Resumo
Pierre Clastres (1934-1977) produziu uma torção no pensamento político moderno a partir de uma proposição etnográfica-filosófico-política ousada, porque embasada em outros universos conceituais, sobretudo nos ameríndios, em que procura repensar as concepções sobre poder e política tomando a sério estes outros modos de pensar que afrontam e confrontam o chamado mundo ocidental. Esta entrevista/conversação em torno da obra clastreana realizada por quatro etnólogos/antropólogos se propôs a pensar com Clastres, tentar ir além de Clastres, procurando justamente enfatizar a atualidade de seu pensamento ao trazermos nossas próprias experiências etnográficas ameríndias e nossos encontros com os conceitos e as formulações clastreanos.
Palavras-chave:
Poder; Política; Estado; Amazônia; Ameríndios
Abstract
Pierre Clastres (1934-1977) produced a twist in modern political thought based on a bold ethnographic-philosophical-political proposition grounded in other conceptual universes, especially Amerindian ones. It sought to rethink conceptions of power and politics by taking seriously these other ways of thinking that confront and challenge the so-called Western world. This interview/conversation on Clastre’s work, conducted by four ethnologists/anthropologists, proposes to reflect with Clastres, to attempt to go beyond Clastres, and to emphasize the relevance of his thought by bringing our own Amerindian ethnographic experiences and our encounters with Clastres’ concepts and formulations.
Keywords:
Power; Politics; State; Amazon; Amerindians
Pierre Clastres (1934-1977) produziu uma torção no pensamento político moderno a partir de uma proposição etnográfica-filosófico-política ousada porque embasada em outros universos conceituais, sobretudo nos ameríndios, em que procura repensar as concepções sobre poder e política levando a sério estes outros modos de pensar que afrontam e confrontam o chamado mundo ocidental. Licenciado em Letras, diplomado em estudos superiores em Filosofia (1958), doutor em Etnologia (1965) com a tese intitulada A vida social de uma tribo nômade: os índios Guayaki do Paraguai, foi pesquisador do CNRS de 1961-1975 no Laboratório de Antropologia Social; professor da E.P.H.E entre 1971 e 1972, dirigindo a cadeira de Religiões e Sociedades da América do Sul. Inicia suas publicações sobre as sociedades ameríndias e, em especial, sobre poder e chefia em 1962. A partir de 1963, inicia seus trabalhos de campo no Paraguai, no Brasil e na Venezuela: de janeiro a dezembro de 1963 entre os Guaiaki; de maio de 1965 a dezembro de 1966 prepara por dois meses uma viagem para contatar um grupo Aché Vwagí, depois trabalha por dois meses entre os Guarani Chiriripa, visita os Javaé do Araguaia e faz muitas viagens aos Guarani do litoral de São Paulo; de março a maio de 1966 ensina na Universidade de São Paulo e a partir de junho de 1966 retorna ao Paraguai e trabalha com os Mbya, depois passa 4 meses entre os Chulupi do Chaco; de junho a dezembro de 1968 retorna aos Chulupi e entre dezembro de 1970 a abril de 1971 realiza trabalho de campo entre Yanomami da Venezuela acompanhando seu colega e amigo Jacques Lizot; entre abril e junho de 1974, ensina novamente na Universidade de São Paulo (USP) e realiza pequenas viagens, revisitando os Guarani do litoral de São Paulo.
Observa-se, assim, que o conhecimento etnográfico de Clastres se assenta em uma base sólida, seja bibliográfica, seja produzida durante suas missões para a realização de seus trabalhos de campo. Essa base é fundamental, uma vez que permite a ele articular e alavancar uma narrativa conceitual-teórica capaz de redefinir os problemas antropológicos de seu tempo. Suas leituras, sua formação e seus encontros etnográficos garantiram a Clastres produzir um vocabulário etnológico próprio que tem servido de guia e inspiração para a etnologia sul-americana e para a antropologia política nos últimos 40 anos.
Com forte influência do pensamento de Claude Lévi-Strauss, Clastres abre novas perspectivas para a antropologia vindoura, sobretudo impactando discussões sobre chefia, poder coercitivo, contra-Estado, multiplicidade e diferença. Suas obras mais etnográficas-conceituais, que ecoam uma filosofia-política ameríndia, encontram-se nas publicações seminais A sociedade contra o Estado e Arqueologia da violência, obras que reverberam até os dias de hoje fecundas releituras, interpretações, críticas que não cessam de testemunhar a originalidade e o alcance do pensamento de Clastres, seja para se repensar a etnologia amazônica ou para propor novos modelos de interpretação para a compreensão do que significa poder, Estado, política, monopólio, o Um como figuras onipresentes, e sempre questionáveis, do pensamento ocidental.
Esta entrevista/conversação em torno da obra clastreana realizada por quatro etnólogos/antropólogos se propôs a pensar com Clastres, tentar ir além do autor, procurando justamente enfatizar a atualidade de seu pensamento ao trazermos nossas próprias experiências etnográficas ameríndias e nossos encontros com os conceitos e as formulações clastreanos. Conversamos durante um encontro presencial no apartamento de Renato Sztutman, no centro da cidade de São Paulo, na tarde de primeiro de setembro de 2025.
Els Lagrou: Proponho começar pelo começo, pensar com Clastres a partir do famoso manifesto que coloca o problema do poder que é Copérnico e os selvagens (Clastres, 2003), publicado em 1968 e escrito em diálogo com Lapierre (1968). Clastres inicia esse texto com Nietzsche (2025), propondo a questão de que desde quando existe a humanidade, houve sempre um número grande de pessoas obedecendo a um pequeno número de chefes. Cita Weber (2000) e a célebre frase “o poder do Estado é o monopólio do uso legítimo da violência”, que definiria o poder como relação social caracterizada pelo par comando-obediência. Clastres se pergunta: será que o poder político sempre se define deste modo? Se reduz a isso? Se esse é o regime que caracteriza o colonialismo, com a escravidão que veio se instalar nas Américas, o contrário caracterizava os sistemas políticos encontrados pelos europeus nas Américas. Esta foi a questão que David Graeber e David Wengrow (2022), no livro O despertar de tudo, recentemente retomaram de Clastres, ao afirmar que as ideias de liberdade, fraternidade e igualdade, motores do pensamento democrático, podem ter sido de inspiração nativa dos povos das Américas, resultado do encontro que vem a ser o mau encontro para os que se encontravam do lado de cá.
Clastres propõe, também, a ideia de que os povos que praticavam uma política igualitária, avessa ao acúmulo de bens e ao sequestro da liberdade de arbítrio, e que limitavam o poder do uso de violência e de coerção por parte de seus chefes e líderes, não por isso desconheciam outros sistemas políticos mais hierárquicos, alguns organizados na forma de um Estado cobrador de tributos, desde os produtos do trabalho dos vassalos até as formas de sacrifício de cativos dos povos conquistados. A ausência de Estado ou de esquemas de desapropriação resultantes de relações de comando-obediência não seria, assim, um estágio pré-político, ligado a uma economia doméstica que ainda não se desenvolveu de modo mais complexo, mas uma formação política consciente e de resistência. É nessa chave que podemos ler hoje o surgimento dos coletivos de quilombolas, assim como o aumento das populações indígenas que reassumem suas identidades coletivas diferenciadas frente ao Estado. E é nesse sentido também que o Estado brasileiro, com a constituinte de 1988, pode se tornar aliado do direito à existência diferenciada e autônoma.
Temos, assim, uma primeira questão levantada pelas reflexões clastreanas. Ao ser perguntado sobre a sociedade contra o Estado Ailton Krenak responde: “Somos contra, naturalmente” e em uma série televisiva sobre as guerras do Brasil1 declara: “Nós estamos em guerra, a guerra continua”. Lideranças indígenas continuam sendo exterminadas por defenderem seus territórios e direito à existência diferenciada até hoje. Não importa quão pró-indígena e pró-ambiente possa se dizer o executivo, a base do Congresso, dominada pelo agronegócio, continua agindo segundo uma pauta de exploração, ocupação e violência. A guerra indígena que se afirma hoje é, por exemplo, a marcha indígena das mulheres em frente ao Congresso, enfrentar batalhas no Legislativo, capturar aliados por meio da, como Krenak o define, política cultural. Ou seja, o cenário se complica e os tempos nos colocam novas questões que não estavam tão presentes no horizonte de Clastres. “Estamos todos vivendo no ventre do monstro, tendo que fazer alianças improváveis para sobreviver”, disse Donna Haraway (2022) em 2014, no colóquio “Os mil nomes de Gaia”. Uma dessas alianças é a da política do Estado, elegendo vereadores, participando na constituinte e na formulação de leis. Outra se realiza no mundo das artes, uma área que recebeu muito investimento político e cultural do movimento indígena recentemente. E temos, obviamente, as alianças multiespécies. Tema ausente do horizonte de Clastres, mas já muito presente no pensamento ecológico de Guattari (1990), que escreve contemporaneamente a Clastres. Então, queria começar perguntando a cada um de vocês qual seria, segundo vocês, a atualidade hoje do pensamento de Clastres.
Marta Amoroso: Eu vou começar por um trabalho que estou acompanhando como orientadora, na chave das políticas indígenas e de um movimento jurídico em torno da reparação, em que Clastres se situa no centro dessa discussão. O trabalho de Rafael Pacheco Marinho (2025) com os Xetá, que é um grupo tupi-guarani que, como vocês sabem, foi reduzido ao mínimo, que hoje soma não mais que 200 pessoas, além de muitas outras ainda desaparecidas e dispersas. Em torno do caso xetá, observamos emergir, tanto no movimento indígena como em uma aliança da antropologia com o direito, novas teses sobre a reparação. Uma ideia que nasce na Comissão Nacional da Verdade2, que, no contexto dos povos indígenas, focaliza situações em que houve um agravamento da violência contra estes povos. E onde entra Clastres? À justiça caberá reparar o que se passou com povos que foram dados por exterminados, num quadro de ações genocidas empreendidas pelo Estado. Este tema fundamental do etnocídio/genocídio, Clastres o evoca para nos fazer pensar no “mau encontro” entre os povos ameríndios e os europeus colonizadores. Esta questão é interessante para sublinhar a atualidade de Clastres, autor que retorna de forma contemporânea no trabalho de um antropólogo indígena, Felipe Sotto Maior Cruz, ou Felipe Tuxá (2021), professor na Universidade Federal da Bahia. Felipe Tuxá reconstrói essa discussão a respeito do papel de Clastres3 nos anos 1960, denunciando o genocídio no Chaco. Clastres aprofunda esta questão, propondo o conceito de etnocídio, uma vez que genocídio exige corpos mortos, e o etnocídio acontece quando se mata e se atenta contra a cultura, contra o modo de existência de um povo. Etnocídio implica, assim, em desdobramentos de não se ter mais direito a território. Naquele momento, Clastres estava apontando para alguma coisa que é muito sólida, para as consequências do que ele estava testemunhando que seriam os desdobramentos de uma ação colonial em curso e que estava se atualizando na América indígena. Clastres, naquela ocasião, era contundente. Ele está dizendo que na existência de um Estado colonial está implicado o direito de matar. Permite-se a instalação de uma cultura da morte, que é o que move esse Estado. E isso permeia todas as instituições, e a ação dos indivíduos, uma ação que se permitiu, em sua trajetória cultural, o pleno exercício da morte. Isso é uma proposição de Felipe Tuxá, um intelectual indígena refletindo com Clastres. Eu acho que essa atualidade e potência do que Clastres formulou, provavelmente, a gente espera que sim, traga uma força nova para o movimento indígena e o indigenismo, nesse momento em que estamos ainda às voltas com a questão do marco temporal. O que é o marco temporal? É a legislação que hoje rege a demarcação das terras indígenas. Com o marco temporal, aquele povo indígena que não estava ocupando a terra no dia em que foi assinada a Constituição de 1988, perde o direito de reivindicar a terra. Isso nos leva para uma situação dramática e nos reenvia ao problema posto por Clastres: como ficam essas pessoas dispersadas, mortas, alvos do etnocídio/genocídio? Desse modo, o genocídio é informado pela ideia do etnocídio, que é o que Clastres está defendendo. Usando esses dois conceitos em relação, talvez essa seja uma base muito boa para uma aproximação entre um certo indigenismo e as políticas indígenas. E aqui estas ideias de Clastres têm um vigor, uma atualidade, questionando radicalmente essa cultura da morte que a colonização representa. Isso é Clastres. E mais, toda a discussão com o Estado que se dá agora neste momento de construção de novas parcerias com o Estado, quando o Estado se abre para a participação indígena, Ministérios dos Povos Indígenas, o que provoca, por sua vez, uma situação de reavaliação sobre estas instituições do próprio Estado, que são genocidas, etnocidas, como diria Clastres. Se o Estado age, “naturalmente” imprime um etos etnocida nas suas ações coloniais. E as nossas parcerias, como antropólogas e antropólogos, são para promover a autonomia, apontam para os conceitos indígenas e sua própria visão das relações com esta estrutura colonial etnocida/genocida.
E.L.: O maior genocídio/etnocídio no planeta se deu na ocupação da América pelos europeus.
M.A.: Eu participei de um seminário, na última semana de julho de 2025, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com historiadores, antropólogos e arqueólogos que estão trabalhando com uma atualização do censo da Amazônia colonial4. É impressionante. Temos, hoje, a dimensão catastrófica do que se passou nos primeiros séculos da colonização. As terras pretas de índio (TPI) documentadas pela arqueologia enquanto presença dos povos indígenas, as vilas pombalinas instituídas pelo governo colonial a partir de coletivos indígenas, por exemplo, são dados da presença indígena e, se mudamos a rubrica desses marcadores, alteramos o quadro demográfico sobre a ocupação da Amazônica colonial. Vamos ter, de fato, uma outra dimensão do que foi o etnocídio/genocídio na América. Assim, eu penso que Clastres fez uma aposta acertada quando entrou nesse debate posicionando-se diante da ideia de que o etnocídio, na verdade, já é a grande máquina de uma cultura genocida do Estado, que opera por meio da morte.
Renato Sztutman: Bem, a atualidade de Clastres... Eu tenho pensado isso nos últimos 20 anos. Eu penso na atualidade do conceito da sociedade contra o Estado. Muitos autores têm se voltado à questão de Clastres, a de pensar o político não só como busca do poder, mas como recusa de um poder coercitivo. É muito interessante como esta questão tem migrado para os estudos de História e de Arqueologia, que muitas vezes se constituíram como ciências do Estado, que colocaram suas perguntas a partir do Estado. Mesmo a Arqueologia Amazônica que foi surgindo mais no final do século XX. A questão era, sobretudo, demonstrar que na Amazônia era possível encontrar formas, senão correspondentes, ao menos semelhantes ao Estado, como os “cacicados”. Atualmente, e diferentemente, o que se tem mostrado, tanto do ponto de vista dos historiadores como dos arqueólogos, é que sempre houve ali forças contra o Estado. A novidade em relação a Clastres é que, de repente, a ideia de uma sociedade contra o Estado na Amazônia reemerge.
Clastres foi lido de uma maneira muito atual pelo historiador e politólogo James Scott (2009), que discute história agrária no Sudeste Asiático, autor do famoso livro The art of not being governed, livro que repensa os impérios sul-asiáticos, evidenciando sua fluidez, bem como as possibilidades de sair e de retornar ao Estado. Essas forças “contra” sempre estiveram presentes, mesmo em sociedades que poderiam ser chamadas de estatais. James Scott retoma o estudo clássico de Edmund Leach (2014) sobre a Alta Birmânia e a alternância, no povo Kachin, das formas políticas gumsa e gunlao. Scott aproxima o que Leach viu nas terras altas do Sudeste Asiático com a ideia da sociedade contra o Estado, demonstrando que, mesmo nas sociedades com Estado, essas forças contrárias podem estar presentes. Uma crítica que aparece mais recentemente a Clastres é que essa grande oposição que ele traçou entre sociedades contra o Estado e sociedades com Estado é, na verdade, menos absoluta do que ele teria enfatizado em sua obra. Ela é menos absoluta, embora eu pense que ela não é facilmente descartável.
O livro de Graeber e Wengrow (2022), que propõe de maneira ousada voltar a pensar uma história da humanidade numa longuíssima duração, oferece insights interessantes cruzando etnografia, arqueologia e história do mundo todo, com um foco especial no material da América do Norte. Embora estes autores pretendam criticar Clastres, seu livro é uma prova da atualidade de Clastres, quando procuram justamente enfatizar que, durante toda a história, houve movimentos contrários ao Estado. As forças contra o Estado sempre estiveram lá, mesmo quando se falava de impérios. O arqueólogo Eduardo Neves (2022), que reescreve a arqueologia amazônica em seu último livro, mostra a importância das ideias de Clastres para repensar a arqueologia. A questão que ele se coloca é porque esses (proto)Estados, que chamamos, grosso modo, de cacicados, chefaturas ou coisas assim, nunca se estabilizaram como tais. Isso se deu porque essas forças contrárias sempre estiveram muito presentes. Esta é mais uma atualidade do pensamento de Clastres que permite juntar, hoje, antropologia, arqueologia e história. Até pouco tempo, arqueólogos e (etno)historiadores tinham Clastres como inimigo, pois queriam mostrar que mesmo em lugares como a Amazônia era possível desenterrar coisas como Estado. Pois bem, hoje as coisas mudaram, pois o que poderia explicar a efemeridade dessas coisas é justamente o fato de abundarem ali forças contra-estatais, vetores centrífugos potentes.
Penso que Clastres foi também um autor, para além da antropologia, crucial para a filosofia, e sobretudo para a filosofia política, que era um horizonte de reflexão que ele jamais abandonou. Clastres torceu o pensamento político moderno, ao mostrar que o Estado não é algo necessário, não é o telos do político. Assim, ele inaugurou uma série de estudos e reflexões sobre a natureza da política que são fundamentais. Retomo algo que Marta (Amoroso) já apontou. Hoje podemos dizer que atualizar Clastres é pensar Clastres para além dele, do mesmo modo que o fez Antonio Negri (2016) quando pensa Marx além de Marx. Mas para pensar Clastres além de Clastres, é preciso colocar uma questão: como podemos pensar em sociedades ditas contra o Estado que, hoje em dia, estão tendo que compor com o Estado? O conceito de Estado em Clastres é abstrato, é o poder coercitivo de uma maneira abstrata, algo que não precisa ser vivido, pode ser intuído, prefigurado. E hoje vemos no mundo moderno, nas Américas, sobretudo no Brasil e na América Latina, uma relação do Estado com os povos indígenas que não é simplesmente de negação, mas passa pela garantia de sua existência, pela garantia de direitos, direito à terra, direito à diferença. Esta questão torce um pouco (mas não invalida) as ideias de Clastres.
O texto sobre o etnocídio (Clastres, 2004), citado por Marta, é bem categórico, nos diz que todo Estado é etnocida. Um Estado que garante a existência de povos indígenas seria, portanto, uma contradição; povos indígenas e Estado seriam encarnações de forças contrárias, uma vez que um povo indígena passa a ter um Estado, deixa de ser um povo indígena. Clastres usa muito o termo primitivo, hoje devemos trocar esse termo preconceituoso por indígena. O que estamos observando hoje é uma transformação do próprio Estado de direito moderno, que atribui garantias desses direitos antes negados ao próprio Estado. A experiência mais gritante disso são os novos constitucionalismos, os Estados plurinacionais sul-americanos, que estão tentando combater a velha ideia de Estado-nação. Em vez de uma nação, são muitas nações, o pluralismo jurídico, os direitos da natureza, as questões de soberania alimentar; isso tudo aparece, por exemplo, nas constituições da Bolívia e do Equador. E é interessante notar que neste texto sobre o etnocídio, que é uma pequena pérola, Clastres (2004) vai propor que a sociedade é contra o Estado porque o Estado é o inimigo da multiplicidade dos povos indígenas. Mas ele mesmo diz que devemos lembrar que existem vários tipos de Estado. O Estado Inca não é comparável exatamente ao Estado-nação moderno. Se o Estado Inca pode ser também etnocida, consegue manter no seu interior alguma autonomia para os povos conquistados. Temos a figura do ayllu, que é a comunidade que tem uma certa autonomia. Esse conceito de autonomia torna-se, aliás, chave nessas constituições. Diferentemente, o Estado-nação moderno precisa ter uma só língua, uma só cultura, que é o que vai surgir na Europa. E Clastres vai acentuar a radicalidade na aliança do Estado-nação moderno com o capitalismo, o que leva a uma padronização absoluta de tudo aquilo que pertence à lógica do mercado. E neste caso não há lugar para a diferença. E mais ainda: acrescentamos a esta aliança entre Estado-nação e capitalismo as missões evangélicas, que sempre foram o grande agente do etnocídio.
Mas o problema do Estado etnocida não se resolve simplesmente com o Estado plurinacional, que, mesmo defendendo as autonomias, as diferenças, não consegue se dissociar do capitalismo internacionalizado. Este é o caso do Equador, por exemplo. Eu tenho um orientando, Artur Rovere, que está escrevendo uma tese sobre a Constituição do Equador. É interessante notar que a Constituição do Equador é uma das mais progressistas da América Latina e talvez do mundo. No entanto, o governo de Rafael Corrêa, que apoiou a Constituinte, esta que instaurou os direitos da natureza, começa a fazer uma série de acordos com o capital extrativista, com as petroleiras, por exemplo. Ou seja, o Estado novamente se associou ao capitalismo, sem jamais deixar de ser um Estado empresarial. Assim, se o Estado pode abrir espaço para autonomia, para direitos à diferença, mesmo sendo um Estado plurinacional, ele não deixa de lado a cumplicidade com o capital, e na prática vai ser cooptado pelas petrolíferas, pelas madeireiras etc. Na prática, as garantias da Constituição não se realizam. Retornamos mais uma vez a Clastres, que é pessimista e desconfia de um Estado instituído e com poder coercitivo. É claro, caminhou-se bastante ao se desconstruir a noção de Estado-nação, mas não foram destruídas certas cumplicidades; sabemos que o capitalismo não existe sem Estados.
Marco Antonio Gonçalves: A atualidade de Clastres se situa em seu texto escrito nos anos 1970, A sociedade contra o Estado (Clastres, 2003), sobretudo no modo em que ele propõe esta questão associada a uma forma de organização social, especificamente amazônica, que é capaz de produzir estas forças contrárias, uma recusa a essa estrutura do chamado Estado, justamente porque pode reconhecer essa estrutura onde ela começa a ganhar existência, reconhece seu embrião, que advém da instituição do poder coercitivo. Penso que o poder coercitivo é mais forte do que a ideia do Estado em si na construção do pensamento de Clastres. Historicamente, desde o século XVI até hoje, construiu-se esse estar à margem do Estado e contra o Estado não apenas pelas populações ameríndias, mas por muitas outras populações nesta longa história colonial no Brasil e nas Américas. Por estarem e se constituírem à margem do Estado, estes coletivos identificam claramente o poder coercitivo, por serem contra este princípio filosófico, são capazes de identificar onde ele surge e, ao detectar seus abusos, criam zonas de insurgência como modo de operar um outro poder político, que é basicamente contra o poder coercitivo, leia-se Estado. Assim, o pensamento de Clastres abre-se para a atualidade, quando nos mostra que, historicamente, esse modelo de resistência, essa insurgência, está desde sempre posta contra essas formas coercitivas, contra o Um, o monopólio, a redução da multiplicidade, a missionarização, que se são aparecimentos do poder coercitivo desde sempre, existem brechas, formas de resistir e reexistir nesses processos, na América, incluindo no próprio Estados Unidos.
O discurso contemporâneo indígena-americano é contra o capitalismo, o sonho americano, a vida americana, contra o Estado coercitivo. Então, desde ali, dos Estados Unidos, desse movimento, inclusive a contraparte disso é essa busca do New Age, de uma relação harmônica com a natureza, buscar outras formas possíveis de reinventar o mundo à margem, uma possibilidade de existir fora do espaço do Estado/capitalismo, produzir outras crenças, outros princípios. Penso que estas questões da margem, do contra, das insurgências, das reexistências dão conta desta atualidade do pensamento de Clastres que é simultaneamente uma formulação filosófica, política, social, antropológica, mas que é, também, uma política da ação, de não querer se submeter a um poder constituído; uma outra forma de pensar a política pelas margens do Estado que dissolve a lógica do Estado e do contra o Estado, como formas fixas.
Do ponto de vista das inúmeras possibilidades de formação de coletivos, nas periferias, sejam de cinema, de arte, de cultura, de mulheres etc., percebe-se que estas formas organizatórias muito diversas são, na verdade, encarnações destas pulsões que se transformam em atualizações do pensamento clastreano no dia a dia, traduzindo-se em insurgência, em contrapoderes coercitivos. Para dar um exemplo, podemos aprender muito com o movimento de cinema de Ceilândia. Adirley Queirós realizou, entre outros filmes insurgentes, um em especial, intitulado Era uma vez Brasília, que é uma declaração da filosofia política de Clastres. Um filme que deseja destruir Brasília como símbolo do Estado-nação, recusando também a ideia do Estado enquanto assistencialista, um Estado que oferece “muletas”. O filme mostra essa deriva, as prisões, o encarceramento, um enclausuramento. Era uma vez Brasília produz um cinema contra o Estado no sentido concreto e abstrato, contra Brasília e a ideia do Estado como poder coercitivo. O filme aponta para a possibilidade da insurgência desse contra, contra o Estado. Assim, essas margens, ao detectarem, sofrerem, vivenciarem o poder coercitivo, adotam uma filosofia política que nos reenvia à atualidade de Clastres para além dos ameríndios, da Amazônia.
E.L.: Existem mesmo outras conexões para além dos ameríndios. Na pequena incursão que eu fiz no mundo da arte popular no Nordeste do Brasil, pude detectar imediatamente a constante presença da “peleja”, batalha, luta, como conceito central de pensamento e de ação em toda esta região. Artefatos e rituais que presentificam uma guerra interna que nunca foi vencida. Aparece a figura do diabo, uma guerra entre os santos e os bichos representados em toda a escultura desta região, a figura de Carlos Magno, os mouros. Os mouros enquanto outros, este outro que está sendo, sistematicamente, exterminado. E a identificação dos artistas populares com uma ou outra posição, então observamos o tempo todo a possibilidade da reversibilidade das posições e do poder. Puxando a brasa para o meu lado, eu diria que era essa a ideia primordial de Clastres, quando nos convoca para uma inversão copernicana de perspectiva; ele vai atribuir a Lévi-Strauss (1990) a primazia de, ao retirar a razão ocidental, a ciência, da posição em torno do qual ficaria girando toda razão humana, nos mostra outras razões, a totêmica/classificatória, a razão mítica, a razão selvagem, razões que englobam e que antecedem o nosso sol, trazendo, assim, a mesma possibilidade de inversão de perspectiva para pensar a política e o poder: o sol da política não é o Estado.
É interessante tentarmos traduzir essas ideias de Clastres para campos que ele explorou menos, como a estética e a arte. Eu mesma escrevi um artigo intitulado “A arte contra o Estado” (Lagrou, 2012), para um seminário sobre Clastres organizado por Renato Sztutman em 2009, em que retomo a discussão de Clastres que afirma que a lei ameríndia se inscreve no corpo, e não no papel. Essa proposição de Clastres dialoga com Deleuze e Guattari (2014): a lei não pode ser externa, daí retornamos ao argumento clastreano de que o sofrimento, a violência, se inscreve no corpo. Embora Clastres intitule seu artigo com a palavra “tortura”5, não se trata propriamente de tortura na sociedade indígena, mas de sofrimento ligado à capacidade de um indivíduo aguentar a dor para se transformar por intermédio da dor. A lei, portanto, se inscreve no corpo, não é transcendente. O corpo manifesta a sua autonomia pelas provas às quais ele se submete.
A resistência contra o Um está nessa mesma chave. Quando observamos a estética ameríndia, trata-se de uma estética multiespecífica, uma estética que dá a ver relações com outras espécies. Outra frase icônica de Clastres é aquela retirada dos primeiros viajantes na América que presumiam ter encontrado povos “sem rei, sem lei e sem fé”6. Em sentido clastreano, tratava-se de povos que não conheciam a obrigação de obedecer e, consequentemente, não conheciam a obrigação de adorar. Portanto, tratava-se de povos que não produziam artes para serem contempladas ou veneradas, especializando-se pelo contrário na arte de devir outro. Estamos remetidos, novamente, a essa produção do corpo, que a arte não visa criar a separação entre aquilo que é imanente e transcendental, entre a arte e o corpo. A arte ameríndia é a possibilidade de ser e se conectar com os demais seres. Essa é a atualidade de se pensar com Clastres o campo da arte ameríndia.
Mas eu gostaria, agora, de fazer uma pergunta ao Renato. Em seus trabalhos sobre xamãs e profetas ameríndios (Sztutman, 2012), você retoma um tema caro a Clastres, que é a discussão sobre igualitarismo, desigualdade, poder, influência. Você poderia falar um pouco sobre essa discussão e sobre o que pensa dessa retomada pela etnologia das relações, sobretudo, desiguais de poder, de coerção, de prestígio, de homens magnificados, em detrimento desse legado mais clastreano de pensar a igualdade, que marca as contribuições de Joanna Overing (1989, 1991), entre outros etnólogos?
R.S.: Tenho pensado bastante sobre esse tema. A sociedade contra o Estado é também uma formulação filosófica, e não uma descrição empírica sobre as sociedades indígenas. No texto “Independência e exogamia” (Clastres, 2003), Clastres revisita algumas etnografias, evidenciando muitas diferenças na organização social e política de povos das terras baixas sul-americanas. Há sociedades com chefias menos ou mais fortes, mais dispersas e mais concentradas, menos ou mais hierarquizadas. O que eu penso é que, mais importante do que opor igualitarismo e hierarquia, do que imaginar uma total ausência de desigualdades, é identificar mecanismos de reversibilidade, mecanismos muito potentes que cancelam hierarquias e subordinação. E penso que é nisso que Clastres apostou em sua conceituação de uma filosofia política indígena. Penso que as críticas ao igualitarismo de Clastres às vezes confundem a empiria com princípios mais propriamente filosóficos, essa possibilidade de reverter a produção de focos de poder. Não se pode dizer que Clastres está equivocado só porque encontramos determinado povo ameríndio que tem chefes autoritários. O ponto é o que a sociedade, ou melhor, a comunidade faz com esse chefe e com essa autoridade. Há uma série de estudos que têm falado em “escravidão” nos mundos indígenas como algo que atenta contra o igualitarismo clastreano. Na minha percepção há um problema de tradução quando empregamos o termo “escravidão” para falar do universo ameríndio. Escravidão pressupõe uma separação radical entre pessoas e coisas, entre sujeitos e objetos, que é algo improvável nesses mundos. Seria preciso encontrar um vocabulário mais adequado, que faça mais justiça aos universos ameríndios, e isso se torna possível com o notável avanço da etnologia das terras baixas da América do Sul.
O que Clastres está dizendo é que todo mundo estava focado no Estado, e que, com uma mudança de perspectiva, poderíamos nos voltar a outro fator, que é o “contra-Estado”, o “contra-Um”, a recusa do poder coercitivo. E as sociedades indígenas seriam um lugar interessante para examinarmos esta questão. Não que elas sejam pura recusa ao Estado. Existiriam nestas sociedades, talvez de modo mais forte do que em muitos outros lugares, mecanismos de reversibilidade. Em primeiro lugar, penso que é importante separar diferença de desigualdade, e acho que os críticos de Clastres estariam de acordo com esta formulação. É preciso refletir sobre que nível de desigualdade estamos propondo quando formulamos um modelo sobre as sociedades ameríndias e como os próprios ameríndios operam, em muitos níveis, esta desigualdade. Isso reverbera na discussão sobre assimetria e hierarquia, também proposta pelos críticos de Clastres. Mas eu diria que não podemos falar em assimetria, que não é sinônimo de hierarquia, sem considerarmos as possibilidades de reversão. Tânia Stolze Lima (2006), quando escreve em seu livro Um peixe olhou pra mim, sobre a noção Yudjá de iwa (traduzido pelos Yudjá como “dono”), explora justamente o problema político que está implicado aí. Demonstra que, na verdade, essa noção de dono deve ser entendida contextualmente; se pode gerar uma assimetria em um plano, em outros essa assimetria pode ser cancelada. Há, portanto, mecanismos de cancelamento de assimetria neste universo ameríndio justamente porque não há um centro de ressonância do poder. Tiramos daí a lição que não devemos pensar a assimetria sem seus mecanismos de cancelamento. E tudo isso teria a ver com o que Lima e Viveiros de Castro (1996) chamaram de perspectivismo, justamente um regime em que tudo pode ser sujeito, mas não pode ser ao mesmo tempo.
E.L.: Esta percepção pode ser estendida a todos os trabalhos sobre a noção de dono entre os ameríndios. No caso dos Huni Kuin7, segundo eles próprios dizem, Yube (jiboia) tem um reino debaixo da água e lá seria o equivalente de ter o poder de um presidente. Porém, o pacto que se faz com este dono, com a jiboia, é caracterizado pela constante possibilidade de reversibilidade das posições de poder. Este tema tem rebatimentos nas percepções das relações entre dono e xerimbabo, que por sua vez, tem a reversibilidade como essência desta relação.
R.S.: A ideia é de que esse dono é um dono contextual, não é um dono absoluto. Tem outros donos com os quais ele tem que se importar, se relacionar. Não que a ideia de dono ou maestria, tão bem analisada por autores como Carlos Fausto (2008), não tenha importância; tem muita. Mas talvez seria mais importante iluminar mais essas possibilidades de reversão. Fausto fala em uma dialética entre dono e xerimbabo, que é fundamental. Mas talvez perca de vista a centralidade das reversibilidades.
M.A.: Os donos nos Mura8, do Rio Madeira, aparecem como delegacias de polícia, com todo seu equipamento, as armas etc. Se essa percepção pode figurar uma ideia de Estado, de coerção, de uma instituição organizada, para os Mura, é possível, sobretudo, revertê-la. Simplesmente porque podem se negar a participar. Isto é, não fundem seus corpos com estas “delegacias de polícia”, não participam desse Estado; apenas o visitam, manipulam esse perigo. E esse movimento de visitar evoca que eles estão em uma situação que não é a da vida, é de outra dimensão. Da vida e da morte, de entrar e sair.
E.L.: Esta mesma questão surge nos encantados e nas encantarias afro-ameríndias. Os Huni Kuin são muito explícitos com relação a ideia do devir, se transformar em anaconda que é o processo de iniciação. A partir da sua voz, da voz da jiboia que sai da garganta do cantador, vão sair todas as vozes dos seres da floresta.
R.S.: A anaconda não está fora de você. A anaconda não é um princípio que está longe.
E.L. A definição de devir é que justamente consiste em poder oscilar, não se transformar totalmente no outro ser.
R.S.: É interessante retomar aqui a reflexão de Eduardo Viveiros de Castro (1996) que aponta justamente para um problema ontológico: é essa ideia dos devires, das trocas de perspectivas, que impedem que algo se cristalize. Temos que ir para um nível mais profundo, o ontológico, que aponta para outro regime. Nesta mesma chave, queria retomar o problema da escravidão ameríndia, problematizando mesmo este termo, este conceito quando aplicado a este universo. Nós sabemos, por viver no Brasil, o significado da escravidão, da escravização, no contexto da violência mercantil na era moderna, por isso acho que é problemático atribuir a significação de “escravos” em contextos muitos distantes da exploração mercantil e das plantations, uma vez que poderia soar que a “escravidão” é algo inerente ao humano, estaria em todas as partes, inclusive no universo ameríndio. Penso que tem um problema conceitual, de nomenclatura. Se há uma ênfase nas relações simétricas, existem também relações assimétricas. Mas quem são essas pessoas que estão nessa relação de assimetria? Elas podem sair desta relação? Elas podem invertê-las ou revertê-las? Graeber e Wengrow (2022) colocam esta questão que me parece fundamental. Existem situações de extrema assimetria no universo ameríndio, mas, por outro lado, nada impede que alguém simplesmente abandone por completo essa relação de assimetria e instaure outra relação. Essa percepção nos ajuda a questionar esta nomenclatura de escravidão atribuída a estes povos ameríndios. Teria que se pensar caso a caso, como no Rio Negro, a relação entre os Tukano e os Hupda, ou no Chaco entre os Kadiweu e os grupos Arawak, ou nos Guarani com os guachos.
M.A.: Clastres, quando aborda o Chaco, propõe estes enquadramentos da escravidão, dos indígenas que viviam como escravos, cativos. Mas não definiu o que era essa “escravidão” naquele contexto; apontava para uma questão do controle, diferente do que acontece hoje nas discussões da etnologia ameríndia.
E.L.: Encontram-se narrativas e discursos em que pode ser transmitido determinado status, como descendência de um povo que era visto como “servo” de outro povo, que implica em relações assimétricas, porém, mesmo nestes contextos, existe, claramente, a lógica da adoção, e não propriamente de uma escravização e, muitas vezes, mesmo que nas etnografias estas relações tenham sido descritas como “escravidão”, termo usado em português pelos próprios indígenas, não me parece uma boa tradução para aquele termo na própria língua indígena; tomar este termo com sua significação ocidental de escravidão ou escravização nos reenvia a problemas semânticos que devem ser bastante trabalhados e precisados.
M.A.G.: Eu penso que essa problemática da escravidão entre os ameríndios ressoa mais com uma proposição contra-Clastres, um problema de tradução complexo, que é o de procurar trazer outras categorias significacionais para o nosso significado ocidental. Isso reverbera também sobre a noção de dono entre os ameríndios. Por mais que os próprios indígenas utilizem a palavra em português de dono para descrever uma relação, não necessariamente significa aquilo que é atribuído por nós a dono, implicando uma ideia de propriedade no mundo moderno ocidental, a ideia de controle, de poder. Na antropologia temos o exemplo de Louis Dumont (1997), que vai justamente problematizar as traduções de hierarquia e assimetria quando no Ocidente se descrevia as castas na Índia, como contraponto do igualitarismo ocidental, da democracia. Dumont coloca em xeque a ideia europeia sobre hierarquia, redefinindo o conceito de hierarquia que na Índia opera a partir da instituição da diferença que engendra um vasto sistema classificatório e que nesse plano da diferença a assimetria entre as castas não significa traduzi-las a partir de relações de subjugação do outro. Aciona-se uma outra significação para hierarquia, assimetria, diferença a partir do caso indiano das castas. O mesmo deveria ser produzido sobre este termo “escravidão”, definindo determinadas relações entre os ameríndios, estendendo-se estas mesmas questões a outros termos problemáticos, como “dono”, “chefe”, “poder”, “política”, que já são bastante aderidos a profundos significados ocidentais e, por isso, exigem exegeses e contextualizações para continuarem a ser utilizados em outros universos traduzindo determinadas relações ameríndias. O problema reside no fato de associar assimetria à hierarquia, no sentido ocidental, como oposição ao igualitarismo. Transpor categorias de um campo para outro produz confusões conceituais, mais do que esclarece o problema proposto.
E.L.: Penso que é importante discutirmos estas questões aqui porque temos que defender a etnografia, uma vez que a antropologia entra quando a tradução falha, como disse Anne-Christine Taylor (2022). Estamos vivendo uma verdadeira virada linguística que vai justamente nesta direção, e todos nós que lidamos com a complexidade de traduzir conceitos sabemos que conceitos não se traduzem de palavra para palavra. Há uma discussão na etnologia sobre os povos de língua pano, sobre a tradução de um termo, Ibu, descrito como dono. O modo que Ibu foi descrito para mim foi no sentido de acentuar que este termo é atribuído àquele que engendrou algo. Então, quando eles falam em poder, é numa chave, como Joanna Overing (1989) sempre nos chamou a atenção, de que Yuxibu é aquele que tem um poder incomum, o de saber engendrar todas as formas imagináveis. Trata-se do poder de engendramento e de estabelecer uma relação com o que foi engendrado. Há aqui a ideia de negociar, se relacionar, uma espécie de diplomacia interespécie.
M.A.: Portanto, dono de um coletivo é esta capacidade de engendrar o próprio coletivo. Instaurar a possibilidade de saber negociar, de se aproximar, de somar.
E.L.: O dono neste caso não instaura acesso a recursos, mas produz um fluxo. Deste modo, é importante precisar as palavras e os termos que usamos nas descrições e supostas traduções.
M.A.: Queria também chamar atenção, ainda sobre a mesma questão, para uma contribuição valiosíssima de Clastres quando descreve este plano de relacionalidade local ameríndia que penso que, se não tivesse morrido tão cedo, talvez teria desenvolvido mais esta questão que ele toma emprestado de Marcel Mauss, que é a ideia de civilização, no sentido que pensa estes planos locais como locais de troca, que por sua vez produzem conjuntos, como diria Lévi-Strauss, que são, na verdade, civilizações, nesta chave maussiana. Clastres nos falava da civilização do Chaco, operando de tal modo, as pessoas aqui engendram determinadas relações, o rio que passa no Chaco engendra outras tantas relações formando este conjunto e daí pode-se pensar um território, um ambiente, um regime de água e tudo o que isso implica que engendra uma formatação dessa civilização. Clastres faz este exercício de traduzir este território e ambiente ameríndio como expressos por relações de guerra que conformam um etos guerreiro traduzido na relação prototípica ameríndia. Isso exige a Clastres compreender como se dão as relações numa determinada civilização, o que implica pensar por meio de uma política da multiplicidade.
E.L.: Isso é interessante de ser posto, porque a crítica que se faz a Clastres, dele ver apenas mônadas neste plano local ameríndio, não procede. Está buscando relações e regimes de relações.
M.A.: E para chegar à fineza de seu argumento filosófico sobre a política e o poder ameríndio, Clastres passa por um programa filosófico-tradutório com os Guarani e, também, no Chaco. Isso, de fato, imprime uma força, uma potência para o campo de estudos da etnologia cujo vigor vemos até os dias de hoje. Há cuidado em traduzir e por isso Clastres nos conclama a irmos para uma dimensão inconsciente do que são essas instituições que estão sendo mobilizadas. Esses termos dizem respeito a instituições que têm uma tradução que é local, no interior de uma civilização. Questões essas que mais tarde serão transpostas para pensar a Amazônia, que é o segundo momento de Clastres elaborar as grandes teses. Todo o esforço de tradução que Clastres empreende entre os ameríndios, ele aprende com os Guarani, que exigem este tipo de trabalho por parte dos pesquisadores que deles se aproximam. E Clastres usa esse cuidado com termos e traduções para produzir uma terminologia muito bem prospectada do ponto de vista filosófico. Quando Clastres vai para a Amazônia, na verdade, tem um momento anterior, que é esse campo no Chaco, nos Guarani, que vai fazer com que ele adeque uma terminologia para que possa fazer esse movimento outro, em direção a uma filosofia política.
E.L.: Uma outra questão importante é que Clastres sempre esteve atento a esta questão da civilização indígena e ao mesmo tempo do encontro maldito, este encontro com o mundo ocidental que determina também o presente e o futuro destas civilizações. Um encontro que Clastres, coerente com sua proposição de filosofia política, denomina como um mau encontro, irreversível, uma vez que ameaça esta capacidade ameríndia de não obedecer. Sublinha esse lado fatal do encontro, que, na verdade, serão Deleuze e Guattari (2014) que vão insistir sobre o fato que sempre foram forças que coexistiram, Estado e a reação contra Estado. E aqui retornamos a Graeber e Wengrow (2022) que embora se inspirem em Clastres não tiram consequências mais políticas sobre estas forças contrárias coexistirem. Apostam na questão da sazonalidade, por exemplo, para dizer que o mesmo grupo pode ser autoritário no inverno e igualitário no verão. Isso retira o potencial revolucionário da proposta de Clastres, despolitiza a questão. Quando se tem a figura de um vizinho autoritário, pode-se criar um experimento político diferente.
R.S.: Mas de um outro ponto de vista, eu acho interessante reintroduzir esta ideia da sazonalidade como alternância, o que nos reenvia à ideia do “dualismo em perpétuo desequilíbrio” de Lévi-Strauss (1993). Esta alternância não é simplesmente estar num estado e depois no outro estado, mas não deixar as coisas se cristalizarem. Assim, pode-se ter alguma experiência, por exemplo, de assimetria e os mecanismos de cancelamento das assimetrias. Então essa sazonalidade e essa alternância implicam no fato de que, se há algum poder, de fato este não pode durar mais do que uma estação e deve dar lugar ao seu contrário. Figuras de poder sazonal são figuras que não devem durar, devem sim alternar-se com o que as esvazia, com o seu reverso. Graeber e Wengrow (2022) usam essa proposição sobre a sazonalidade como uma crítica a Clastres: dizem que Clastres não deu atenção a esse fenômeno central, que teria sido notado por autores como Mauss e Lévi-Strauss, entre os Inuit e os Nambikwara, respectivamente. Diferentemente, penso que o argumento da sazonalidade pode ser visto como uma extensão da tese de Clastres. Tomemos, por exemplo, a distinção que ele faz, logo no seu primeiro ensaio de 1962, entre chefe de paz e chefe de guerra. Trata-se de uma alternância. Os Tupinambá, por exemplo, tinham chefes de guerra descritos pelos cronistas como grandes generais. Mas a ideia é outra. Este chefe de guerra tem certo poder de mando, mas seu poder é circunscrito ao momento em que vai fazer a guerra, e não é possível haver guerra perpétua. Descola (1988; 2014) coloca a mesma questão para os Achuar, que têm chefes de guerra, que agregam inúmeros seguidores em tempos críticos, mas logo perdem a autoridade. Beatriz Perrone-Moisés, no seu livro recém-publicado, Festa e guerra (2025), retoma essa ideia de alternância, desta vez entre chefes de festa e chefes de guerra, nenhum pode ser pensado como regra ou exceção, eles existem na alternância.
E.L.: A mesma questão foi posta por Joanna Overing (1975) em seu livro The Piaroa. Durante três meses por ano as pessoas se juntam na casa grande do Ruwang (chefe-xamã), mas depois, no resto do ano, todos retornam às suas casas. Se esse chefe encarna por um período a figura de poder, esse poder se dilui quando as pessoas voltam para suas respectivas malocas. Essa lógica se encaixa também nesta percepção de sazonalidade e alternância.
R.S.: Sim, é a tal sazonalidade de poder. O problema é que este poder que emerge dos grandes chefes não pode ser posto como argumento contra Clastres, tem que ser pensando com Clastres. Graeber e Wengrow (2022) tomaram estes dados como se fossem contra Clastres. Introduzem o material Nambiquara, via Lévi-Strauss, demonstrando que quando estão perambulando, durante uma época do ano, surge a figura de um chefe forte, mas logo depois esta figura se dissipa.
E gostaria, novamente, de retomar a discussão sobre escravidão, assimetria, colocando-a em novos termos, não como foi posto por Alcida Ramos (1980)9 em termos de hierarquia e simbiose, mas pensando mais no conceito de simbiogênese proposto por Donna Haraway (2022), que recupera este termo da biologia de Lynn Margulis. Todo organismo biológico seria formado por simbiogênese. Poderíamos, quem sabe, pensar a relação dos Tukano com os Hupda, ou dos Kadiweu com os Guaná, nesta mesma chave: um não vive sem o outro. Os Kadiwéu precisam dos Guaná porque estes são agricultores. Os Kadiwéu não têm agricultura; têm um poder militar. Esses arranjos simbiogênicos não excluiriam a assimetria, mas apontam para um horizonte de interdependência, que é preciso compreender melhor. Talvez exista uma relação entre a tal sazonalidade, as tais alternâncias e esta questão da interdependência entre os contrários... Enfim, essa seria uma questão a ser desenvolvida...
E.L.: Isso nos remete à questão levi-straussiana da diferenciação, da interdependência artificial causada nas relações, que podem ser relações de gênero, ou de grupos que são complementares. Para pensar esta questão no quadro das relações de gênero ameríndias, pode-se escutar da boca de um homem que a caça é sem a menor dúvida o mais importante no mundo, enquanto ouvimos de uma mulher, no caso Huni Kuin, que o plantio é o mais importante e que só existe uma refeição completa quando junta os dois. Mesmo quando tem discursos que enfatizam, como entre os Baniwa, que existem os clãs que nasceram antes dos outros, e que isso produz diferenças e assimetrias, como as prerrogativas de usar determinados enfeites, de usar recursos econômicos, este fato não diminui a importância que outros clãs têm em relação ao seu próprio clã, uma vez que se cria uma complexa interdependência. Isso ressoa com as questões postas por Louis Dumont (1997), para uma outra área etnográfica, mas que nos ensina que a complementaridade entre as castas produz, paradoxalmente, mais respeito pelo outro, por mais que o outro seja de uma casta considerada inferior.
M.A.: Diferente porque pode construir uma complementaridade. É neste sentido que Dumont fala que a hierarquia forma a totalidade.
R.S.: Sim, não há questionamento sobre a ordenação da diferença como hierarquia. Mas me parece que o conceito de simbiogênese é interessante, porque ele afasta justamente a ideia de totalidade de Louis Dumont. Pelo que entendo, o que Haraway, lendo Margulis, produz é uma crítica à ideia de organismo. As coisas, os seres podem ser interdependentes sem formarem um todo. Teríamos de pensar uma simbiose sem hierarquia, sem totalidade ou totalização.
E.L.: Pensar simbiose também, para além de Donna Haraway (2022), uma vez que toda a discussão com a Biologia, num primeiro momento, o darwinismo apostava na sobrevivência do mais forte, centrava suas questões nas relações de predação, o que tem ressonâncias com o modo como a etnologia pensou o mundo social amazônico, em que a relação de predação tem muitas vezes prevalência. Porém, a biologia também nos ensina que, se focarmos o reino dos vegetais, das plantas, nós vemos que a maior parte da vida material é feita de relações simbióticas, no sentido novo de simbiose, em que o parasita não atrapalha o hospedeiro. Há parasitas que matam, como os cipós que atrofiam e matam a árvore hospedeira, mas há cipós que simplesmente usam a árvore como suporte e criam uma relação de mútua colaboração. Então, as relações simbióticas podem apontar para novas formas de relação e de cooperação, que podem reverberar com novas formas para se entender este ambiente amazônico ameríndio. E por isso é importante pensar as relações interespécies, e aqui já adentramos em outro tema que não foi muito explicitado por Clastres, mas tem suas reverberações em sua obra, que é a questão da oposição entre o mundo da monocultura ocidental, do Estado, e a tomada de posição, tanto sociopolítica quanto estética, do pensamento ameríndio pela multiplicidade. A conferência de Ailton Krenak (2025a) no Collège de France, em Paris, por ocasião da publicação de seus dois livros (2025b, 2025c) na França em abril deste ano, propõe os conceitos de florestania, para complementar ou substituir o de cidadania, e o de florescidade. A necessidade de reflorestar a cidade, tanto com árvores e plantas, para dar vida ao concreto, quanto com sonhos e pensamentos que escapem da monocultura imposta pela lógica do consumo. Reflorestar as mentes com a lógica do múltiplo, contra a monocultura das mentes.
Esse ponto nos reenvia a Clastres, o de pensar contra o Um, não apenas na figura do Estado e do déspota, mas também em termos do monopólio da produção alimentícia. Porque, como já nos ensinou Clastres, primeiro vem o pensamento, a relação, a política e depois vem a economia, o resultado da separação entre quem manda e quem obedece e quem consome. Então, a consciência da reversibilidade das relações de poder parece ser o centro desta problemática, como propõe Oscar Calavia (2020), ao comparar os rituais guerreiros Tupinambá e os sacrifícios Astecas, demonstrando que, mesmo entre os Astecas, parece que nunca deixou de existir a possibilidade de mesmo o soberano se tornar vítima. A mesma ideia é evocada pela cosmologia mesoamericana onde foram os próprios deuses que se sacrificaram para a vida existir, sendo esta a razão de ser dos sacrifícios que visam alimentar a terra e o sol com sede de sangue. Essa consciência da possibilidade da reversibilidade das relações de presa-predador, de quem manda e de quem obedece, me parece estar na base dessa ecologia multiespécie ameríndia que ajudou a produzir e a fazer florescer os biomas mais biodiversos do planeta.
Queria fazer uma pergunta a vocês sobre essa conexão da política do múltiplo com a atenção atual na etnologia dada às relações multiespécies, com a mudança de ênfase da caça para o plantio, que proporcionou uma mudança de olhar da predação para a simbiose, que é, sobretudo, uma grande contribuição dos pensadores indígenas, que eu acho que é uma coisa que eu aprendi muito com os diálogos que mantive com Ailton Krenak; ele diz claramente que a obsessão com a predação e com os grandes predadores é a perspectiva do Ocidente; o próprio ato de devorar o planeta, de pensar a terra como um bolo que pode ser comido, é ocidental, enquanto encontramos o oposto entre os ameríndios, pois aquilo que se mata para viver produz uma relação de maior consciência sobre o ato, e tudo que se mata pode voltar contra quem produziu o ato. Então, de novo, observamos a reversibilidade que embasa e estrutura desta ecosofia e mesmo uma filosofia política nos termos de Clastres que englobaria também as relações com outras espécies.
M.A.: Clastres, embora não seja identificado exatamente com essa questão e tenha operado neste campo do grande divisor, natureza e cultura, em muitas passagens de sua obra flexibiliza essa formulação sociológica e filosófica das grandes oposições e dos divisores. O que ele nos ensina não é abolir as divisões, mas pensar com. É essa sua lição. Isso tem a ver com pensar as relações de gênero entre os ameríndios, a economia de gênero, como se situam nela a figura do homem e da mulher, o que é de cada um. Clastres (2020) traz estas questões para os Guayaki quando analisa, por exemplo, o conceito de panê, do panema. Começa a descrever o que acontece em determinadas situações em que um pai está impedido de caçar ou é obrigado a caçar. As circunstâncias são variadas, a menstruação, a iniciação da menina, uma morte, um suicídio. E Clastres nos convida, a partir daí, a uma abordagem que evoca o plano inconsciente, que determina todas essas variações. E deste modo orienta um pensamento mais conceitual, que nos leva a pensar etnografia nesta chave mais conceitual. Ao procurar entender o conceito de Baijá entre os Guayaki, um estado em que um indivíduo está afetado, está vulnerável por conta do contato com o sangue, introduz uma possibilidade de formular o problema natureza/cultura tal como enunciado pelos Guayaki, ao introduzir o leitor em uma dimensão em que os corpos e seres estão em comunicação entre si. Se Clastres formula natureza, cultura, animal, pássaro, acidentes geográficos como termos de um contínuo, quando se está Baijá, neste estado emocional-físico prevalece a ideia de que os humanos controlam com a palavra as variações, relações, os contatos e contágios. O homem, quando vai caçar, é abduzido pelo mundo do jaguar numa situação de violência, entra na monstruosidade jaguar. Ao mesmo tempo, Clastres recupera da literatura etnológica dos anos 70 que se ocupa destas questões do sangue e do panema, as conectividades que se estabelecem por meio dos fluidos, das interespécies. Clastres nos diz literalmente: o homem é jogado em meio à monstruosidade feroz dos animais. Isso é o estado de Baijá. Tem um encurtamento da distância entre caçador e presa. Nesse estado, ele diz, ocorre um vacilo ontológico. Vacilo ontológico é perder o pé, uma ideia perspectivista, mas depois de ser abduzido, como se recuperar? Clastres nos reenvia às relações de gênero, uma vez que o sangue menstrual afeta esta ordem, assim como a atitude do caçador afeta a criança recém-nascida. A chegada da criança afeta o conjunto. E ainda tem a questão da palavra: cabe à humanidade impor a ordem pela força das palavras, tema central da cosmopolítica Guarani. Clastres, assim, nos ajuda a pensar a questão dos estudos interespecíficos. A palavra, para ele, é este meio de negociar, se relacionar, operar um ato ou um pensamento com a multiplicidade de seres. Retornamos à ideia da construção de diferença no mundo ameríndio, que, ao ser contra o Um, vai em direção à diferença, e se os corpos (as interespecificidades) estão no contínuo, é preciso construir por meio das falas, da palavra, as diferenças. E não estamos apenas no plano do pensamento Guarani, mas sim de todo um pensamento ameríndio. E isso aponta para sua contribuição etnográfica.
M.A.G.: Um ponto importante para se pensar a contribuição e a vanguarda do pensamento de Clastres é justamente a partir do vocabulário que ele introduz, de modo definitivo, na etnologia. Tomando seu gesto de produzir uma etnografia desobrigada de ser acadêmica no estrito senso, escreve uma Crônica (2020), o que lhe permite ousar e ser mais criativo. Essa desobrigação em relação ao cânone da antropologia permite que recrie os ameríndios em diálogo profundo com o universo filosófico, construindo uma etnografia que é, ao mesmo tempo, uma narrativa, potência fabulativa dele e dos Aché- Guayaki, fazendo emergir assim um novo regime vocabular e conceitual, que será reverberado por muitos etnólogos que o sucederam. Clastres tinha a régua e o compasso da etnografia, que lhe permitiu propor um mundo conceitual novo que revirava os conceitos ocidentais de política, de poder, de relação. Clastres inaugura uma espécie de descrição ontológica, que une etnografia a princípios filosóficos, tanto do mundo indígena quanto posto em diálogo com os princípios filosóficos ocidentais. Então, parte-se de uma pequena cena, para se alcançar um significado que estaria estruturando o que vemos, adentramos em comparações, em formulação de conceitos que, por sua vez, possibilitam um novo modo de perceber aquela “pequena cena” etnográfica. A etnologia se agigantou com Clastres por seu vocabulário conceitual-filosófico-etnográfico, pois torna mais precisa e possíveis de compreensão as chamadas nebulosas ameríndias. Ele parte de um material antigo da etnologia, Handbook of the south American Indians (Steward, 1963), o material jê que, embora fosse o mais copioso naquele momento, não tem muito rendimento em sua obra, e acho que por sua entrada na etnologia via os Guarani, o material de Cadogan (1959), as traduções, os cronistas, os viajantes têm grande impacto no modo como ele vai produzir seu pensamento.
R.S.: É interessante pensar esse descompasso na obra de Clastres, o projeto mais teórico e filosófico e a sua própria etnografia e as fontes etnográficas mais antigas que ele utilizava. A antropologia política de Clastres é muito humanista, tem o humano como centro de atenção, o mundo natural e os espíritos não estão muito presentes na construção de seus argumentos. No entanto, em seu texto, “Do Um sem o Múltiplo” (2003), no qual ele discorre sobre o “contra-Um” dos Guarani, este parece significar, na verdade, o “contra-humano”. O Mal, que é o Um, é ser apenas humano, e não humano e divindade. Posteriormente, Hélène Clastres (1978) desenvolveu esta questão de modo muito profundo no seu livro A terra sem mal, formulando o grande problema do profetismo Tupi, que é seu desejo de ir além da condição humana. Alcançar um contra-humano, talvez. Hélène enfatiza a possibilidade para os Guarani de poder devir-divindade. É certo que os Guarani têm uma forte orientação em direção ao mundo das divindades. Mas Hélène não deixa de assinalar entre eles a potência da transformação em jaguar, o devir-animal, fortemente assinalado por Pierre em suas crônicas aché-guayaki. Essa discussão, me parece, está na base da reflexão fundamental de Viveiros de Castro sobre o devir entre os Araweté.
M.A.: Retornamos aqui à concepção da monstruosidade do jaguar. Da questão do humano e do contra humano.
E.L.: Nesse caso, nessa chave, o jaguar é a monstruosidade. Em outros, não é. O jaguar é o desejado. Eu acho muito interessante essa questão da teoria e da etnografia, porque uma coisa que sempre me intrigou é que a grande formulação da teoria clastreana foi produzida antes da realização do seu trabalho de campo.
R.S.: O texto sobre a filosofia da chefia, “Troca e poder”, é de 1962 (Clastres, 2003), e ele foi para campo em 1963. Em 1962, tomava como referência o texto de Lowie (1948) sobre chefia e algumas etnografias que existiam, como a de Huxley (1957), sobre os Kaapor. O texto de Lowie situa o problema da chefia na marca do pênalti para deixar Clastres fazer o gol. Lowie descreve os povos das terras baixas da América do sul como separatistas, e Clastres parte deste ponto, que reverbera em questões filosóficas. Ele estava naquele momento muito focado na tipologia do Handbook of South American Indians. Caçadores-coletores que depois viram horticultores, agricultores. Com a agricultura mais intensiva podem então emergir cacicados. Haveria um paralelismo entre tecnologia agrícola e organizações sociopolíticas. Nesta chave, Clastres conclui que os Guayaki, e outros povos, retrocederam, perderam a agricultura. Tem algo interessante nesta discussão, pois, se os Guayaki eram agricultores, acabaram por abandonar a agricultura. James Scott (2009), que se especializou em história agrária, demonstrou que essa “perda” da agricultura pode ser, como mostram as sociedades das terras altas do Sudeste Asiático, algo deliberado, pode ser uma espécie de libertação. Povos que cultivavam cereais como o arroz, e viviam sob o jugo de um rei, um imperador, muitas vezes decidiam abandonar esse regime de subordinação e buscavam refúgios nas colinas, onde podiam entregar-se a formas menos sedentárias de agricultura ou mesmo praticar caça e coleta. O que costumava ser visto como “involução” ou “regressão” poderia ser visto como alternância ou libertação.
E.L.: Essa mesma questão foi abordada por Erikson (1992) com relação à cerâmica dos grupos Mayuruna, que involuiu em termos técnicos, quando estes deixaram de ser sedentários e passaram a ser mais andarilhos.
R.S.: Esse problema foi posto por Guattari (1990) por meio do conceito de “involução criativa” e de certo modo já posto por Deleuze e Guattari (2014) quando abordam a ideia de devir e criatividade. Estes conceitos se relacionam diretamente com a história agrária de Scott, que vai enfatizar o “contra-o-grão” (against the grain), no sentido de que a agricultura intensiva de cereais escraviza as pessoas, faz com que elas fiquem presas a esta estrutura. E o interessante para pensar agora no universo ameríndio é que muitos povos podem se colocar contra o Um, contra o Estado, que é também um contra essa forma agrícola mais intensiva, praticando uma agricultura itinerante, de coivara e dando um grande espaço para a caça e a coleta, como Clastres demonstrou ser o caso dos Guayaki. E retornando ao livro de Graeber e Wengrow (2022): eles exploram a ideia do pensador anarquista Murray Bookchin de uma “ecologia da liberdade”, de como a relação com o ambiente, com os animais e com as plantas está fortemente associada a opções políticas. Graeber e Wengrow, inspirados em exemplos amazônicos, falam em uma “agricultura de brincadeira”, realizada por povos que sabem que a agricultura levada a sério, ou seja, até as últimas consequências, pode acarretar certos efeitos indesejáveis, como a sedentarização, a centralização de poder, a instituição de tributos etc.
M.A.: Manuela Carneiro da Cunha (2023) retoma esta questão em outra chave, a de que esta economia agrícola de brincadeira seria ela mesma a possibilidade da instauração da pluridiversidade. E isto nos reenvia, também, às questões postas por Ailton Krenak sobre uma nova política de reflorestar e de criar florestanias. Aqui se recupera a ideia do plantar em outra dimensão que não é mais o do cultivo intensivo, da dependência, da escravização, ressignificando a ação do plantar como experimento prazeroso aliado à mobilidade. Daí esta concepção de “brincadeira”. Nos estudos de ecologia ou de botânica sobre o Alto Rio Negro, o que atrai as agricultoras e os agricultores é a ideia do colecionismo que implica a experimentação, a troca, a criação, que produz, por sua vez, a variedade.
E.L.: Os Huni Kuin são, também, grandes agricultores e todo o preparo dos roçados é uma grande festa. Precisam mobilizar as pessoas e isso é feito por meio de “alegrar”, não apenas as pessoas, mas os espíritos, os yuxin da floresta, para fazer a derrubada e tudo o mais que implica a tecnologia agrícola. Eu pude acompanhar, recentemente, a filmagem do ritual para aumentar a fertilidade dos plantios que foi organizado por uma aldeia que não fazia esse ritual há muito tempo e que tinha perdido uma boa parte do conhecimento ritual e da própria língua. Convidaram aldeias mais tradicionais do Purus chamando os txanas, os conhecedores, dessas outras aldeias. Os txanas traziam seus cantos e seu conhecimento ritual, mas trouxeram também as sementes. Essas sementes tinham que ser cantadas para depois serem levadas para o roçado e daí reintroduzir a biodiversidade que estava se perdendo na aldeia de Fronteira.
M.A.: E aqui aportamos nesta ideia, neste conceito, que me parece central para se repensar Clastres, que é o pluri. A construção de uma variedade, a vocação colecionista de espécies, a realização de experimentos, e tudo isso dialoga com a multiplicidade de línguas, com uma diversidade e possíveis “misturas” que o trabalho de Peter Gow (1991) trata e interpreta. Isso parece ser constitutivo desta formação sociopolítica e de este ser ameríndio, em que a brincadeira e o experimento são narrativas da transformação.
R.S.: Isso é o contra-Um de Clastres. São variações desse contra o Um.
E.L.: A celebração da diferença de línguas, da sociodiversidade, da biodiversidade, tudo isso caminha junto. A diversidade de espécies de árvores implica uma espécie de “cultivo”, fundamentado na interação humana. O que implica uma itinerância, vão coletando as nozes que caem das árvores e espalham suas sementes; outro exemplo é aquele em que muito do plantio está debaixo da terra, pode-se se ausentar por um tempo e depois reencontrar este plantio; o trabalho de Ana Gabriela Morim de Lima (2023a, 2023b) demonstra que os Krahó se organizam deste modo, em que o jardim não precisa ser permanentemente cultivado: plantam, abandonam e retornam, porque, estando debaixo da terra, está protegido.
R.S.: A batata e a mandioca sobrevivem.
M.A.: Eu estou acompanhando um movimento que articula a retomada da língua entre os Mura com as práticas das horticultoras em grandes deslocamentos territoriais, pensando que a agricultura sedentária nunca foi o forte dos Mura; entretanto, é preciso pensar o que significa agricultura no contexto do baixo Madeira, que tipo de “brincadeira de plantio” interessa aos Mura. E eles estão interessados nas tuberosas. O exemplo extremo de desapego da agricultura sedentária e da agricultura de brincadeira são essas tuberosas gigantes, que os Mura conhecem por manhafã (Casimirella sp.), planta não cultivada que foi descrita no Purus no século XIX, cuja prática de manejo foi etnografada mais recentemente por Daniel Canguçu (2025) e Gilton Mendes dos Santos e Lorena França (2024). Estas tuberosas formavam parte da dieta indígena antes da mandioca, o que coloca uma série de questões interessantes, desfazendo a primazia da mandioca na Amazônia. Os povos do Purus, os Paumari, por exemplo, vão dizer que a mandioca chegou depois, que os antigos consumiam outros vegetais. Os Mura dizem que deixaram de plantar, ficavam esperando a farinha de mandioca chegar pronta, de barco. Portanto, as roças de mandioca de hoje são uma criação recente, o que garantia para os Mura o carboidrato eram essas tuberosas que ficam nos caminhos dos castanhais, nas trilhas e nos caminhos de coleta e de caça em que “boiam” na superfície da terra, sem necessidade de cultivo, uma batata gigantesca que pode servir de alimento. E isso não exige que as pessoas fiquem “presas” à roça, em destaque o valor da mobilidade na Amazônia indígena. Assim, seguindo Manuela Carneiro da Cunha (2023b), talvez fosse melhor abandonarmos o conceito de domesticação e usar o de anti-domesticação, no sentido que em tal horticultura estão implicadas agências de variados seres, para além dos humanos.
R.S.: Sim, e o foco na diversificação é maior do que da domesticação.
E.L.: Observamos esta questão entre os Krahó (Morim de Lima, 2023a, 2023b), que estudou em detalhe este movimento.
M.A.: Exato, Ana Gabriela pensa as tuberosas, as batatas, as batatas-doces, mas também a relação dos Krahó com o milho. São dois modos que estão convivendo. São complementares e diferentes. Modos que estabelecem relacionalidades apropriadas e deve-se acentuar que estes modos não são percebidos como formas duras de trabalho, não se encaixam nestas exigências das tecnologias agrícolas que sedentarizam.
R.S.: E é interessante como essa ideia de anti-domesticação - ou “contra-domesticação” - vai ao encontro da discussão proposta por Clastres. Isso é interessante para pensar de um modo mais abstrato as questões sobre escravidão, que discutíamos há pouco, uma vez que, neste caso, estes considerados “escravizados” seriam pessoas domesticadas, como domesticar o grão e o animal. Mas se a domesticação é sempre revertida, então o quadro é outro...
M.A.: Não tem animal escravizado na Amazônia, e tudo isso nos faz pensar mais uma vez a questão das assimetrias.
E.L.: E a domesticação animal produz o xerimbabo. E ser xerimbabo significa ser produzido por estes engendramentos em um processo de domesticação que transcende o animal; pode ser um artefato, uma máscara e mesmo um humano. Eu mesma passei por este processo de xerimbabização entre os Huni Kuin, quando fui tratada por uma senhora idosa, dos velhos tempos, na minha primeira viagem de campo, como um xerimbabo; ela mastigava a comida em sua boca e colocava pedacinhos pequenos na minha boca; fazia isso rindo, com o devido humor, demonstrando que estava me domesticando como o fazem com os xerimbabos, com os pássaros. Assim, o que é domesticado é, na verdade, humanizado. Transformado em parente.
M.A.G.: Retornando a esta questão da multiplicidade, que é central também nas intuições de Clastres, e que reenvia à discussão do contra o Um, qeu, mesmo sendo uma antropologia humanista, como remarcou R.S., sua máquina conceitual se abre para essas formas múltiplas. Sobretudo porque o ponto nevrálgico de Clastres incide sobre como esta diferença é capital para o engendramento daquele pensamento e deste mundo cosmo sociopolítico. Nesse sentido, não existe concentração de poder, sedentarismo excessivo, porque existe um processo de diferenciação (nos termos também de transformação) que torna a diferença irredutível, uma diferença impossível de ser domada, e por isso a dispersão e a multiplicidade. A semente da diferença espalhada por toda parte se traduz em multiplicidade em todos os domínios, nas plantas, nos animais, nas divindades, nas cosmologias, e entre os humanos, quando se toma as próprias percepções corporais, ou a ideia de corpo, que sinaliza esta diferença em termos de individuação. Quando se fala em igualitarismo em Clastres não se está falando contra a diferença, o significado de igualitarismo pode ser lido na chave da ideia de que estas sociedades são contra o poder coercitivo. Igualitarismo ameríndio não pode ser confundido com o sentido filosófico político do que significa no Ocidente, com o advento da noção de indivíduo moderno, que desemboca nesta questão do indivíduo ter uma unicidade, mas que tem a capacidade de se reconhecer no outro, e daí o sentido de igualdade ou igualitarismo. Para Clastres, ao contrário, a pessoa ameríndia tem uma espécie de excesso de diferença, de potências criativas, pessoais e idiossincráticas. São derivações, são formas que se definem em processos transformativos, alternância de estados num tempo e num espaço, criando um universo saturado de diferenças. Chegamos aqui à máxima dos Pirahã10: “tudo se parece com tudo, mas nada é exatamente igual a nada”. Uma definição da multiplicidade ameríndia que implica em não cristalização institucional e organizacional, com papéis fixos, como aqueles que obedecem e aqueles que mandam, num universo densamente povoado por diferenças, por impermanências. Os processos organizacionais, como fazer roças, mutirões, guerras e festas são acionamentos, exortações, conduções, seduções para trazer as pessoas para estas práticas mais organizativas, com um fim definido. E nunca se espera uma adesão total aos acionamentos produzidos, uma vez que estamos situados neste universo de variações, de multiplicidade de humores, de comportamentos, de derivas, de situações. Penso que a obra de Clastres plantou esta semente e todo o esforço da etnologia vindoura foi aprofundar o significado da diferença, das múltiplas relações entre os seres que habitam aquele mundo com esta enorme variedade de espíritos, animais, humanos, plantas que convivem e criam este espaço.
R.S.: Neste ponto é importante citar o livro de Beatriz Perrone-Moises (2025), Festa e guerra, em que percebemos que o modelo do chefe no mundo ameríndio é o dono da festa, o anfitrião de festa. Aquela pessoa que dá uma festa é quem consegue mobilizar as pessoas para trabalharem para sua festa, para produzir bebida, comida, dança, música.
E.L.: Entre os Huni Kuin, fiquei surpresa, no meu primeiro trabalho de campo, quando pude encontrar um chefe totalmente clastreano, era um chefe jovem, não era forte ou grande, como no caso xinguano em que o chefe também se impõe com sua força física, como lutador. Este jovem chefe tinha humor, o dom da fala, e, o mais importante, conseguia alegrar as pessoas para se animarem a fazer coisas juntas. Estas aldeias fundadas por jovens tinham este ânimo, não tendo nada a ver com guerreiros temidos ou caçadores. Então, realmente, a figura do chefe era a figura da paz.
R.S.: É isso que Beatriz Perrone-Moises (2025) traz em sua argumentação, tentando fazer um paralelo com a atualidade de Clastres. Desdobra a figura do chefe em dois: o chefe de paz, que é o festeiro, e o chefe de guerra. Para ela, o chefe de guerra não é a exceção e tampouco o chefe de paz, o festeiro, é a regra. Quer sublinhar a alternância como dinâmica desta relação de chefia e poder ameríndios. Um chefe é o da paz, junta as pessoas para fazer festa, e o outro, chefe de guerra, também junta as pessoas, mas para fazer a guerra, e, por isso, neste momento, precisa ser mais enfático e até mesmo autoritário.
E.L.: Invoco agora os Pirahã, mas antes gostaria de começar por uma das frases de Ailton Krenak, que nos diz que esta guerra ameríndia persiste, referindo-se, sobretudo, aos indígenas em isolamento voluntário como exemplo máximo dessa resistência. Os Pirahã são um exemplo desse movimento de coletivos contra o Estado numa longa duração, que passa pelo Estado colonial, Imperial e Republicano.
M.A.G.: Os Pirahã e os Mura vão lutar, impedir, vamos dizer assim, a penetração nessa região da Amazônia durante alguns séculos. E a própria sociedade Pirahã é engendrada nesta insurgência contra o Estado, em seus isolamentos, em suas buscas de outros caminhos e outras relações. Os Pirahã se isolaram dos Mura no final do século XIX, saindo do circuito do Rio Madeira, entrando no Rio Marmelos e depois no Maici. E estão nesta região até os dias atuais. Os Pirahã se constituem neste contra Estado. Uma recusa em participar deste mundo dos chamados brancos, uma reexistência de caminharem em sua direção, o que resulta num alheamento consciente, de não querer aprender o português, de não saber ao certo o que significam FUNAI e demarcação de terras, o que é o Brasil, o governo. Ao mesmo tempo que constroem pontes de troca de produtos com os regatões e regionais, produzem conflitos guerreiros com estas mesmas pessoas com que trocam, conflitos que acontecem com uma certa frequência até hoje. Os Pirahã demonstram, nessa longa duração histórica, processos de efetivar esses princípios de multiplicidade, diferença, impermanência que forma seu modelo de resistência tanto contra um poder coercitivo quanto em ir em direção a esse Estado brasileiro que se faz presente naquele mundo, mas não se fixa e cristaliza. Os Pirahã parecem que intuíram e aprenderam neste longo processo que seria melhor regular “essa aliança demoníaca com o monstro” - uma expressão de Viveiros de Castro (2007) -, de modo que esta aliança possa ter reversibilidade. Foi o que se passou há pouco tempo com um grupo de Pirahã que adentrou na floresta e se instalou no rio Ipixuna, já no território Parintintim, vivendo voluntariamente com o mínimo de contato. Não se interessam por este Estado assistencialista e dos direitos, e por isso continuam vivendo suas vidas como há séculos, caçando e pescando de arco e flecha, plantando suas poucas roças, e esta reexistência Pirahã, esta deriva, esta margem produzida por seu isolamento voluntário, fazendo mesmo que fossem reclassificados pela Funai como povo de recém-contato, nos permite ver a importância da questão filosófica proposta por Clastres para se pensar as sociedades ameríndias.
M.A.: Penso que faz todo o sentido esta aproximação que você realiza entre os Mura e os Pirahã. E mais uma vez vemos escolhas, alternâncias, a partir destas situações que, mesmo dentro do próprio grupo, estão dadas enquanto possibilidades de um afastamento maior ou menor em relação ao Estado. Por mais que os Mura sejam assistidos pelo Estado, organizam tais relações de forma a garantir autonomia, o que se vê tanto no projeto da escola como nas atividades de ecoturismo que conduziram até recentemente contra os protocolos do indigenismo. Na escola, os Mura buscam a recuperação da língua, por meio de uma aproximação com os próprios Pirahã, falantes dessa língua isolada. Manifestam o interesse de trazer alguns Pirahã para viverem entre eles e com isso as crianças poderiam reaprender a língua original Mura com os Pirahã. Coletivos Mura em toda Amazônia Central, neste momento, demandam junto ao Estado a demarcação de suas terras. Se até muito pouco tempo eram trabalhadores rurais, agora se declaram indígenas Mura. Os Mura emergem em unidades de conservação, na periferia das cidades, interessados na produção de novas aldeias e terras indígenas, criando uma dinâmica cismogênica, onde as aldeias se implicam em processos de proximidade/afastamento em relação ao Estado.
M.A.G.: Para encerrar, gostaria que Els Lagrou falasse um pouco deste movimento da arte indígena contemporânea, que foi definida por você como uma arte contra o Estado.
E.L.: Esse movimento da arte indígena contemporânea, foi Jaider Esbell que criou este termo, nessa ordem, procurando enfatizar que a arte indígena sempre foi contemporânea, sempre foi arte no próprio sentido ocidental, de poder engendrar múltiplas conexões. Ele nos diz isso em uma entrevista dada a Nina Vincent (2022), que fez uma tese sobre esta arte indígena contemporânea sob minha orientação na UFRJ. Nesse sentido, é arte indígena contemporânea, e não arte contemporânea indígena. Esse movimento de artistas conquistando o espaço da arte contemporânea é chamado de artivismo. O que não implica em se isolar do centro do poder, mas expressa a ideia de tomar o centro de poder de assalto por meio de suas manifestações artísticas. Tudo isso aconteceu muito rapidamente, inclusive durante a pandemia, influenciando muito a visibilidade destes artistas indígenas nas redes sociais. Houve vários momentos importantes. Um destes momentos foi o encontro organizado por Ailton Krenak no Instituto Goethe de São Paulo com curadores, artistas indígenas e pessoas do mundo da arte. Foi uma reunião que preparou um modo de tomar esse espaço da arte contemporânea pelos artistas indígenas. Até 2016, as bienais podiam tematizar o antropoceno, a crise climática, a temática indígena, mas sem a presença dos artistas indígenas. E nesta mesma reunião no Goethe foi já discutida a proximidade dos 100 anos da semana de 1922 e as implicações do modernismo para se pensar a arte contemporânea e o lugar dos indígenas no próprio modernismo. Daí surgiu a ideia de se recuperar Macunaíma para o universo indígena porque, nas palavras de Krenak, Mário de Andrade havia feito um sequestro relâmpago de Macunaíma. Era preciso fazer um street fight com Mário de Andrade, nos diz Krenak, nas anotações de Clarissa Diniz(*). Denílson Baniwa vai fazer uma exposição na UFF com o nome Re-antropofagia, em que ele serve a cabeça de Mário de Andrade decapitada em uma bandeja. Em outro gesto incisivo, Denílson Baniwa prepara essa entrada no mundo da arte contemporânea hackeando a Bienal de São Paulo, entrando aquele espaço vestido de pajé onça, jogando flores para as fotos dos indígenas Selknam, praticamente dizimados na Tierra del Fuego, e rasgando o livro Breve História da Arte no Brasil, no qual a arte indígena está ausente. Deste modo, queria chamar atenção para o aspecto guerreiro do movimento de arte indígena. Um outro evento, neste mesmo contexto, foi o encontro de preparação da exposição “Histórias Indígenas” no Museu de Arte de São Paulo (MASP), em que Davi Kopenawa estava presente, junto a Joseca Yanomami, com suas pinturas. Me lembro bem da fala de Kopenawa, olhando para aquela enorme plateia, ele disse que estava insatisfeito: “Estou olhando para vocês todos e não estou vendo ninguém de terno e gravata. Estou perdendo meu tempo aqui, porque vocês todos já estão ganhos, devem ser da área da educação, da arte. Eu quero aqui falar para os empresários”. Assim, como Ailton Krenak, Kopenawa entendeu que a política mais eficaz se realiza no nível da cultura, influenciando uma elite; Kopenawa percebeu que a arena da cultura é por onde se pode fazer uma política de transformação. Como os outros artistas indígenas contemporâneos, os Yanomami entram pela imagem que o público quer ver e, com a imagem, pode-se trazer o seu discurso, a denúncia, a performance. A imagem é, na verdade, uma estratégia para ser visto e ouvido, para poder fazer a sua política. Vem daí a importância dos artistas indígenas tomarem de assalto o espaço e a cena da arte contemporânea.
R.S.: O problema dessa arte indígena contemporânea não é um pouco análogo ao Estado plurinacional? De um lado, você tem o ativismo, mas, de outro, sabemos da captura da arte indígena pelo mercado da arte...
E.L.: Essa questão foi também muito debatida. E, novamente, evocando o pensamento de Ailton Krenak, que tem uma consciência muito aguda sobre estes perigos, quando nos diz que os brancos não fazem apenas o extrativismo dos recursos na terra indígena, mas querem também extrair, sugar, as subjetividades indígenas. E, neste sentido, situamos aí o fenômeno relâmpago de Jaider Esbell.
R.S.: Uma tela de Jaider Esbell que custava um valor em 2019 e em 2021, com a Bienal passa a custar 20 vezes mais aquele valor.
E.L.: Sim, esta questão evoca justamente o problema desta predação subjetiva que estes artistas indígenas sofrem e recoloca a questão de como “regular esta aliança demoníaca com monstro”, com o Estado, sendo simultaneamente contra Estado.
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- Vincent, Nina Lannes. (2022). Arte é território indígena. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
- Viveiros de Castro, Eduardo. (1982). Hierarquia e simbiose em questão. Anuário Antropológico, 6/1, p. 252-262.
- Viveiros de Castro, Eduardo. (1996). Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Mana, 2/2, p. 115-144.
- Viveiros de Castro, Eduardo. (2007). Filiação intensiva e aliança demoníaca. Novos Estudos, 1/77, p. 91-126.
- Weber, Max. (2000). A política como vocação. In: Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix.
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1
Guerras do Brasil. Doc. Primeiro Episódio: As guerras da conquista. Direção: Luiz Bolognese. 28 min.
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2
Constituída pela Lei n. 12.528, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 18 de novembro de 2011, A CNV pretende assegurar o resgate da memória e da verdade sobre as graves violações de direitos humanos ocorridas no período entre 1946 e 1988.
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Cf. “Do Etnocídio”, Clastres (2004).
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O Projeto Amazônia Colonial realizou um evento na Unicamp com historiadores, arqueólogos e antropólogos, além de um estatístico e um geógrafo, para discutir uma publicação conjunta que será realizada ao fim do projeto, previsto para julho de 2028.
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Cf. “Da tortura nas sociedades primitivas” (Clastres, 2003).
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6
Cf. “A questão do poder nas sociedades primitivas” e “Mitos e ritos dos índios da América do Sul” (Clastres, 2004).
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As referências sobre os Huni Kuin ao longo desta conversação seguem os trabalhos de Lagrou (2007, 2012, 2018, 2022).
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As referências sobre os Mura ao longo desta conversação seguem os trabalhos de Amoroso (1991, 1992, 2023a, 2023b).
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Viveiros de Castro (1982) chama atenção para os problemas derivados de uma abordagem sobre hierarquia e simbiose e assimetria que persegue questões mais taxonômicas ou tipológicas sem articulá-las à problemática da política e do poder.
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10
As referências sobre os Pirahã ao longo desta conversação seguem os trabalhos de Gonçalves (1993, 2001, 2025).
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Fonte de financiamento:
Não se aplica.
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Aprovação do Comitê de Ética:
Não se aplica.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Dez 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
01 Out 2025 -
Aceito
06 Out 2025
