles um romance, completavam, como disse o próprio Williams, um corpo de obras que se propôs a produzir e publicar no final dos anos 1950 (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 15). Essa foi justamente uma época em que trabalhava como tutor na educação de adultos britânica, produzindo, para além dessas obras ímpares, inúmeros textos sobre educação, muitos deles dispersos em periódicos ingleses, que merecem atenção4 4 Acerca do ofício de Williams como tutor na educação de adultos britânica, vou abdicar de adentrar no debate, mas indico a leitura de Cevasco (2003), Paixão (2018) e Paixão e Trevisan (2020). . Exemplo disso é justamente o artigo citado, praticamente inédito de 1959, que versava sobre o sistema de ensino britânico e a atuação educacional e política do autor.

O objetivo deste trabalho é contribuir para ampliação e difusão deste legado educacional de Raymond Williams, inscrito na discussão de cultura e sociedade. Implica enfatizar seu raciocínio crítico e pedagógico dentro de um contexto de reformas políticas e educacionais que impactavam a vida da classe trabalhadora britânica, cada vez mais alienada da experiência da cultura como algo comum.

“Uma democracia educada” ganha importância nesse contexto de revisão das ideias pedagógicas do autor no momento do seu centenário, pois Williams completou 100 anos em agosto de 2021. O convite é um aprofundamento nas experiências do autor no campo da educação, considerando aquilo que produziu quando tutor de adultos no Departamento Extramuros da Universidade de Oxford e na Workers Educational Association (WEA), entre 1945 e 1961.

É importante mencionar que no mesmo ano em que publicou “Uma democracia educada”, também ocorreu a reunião fundadora do periódico New Left Review (Williams, 2015aWilliams, Raymond. (2015a). Você é marxista, não é? In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo. São Paulo: Editora Unesp , p. 97-113.: 99). A presença da New Left representava outra orientação política dentro da nova esquerda britânica para definir uma nova posição política (Williams, 2015aWilliams, Raymond. (2015a). Você é marxista, não é? In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo. São Paulo: Editora Unesp , p. 97-113.: 100), relacionada à educação em larga escala e a uma democratização da cultura. Concomitantemente, um plano de governo trabalhista, voltado à subvenção de instituições de educação e cultura, chamava a atenção de Williams, que nessa época criticava a “reconstrução de um campo cultural em termos capitalistas”, em andamento na sociedade britânica, alinhada, principalmente, com o Partido Conservador. Isso deveria ser combatido e debatido no interior da revista e em outros espaços, como na universidade, porque novas teorias também eram apresentadas nessa direção. Tratava-se de usar a cultura para preencher as várias dimensões do mundo e da vida e transformar tudo isso em ação política (Williams, 2013Williams, Raymond. (2013). A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp .: 62). Nesse sentido, um programa trabalhista mais à esquerda, por conta da defesa da democratização da educação e da cultura, somado aos textos da New Left Rewiew, proporcionava novos ares teóricos, mas também perspectivas práticas, indicando possibilidades de mudanças para aquilo que até o momento eram instituições educacionais para uma minoria da sociedade britânica. Ainda, como afirmou o próprio Williams, se havia textos era porque novos programas e novas instituições eram criadas (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Políticas do modernismo: contra os novos conformistas. São Paulo: Editora Unesp.: 203), tendo expectativas de mudanças sociais também na ação política do Partido Trabalhista em 1959. Isso pode ser visto em sua posição política em relação aos Trabalhistas, que era nítida: “[…] o governo trabalhista tinha uma escolha: ou a reconstrução de um campo cultural em termos capitalistas ou o financiamento de instituições para a educação e a cultura popular”, o que significaria abdicar de uma “opção rápida pelas prioridades capitalistas” (Williams, 2013Williams, Raymond. (2013). A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp .: 62), nos anos da década de 1950.

É importante esclarecer essa situação ligada aos Trabalhistas para podermos compreender a pertinência desse artigo isolado no conjunto da vasta obra desse grande intelectual socialista do século XX. Para Williams, as eleições de 1959 significavam uma reviravolta para o Partido Trabalhista, especialmente depois de o governo trabalhista ter participado, lamentavelmente, de forma “entusiasta e protagonista”, das campanhas de rearmamento, no envolvimento com a economia política dos Estados Unidos e no movimento em direção à Otan (Williams, 2015aWilliams, Raymond. (2015a). Você é marxista, não é? In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo. São Paulo: Editora Unesp , p. 97-113.: 102).

Esse governo tinha uma nova escolha em 1959, que consistia em apresentar um programa e uma ação diferentes daqueles do Partido Conservador, propondo mudanças graduais, sobretudo no campo da educação, porque “uma democracia educada” era necessária para compreender que uma nação não era uma “firma” e que uma educação para todos fazia parte da defesa de uma cultura comum (Williams, 2015bWilliams, Raymond. (2015b). A cultura é algo comum. In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo . São Paulo: Editora Unesp , p. 3-28.: 25). Williams contestava a estrutura da educação pública em andamento na sociedade britânica na década de 1950 e considerava que a perspectiva educacional do PT (Partido Trabalhista; ou LP, na sigla em inglês) britânico não deveria ser a das grammar schools, mas a das comprehensive schools, desde que estas escolas, reformadas e tidas como mais democráticas do que as primeiras, permitissem o acesso e a formação de uma maioria de estudantes, sobretudo aqueles advindos das classes trabalhadoras. Em outro artigo, intitulado “Estritamente Pessoal”, de 1960, Williams (2019Williams, Raymond. (2019a). Estritamente pessoal. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams & educação: coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora FE - Unicamp, p. 70-82. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
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) declarou que tinha grande respeito pelas escolas e pelos professores das grammar schools, uma vez que ele e dois de seus filhos frequentaram escolas que seguiam o modelo de ensino clássico. Todavia, o autor declara que não podia concordar com um modelo de ensino escolar excludente (Williams, 2019Williams, Raymond. (2019a). Estritamente pessoal. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams & educação: coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora FE - Unicamp, p. 70-82. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
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: 71-72), mesmo reconhecendo as qualidades intrínsecas de um currículo de excelência.

Partindo dessas ponderações iniciais, “Uma democracia educada”, de um lado, reforça aquilo que Williams já tinha apresentado em 1958, sobre a cultura ser algo comum, mas, de outro, antevê o que o autor analisará dois anos depois das eleições de 1959: nos momentos finais de The Long Revolution, em 1961, ele já sabia da experiência da derrota do PT britânico naquelas eleições. Não obstante, o que será debatido aqui não é um relato sobre a derrota, mas uma exposição sobre o valor da luta, pois o PT (LP) nas eleições de 1959 ainda era uma promessa a se cumprir, com um programa mais democrático e com uma proposta de subvenção para uma educação pública aberta a todos, algo que Williams defendia nesse momento, não sem críticas, conforme apontaremos.

É importante enfatizar que estamos diante de um texto de Williams ainda pouco conhecido pelo público brasileiro, pois uma primeira versão em português foi publicizada somente em 2019, daí a relevância de torná-lo conhecido e comentado. Sua visada sobre os sistemas educacionais britânicos e o caráter reformista do debate no momento das eleições de 1959 são um convite para reaver o raciocínio pedagógico e crítico de um autor que é ainda pouco discutido dentro do campo da educação no Brasil. Como método, serão apresentados alguns excertos para enfatizar a questão educacional, de modo que o leitor poderá acompanhar e pôr à prova as considerações deste trabalho. Como tutor na educação de adultos britânica, Williams acreditava que uma democracia viva se conquistava pela ação política, por uma cultura comum e, especialmente, por uma sociedade mais educada e participativa. Vejamos como isso poderia se dar:

Eu tenho muitas razões para desejar a vitória do Partido Trabalhista nestas eleições. Existem razões políticas para acabar com a Guerra Fria, com o Imperialismo, e construir uma democracia econômica. Existem razões pessoais: o Partido Trabalhista é o movimento de pessoas da classe trabalhadora, com as quais eu cresci e com quem eu ainda me identifico, não apenas por lealdades gerais, mas por uma simpatia profunda de experiência. Há razões, finalmente, de um tipo cultural: é apenas através do movimento Trabalhista que vejo alguma chance de desenvolvermos uma cultura comum, uma democracia educada e participativa, em um tempo em que as forças opostas a valores deste tipo estão cada vez mais poderosas e excepcionalmente perigosas.

É sobre as razões culturais que me proponho a escrever aqui (Williams, 2019Williams, Raymond. (2019a). Estritamente pessoal. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams & educação: coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora FE - Unicamp, p. 70-82. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
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: 55-56).

Como vemos, ficam evidentes as três razões apresentadas pelo autor para votar e torcer pela vitória do PT britânico. Williams se propõe a comentar as razões culturais, embora as outras duas se entrelacem ao problema da cultura, como parte do processo de democratização da sociedade, uma vez que a cultura é algo comum, ordinário, e não extraordinário, como insistia o Partido Conservador ao defender uma sociedade formada por uma minoria cultural em suas escolas excepcionais, conforme veremos adiante.

Quanto a seu argumento principal, lemos que existem conexões evidentes entre a democracia e a economia, a cultura e a vida pessoal de cada eleitor britânico. Williams nos apresenta aqui uma visão global acerca da evolução da sociedade capitalista, e suas conexões entre capitalismo e sociedade industrial - que no excerto aparece sob o termo “movimento […] da classe trabalhadora” - e entre capitalismo e imperialismo, tudo enredado por uma nova trama social: a busca de realização de uma cultura comum por meio do desenvolvimento de uma sociedade mais educada e participativa. Todo o progresso da democracia é, portanto, afetado por isso.

Quanto à referência a uma “democracia econômica”, valemo-nos aqui do que Marx havia escrito, não sobre uma “cultura comum”, mas sobre uma “indústria em comum” realizada por uma classe trabalhadora mais educada: “A indústria praticada em comum, segundo um plano estabelecido em função de um plano feito de acordo com o conjunto da sociedade, implica em homens completos, cujas faculdades tenham se desenvolvido em todos os sentidos e que estejam em condições de ter uma visão clara de todo o sistema produtivo” (Marx, 2006Marx, Karl. (2006). O ensino e a educação da classe trabalhadora. In: Marx, Karl & Engels, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. 5. ed. São Paulo: Centauro, p. 89-109.: 106).

A visada marxiana é mais que bem-vinda, na medida em que uma classe trabalhadora organizada deveria lutar pela transformação da economia e, concomitantemente, da educação, para formar uma sociedade mais completa culturalmente. Isso seria, portanto, formar uma maioria cultural, pensando naquilo que Williams sonhava para um novo mundo:

Acredito que o sistema de significados e valores que uma sociedade capitalista criou deva ser derrotado no geral e nos detalhes por tipos mais sustentados de trabalho intelectual e educacional. Esse é um processo cultural que chamei “a longa revolução” e, ao chamá-lo assim, quis dizer que era uma luta verdadeira, a qual era parte das indispensáveis batalhas da democracia e da vitória econômica para a classe trabalhadora organizada. As pessoas mudam, é verdade, na luta e na ação (Williams, 2015aWilliams, Raymond. (2015a). Você é marxista, não é? In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo. São Paulo: Editora Unesp , p. 97-113.: 113).

Luta e ação é o que Williams esperava que o Trabalhista proporcionasse à sociedade britânica, se ganhasse as eleições de 1959. Mas, em “Uma democracia educada”, além dessas esperanças, Williams nos ajuda a compreender que existem conexões entre as instituições políticas, econômicas, culturais e educacionais, e que é por meio da compreensão da cultura que devemos indagar os processos sociais.

WILLIAMS E O PARTIDO TRABALHISTA

O pacifismo diante da guerra e a crítica à sociedade capitalista Williams herdou também do pai e de sua militância no Partido Trabalhista galês na década de 1930, quando era adolescente. A força dessa herança o autor descreveu no ensaio “A cultura é algo comum”, em uma passagem emocionante em que recupera a trajetória do avô e do pai na militância do Trabalhista, provando sua descendência ao dizer: “Eu uso uma linguagem diferente, mas penso nessas mesmas coisas” (Williams, 2015bWilliams, Raymond. (2015b). A cultura é algo comum. In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo . São Paulo: Editora Unesp , p. 3-28.: 5). As mesmas coisas pensadas referem-se à necessidade de um governo trabalhista que combata os entraves do progresso da democracia com uma visão socialista de mundo, evitando o “rabo preso” com a nova política reformista (Williams, 2015bWilliams, Raymond. (2015b). A cultura é algo comum. In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo . São Paulo: Editora Unesp , p. 3-28.: 5). Isso acabou não acontecendo, e Williams assistiu, durante e após o fim da Segunda Guerra Mundial, especialmente entre os anos de 1945 e 1951, a um programa trabalhista de caráter acentuadamente reformador, enfatizando o bem-estar social a partir de uma perspectiva social-democrata (Williams, 2013Williams, Raymond. (2013). A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp .: 64).

Apesar de, em outros momentos, Williams ter se perguntado se caberia ou não votar no Partido Trabalhista (Williams, 2013Williams, Raymond. (2013). A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp .: 61), em 1959 parecia renovar suas expectativas e considerar que uma das motivações para se votar no Trabalhista assentava-se num programa político de transformação gradual da sociedade capitalista britânica, orientado pelas mudanças no campo da educação. Williams reagia, assim, ao manifesto do Partido Conservador, de 1959, do qual ainda será aqui apresentado um fragmento, embora no excerto supracitado (Williams, 2019Williams, Raymond. (2019a). Estritamente pessoal. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams & educação: coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora FE - Unicamp, p. 70-82. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
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: 55-56) ele já aparecesse indicado e caracterizado como “forças […] cada vez mais poderosas e excepcionalmente perigosas”.

É importante lembrar que Williams se filiou ao PT (LP) apenas em 1961, permanecendo nele até 1966. Seu apoio em diversas eleições se deu, segundo ele, por falta de escolha. Williams teve sempre uma posição reservada em relação ao Trabalhista, principalmente por conta de seu reformismo (Williams, 2013Williams, Raymond. (2013). A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp .: 17-26). Pôs de lado essas reservas nas eleições de 1959, em função das ameaças das forças conversadoras, sobretudo no campo da educação, em que entravam em disputa dois modelos educacionais: o da grammar school, de um lado, e o da comprehensive school, de outro. Nesse momento, a política real consistia em lutar não pela construção de uma nova sociedade de fato revolucionária, mas por uma sociedade em transformação após o fim da guerra e capaz de contestar uma de suas estruturas sociais mais importantes: a cultura educacional vigente e, dentro dela, a grammar school, que tinha uma perspectiva formadora de caráter minoritário, pois se reservava àqueles que eram bem-sucedidos nos processos de seleção escolar durante a educação elementar. Quanto às comprehensive schools, seu caráter mais democrático atraía a atenção de Williams, embora ele temesse que fosse apenas um modelo reformador e “menos dramático” do que o de ensino clássico-tradicional5 5 Nisso Williams se afinava com outras vozes da época na Grã-Bretanha, como a de Michel Young, que colocava o debate em termos de meritocracia, buscando satirizar esse processo de reforma educacional defendido pelo governo trabalhista. Sobre Young e sua sátira ao sistema educacional britânico, convido o leitor a se debruçar sobre o artigo de Maíra Tavares Mendes (2018), especialmente nos momentos em que discute as grammar schools e as comprehensive schools, vistas sob a ótica de Young. Quanto às chamadas escolas compreensivas (comprehensive schools), resultado das reformas educacionais que aconteceram em todo o continente europeu após a Segunda Guerra Mundial, assinalo que se, por um lado, esse processo de “escolarização universal” tornou a escola obrigatória até os 16 anos, por outro, suprimiu ou abafou as contradições existentes entre as classes quando favoreceu o “acesso” a todos sem modificar radicalmente os sistemas educacionais, mantendo a excludência (Enguita, 1989: 218-233). .

Nesse sentido, a primeira ação política Trabalhista consistia em abolir o exame eleven-plus, redimensionar o modelo de ensino escolar da grammar school e implementar as comprehensive schools:

Eu parabenizo o projeto Trabalhista de abolir o eleven-plus, ele vale, em si mesmo, meu voto. Mas, do mesmo modo, não quero ver as comprehensive schools usadas como um meio de seleção mais eficiente e menos dramático. Conforme o tamanho das turmas é reduzido, devemos elevar a idade de egresso para os dezesseis anos, e abandonar a ideia de ampliar “a tradição e os padrões das grammar schools”. Nós devemos começar a pensar em uma tradição melhor, em padrões melhores, pois a grammar school é, em grande parte, uma falsificação da escola “pública”. Podemos fazer melhor do que isso, particularmente revisando o currículo, que está seriamente defasado, e reavaliando as ideias sobre liderança presentes neste currículo, que deveria significar algo bastante diverso em uma democracia do que a ideia herdada da velha classe dominante. Devemos, também, como uma questão de urgência, trabalhar com o objetivo de possibilitar várias formas de educação continuada para todos entre dezesseis e vinte e um anos. Para alguns, isso significará cursos pré-universitários e ingresso na universidade, colégios profissionalizantes e de treinamento técnico. Para outros, isso significará a continuação regular da educação, a ser executada de forma planejada, em paralelo com o treinamento profissional, nas diversas formas como isso é possível, notavelmente através dos County Colleges6 6 Colégio dos Condados. . Acredito que o Partido Trabalhista vai começar a implementar esses planos, utilizando os recursos necessários para expandir o alcance destes (Williams, 2019bWilliams, Raymond. (2019b). Uma democracia educada. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams e Educação. Coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora da FE - Unicamp, p. 55-69. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
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: 63-65).

Vemos, assim, que uma política educacional verdadeira deveria rever tanto os modelos de ensino quanto a organização da educação britânica, sobretudo para o ensino secundário. Williams repassava aqui o processo de reforma educacional que se instalou na Grã-Bretanha em 1944, graças ao Ato Educacional, e que pôs em debate o papel da tradicional grammar school, que deveria ser substituída, criticamente, pela comprehensive school, modelo de currículo mais democrático do que o primeiro, porque abolia as seleções para o ingresso no ensino secundário, como o eleven- plus, um exame seletivo por meio de testes, especialmente de matemática e línguas. Discutia também a questão da educação continuada para jovens de 16 a 21 anos, após a conclusão do ensino secundário (o que, no Brasil, chamamos hoje de Ensino Médio), colocando em cena a questão da educação permanente para estudantes egressos, sendo muitos deles filhos de trabalhadores ou eles mesmos trabalhadores. Apresentava, ainda, a importância dos Colégios dos Condados (County Colleges) para a formação da classe trabalhadora no contexto de seus vilarejos.

Tratava-se, portanto, de balanço crítico sobre a importância de o sistema nacional de educação não se desprender de uma educação cultural de caráter social local. Por meio desse raciocínio, Williams se posicionava, primeiro, frente à anglicização proposta pelo grammar (Williams, 2013Williams, Raymond. (2013). A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp .: 10-13), e segundo, contra as escolas de massa, conforme será apresentado.

Por fim, há a questão do ensino de liderança, algo que Williams (2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.) também indicou e/ou aprofundou no capítulo I da Parte II de The Long Revolution, dedicado à educação na Grã-Bretanha. Ali, Williams nos lembra de que um caráter social relevante e necessário para todos os jovens da sociedade britânica seria formar-se na confiabilidade, na disposição em assumir responsabilidades em determinado momento e na noção de liderança. À medida que uma nova geração de homens e mulheres surgia, era preciso liderar de fato e não apenas aceitar a cultura minoritária vigente ou simplesmente se curvar à lealdade absoluta de um líder (Williams, 2015bWilliams, Raymond. (2015b). A cultura é algo comum. In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo . São Paulo: Editora Unesp , p. 3-28.: 24). Inclusive, esse era um dos conteúdos do currículo tradicional das escolas privadas britânicas que se expandia para todo o sistema nacional de educação, cabendo à classe trabalhadora organizada e ao governo trabalhista refletir e debater sobre esses conteúdos curriculares (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 180).

Não é o caso de detalhar o Ato Educacional de 1944, mas sim de compreender qual a crítica de Williams principalmente à grammar school, que refletia a posição dos Trabalhistas em relação aos Conservadores. A síntese operante é a de que, sendo o sistema educacional nacional um reflexo da organização político-social, tentar compreender esse sistema é o mesmo que debater cultura e sociedade. Para Williams, a educação não era apenas um projeto político-pedagógico de elaboração e distribuição de um sistema nacional de ensino, como se fosse uma elaboração artificial. Ao contrário, era um processo estruturante que demandava crítica e uma ação dirigida para reorganizar, selecionar, comunicar e, então, redistribuir determinadas formas de ensino e aprendizagem pela nação como um todo (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 153). O esforço era o de reinterpretar a cultura contemporânea e definir uma educação geral para o conjunto de toda a sociedade, no lugar de enfatizar processos educacionais de seleção e graduação (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 180).

Contudo, Williams também não estava completamente satisfeito com as comprehensive schools. Apesar de seu caráter mais democrático, ele temia que tais escolas somente desdramatizassem o ensino clássico-tradicional e mantivessem os processos escolares excludentes. Williams não chega a falar de escolarização universal e de seu caráter de escola de massa, conforme discute o sociólogo espanhol Mariano Fernández Enguita (1989Enguita, Mariano F. (1989). A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes Médicas.), porém nosso autor tinha uma visão bastante crítica sobre a questão das massas, em especial a democracia de massa:

A democracia, tal como interpretada na Inglaterra, é o governo da maioria […]. O sufrágio universal, entretanto, se passarmos a acreditar na existência das massas, fará do governo da maioria o governo das massas: considerando que as massas, em essência, são a populaça, a democracia será a regra da populaça. Isso dificilmente redundará em bom governo ou boa sociedade; será, ao contrário, governo da vulgaridade e da mediocridade (Williams, 1969Williams, Raymond. (1969). Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. São Paulo: Companhia Editora Nacional.: 308).

Lendo Williams (1969Williams, Raymond. (1969). Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. São Paulo: Companhia Editora Nacional.) em Cultura e Sociedade e já operando uma transposição para o que estamos discutindo por meio de “Uma democracia educada”, aventamos que a preocupação de nosso autor era a de que o governo trabalhista convertesse uma educação para a maioria numa escola “massificada” (Williams, 1969Williams, Raymond. (1969). Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. São Paulo: Companhia Editora Nacional.: 310).

Na verdade, para Williams, os verdadeiros modelos de ensino dentro do sistema educacional deveriam ter um grande objetivo geral:

[…] o de formar os membros de um grupo no “caráter social” ou no “padrão de cultura” predominante no grupo ou no que é seu objetivo de vida. Na medida em que esse “caráter social” goza de aceitação geral, a educação centrada nele não se pensará normalmente como uma possível capacitação entre muitas, senão como uma formação natural que todos os integrantes da sociedade devem adquirir […]. O caráter social é sempre e em todas as partes muito mais que hábitos específicos de civilidade e comportamento; também é a transmissão de um sistema particular de valores, no campo da lealdade grupal, a autoridade, a justiça e os propósitos de vida […]. O ensino de habilidades prepara uma geração nascente para as diversidades do trabalho adulto, mas comprovará que esse trabalho e todas as relações que o governam existem dentro do caráter social em questão; em rigor, uma das funções dele consiste em suscitar a aceitação de todos os tipos disponíveis de trabalho e as valorizações e relações que surgem deles. Se não podemos separar a formação social geral da capacitação especializada, dado que uma se dá, consciente ou inconscientemente, nos termos da outra, tampouco podemos separar […] o que chamamos uma “educação geral” ou uma “educação para a cultura”. Esquematicamente, podemos dizer que a uma criança deve-se ensinar, em primeiro lugar, o comportamento e os valores aceitos de sua sociedade e, em segundo, o conhecimento geral e as atitudes convenientes para um homem educado, e terceiro, uma habilidade em particular por meio da qual se ganhe a vida e se contribua com o bem-estar de sua sociedade (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 154-155, tradução nossa)7 7 No original: “that of training the members of a group to the ‘social character’ or ‘pattern of culture’ which is dominant in the group or by which the group lives. To the extent that this ‘social character’ is generally accepted, education towards it will not normally be thought of as one possible training among many, but as a natural training which every one in the society must acquire […]. Yet the social character is always and everywhere much more than particular habits of civility and behaviour; it is also the transmission of a particular system of values, in the field of group loyalty, authority, justice, and living purposes […]. The teaching of skills prepares a rising generation for the varieties of adult work, but this work, and all the relations governing it, will be found to exist within the given social character; indeed one function of the social character is to make the available kinds of work, and the valuations and relations which arise from them, acceptable. And if we cannot separate general social training from specialised training, since one is given, consciously or unconsciously, in terms of the other, neither can we separate […] what we call a ‘general education’, or, ‘education for culture’. Schematically one can say that a child must be taught, first, the accepted behaviour and values of this society; second, the general knowledge and attitudes appropriate to an educated man; and, third, a particular skill by which he will earn his living and contribute to the welfare of his society”. .

Foi necessário reproduzir esse longo trecho de The Long Revolution, do capítulo intitulado “Education and British Society”, porque é uma espécie de síntese do que foi apresentado até aqui a partir do artigo “Uma democracia educada”. Ou seja: um modelo escolar de ensino deve formar os cidadãos para a cultura comum por meio de um “caráter social” transmitido a todas as gerações mediante a educação. O termo “caráter social”, Williams explicita em outro momento, é uma inspiração da sociologia e psicanálise de Eric Fromm, enquanto “padrão cultural”, que também aparece no excerto, é influência da antropóloga Ruth Benedict (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.). Ainda que de forma esquemática, fica evidente que Williams adota as formulações de Fromm (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.) para explicar que um sistema educacional visa a formar as crianças primeiro numa educação geral e depois proporcionar uma especialização, com vistas a permitir que, quando adultas, elas participem do mundo do trabalho, contribuindo para seu progresso e bem-estar social, elementos fundantes de um caráter social-progressista e civilizado. Esses são os valores de uma democracia educada e de uma cultura comum que Williams defendia no artigo de 1959, e que podem ser reconhecidos no trecho que acabamos de ler sobre como se forma um “caráter social” comum de uma sociedade não massificada, mas sim democrática.

De fato, a educação universitária era um valor altamente almejado para toda a sociedade britânica, incluindo a classe trabalhadora. Mas o que ainda persistia - mesmo depois de a sociedade ter sobrevivido à catástrofe da Segunda Guerra Mundial - era um sistema educacional que privava a maioria da população de ter acesso a uma educação básica e geral de qualidade e que garantisse acesso à universidade no futuro. Ampliar na Grã-Bretanha uma minoria cultural para uma maioria cultural era o que deveria acontecer, pois o objetivo era realizar uma educação para a cultura, uma cultura comum a todos.

Não aceito que a educação seja um treinamento para um emprego, para se formar cidadãos úteis (ou seja, que se adaptem a este sistema). A educação é a confirmação dos significados comuns de uma sociedade e das habilidades necessárias para corrigi-los. Os empregos são consequência dessa confirmação: a finalidade e depois a habilidade dos ofícios […]. É exatamente por isso que estou pedindo uma educação comum, que dará coesão à nossa sociedade, e impedirá que ela se desintegre em uma série de departamentos especializados, a nação transformada em uma firma (Williams, 2015bWilliams, Raymond. (2015b). A cultura é algo comum. In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo . São Paulo: Editora Unesp , p. 3-28.: 22).

É na defesa dessa educação comum, de uma cultura comum, anticapitalista, antimercadológica, que Williams se apoia para refletir, em 1959, sobre os modelos de ensino aplicados ao secundário, porque era necessário reformulá-los e praticá-los para que a sociedade sobrevivesse a suas desigualdades, ficasse mais coesa e não sucumbisse à desintegração social. Quanto à questão de uma educação para o emprego, ele compreendia a importância das escolas técnicas e do aperfeiçoamento da classe trabalhadora não como treinamento para um ofício restrito, mas como expressão dos anos de aprendizagem dentro (e para além) da escola. É importante lembrar que, para ele, “aprender era uma experiência comum, aprendíamos onde podíamos” (Williams, 2015bWilliams, Raymond. (2015b). A cultura é algo comum. In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo . São Paulo: Editora Unesp , p. 3-28.: 6).

Partia-se do pressuposto de que o modelo de educação moderno na sociedade britânica tinha sido determinado por uma transformação estrutural relacionada à prosperidade industrial que a sociedade capitalista havia legado desde o século XIX, principalmente. Os escritos de Marx (2006Marx, Karl. (2006). O ensino e a educação da classe trabalhadora. In: Marx, Karl & Engels, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. 5. ed. São Paulo: Centauro, p. 89-109.: 67) sobre educação e ensino nos oferecem uma boa medida de como a educação elementar das crianças britânicas, sobretudo as oriundas da classe trabalhadora, devia muito à organização do trabalho nas indústrias, especialmente no que se refere à obrigatoriedade do trabalho infantil a partir dos 9 anos de idade. O tema foi alvo de debate no Parlamento inglês naquela época, inserindo a educação infantil no centro de um importante debate político. Williams, atento a esses assuntos do passado, refletia agora sobre como era preciso redefinir todo o campo da educação na Grã-Bretanha, em função da solidez do mundo do trabalho britânico e da necessidade de o ensino elementar conseguir retirar as crianças das fábricas e prepará-las para iniciar a educação infantil, dar continuidade a seus estudos no ensino secundário e, depois, prosseguir para o ensino universitário. Segundo ele, a educação passou a ser definida, sobretudo no século XIX, em termos do trabalho adulto futuro (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 170-171), fruto do desenvolvimento industrial e da democracia na sociedade britânica: “Tanto nos tipos de instituição quanto na substância e na forma da educação, esse século mostra a reorganização da aprendizagem por uma sociedade radicalmente modificada, cujos principais elementos eram o desenvolvimento da indústria e da democracia, em termos das mudanças tanto no caráter social dominante quanto nos tipos de trabalho adulto” (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). The long revolution. Cardigan: Parthian.: 170, tradução nossa)8 8 No original: “Both in kinds of institution, and in the matter and manner of education, it shows the reorganisation of learning by a radically changed Society, in which the growth of industry and of democracy were the leading elements, and in terms of change both in the dominant social character and in types of adult work”. . A educação passava a ser uma força irradiadora do processo industrial e democrático em andamento na sociedade capitalista, que carecia de transformação, primeiro, por um projeto trabalhista de governo e, depois, por um socialista, com vistas a construir uma cultura em comum.

O fim do eleven-plus não era um problema qualquer ou esporádico, era um problema da organização educacional que estava sendo criticado, visando construir uma nova versão de educação pública, ainda que de caráter reformador. As crianças de 9 a 11 anos voltavam ao centro do debate da sociedade britânica, não como parte da obrigatoriedade do trabalho infantil, mas em função dos modelos de avaliação e seleção que faziam ascender ou retroceder gerações inteiras de estudantes. A história da educação infantil na Grã-Bretanha não era mais contada pela barbárie do trabalho infantil do século XIX, mas pela brutalidade dos testes e exames seletivos do século XX, sendo o melhor exemplo o eleven-plus.

Quanto às comprehensive schools, tratava-se de um modelo de ensino escolar mais aberto do que as grammar schools, e foi proposto pelo London County Council (LCC) em 1930, conforme nos conta um leitor de Williams, o historiador Derek Gillard (2018Gillard, Derek. (2018). Education in England: a history. Oxford: Education in England the history of our schools Disponível em <Disponível em http://www.educationengland.org.uk/history >. Acesso em 8 maio 2022.
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). As grammar schools e as comprehensive schools tinham sido estabelecidas pelo Act Educational de 1944, quando Conservadores e Trabalhistas discutiam qual era o melhor modelo de ensino para a sociedade britânica.

Da parte de Williams, tratava-se de revisar a grammar e dar atenção à comprehensive, evitando transformá-la numa escola de massas. Para ele, também era necessário tirar da administração central esses processos educacionais e atribuir aos condados a administração e gestão do ensino em todas as suas etapas escolares, do primário, passando pelo secundário até o universitário. Por isso, sua defesa é nítida: uma educação aberta e realizada pelos Colégios dos Condados (County Colleges), para preservar a educação cultural local dentro do sistema de ensino nacional.

Compreendia-se a necessidade de abertura do sistema educativo desde o final da Segunda Guerra Mundial. Todavia, o problema consistia em continuar dividindo a escola pública secundária entre grammar e comprehensive, mantendo em funcionamento um sistema de ensino, como dizia Williams, falsamente público, porque reproduzia as divisões da própria sociedade de classe britânica.

A Grã-Bretanha ainda é, basicamente, uma nação capitalista, e as indústrias nacionalizadas, ainda que bem-sucedidas de muitas formas, têm feito pouco para se afastar da divisão primordial entre empregador e empregado, que é a face mais hedionda do capitalismo. Ao mesmo tempo, na base desta estrutura de classe amplamente preservada, têm aparecido certas tendências, que em partes mascaram a continuidade do capitalismo e em partes representam avanços, ainda que limitados […]. Certos avanços no sistema educacional permitem, por exemplo, a um garoto astuto de uma família bastante pobre continuar sua formação para muito além do que foi permitido ao seu pai. E talvez ainda mais importante, muitas famílias da classe trabalhadora elevaram suas expectativas: tanto em termos de um padrão material de vida, quanto em termos de educação e lazer (Williams, 2019bWilliams, Raymond. (2019b). Uma democracia educada. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams e Educação. Coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora da FE - Unicamp, p. 55-69. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
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: 58-59).

Esse outro excerto do artigo que estamos analisando reforça as diversas facetas de uma sociedade desigual, em que um sistema de ensino reproduz a falsa igualdade do sistema de classes, por meio das chances que a sociedade capitalista proporciona aos mais “astutos”, para usar a expressão de Williams. Garotos bolsistas (Scholarship Boys), repassando aqui um termo de Richard Hoggart (2009Hoggart, Richard. (2009). The uses of literacy: aspects of working-class life. London: Penguin Books.: 262), eram uma tradição escolar dentro da desigual sociedade britânica, que oferecia chances de estudos por meio de bolsas a filhos e filhas das classes trabalhadoras que frequentavam em suas localidades as grammar schools, como aconteceu com o próprio Williams, que chegou a estudar como bolsista na Universidade de Cambridge e, depois, a trabalhar na mesma universidade (Williams, 2015bWilliams, Raymond. (2015b). A cultura é algo comum. In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo . São Paulo: Editora Unesp , p. 3-28.). Essa era uma das faces hediondas do capitalismo: a sociedade britânica continuava dividida em classes desiguais, garantindo a alguns as chances de ascender socialmente graças ao novo sistema de ensino britânico, que tendia cada vez mais a uma abertura, embora isso não fosse suficiente. Não se tratava de oportunidade educacional, porque oportunidade é uma situação para uma sociedade menos desigual, e não era o caso ainda. Quando se trata de sociedades desiguais, o termo mais adequado é “chance”, como num jogo em que se arrisca ganhar ou perder, mas sem nenhuma garantia para os lados envolvidos, algo bem diferente da igualdade de oportunidades.

Williams comenta que a lógica das “chances” fazia parte do discurso dos Conservadores, quando tratava do eleven-plus, exame necessário para cursar a grammar school:

Mas, no pensamento Conservador, não há problema nisso: você teve a sua chance e perdeu. Precisamos superar esta forma de pensar oportunidades, de que o eleven-plus é uma imagem tão perfeita. Oportunidades iguais não significam uma chance para uma minoria passar, e uma maioria falhar. Oportunidades iguais significam garantir o direito de todas as crianças a uma educação de qualidade consistente com o exigido pela participação em uma democracia educada (Williams, 2019bWilliams, Raymond. (2019b). Uma democracia educada. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams e Educação. Coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora da FE - Unicamp, p. 55-69. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
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: 63).

Chances sociais podem ser até bem-vindas, mas elas apenas garantem uma “fachada bonita em uma sociedade desigual”, comenta Williams nesse mesmo artigo. Tratava-se de ampliar as possibilidades de igualdade por intermédio de uma educação humanística geral para todos:

a ideia é dar uma educação humanística para todos em nossa sociedade, e depois uma formação especializada […]. Nossas especialidades serão muitos melhores se vierem de uma cultura comum, ao invés de serem distintas dessa cultura comum. E precisamos, a qualquer preço, evitar a cada vez mais evidente polarização de nossa cultura […]. Temos que enfatizar não a escada, mas o caminho comum, pois a ignorância de qualquer ser humano me diminui, e a habilitação de todo ser humano é um ganho comum de horizontes (Williams, 2015bWilliams, Raymond. (2015b). A cultura é algo comum. In: Williams, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo . São Paulo: Editora Unesp , p. 3-28.: 23).

O programa de Williams para a educação é bastante evidente em 1958, no trecho de A cultura é algo comum, que acabamos de ler. No artigo de 1959, o assunto retorna, e a crítica à grammar school é um bom exemplo de que a instrução de alto nível tem que ser expandida para todos, e não somente direcionada para alguns, como era habitual nos modelos de ensino escolares vigentes, o que leva Williams a cobrar do Partido Trabalhista uma visão mais contestadora e socialista do processo educacional.

POSIÇÕES POLÍTICAS SOBRE O SISTEMA DE ENSINO BRITÂNICO

O pensamento socialista tem estado, já há alguns anos, em estágio crítico, e um Governo Trabalhista seria bem-vindo precisamente na medida em que levaria este debate essencial a outro nível. A imagem da Grã-Bretanha está, de certa maneira, rapidamente mudando, e a dificuldade está em apresentar o debate socialista em uma linguagem genuinamente contemporânea: evitando dar aos velhos hábitos apenas uma nova roupagem, mas integrando os princípios permanentes ao que há de original de forma autenticamente enriquecedora, tornando o debate sensível às especificidades das formas de vida contemporâneas. Da forma como vejo, esta é a situação (Williams, 2019bWilliams, Raymond. (2019b). Uma democracia educada. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams e Educação. Coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora da FE - Unicamp, p. 55-69. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
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: 57-58).

Neste último excerto que selecionamos do artigo de 1959, Williams faz uma crítica ao pensamento socialista e, ao mesmo tempo, cobra do Trabalhista uma visão de fato contestadora da perspectiva educacional vigente, que tinha na grammar school o modelo e a referência de uma cultura da minoria9 9 O termo “minoria” nos lembra Frank Leavis, que, segundo Williams, escolhera a grammar school para realizar a sua perspectiva educacional (Williams, 2011a: 200). Na verdade, a referência a Leavis é oportuna, na medida em que ele foi decisivo para a formação intelectual de Williams, enquanto este cursava o ensino superior em Cambridge (Williams, 2013: 29-54). Apesar das fortes influências em sua visão de literatura, sociedade e educação, Williams conseguiu fazer a crítica de Leavis e posicioná-lo entre seus autores de referência, embora se diferenciando em vários pontos, entre eles a crítica que fez à defesa de uma cultura de uma “minoria literária encarregada de manter viva a tradição literária” (Williams, 1969: 265). Já em relação à perspectiva educacional do professor britânico, Williams dizia que “[…] havia a grande ênfase de Leavis na educação. Ele sempre enfatizava que havia um trabalho educacional imenso a ser feito. Claro que ele o definia em seus próprios termos” (Williams, 2013: 55), que consistiam em dar acesso por meio do mérito. Portanto, essa rápida referência a Leavis é para explicitar que os “velhos hábitos” advinham de parte do corpo dos letrados ingleses, que, conjuntamente com o Partido Conservador, insistiam em processos de seleção e graduação para formar a sociedade britânica dentro dos moldes da sociedade de classes, alvo da crítica dos socialistas. .

Resta-nos compreender o que Partido Conservador tem a ver com esses assuntos:

Defenderemos as grammar schools contra o ataque doutrinário socialista e velaremos para que elas sejam mais desenvolvidas. Levaremos as escolas modernas ao mesmo alto padrão. Então, a escolha da escola para as crianças pode ser mais flexível e menos preocupante para os país. Essa é a maneira correta de lidar com o problema dos “eleven-plus”. Já, para cima e para baixo no país, centenas de novas escolas modernas estão mostrando a forma das coisas que estão por vir. Nosso programa abrirá a todos os meninos e meninas as oportunidades que elas oferecem para acessar a educação superior e poder escolher carreiras melhores (Conservative Party, 2001Conservative Party. (2001). 1959 Conservative Party General Election Manifesto. (Conservative Party Manifestos). Disponível em <Disponível em http://www.conservativemanifesto.com/1959/1959-conservative-manifesto.shtml >. Acesso em 8 maio 2022.
http://www.conservativemanifesto.com/195...
, tradução nossa) 10 10 No original: “We shall defend the grammar schools against doctrinaire Socialist attack, and see that they are further developed. We shall bring the modern schools up to the same high standard. Then the choice of schooling for children can be more flexible and less worrying for parents. This is the right way to deal with the problem of the ‘eleven-plus’. Already, up and down the country, hundreds of new modern schools are showing the shape of things to come. Our programme will open up the opportunities that they provide for further education and better careers to every boy and girl”. Sobre o posicionamento do Manifesto do Partido Conversador a respeito do sistema de ensino britânico, conferir Conservative Party (2001). .

Essa ênfase na “escada” e não na conquista “comum de horizontes” era uma tradição na educação pública da sociedade britânica, que se apoiava nos processos de mudança social por meio de testes educacionais reservados a uma minoria cultural de estudantes advindos da classe média e da elite britânica. Em se tratando da classe trabalhadora, as “chances” reservavam-se aos bolsistas: “Atualmente, cerca de uma em cada cinco crianças de todas as classes frequentam as grammar schools. A origem de algumas crianças de classe média-baixa ou média pode facilitar a obtenção de bolsas de estudo: e algumas crianças da classe trabalhadora ainda não podem receber bolsas de estudo, ou deixam as grammar schools mais cedo por causa da pressão financeira” (Hoggart, 2009Hoggart, Richard. (2009). The uses of literacy: aspects of working-class life. London: Penguin Books.: 305-306, tradução nossa)11 11 No original: “At present, roughly one in five of children of all classes go to grammar-schools. The home background of some lower middle-class or middle-class children may make it easier for them to win scholarships: and a few working-class children can still not take up scholarships, or they leave the grammar-schools early because of financial pressure”. .

O acesso dos bolsistas à grammar já foi bastante explorado aqui, tendo ficado em suspenso apenas um dos temas relacionados a esse tipo de educação seletiva. Em um dos excertos extraídos do artigo de 1959, Williams havia feito uma referência não somente aos garotos bolsistas, que tiveram melhores oportunidades do que seus pais da classe trabalhadora, mas também às mudanças no padrão de vida social dos trabalhadores na área da educação e do lazer: “muitas famílias da classe trabalhadora elevaram suas expectativas: tanto em termos de um padrão material de vida, quanto em termos de educação e lazer” (Williams, 2019bWilliams, Raymond. (2019b). Uma democracia educada. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams e Educação. Coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora da FE - Unicamp, p. 55-69. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymo...
: 58-59). Acerca da educação, já sabemos o que significava essa mudança no padrão material de vida; porém, sobre o lazer, precisamos ainda fazer algumas ponderações.

O lazer tinha relação com uma mudança social em andamento na sociedade britânica, impulsionada pelos meios de comunicação: rádio, TV, cinema, jornais, revistas, propaganda e literatura, principalmente. Há uma síntese desse processo na “Introdução” de Reading and Criticism:

As circunstâncias materiais das quais devo começar são familiares. Desde a introdução da educação livre e obrigatória, nos últimos 80 anos, tem aparecido um imenso novo público leitor. O ócio também tem aumentado, o que resulta em uma enorme quantidade potencial de novos leitores de literatura séria, muito maior do que já existiu. Pouco a pouco, com o aumento da alfabetização e da educação, têm sido produzidos, contudo, novos espaços de atividades de ócio e tempo livre: jornais diários e revistas com tiragens conjuntas bem maiores para a população; o cinema, frequentado por 25 milhões de espectadores a cada semana na Grã-Bretanha; o rádio, com audiências entre 15 e 20 milhões de espectadores em alguns programas (Williams, 1950Williams, Raymond. (1950). Reading and criticism. London: Frederick Muller LTD.: 1, tradução nossa)12 12 No original: “The material circumstances from which it must begin are familiar. Since the introduction of compulsory and free education in the last eighty years an immense new reading public has been created. Leisure has correspondingly increased, with the result that the public for serious literature is potentially very large, larger than it has ever been. Step by step with the growth of literacy and education, however, new and broad channels for leisure-time “activity” have been manufactured: the popular newspaper and magazine, with combined circulations larger than the population; the cinema, which some twenty-five millions attend in Britain every week; the wireless, with audiences for single programmes of between fifteen and twenty million people at a time”. .

A presença de cinema, literatura, jornais, revistas e o crescimento de um público leitor e de uma audiência para esse conjunto de produções literárias e artísticas introduzem o debate sobre cultura e sociedade, mediado pela dimensão do ócio ou lazer. É interessante notar que o tempo livre para o lazer e o acesso a essas novas formas sociais são reveladores da construção de uma maioria cultural que se dá, segundo Williams, por meio da educação livre obrigatória, que viemos discutindo até aqui.

Há outro aspecto importante na introdução dessas novas formas sociais. Através dos novos meios técnicos, os processos comunicativos ampliaram-se e colaboraram não somente com a informação, mas também com a transmissão de repertórios, inclusive advindos de produções clássicas de literatura, música, teatro, elas mesmas comunicadas por meio da televisão e difundidas em larga escala para toda a sociedade britânica. Era algo que impactava também o ensino clássico tradicional, que tinha a primazia da formação erudita por meio dos livros e bibliotecas, agora renovado pela presença de programas televisivos de educação13 13 Como não há espaço para fazer esta discussão aqui, recomenda-se a leitura do livro Television de Raymond Williams, especialmente o capítulo 3, dedicado às formas da televisão (“The forms of television”), em que o tema da educação aparece (Williams, 2008). . Williams, inclusive, usava, nas aulas para adultos, as formas do cinema e da literatura clássica e contemporânea para formar seus estudantes trabalhadores (Paixão & Trevisan, 2020Paixão, Alexandro Henrique & Trevisan, Anderson Ricardo. (2020). Raymond Williams, cultura e extensão universitária. Resgate: Revista Interdisciplinar de Cultura, 28, p. 1-23. Disponível em <Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/resgate/article/view/8657391 >. Acesso em 10 jan. 2023.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
), provando que a aprendizagem de conteúdos clássicos e/ou modernos era algo comum, e não privilégio de uma minoria frequentadora da grammar school.

Sobre a introdução de novas formas sociais de caráter artístico, ligada aos novos meios de comunicação, sabemos que o Partido Conservador, no excerto destacado, chega a dizer que as novas escolas modernas eram capazes de lidar com esses processos, sem precisar atualizar a grammar school e o eleven-plus. Isso significava que o governo conservador se abria para o novo por meio das escolas modernas, mas se mantinha reservado ao antigo prestígio de classe baseado num currículo clássico.

A reforma da educação pública britânica, com as escolas mais modernas ou renovadas, não significava de fato uma alternativa para a classe trabalhadora. Esta depositava-se na comprehensive school, como um modelo de ensino escolar que, se bem conduzido, nos termos de Williams, poderia levar à educação aberta e de larga escala, conforme foi discutido até aqui. Em resumo, a educação secundária na Grã-Bretanha redefinia-se não a partir de um problema estrutural relacionado à origem social e às condições de vida das classes, mas sim segundo um princípio seletivo em que todos podiam participar, embora apenas alguns fossem selecionados.

Introduzir novos modelos escolares de ensino, fazer uso de novos tipos de produção cultural e artística, como aqueles advindos dos novos meios de comunicação ou mesmo da educação e cultura popular, ou ainda usar novas teorias acerca da cultura para evitar os velhos hábitos seletivos e excludentes era o que se propunha Williams no artigo que acabamos de verificar. Como vimos, ele defende uma educação aberta, em larga escala, e um projeto político para ampliar uma minoria cultural para uma maioria por meio de um novo modelo escolar de ensino, que o Partido Trabalhista deveria reconhecer para poder concretizar.

Em 1960, no já mencionado “Estritamente pessoal”, Williams escrevia que “o debate corrente a respeito da organização do nosso sistema de ensino secundário é melhor entendido se considerado como um argumento a respeito de nossa organização social” (Williams, 2019aWilliams, Raymond. (2019a). Estritamente pessoal. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams & educação: coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora FE - Unicamp, p. 70-82. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymo...
: 70). Esse entendimento de que a estrutura de uma sociedade se reflete na organização escolar é algo persistente e revelador do raciocínio pedagógico de Raymond Williams. Por meio disso, ele define que precisamos continuar debatendo e compreendendo a educação, o ensino, a escola, a universidade, o currículo, se quisermos viver mudanças estruturais significativas, fazendo valer a premissa marxiana anunciada na epígrafe deste artigo. Marx, na ocasião do livro as Exposições nas Seções dos dias 10 e 17 de Agosto de 1869, no Conselho Geral da Associação Internacional de Trabalhadores, dizia, entre outras coisas, que “falta um sistema de ensino novo para poder modificar as condições sociais” (Marx, 2006Marx, Karl. (2006). O ensino e a educação da classe trabalhadora. In: Marx, Karl & Engels, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. 5. ed. São Paulo: Centauro, p. 89-109.: 107). Aproximadamente 100 anos depois, em 1959, Williams defendia essa tese para o PT britânico, reafirmando que, caso ele quisesse governar e construir uma sociedade de caráter social-democrático, ela mesma educada e participativa, o Trabalhista precisaria lutar culturalmente por uma mudança social no sistema de ensino britânico.

REFERÊNCIAS

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  • Paixão, Alexandro Henrique & Trevisan, Anderson Ricardo. (2020). Raymond Williams, cultura e extensão universitária. Resgate: Revista Interdisciplinar de Cultura, 28, p. 1-23. Disponível em <Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/resgate/article/view/8657391 >. Acesso em 10 jan. 2023.
    » https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/resgate/article/view/8657391
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  • Williams, Raymond. (2019a). Estritamente pessoal. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams & educação: coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora FE - Unicamp, p. 70-82. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
    » https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos
  • Williams, Raymond. (2019b). Uma democracia educada. In: Paixão, Alexandro Henrique (org.). Raymond Williams e Educação. Coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos de ensino. Campinas: Editora da FE - Unicamp, p. 55-69. Disponível em <Disponível em https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos >. Acesso em 27 dez. 2022.
    » https://www.fe.unicamp.br/noticias/raymond-williams-educacao-coletanea-de-textos-sobre-extensao-tutoria-curriculo-e-metodos
  • 1
    Mais informações sobre os tipos de escolas e testes de admissão no ensino secundário do Reino Unido, conferir United Kingdom (2022United Kingdom. (2022). Types of school. London: United Kingdom. Disponível em <Disponível em https://www.gov.uk/types-of-school >. Acesso em maio 2022.
    https://www.gov.uk/types-of-school...
    ).
  • 2
    No original: “There are clear and obvious connexions between the quality of a culture and the quality of its system of education”.
  • 3
    No original: “In 1902 the creation of Local Education Authorities, with responsability for the full educational needs of their areas, laid the basis for a national system of secundar education”.
  • 4
    Acerca do ofício de Williams como tutor na educação de adultos britânica, vou abdicar de adentrar no debate, mas indico a leitura de Cevasco (2003Cevasco, Maria Elisa. (2003). Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo: Boitempo.), Paixão (2018Paixão, Alexandro Henrique. (2018). Raymond Williams e a Educação Democrática. Educação & Sociedade, 39/145, p. 1004-1022. Disponível em <Disponível em https://www.scielo.br/j/es/a/NBPmVxNDLqwSktCFwDf6Twx/abstract/?lang=pt >. Acesso em 10 jan. 2023.
    https://www.scielo.br/j/es/a/NBPmVxNDLqw...
    ) e Paixão e Trevisan (2020Paixão, Alexandro Henrique & Trevisan, Anderson Ricardo. (2020). Raymond Williams, cultura e extensão universitária. Resgate: Revista Interdisciplinar de Cultura, 28, p. 1-23. Disponível em <Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/resgate/article/view/8657391 >. Acesso em 10 jan. 2023.
    https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
    ).
  • 5
    Nisso Williams se afinava com outras vozes da época na Grã-Bretanha, como a de Michel Young, que colocava o debate em termos de meritocracia, buscando satirizar esse processo de reforma educacional defendido pelo governo trabalhista. Sobre Young e sua sátira ao sistema educacional britânico, convido o leitor a se debruçar sobre o artigo de Maíra Tavares Mendes (2018Mendes, Maíra Tavares. (2018). O mito do mérito: ensaio sobre meritocracia e qualidade da educação. Perspectiva, 36/4, p. 1302-1320.), especialmente nos momentos em que discute as grammar schools e as comprehensive schools, vistas sob a ótica de Young. Quanto às chamadas escolas compreensivas (comprehensive schools), resultado das reformas educacionais que aconteceram em todo o continente europeu após a Segunda Guerra Mundial, assinalo que se, por um lado, esse processo de “escolarização universal” tornou a escola obrigatória até os 16 anos, por outro, suprimiu ou abafou as contradições existentes entre as classes quando favoreceu o “acesso” a todos sem modificar radicalmente os sistemas educacionais, mantendo a excludência (Enguita, 1989Enguita, Mariano F. (1989). A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes Médicas.: 218-233).
  • 6
    Colégio dos Condados.
  • 7
    No original: “that of training the members of a group to the ‘social character’ or ‘pattern of culture’ which is dominant in the group or by which the group lives. To the extent that this ‘social character’ is generally accepted, education towards it will not normally be thought of as one possible training among many, but as a natural training which every one in the society must acquire […]. Yet the social character is always and everywhere much more than particular habits of civility and behaviour; it is also the transmission of a particular system of values, in the field of group loyalty, authority, justice, and living purposes […]. The teaching of skills prepares a rising generation for the varieties of adult work, but this work, and all the relations governing it, will be found to exist within the given social character; indeed one function of the social character is to make the available kinds of work, and the valuations and relations which arise from them, acceptable. And if we cannot separate general social training from specialised training, since one is given, consciously or unconsciously, in terms of the other, neither can we separate […] what we call a ‘general education’, or, ‘education for culture’. Schematically one can say that a child must be taught, first, the accepted behaviour and values of this society; second, the general knowledge and attitudes appropriate to an educated man; and, third, a particular skill by which he will earn his living and contribute to the welfare of his society”.
  • 8
    No original: “Both in kinds of institution, and in the matter and manner of education, it shows the reorganisation of learning by a radically changed Society, in which the growth of industry and of democracy were the leading elements, and in terms of change both in the dominant social character and in types of adult work”.
  • 9
    O termo “minoria” nos lembra Frank Leavis, que, segundo Williams, escolhera a grammar school para realizar a sua perspectiva educacional (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Políticas do modernismo: contra os novos conformistas. São Paulo: Editora Unesp.: 200). Na verdade, a referência a Leavis é oportuna, na medida em que ele foi decisivo para a formação intelectual de Williams, enquanto este cursava o ensino superior em Cambridge (Williams, 2013Williams, Raymond. (2013). A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp .: 29-54). Apesar das fortes influências em sua visão de literatura, sociedade e educação, Williams conseguiu fazer a crítica de Leavis e posicioná-lo entre seus autores de referência, embora se diferenciando em vários pontos, entre eles a crítica que fez à defesa de uma cultura de uma “minoria literária encarregada de manter viva a tradição literária” (Williams, 1969Williams, Raymond. (1969). Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. São Paulo: Companhia Editora Nacional.: 265). Já em relação à perspectiva educacional do professor britânico, Williams dizia que “[…] havia a grande ênfase de Leavis na educação. Ele sempre enfatizava que havia um trabalho educacional imenso a ser feito. Claro que ele o definia em seus próprios termos” (Williams, 2013Williams, Raymond. (2013). A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp .: 55), que consistiam em dar acesso por meio do mérito. Portanto, essa rápida referência a Leavis é para explicitar que os “velhos hábitos” advinham de parte do corpo dos letrados ingleses, que, conjuntamente com o Partido Conservador, insistiam em processos de seleção e graduação para formar a sociedade britânica dentro dos moldes da sociedade de classes, alvo da crítica dos socialistas.
  • 10
    No original: “We shall defend the grammar schools against doctrinaire Socialist attack, and see that they are further developed. We shall bring the modern schools up to the same high standard. Then the choice of schooling for children can be more flexible and less worrying for parents. This is the right way to deal with the problem of the ‘eleven-plus’. Already, up and down the country, hundreds of new modern schools are showing the shape of things to come. Our programme will open up the opportunities that they provide for further education and better careers to every boy and girl”. Sobre o posicionamento do Manifesto do Partido Conversador a respeito do sistema de ensino britânico, conferir Conservative Party (2001Conservative Party. (2001). 1959 Conservative Party General Election Manifesto. (Conservative Party Manifestos). Disponível em <Disponível em http://www.conservativemanifesto.com/1959/1959-conservative-manifesto.shtml >. Acesso em 8 maio 2022.
    http://www.conservativemanifesto.com/195...
    ).
  • 11
    No original: “At present, roughly one in five of children of all classes go to grammar-schools. The home background of some lower middle-class or middle-class children may make it easier for them to win scholarships: and a few working-class children can still not take up scholarships, or they leave the grammar-schools early because of financial pressure”.
  • 12
    No original: “The material circumstances from which it must begin are familiar. Since the introduction of compulsory and free education in the last eighty years an immense new reading public has been created. Leisure has correspondingly increased, with the result that the public for serious literature is potentially very large, larger than it has ever been. Step by step with the growth of literacy and education, however, new and broad channels for leisure-time “activity” have been manufactured: the popular newspaper and magazine, with combined circulations larger than the population; the cinema, which some twenty-five millions attend in Britain every week; the wireless, with audiences for single programmes of between fifteen and twenty million people at a time”.
  • 13
    Como não há espaço para fazer esta discussão aqui, recomenda-se a leitura do livro Television de Raymond Williams, especialmente o capítulo 3, dedicado às formas da televisão (“The forms of television”), em que o tema da educação aparece (Williams, 2008Williams, Raymond. (2008). Televion: technology and cultural form. London: Routledge.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2022
  • Revisado
    06 Set 2022
  • Aceito
    12 Set 2022
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