Acessibilidade / Reportar erro

APRENDIZ DE FEITICEIRO - A PEDAGOGIA DA ANTROPOLOGIA DE MARCEL MAUSS* * Dedicado a Carlos Rodrigues Brandão, Neusa Gusmão e Tânia Dauster, “Mestres” pioneiros na antropologia da educação no Brasil.

SORCERER’S APPRENTICE - MARCEL MAUSS’S PEDAGOGY OF ANTHROPOLOGY

Resumo

Marcel Mauss (1872-1950) é considerado um dos fundadores da Antropologia Social francesa na primeira metade do século XX. Ele reuniu em torno de si um conjunto de pessoas, instituições, representações e práticas que marcaram a história da antropologia moderna desde então. Embora não tenha desenvolvido estudos específicos sobre a educação, sua experiência acadêmica, suas atividades políticas e culturais, sua obra, são fontes inquestionáveis de inspiração e de reflexão sobre processos de ensino e de aprendizagem. A partir da trajetória intelectual e pedagógica de Mauss, o texto destaca algumas de suas ações acadêmicas, pedagógicas e institucionais em torno da etnografia, dos museus, do corpo e da aprendizagem, visando contribuir para o diálogo da antropologia com a educação.

Palavras-chave:
Mauss; Etnografia; Museu; Corpo; Educação

Abstract

Marcel Mauss (1872-1950) is considered one of the founders of French Social Anthropology in the first half of the 20th century. He gathered around himself a set of people, institutions, representations, and practices that have marked the history of modern anthropology ever since. Although he did develop specific studies on education, his academic experience, political and cultural activities, and work are unquestionable sources of inspiration and reflection on teaching and learning processes. Based on Mauss’ intellectual and pedagogical trajectory, the text highlights some of his academic, pedagogical, and institutional actions around ethnography, museums, the body, and learning, seeking to contribute to the dialogue between anthropology and education.

Keywords:
Mauss; Ethnography; Museum; Body; Education

“Dear teacher”. É assim que Marcel Fournier (2006Fournier, Marcel. (2006). Marcel Mauss: a biography. Princeton: Princeton University Press.: 141) nos apresenta o modo como os alunos de Mauss se referiam ao mestre; um reconhecimento de sua importância como educador. Este texto é uma introdução ao pensamento e às ações político-educativas de Marcel Mauss e sua contribuição para a formação da moderna antropologia social francesa.

A vida e a obra de Marcel Mauss têm suscitado inúmeras interpretações e inspirado fecundos estudos sobre os mais variados temas e fenômenos sociais. Ao longo da primeira metade do século XX, Mauss participou ativamente do processo de formação da antropologia social francesa. Isso se deu a partir da morte do tio, Emile Durkheim, quando então assumiu a coordenação dos Année Sociologique (1898-1913). Não demorou muito para que se encarregasse da orientação e formação de inúmeros etnólogos de renome. Ainda, denunciou, por meio de seus escritos e de suas ações institucionais, as teorias evolucionistas e as políticas totalitaristas da época; defendeu a constituição de uma sociedade moderna, livre e igualitária; criticou e combateu os horrores da guerra; produziu vasta obra ensaística original e atual (ainda nos dias de hoje); dedicou-se a ensinar nos prestigiados École Pratique des Hautes Études (1902) e Collège de France (1931-1939); e foi um dos fundadores do Institut d’ethnologie, em 1925, e do Musée de L’Homme, em 1938. Apesar de toda uma vida dedicada ao outro, à promoção do trabalho coletivo, ao humanismo e ao socialismo, morreu triste, doente e solitário após o fim da Segunda Guerra, no ano de 1950.1 1 Para além da biografia de Mauss (Fournier, 2006), em português o leitor encontra algumas leituras relativas à sua vida e/ou obra em: Dumont (1985); Fournier (1993, 2003); Oliveira (1979); Lévi-Strauss (2003); Grossi et al. (2006); Rocha (2011).

Em certo sentido, Marcel Mauss parece reunir certas qualidades que o aproximariam da ideia do “homem-semióforo”, sugerida por Krzvstof Pomian (1984Pomian, Krzyzstof. (1984). Colecção. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p. 51-86 (vol. 1: Memória-História).: 74)2 2 Como nos sugere o historiador polonês em seu verbete sobre as coleções: “Não são só os objectos que se dividem em úteis e significantes, em coisas e semióforos, sendo os segundos considerados superiores aos primeiros enquanto têm ligações com o invisível que, como se viu, é superior ao visível. O mesmo se pode dizer das actividades humanas […] os próprios homens se encontram repartidos numa ou em mais hierarquias. No topo destas encontra-se sempre um ou mais homens-semióforos, que são os representantes do invisível: dos deuses ou de um deus, dos antepassados, da sociedade vista como um todo etc.” (Pomian, 1984: 74). Muito embora a ideia de “homem-semióforo” possa sugerir um inapropriado sentido de consagração, à exemplo da análise de Abreu (1996) sobre o aristocrata Miguel Calmon, interessa-nos aqui dar destaque não ao indivíduo per se, mas às suas ações simbólicas. , à medida que suas ações simbólicas e representações político-culturais, científico-educativas e institucionais tornaram-se fonte de significados, colocando-o em um lugar de destaque em meio ao “panteão” dos intelectuais à serviço da institucionalização da sociologia e da antropologia francesa. Para além do etnólogo que se dedicou por muitos anos ao campo de estudos das religiões não ocidentais e dos fenômenos religiosos (como a prece, a magia, o sacrifício), são as suas atividades como professor e formador de jovens etnólogos, ou como responsável pela edificação do Année Sociologique e junto ao Institut d’ethnologie e ao Musée de L’Homme, entre outras ações, que o aproximam do mundo invisível considerado superior ao mundo das coisas. Assim, mais do que promover a mediação entre o visível e o invisível, trata-se de uma operação simbólica na qual se promove a junção entre as gerações, a organização do trabalho coletivo, a formação de redes de amizades e institucionais, as trocas de saberes entre as culturas etc. É o que Mauss realiza com suas atividades acadêmicas, institucionais, políticas e pedagógicas: a formação de um novo campo científico, o antropológico3 3 A noção de “campo” intelectual e/ou científico permeia nossa análise, embora não seja evocado a todo momento o nome de Bourdieu (1983) com fins a “autenticar” sua inscrição no texto, nem os termos que dão sustentação à abordagem, como capital, habitus, distinção, autoridade etc. Reforçando esse argumento, a análise de Besnard (1979) nos mostra a importância de Mauss na formação dos Année Sociologique. .

Com o tempo, antropólogos em diversos países passariam a criar vínculos entre si, formando “academias, primeiro espontaneamente, e depois sob a proteção do poder que, também neste campo, se dispõe a exercer um mecenato” (Pomian, 1984Pomian, Krzyzstof. (1984). Colecção. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p. 51-86 (vol. 1: Memória-História).: 78) e, organizariam reuniões em torno de um conjunto de ideias e de significados partilhados em comum, sem impedir a manifestação das individualidades. A biografia de Mauss é, nesse sentido, exemplar, haja vista sua candidatura ao College de France, quando dizia pertencer a uma “escola”, e o quão difícil era desvincular-se do trabalho em equipe e/ou em parceria, como se pode ver nos inúmeros ensaios e ações realizadas com Émile Durkheim, Henri Hubert, Lucien Lévy-Bruhl, Paul Rivet, Paul Fauconnet, entre outros. Mauss estava imerso numa “teia de significados”, em meio à qual exerceu papel estruturante na formação do campo da antropologia na França, o que faz dele um homem portador de múltiplos significados.

Em vista disso, focamos a análise na pedagogia da antropologia praticada por Mauss com seus alunos, por meio dos museus e nas suas inferências sobre a educação. É no “processo de socialização do antropólogo a partir da mobilização de seu interesse sobre determinado tema e de seu engajamento na própria ‘aventura antropológica’” que Gonçalves (2014Gonçalves, Marco Antônio. (2014). A reeducação do antropólogo: a pedagogia da antropologia. In: Tosta, Sandra Pereira & Rocha, Gilmar (orgs.). Diálogos sem fronteira: história, etnografia e educação em culturas ibero-americancas. Belo Horizonte: Autêntica, p. 149-164.: 150) articula a pedagogia da antropologia. Essa ampla definição - e, como nos ensina o próprio Mauss, a definição constitui um esforço de delimitar o campo de observação e não o objeto em si - se aplica aos nossos propósitos neste texto: analisar alguns aspectos do ensino e da aprendizagem da antropologia a partir do trabalho de Mauss junto aos seus alunos, aos museus e em torno da educação enquanto processo de aprendizagem. Apesar de Mauss não ter produzido uma reflexão sistemática sobre a educação como fez Durkheim, sua obra e suas ações têm uma dimensão pedagógica indubitável.

AFINIDADES ELETIVAS

Marcel Mauss obteve reconhecimento internacional e granjeou prestígio junto a um amplo círculo de intelectuais acadêmicos durante a vida. Todos os que o conheceram tendem a destacar a sua inteligência, erudição e senso crítico, além de sua fecunda imaginação sociológica aliada à sensibilidade etnográfica, vocação socialista e altruísmo profissional. Mauss também era reconhecido pelo rigor intelectual, compromisso ético e sua generosidade.

“Sabia tudo”, diziam seus alunos. Henri Lévy-Bruhl (2003Lévy-Bruhl, Henri. (2003). In memoriam. In: Mauss, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify , p. 527-529.: 527-529), em In memoriam (1951), fala de Mauss como “uma das mais belas inteligências de seu tempo”, “foi um dos últimos cérebros enciclopédicos”, “semeador de idéias”. Denise Paulme (1993Paulme, Denise. (1993). Prefácio da terceira edição. In: Mauss, Marcel. Manual de etnografia. Lisboa: Dom Quixote , p. 15-20.: 15-16) o tinha como um “homem excepcional”, um “mestre incomparável”, “o último etnólogo completo”, “um extraordinário despertador de espíritos”. “Mauss era uma pessoa fascinante”, lembra Dumont (1985Dumont, Louis. (1985). O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco.: 181). De Maurice Leenhardt, Fournier (1993Fournier, Marcel. (1993). Marcel Mauss ou a dádiva de si. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 8/21, p. 104-112.: 112) recolhe o seguinte depoimento sobre o legado de Mauss: poucos livros e artigos dispersos, mas “um brilho imenso”; e de Charles Andler: “vigor de trabalho incomum, uma abnegação, uma carga imensa de esperança, um conhecimento de várias línguas antigas, uma formação completa de etnógrafo, uma competência de museógrafo, o cuidado de revisar constantemente as mesmas regras de método” (Fournier, 2003Fournier, Marcel. (2003). Para reescrever a biografia de Marcel Mauss…Revista Brasileira de Ciências Sociais , 18/52, p. 5-13.: 11). De André Leroi-Gourhan, James Clifford (1998Clifford, James. (1998). A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.: 141) captura a seguinte declaração:

Ele era especialmente surpreendente quando fazia explicações textuais sobre autores que haviam trabalhado na Sibéria com os giliaks ou goldies. Lembro de sessões na Haute Études - não havia nunca mais de dez de nós - e mesmo assim! Nós nos juntávamos em volta de uma mesa igual a essa, não por muito tempo; Mauss traduzia do alemão para o francês com comentários que faziam comparações com qualquer canto do planeta. Sua erudição era fantástica, e nós absorvíamos tudo aquilo sem realmente sermos capazes de dizer no fim das contas como ele tinha conseguido ser tão cativante.

Por fim, seu reconhecimento pode ser atestado ainda pelas falas apaixonadas e devotadas que suas ex-alunas Germaine Dieterlen, Germaine Tillion e Denise Paulme dirigem ao intelectual que lhes apresentou um novo mundo e mudou o curso de suas vidas (MAUS…, 2002MAUSS: segundo suas alunas. (2002). Direção de Carmen Rial & Miriam Grossi. Florianópolis: Núcleo de Antropologia Audiovisual e Estudos da Imagem/Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina. 1 vídeo (46 min). Disponível em <Disponível em https://www.youtube.com/results?search_query=mauss+segundo+suas+alunas >. Acesso em 28 mar. 2022.
https://www.youtube.com/results?search_q...
).

Mauss é considerado por alguns ex-alunos o “pai” da antropologia social na França. É curioso o fato de Boas e de Mauss não terem merecido de Geertz (1997Geertz, Clifford. (1997). El antropólogo como autor. Barcelona: Paidós.) a mesma atenção dispensada a Malinowski, embora a ideia de Geertz de “fundador de discursividade”, ou seja, aqueles “autores que ao produzirem suas obras, produziram algo a mais: a possibilidade e as regras de formação de outros textos, algo crucial, não só para o desenvolvimento de disciplinas intelectuais senão para a natureza mesma destas disciplinas” (Geertz, 1997Geertz, Clifford. (1997). El antropólogo como autor. Barcelona: Paidós.: 28), possa ser aplicada também a ambos. Inspirada em Foucault e Barthes, essa proposição de Geertz coloca Mauss como alguém que ultrapassou a atividade de escritor para ser visto como um autor, um criador de estilo de antropologia. Mauss, como Malinowski e Boas, estabelece a base da antropologia como formação discursiva científica moderna., e contribui para fazer da etnografia a principal ferramenta epistemológica de reflexão da Antropologia.4 4 No entanto, Claude Lévi-Strauss (2003: 33) evoca a imagem bíblica de Moisés para falar de Mauss como alguém que conduziu “seu povo até uma terra prometida da qual jamais contemplaria seu esplendor”.

Contudo, Mauss é lembrado sempre como aquele que “nunca” (palavra forte para quem legou um Manual de Etnografia) realizou trabalho de campo no “sentido estrito do termo”, se pensarmos em Malinowski e Boas. Mas, nem por isso, Mauss deixará de ser batizado por Condominas (1972Condominas, Georges. (1972). Marcel Mauss et l’homme de terrain. Revue L’Arc: Marcel Mauss, 48, p. 3-6.) como o “pai da etnografia” francesa, afinal também ele performatiza a experiência que Stocking Junior (1989Stocking Junior, George W. (1989). The ethnographic sensibility of the 1920s and the dualism of the anthropological tradition. In: Romantic motives: essays on anthropological sensibility. Madison, WI: University of Wisconsin Press, p. 208-276.) batizou por “sensibilidade etnográfica” modernista, nos idos de 1920. A propósito, os ex-alunos de Mauss e seus contemporâneos reconhecem nele, antes de tudo, um etnógrafo de primeira grandeza e qualidade; “recebera do céu a graça especial de ser um homem de campo sem sair de sua poltrona”, dirá Dumont (1985Dumont, Louis. (1985). O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco.: 183). De certa forma, Mauss relativiza o significado do “estar lá” e do “estar aqui”, estabelecido por Geertz (1997Geertz, Clifford. (1997). El antropólogo como autor. Barcelona: Paidós.), pois não deixava de “estar lá” “estando aqui”. Ele parecia incorporar, viver nele mesmo as culturas que estudava. Segundo Dumont (1985Dumont, Louis. (1985). O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco.: 182), era comum ouvir dele: “eu como… eu maldigo… eu sinto… significando, segundo o caso, o melanésio de tal ilha come, ou o chefe Maori amaldiçoa, ou o índio Pueblo sente”. Mauss parece ter vivido em parte os próprios temas que estudara, percepção essa compartilhada com Fournier (1993Fournier, Marcel. (1993). Marcel Mauss ou a dádiva de si. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 8/21, p. 104-112.; 2006Fournier, Marcel. (2006). Marcel Mauss: a biography. Princeton: Princeton University Press.). Para Denise Paulme (1999Paulme, Denise. (1999). Nossa “Chère Denise”: entrevista com Denise. [Entrevista cedida a] Miriam Pillar Grossi. Ilha: Revista de Antropologia, 1/0, p. 97-118.), as aulas de Mauss eram sempre muito “vivas”, pois os exemplos eram retirados frequentemente da vida cotidiana, como quando ele explicava o direito à herança em sociedades primitivas se perguntando: “Por que eu devo bordar o espartilho da minha avó?” (Paulme, 1999Paulme, Denise. (1999). Nossa “Chère Denise”: entrevista com Denise. [Entrevista cedida a] Miriam Pillar Grossi. Ilha: Revista de Antropologia, 1/0, p. 97-118.: 104), questionamento inusitado que o permitia explorar os sistemas de parentesco. Assim, na avant-garde da etnografia francesa encontra-se Marcel Mauss.

Em L’oeuvre de Mauss par lui-même (Mauss, 1979aMauss, Marcel. (1979a). L’œuvre de Maus par lui-memê. Revue Française de Sociologie , 20/1, p. 209-220.), espécie de memorial crítico apresentado por ele quando de sua candidatura ao prestigiado Collège de France, em 1930, justificaria a sua trajetória intelectual até aquele momento se definindo como um “positivista”, alguém que toma a realidade como ponto de partida para desenvolver a antropologia teórica e metodologicamente. Não por acaso, seu antigo aluno Pierre Métais - autoproclamado “compadre” -, lembraria a Marcel Fournier (2003Fournier, Marcel. (2003). Para reescrever a biografia de Marcel Mauss…Revista Brasileira de Ciências Sociais , 18/52, p. 5-13.: 11) que Mauss “era um homem de sensações; tinha que tocar e ver”. Se assim é possível dizer, Mauss era portador de uma sensibilidade etnográfica esteticamente marcada pela simplicidade; os dados mais corriqueiros, cotidianos e aparentemente banais eram tão ou mais importantes do que grandes sistemas teóricos. De acordo com Paulme (1993Paulme, Denise. (1993). Prefácio da terceira edição. In: Mauss, Marcel. Manual de etnografia. Lisboa: Dom Quixote , p. 15-20.: 16) na introdução ao Manual, “o seu conhecimento era tão real, tão pessoal, tão imediato que tomava muitas vezes a forma de declarações óbvias”. Clifford (1998Clifford, James. (1998). A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.: 140) reafirma essa qualidade de Mauss destacando que suas aulas “não eram demonstrações teóricas. Elas enfatizavam, na forma divagadora, o fato etnográfico concreto; Mauss tinha um olhar acurado para o detalhe significativo. Ainda que ele próprio nunca tenha feito trabalho de campo, Mauss era eficiente em levar seus alunos a fazerem pesquisa de primeira mão”. Como o próprio Mauss (1993Mauss, Marcel. (1993). Manual de etnografia. Lisboa: Dom Quixote.: 34) advertia em seu Manual: “para ser rigorosa, uma observação deve ser completa: onde, por quem, quando, como, por que se faz tal coisa. Trata-se de reproduzir a vida indígena, não de proceder com base em impressões; de fazer séries e não panóplias”. O que explica, em parte, essa eficácia pedagógica de Mauss é a sua concepção de etnografia. Do ponto de vista epistemológico, Roberto Cardoso de Oliveira (1979Oliveira, Roberto Cardoso de. (1979). Introdução a uma leitura de Mauss. In Mauss: antropologia. Oliveira, Roberto Cardoso de (org.). São Paulo: Ática , p. 7-50.: 34), parafraseando Claude Dubar, ressalta que Mauss, à exemplo de Marx, foi capaz de ultrapassar a interpretação nativa sem, contudo, “esvaziar o real do vivido pelos agentes”.

Para além da crítica levistraussiana, segundo a qual Mauss teria se deixado levar pela teoria nativa do hau na formulação do Ensaio sobre a Dádiva, em verdade, a sua explicação amparava-se no “concreto pensado”. A consequência ética dessa postura epistemológica de Mauss pode ser apreendida em sua aguda observação acerca do papel do “nativo” no encontro etnográfico: “o ideal seria transformar os indígenas em autores e não em informantes” (Mauss, 1993Mauss, Marcel. (1993). Manual de etnografia. Lisboa: Dom Quixote.: 205), dirá ele em uma de suas Instruções de Etnografia Descritiva. Um procedimento teórico-metodológico que, nos termos de Goldman (2006Goldman, Marcio. (2006). Como funciona a democracia: uma teoria etnográfica da política. Rio de Janeiro: 7 Letras.), se configura na elaboração das “teorias etnográficas” e que se soma à concepção de etnografia como um trabalho coletivo.

A propósito, o Manual de etnografia, publicado em 1947, resultado das Instruções de Etnografia Descritiva apresentadas por ele em seus cursos no École Pratique des Hautes Études, no Collège de France e no Institut d’ethnologie, entre 1926 e 1939, é sem dúvida a mais bem acabada expressão da relação de Mauss com a pesquisa e o ensino. A riqueza das informações e orientações apresentadas no Manual faz deste uma espécie de inventário da etnografia produzida à época, trazendo instruções de métodos e técnicas de pesquisa, bem como agudas observações de natureza teórica e epistemológica. É ilustrativa a observação de Mauss acerca dos fenômenos religiosos, por exemplo:

As dificuldades da observação parecem consideráveis. Elas devem-se, em primeiro lugar, ao carácter consuetudinário de um grande número de factos religiosos. Cerimónias inteiras podem desenrolar-se sob os olhos de um estrangeiro e ele não as verá. O padre Dubois, no seu livro sobre os Betsileo, mostra como, desde que o indígena se aproxima da sua casa, tudo se torna religioso; nada no interior da habitação é puramente laico, cada coisa ocupa um lugar fixo, o pai senta-se sempre ao fundo à direita; toda casa é orientada. Da mesma forma, na cabana tchouktchi, tudo é rigorosamente classificado. O observador deverá imaginar as pessoas que vivem todo o ano como vive um Judeu polaco o dia do Grande Perdão: não há acto nenhum que seja religiosamente indiferente no interior da casa. A casa romana, com os seus penetralia, apresenta um aspecto bastante similar. As sociedades mais simples podem ser, ao mesmo tempo, as mais complexas (Mauss, 1993Mauss, Marcel. (1993). Manual de etnografia. Lisboa: Dom Quixote.: 204).

De certa forma, as Instruções de Etnografia Descritiva de Mauss visavam preencher a lacuna constatada por ele em L’Ethnographie en France et à l’étranger (Mauss, 1969Mauss, Marcel. (1969). L’Ethnographie en France et à l’étranger. In: Oeuvres 3: Cohésion sociale et division de la sociologie. Karady, Victor (ed.). Paris: Les Éditions de Minuit , p. 395-434.) acerca do eclipse vivido às vésperas da Primeira Guerra. As instruções etnográficas de Mauss eram dirigidas à formação tanto de “administradores coloniais” esclarecidos, quanto à geração dos antropólogos franceses que se aventuraram nas missões africanas dos anos 1930 em diante. Os cursos de Mauss provocavam reações variadas: apaixonante e, ao mesmo tempo, exigente; era assim que suas alunas e seus alunos o avaliavam. Mauss cobrava leituras das etnografias dos antropólogos ingleses, norte-americanos e alemães. Alguns diziam que se podia sair de seus cursos “grogue” (Haudricourt, 1972Haudricourt, André. (1972). Souvenirs personnels. Revue L’Arc: Marcel Mauss , 48, p. 89.: 89) ou como “se caminhasse sobre nuvens”, pois “as aulas de Mauss eram magistrais” (Paulme, 1999Paulme, Denise. (1999). Nossa “Chère Denise”: entrevista com Denise. [Entrevista cedida a] Miriam Pillar Grossi. Ilha: Revista de Antropologia, 1/0, p. 97-118.: 103). Leroi-Gourhan (apud Clifford, 1998Clifford, James. (1998). A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.: 141) diz que “a maior parte de suas frases soavam vazias, mas era um vazio que te convidava a preenchê-lo”. O efeito persuasivo e retórico de Mauss pode ser apreendido nas palavras de Dumont (1985Dumont, Louis. (1985). O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco.: 195), para quem ele “avançara longe demais para que sua voz pudesse ser facilmente ouvida”, pois muitas vezes o que havia começado como ciência caminhava para a literatura5 5 A experiência pedagógica de Mauss se parece muito com a de outro grande pensador: Georg Simmel (1858-1918). Este também produziu inúmeros ensaios sobre os mais variados temas, e exerceu um enorme efeito persuasivo sobre seus alunos, como se pode ver em Waizbort (2000). .

Mauss lamentaria a excessiva carga de trabalho dispendida em aulas, resenhas, preparação dos Année Sociologique etc., quando preferia a pesquisa, provavelmente, porque ela trazia-o para perto do mundo concreto de Roma, Atenas, do homem francês médio ou do melanésio dessa ou daquela ilha, consoante à sua conclusão no Ensaio sobre a dádiva. Ainda assim, com um misto de pessimismo e esperança, constatava em 1930 o trabalho realizado até ali: “A qualidade e o número de meus alunos em todo o mundo mostram que este ensino não tem sido inútil. Os trabalhos que tenho dado atenção, assegurando a realização, corrigindo os manuscritos e os ensaios, inspirando a orientanção, provam que este esforço não tem sido negligenciável. Ele teria sido talvez glorioso sem a guerra” (Mauss, 1979aMauss, Marcel. (1979a). L’œuvre de Maus par lui-memê. Revue Française de Sociologie , 20/1, p. 209-220.: 211). A verdade é que, ainda hoje, o Manual continua sendo extremamente útil e inspirador, sugere Dal Poz (2007Dal Poz, João. (2007). Manual de etnografia. Cadernos de Campo, 16/16, p. 275-279.).

Considerando que “o campo é também um conjunto de práticas discursivas”, como sugere Clifford (1997Clifford, James. (1997). Traveling cultures. In: Clifford, James. Routes: travel and translation in the late twentieth century. Cambridge: Harvard University Press, p. 17-46.: 22), então as correspondências, os diários, as memórias, os museus, os institutos de pesquisas, podem ser vistos como extensões do “campo etnográfico” e, como tal, fruto de ações deliberadas e carregadas de valor pedagógico.

UMA INSTITUIÇÃO CRONOTÓPICA

Não é acidental o fato de a antropologia em seus primórdios encontrar nos museus um território privilegiado para o seu desenvolvimento, nos lembra Roy Wagner (2010Wagner, Roy. (2010). A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify .). Afinal, desde fins do século XIX, a relação entre a etnologia e o museu será objetificada no Musée du Trocadéro, criado em 1878 e dirigido por Ernst-Theodore Hany. O “Troca”, na expressão de Clifford (1998Clifford, James. (1998). A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.), representou de forma emblemática o desejo enciclopedista de se estudar o homem à luz dos predicados da História Natural, mas também conferiu ao museu um lugar de propaganda colonialista e de uma pedagogia nacionalista, ensejadas pela Terceira República.

Nessa perspectiva, o museu passa a desempenhar, de um lado, importante papel de educação no estudo das culturas do “outro”, e, de outro lado, se constitui em repositório das coleções, ou local no qual se podia preservar os artefatos e os objetos de arte e etnográficos coletados nas expedições coloniais. A importância do museu para a antropologia pode ser avaliada pela observação de Fournier sobre Mauss, pois “para ele a etnologia era impossível sem a existência desses ‘laboratórios’ que eram os museus de etnologia” (Grossi et al., 2006Grossi, Miriam Pillar et al. (2006). Antropologia francesa no século XX. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana.: 324). Em outras palavras, além dos museus passarem a funcionar como uma espécie de “vitrine da antropologia” no Ocidente, ampliavam a noção de campo, já que, funcionando como “arquivo”, conferiam à cultura do outro o valor de documento. Por fim, coube ainda aos museus a função de mediar uma ampla rede de relações entre antropólogos e instituições, como nos mostra Cavignac (2011Cavignac, Julie A. (2011). O Americanismo visto do Musée de l’Homme: etnografia e internacionalismo científico: o exemplo da Amazônia. Revista Anthropológicas, 15/22, p. 119-140.: 133), tomando por referência o Musée de L’Homme:

O período que precede a abertura do Musée de L’Homme é rico em trocas institucionais e diálogos entre promotores de uma disciplina renovada: a longa amizade entre Paul Rivet, diretor do Musée e presidente da Société des Américanistes, e Franz Boas, precursor da pesquisa empírica, revela o esforço para a promoção de um internacionalismo científico e da emergência da importância da etnografia para a disciplina. Para concretizar este projeto utópico, foram contratados jovens colaboradores encarregados de coletar objetos para as coleções etnográficas e suprir a ausência de conhecimento sobre as culturas indígenas da América e, em particular, as sociedades indígenas da ‘f loresta’. Notamos um salto qualitativo na produção americanista em nível internacional que corresponde à ida de Claude Lévi-Strauss aos Estados-Unidos, mas que, na verdade, é o reflexo de uma intensa colaboração acadêmica ‘em rede’.6 6 Grupioni (1988) apresenta um amplo e denso quadro de relações entre museus, antropólogos, colecionadores etc. nas Américas. Por sua vez, Grossi et al. (2006) destacam os conflitos institucionais e as antipatias pessoais que muitas vezes surgiam na constituição dessas redes sociais, pois nem tudo era harmonia.

Inaugurado em 1938, o Musée de L’Homme é o resultado das ações conjuntas de Mauss, Levy-Bruhl e Paul Rivet. Foi um projeto iniciado uma década antes, quando Paul Rivet passa a dirigir o então Musée du Trocadéro, empreendimento que contou com a inestimável contribuição de Georges-Henri Rivière, um antigo aluno de Mauss. Mais do que a criação de um novo museu, promovia-se, naquele momento, uma verdadeira revolução na forma de organização e exposição das coleções de arte e de etnologia, pois, até então, o “Troca” era considerado uma espécie de “cemitério de curiosidades”. As iniciativas conjuntas de Rivet e Rivière no Musée de L’Homme, em parceria com o Institut d’ethnologie e com os laboratórios técnicos do Musée d’Histoire Naturelle, passarão a incrementar a etnologia na França a partir dos anos de 1930. Um dos resultados foi a promoção da auspiciosa expedição Dakar-Djibouti (1931-1933), coordenada por Marcel Griaule, que teve o apoio do governo e de alguns amigos, como Jacques Soustelle.

“O encontro da antropologia e da museologia foi muito importante na história das ciências humanas. Tornar conhecidas outras civilizações por meio de exposições era um modo não apenas de educar o público, mas também de sensibilizar as autoridades políticas para a importância da pesquisa neste domínio”, observa Fournier (apud Grossi et al., 2006Grossi, Miriam Pillar et al. (2006). Antropologia francesa no século XX. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana.: 325). A nova instituição combinava em um só tempo e em um mesmo espaço: laboratório, centro de pesquisa, coleções de artes e de objetos etnográficos, arquivo da memória da humanidade e espaço educativo. De um modo geral, o museu tornava-se uma instituição cronotópica, sendo o Musée de L’Homme o paradigma.7 7 Bakhtin (1993: 356) entende o cronotopo “como materialização privilegiada do tempo no espaço” e, como tal, fixado em coisas como estradas, castelos, salas-de-visita e, por extensão, os museus, pois representam exatamente a materialização das memórias, tradições, culturas, etnias, naturezas, no espaço.

Os museus de história natural e/ou de etnografia e folclore são parte importante da memória histórica da antropologia moderna, na medida em que anteciparam muitas vezes a criação dos departamentos nas universidades. Mas a antropologia pós-boasina ou a pós-malinowskiana se distanciam da cultura material, das coleções, dos objetos, dos museus, e somente em anos recentes os antropólogos voltaram a pensar sobre esses objetos sob novas perspectivas. A partir de então, a visão romântica do trabalho de campo como experiência individual e distante (L’Estoile, 2003L’Estoile, Benoît de. (2003). “O arquivo total da humanidade”: utopia enciclopédica e divisão do trabalho na etnologia francesa. Horizontes Antropológicos , 9/20, p. 265-302.) deu lugar a uma abordagem mais complexa que envolve os museus e as coleções como “prolongamentos do campo” (Gonçalves, 2007Gonçalves, José Reginaldo Santos. (2007). Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro: Garamond.). O resultado é o desvelamento de um sistema de relações pessoais e institucionais no qual a etnografia, os museus, as associações de pesquisas, tomam parte na composição de uma extensa “rede” de antropólogos, tal qual nos ilustra o campo das relações de amizade e institucionais identificadas por Besnard (1979Besnard, Philippe. (1979). La formation de l’équipe de l’Année sociologique. Revue Française de Sociologie, 20/1, p. 7-31.) em sua análise da formação do Année Sociologique.

Mauss amplia e aprofunda suas relações com a criação do Institute d’ethnologie, em 1925, e posteriormente com a criação do Musée de L’Homme, em 1938, em parceria com Rivet e Levy-Bruhl. Todo esse empreendimento visava superar o diagnóstico de 1913, quando se constatava o fraco desenvolvimento da etnografia francesa; a etnografia era uma “pálida figura” frente ao cenário internacional, dirá Mauss (1969)Mauss, Marcel. (1969). L’Ethnographie en France et à l’étranger. In: Oeuvres 3: Cohésion sociale et division de la sociologie. Karady, Victor (ed.). Paris: Les Éditions de Minuit , p. 395-434.. A partir de então, ele passa a liderar o processo de formação da etnografia francesa dentro do espírito de trabalho em equipe e interdisciplinar, na teoria e na prática, uma ilustração do fato social total.

Em síntese, o empenho de Mauss na criação do Institute d’ethnologie (1925) e do Musée de L’Homme (1938) aponta não só para a existência de uma ampla rede de intelectuais e acadêmicos colaboradores, bem como ilustra o fato de nem sempre a etnografia se constituir de um trabalho solitário e isolado, romântico e aventureiramente realizado em alguma ilha distante do Pacífico ou nas remotas f lorestas da África ou América do Sul. A ideia da antropologia como “ação coletiva”, lembrando a concepção de sociologia de Becker (1977Becker, Howard Saul. (1977). Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro: Zahar.), pode ser encontrada em Mauss, em 1930, quando abre sua candidatura para o College de France, com as seguintes palavras:

É impossível me libertar do trabalho de uma escola. Se há alguma individualidade, ela está submersa em um anonimato voluntário. O sentido de trabalhar junto, em equipe, a convicção de que a colaboração é uma força oposta ao isolamento, e a pretendida busca da originalidade, é talvez o que caracteriza minha carreira científica, ainda mais agora do que antes (Mauss, 1979aMauss, Marcel. (1979a). L’œuvre de Maus par lui-memê. Revue Française de Sociologie , 20/1, p. 209-220.: 209, tradução nossa).

Sentimento esse partilhado por Griaule em seu Método de Etnografia, publicado em 1957, como nos atesta L’Estoile (2003L’Estoile, Benoît de. (2003). “O arquivo total da humanidade”: utopia enciclopédica e divisão do trabalho na etnologia francesa. Horizontes Antropológicos , 9/20, p. 265-302.), quando fala da divisão de trabalho exigida aos antropólogos com a formação da etnologia francesa nos moldes de ciência moderna. Assim, numa enunciação semelhante à de Mauss no Manual, “Griaule faz ainda a apologia da pesquisa em equipe, em que se recorre a especialistas de diferentes disciplinas” (L’Estoile, 2003L’Estoile, Benoît de. (2003). “O arquivo total da humanidade”: utopia enciclopédica e divisão do trabalho na etnologia francesa. Horizontes Antropológicos , 9/20, p. 265-302.). Dessa forma, “uma equipe composta de um historiador das religiões, de um lingüista, de um naturalista e de um médico” pode dar “excelentes resultados”. Com efeito, ele prossegue: “os especialistas serão úteis de duas formas: cada um trará à sua ciência abordagens novas e originais; aplicará seus métodos ao estudo etnográfico do conjunto, o que aumentará a qualidade dos resultados” (L’Estoile, 2003L’Estoile, Benoît de. (2003). “O arquivo total da humanidade”: utopia enciclopédica e divisão do trabalho na etnologia francesa. Horizontes Antropológicos , 9/20, p. 265-302.: 283).

O Musée de L’Homme tornou-se uma instituição paradigmática no campo da emergente antropologia francesa, pois não só formava e reunia pesquisadores, conservava objetos e privilegiava as missões, mas também estava voltado para a educação do público. A forma de exibição dos objetos e, por conseguinte, a forma de olhá-los seria modificada. Como nos mostra Nélia Dias (1994Dias, Nélia Susana. (1994). Looking, at objects: memory, knowledge in nineteenth-century ethnographic displays. In: Robertson, George et al. Travellers’ tales: narratives of home and displacement. New York: Routledge, p. 164-176.), o modo de conhecimento antropológico estava associado a certos regimes de visibilidade, sendo o modo tipológico a expressão de uma perspectiva evolucionista marcadamente presente na forma de exposição do antigo Musée du Trocadéro, e o modo geográfico, mais próximo de uma perspectiva etnográfica da cultura, marcando a forma de exposição do Musée de L’Homme. Aliado a isso, este Museu será alimentado ainda por uma visão humanista de feições socialistas voltada à educação do povo, incitando-o, de um lado, à uma experiência cognitivo-educacional, e, do outro, proporcionando-lhe um panorama da história cultural da humanidade. Ainda, o Musée de L’Homme representava a crítica à visão colonialista, ao mesmo tempo que exaltava a diversidade cultural à luz do humanismo universalista. De acordo com L’Estoile (2003L’Estoile, Benoît de. (2003). “O arquivo total da humanidade”: utopia enciclopédica e divisão do trabalho na etnologia francesa. Horizontes Antropológicos , 9/20, p. 265-302.: 288-289):

A expressão mais bem acabada dessa utopia científica e centralizadora é o projeto do Museu do Homem. Concebido precisamente como agrupamento do conjunto das instituições científicas, das coleções de crânios e dos objetos etnográficos, de documentos diversos, das bibliotecas. O museu deve ser simultaneamente uma “reserva” onde todos esses fatos, observações e objetos são arquivados, conservados e classificados, um conjunto de laboratórios, e também um local de exposição e de ensino. É uma utopia de uma instituição central que visa à exaustividade, concentrando em todo um domínio de saberes a totalidade dos recursos materiais e humanos disponíveis. Ao menos num primeiro momento, essa utopia parece tomar corpo: várias sociedades científicas - especialmente aquelas que estão mais ligadas à rede: americanistas, africanistas - têm suas sessões de encontro no novo museu, reúnem aí suas bibliotecas.

Com efeito, os artefatos, as coleções, os objetos em exibição nos deixam ver algo além do que está aparente, além da presença inquestionável do corpo com suas formas, habilidades e técnicas. Mauss nos mostrou anos atrás que o espírito da coisa dada deve retornar para o seu lugar de origem, revelando, assim, uma estreita relação entre os objetos e as pessoas. Posteriormente, Wagner (2010Wagner, Roy. (2010). A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify .: 130) e outros destacariam que os “objetos e outros fenômenos humanos que nos cercam - na verdade, todas as coisas dotadas de valor ou significado cultural - são nesse aspecto ‘investidos’ de vida; fazem parte do eu e também o criam”. Há mesmo uma “moral das coisas”, cuja eficácia reside em nos controlar por meio de seus significados.

Assim sendo, o uso de uma ferramenta não representa somente uma resposta tecnicamente eficaz colocada por uma necessidade, mas também uma espécie de propriedade cultural herdada e que nos obriga a aprender a usá-la. Diz Wagner (2010Wagner, Roy. (2010). A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify .: 130): “ao aprender a usar ferramentas, estamos secretamente aprendendo a usar a nós mesmos: como controles, as ferramentas meramente mediam a relação, objetificam nossas habilidades”. Os objetos são portadores de agência e, como tais, nos constituem como pessoas e enquanto corpos. Assim, as coleções, os objetos, os fósseis exibidos nos museus são também um modo semiótico não só de falar da “humanidade dos objetos”, mas também de mostrar o quanto os objetos são fundamentais à constituição dos humanos, nos revelando como pessoas e nos levando a refletir sobre como usamos, sentimos e pensamos os nossos corpos. Dialeticamente falando, há uma mútua relação de constituição dos objetos e dos corpos: os objetos são uma extensão dos corpos que os fabricam e vice-versa.

O grande número de museus e a diversidade das coleções históricas e etnográficas contribuíram para que se intitulasse o século XIX como a “era dos museus”, o que explica a proliferação de adjetivos atribuídos a eles desde então: “templo das musas”, “casa de Mnemósine”, “templo da memória”, “laboratório”, “vitrine das coleções”, “arquivo da humanidade”, “casas históricas”. Apesar dessa diversidade de sentidos, o museu será visto também como instituição especial voltada a educação.

O CORPO ENSINA

Pode-se chamar educação (ou instrução) os esforços conscientemente feitos pelas gerações para transmitir suas tradições a outra. Pode-se também dar este nome, menos abstratamente, à ação que os mais velhos exercem sobre as gerações que se apresentam cada ano para moldá-las com respeito a eles mesmos, e, secundariamente, para adaptá-las aos meios social e físico deles (Mauss, 1981Mauss, Marcel. (1981). Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva.: 121-122, grifo nosso).

Assim Mauss define a educação, uma definição tributária da sociologia durkheimiana cuja preocupação básica consistia, sobretudo, na educação moral das gerações mais novas.8 8 Em Educação e sociologia, Durkheim (1972) apresenta uma concepção cognitivista de educação na qual defende o caráter geracional e representacional do conhecimento como processo transmitido de fora para dentro. A educação, então, é vista como fator preponderante no processo de formação da pessoa, ou melhor, de certa concepção de pessoa socialmente legitimada. E é por meio dela que a tradição, a moral, em suma, a sociedade, se inscreve no corpo e na mente do indivíduo. De acordo com Mauss (1981Mauss, Marcel. (1981). Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva.: 11-12):

[…] é por intermédio da educação, quer geral, quer especial, que se faz esta penetração. Assim é que cada geração recebe da geração mais velha os preceitos da moral, as regras da polidez usual, sua língua, seus gostos fundamentais, da mesma forma como cada trabalhador recebe de seus predecessores as regras de sua técnica profissional. A educação é precisamente a operação pela qual o ser social é acrescentado em cada um de nós ao ser individual, o ser moral ao ser animal; é o procedimento graças ao qual a criança é rapidamente socializada.

Para Mauss, educação é sinônimo de socialização. Toda sociedade tem recursos próprios para educar suas crianças; toda sociedade sabe como “fabricar o jovem”, sendo que nas sociedades tradicionais “todos os tipos de ambientes estão encarregados de fabricar o mesmo homem, e conseguem fabricá-lo” (Mauss 1981Mauss, Marcel. (1981). Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva.: 121). A princípio, mesmo que nessas sociedades não sejam evidentes os processos cognitivos de ensino-aprendizagem como o são, em geral, nas escolas das sociedades modernas, a educação nas tradicionais ou primitivas constitui um “fato social total”, à medida que as artes, a moral, a religião, os rituais, as práticas laborais, em suma, todas as instâncias da vida social estão comprometidas e são convergentes com o processo de socialização do indivíduo, em especial, com a educação das crianças. Portanto, frente à aparente indistinção de instâncias ou instituições encarregadas da educação, subsiste o processo pedagógico cuja eficácia culmina na formação do “homem total”.

De fato, ensinamento, instrução, educação, sugestão, autoridade forçando ou reservando a aquisição de tal conhecimento, de tal “maneira”, de tal ou tal maneira de fazer, tudo isso funciona simultaneamente, em sincronia com a imitação espontânea dos gestos com eficácia psíquica, e também com o jogo que consiste em brincar com ocupações sérias e artísticas. Educação consciente e transmissão simples reinam nas sociedades que estudamos. Conseguem realizar aquilo que a pedagogia e a filosofia alemãs chamam a Erziehung total [educação total], a educação prática e a educação moral; conseguem misturar todas as pedagogias, mas têm uma pedagogia (Mauss, 1981Mauss, Marcel. (1981). Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva.: 121).

Essa relativa indistinção do fenômeno da educação, colocando-a muitas vezes sob o manto da invisibilidade, parece mesmo justificar, por sua vez, a sua aparente dispersão nos textos clássicos da antropologia. Assim, diferentemente do entendimento sobre a educação no Ocidente, grande parte das sociedades tradicionais e primitivas espalhadas pelo mundo não fazem distinção entre a educação intelectual e a educação moral ou a educação física. O corpo, a mente e a moral andam juntas na educação no processo de “fabricação” dos jovens e das crianças. Mauss nos adverte para os perigos de se aplicar os conceitos e modelos de nossa sociedade sobre culturas diferentes da nossa, pois “estamos habituados a pensar na escola, num lugar onde se verifica a instrução; pensamos numa aprendizagem uniforme imposta pela escola; na distinção entre educação moral e outras. Todos esses problemas só se proporão às sociedades indígenas quando tivermos levado a elas a Escola” (Mauss, 1981Mauss, Marcel. (1981). Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva.: 121). Portanto, não se trata de pensar a educação em Mauss a partir somente do modelo das escolas; pelo contrário, trata-se de pensá-la como processo de socialização pelo qual devemos levar em conta ao menos dois elementos distintos, porém convergentes: o corpo e a aprendizagem.

Em Fragmento de um plano de sociologia descritiva, de 1934, Mauss apresenta um pequeno inventário das educações especiais afeito ao estilo do Manual de Etnografia:

1. Ensino das técnicas do corpo. A educação física começada aperfeiçoa-se definitivamente: marchas, corridas, natação, dança, estética do corpo etc.; lançar, carregar, lutar etc.; resistência, estoicismo etc.

2. Ensino das técnicas manuais, sobretudo mecânicas. Uso dos utensílios, instrumentos e máquinas; perícias manuais etc.; exemplo: instrumentos e maneira de transporte, com tiras ou com correias na Ásia do Sul e na Oceania. Nos casos de profissões, sistemas de técnicas: aprendizagem frequentemente feita na iniciação; aprendizagem do ferreiro (África, Ásia, Malásia); do carpinteiro (Fidji) etc.; fabricação dos instrumentos.

3. Tradições técnico-científicas: ciência e empirismo; noções mecânicas; etnobotânica, etnozoologia, isto é, conhecimento das plantas e dos animais, geografia, astronomia, navegação etc.

4. Educação estética: dança, dança extática, artes plásticas, arte de decoração etc.; artes orais; canto etc.

5. Educação econômica: pouco importante.

6. Jurídica e religiosa: os pormenores devem antes ter lugar num estudo jurídico da sociedade dos homens e num estudo religioso da mesma sociedade. A instrução deste gênero só se encerra com a obtenção dos graus mais elevados da sociedade dos homens e das sociedades secretas, das sociedades dos mágicos etc. (Mauss, 1981Mauss, Marcel. (1981). Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva.: 125).

Em especial, a abordagem de Mauss sobre as técnicas do corpo nos incita a buscar uma aproximação com a teoria da aprendizagem como prática social. Nossa hipótese é que Mauss, com a ideia de “imitação prestigiosa”, parece antecipar alguma coisa da “educação pela atenção” proposta na perspectiva antropológica de Tim Ingold. Vejamos.

“As técnicas do corpo”, palestra proferida por Mauss junto à Sociedade de Psicologia, publicada em 1935, muitas vezes é considerada o “texto de fundação” da antropologia do corpo. A verdade é que sua importância não está restrita apenas a essa genealogia, senão também ao fato de ser um texto que condensa inúmeras referências sobre os usos do corpo. Sendo o corpo “o primeiro e o mais natural instrumento do homem”, ou melhor, “o primeiro e o mais natural objeto técnico e, ao mesmo tempo meio técnico do homem”, suas técnicas são o resultado de um longo e complexo processo tradicional e eficaz que “não difere do ato mágico, religioso, simbólico” (Mauss, 2003Mauss, Marcel. (2003). Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify .: 407), o que faz dele, sem dúvida alguma, o locus privilegiado da aprendizagem “como/na prática” - o que nos lembra Jean Lave (2015Lave, Jean. (2015). Aprendizagem como/na prática. Horizontes Antropológicos , 21/44, p. 37-47.). O corpo como técnica é resultado de uma educação, ou melhor, aprendizagem. Assim, mais importante do que saber o que se aprende é saber como se aprende na prática.

As sutis diferenças no andar entre as moças de Nova York e de Paris; ou a maneira das crianças descansarem as mãos sobre a mesa; as variadas técnicas de correr, “em todos esses elementos da arte de utilizar o corpo humano os fatos de educação predominam”, observa Mauss (2003Mauss, Marcel. (2003). Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify .: 405). O corpo é um conjunto de técnicas tradicionais transmitidas eficazmente, de natureza mágica, religiosa, simbólica, aprendidas de maneira consciente nas ginásticas, nos esportes etc., mas, na maioria das vezes, de maneira inconsciente, por meio das brincadeiras, dos ritos, dos jogos, do trabalho, dos movimentos e dos experimentos em geral que povoam a vida cotidiana. Portanto, a educação do corpo não se limita à aprendizagem física ou à reprodução mecânica dos gestos, dos movimentos, dos atos, posto que ela invade o campo das sensibilidades. Dirigindo-se então aos psicólogos, Mauss (2003Mauss, Marcel. (2003). Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify .: 421) advertia:

Aqui o etnólogo depara com as grandes questões das possibilidades psíquicas dessa e daquela raça, dessa e daquela biologia, desse e daquele povo. São questões fundamentais. Mas penso que aqui também estamos diante de fenômenos biológico-sociológicos. Creio que a educação fundamental das técnicas que vimos consiste em fazer adaptar o corpo a seu uso. Por exemplo, as grandes provas de estoicismo etc., que constituem a iniciação da maior parte da humanidade, têm por finalidade ensinar o sangue-frio, a resistência, a seriedade, a presença de espírito, a dignidade etc. A principal utilidade que vejo em meu alpinismo de outrora foi essa educação de meu sangue-frio, que me permitia dormir em pé num degrau à beira do abismo.

Considerando que grande parte dos costumes, das tradições, dos fatos sociais em geral, são transmitidos “naturalmente”, de forma inconsciente, visto que “o ‘selvagem’ é frequentemente o último a saber exatamente o que pensa e o que faz”, observa Mauss (1979b)Mauss, Marcel. (1979b). Ofício de etnógrafo, método sociológico. In: Oliveira, Roberto Cardoso de (org.). Mauss: antropologia. São Paulo: Ática , p. 53-59. em “Ofício de etnógrafo, método sociológico”, deduz-se que os fatos da educação, em geral, acontecem como imitação. Mauss elabora então o conceito de “imitação prestigiosa” - a imitação dos saberes, dos atos, dos comportamentos, das técnicas em geral -, que ocorre por meio do corpo com suas danças, suas performances, suas habilidades, suas técnicas, seus gestos, seus sentidos e emoções.

Neste ponto, Tim Ingold nos ajuda a qualificar a ideia de “imitação prestigiosa” a partir de sua proposição teórica da educação pela atenção. Esta proposição consiste em um processo de aprendizagem que envolve a imitação e a improvisação - experiência de ordem gerativa que lembra o habitus de Bourdieu -, contudo sem configurar esse processo como uma cópia automática das informações do que é ensinado ou do que está à disposição dos sentidos. Ingold (2010)Ingold, Timothy. (2010). Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, 33/1, p. 6-25. parte da premissa de que o ser humano é um centro de percepções e agências em um campo de práticas, e por isso a combinação da imitação com a improvisação constitui um processo de aprendizado definido como “redescobrimento dirigido”, ou seja,

[…] pela noção de mostrar. Mostrar alguma coisa a alguém é fazer esta coisa se tornar presente para esta pessoa, de modo que ela possa apreendê-la diretamente, seja olhando, ouvindo ou sentindo. Aqui, o papel do tutor é criar situações nas quais o iniciante é instruído a cuidar especialmente deste ou daquele aspecto do que pode ser visto, tocado ou ouvido, para poder assim ‘pegar o jeito’ da coisa. Aprender, neste sentido, é equivalente a uma ‘educação da atenção’ (Ingold, 2010Ingold, Timothy. (2010). Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, 33/1, p. 6-25.: 21).

À luz dessa proposição, pode-se destacar então que desde a infância e adolescência aprende-se com e na prática, aprende-se fazendo. Por exemplo, a habilidade de dançar é apreendida e aprendida dançando; a habilidade de um ofício é adquirida por meio da observação combinada com a prática. Diz Ingold (2010Ingold, Timothy. (2010). Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, 33/1, p. 6-25.: 18): “o movimento do praticante habilidoso responde contínua e f luentemente a perturbações do ambiente percebido […]. Isto é possível porque o movimento corporal do praticante é, ao mesmo tempo, um movimento de atenção, porque ele olha, ouve e sente, mesmo quando trabalha”. Numa linguagem figurada, a educação da atenção consiste num processo de educação da sensibilidade, onde nossas percepções, intuições, qualidades, misturadas às cognições, aos sinais, captam aspectos sutis, essenciais, do mundo à nossa frente e que nos rodeia. É um processo de afinação do sistema perceptivo com o ambiente.

Num esforço de responder como as gerações legam aos seus descendentes o que aprenderam ao longo de toda uma vida, Ingold (2010Ingold, Timothy. (2010). Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, 33/1, p. 6-25.: 21) destaca:

Na passagem das gerações humanas, a contribuição de cada uma para a cognoscibilidade da seguinte não se dá pela entrega de um corpo de informação desincorporada e contexto independente, mas pela criação, através de suas atividades, de contextos ambientais dentro dos quais as sucessoras desenvolvem suas próprias habilidades incorporadas de percepção e ação. Em vez de ter suas capacidades evolutivas recheadas de estruturas que representam aspectos do mundo, os seres humanos emergem como um centro de atenção e agência cujos processos ressoam com os de seu ambiente. O conhecer, então, não reside nas relações entre estruturas no mundo e estruturas na mente, mas é imanente à vida e consciência do conhecedor, pois desabrocha dentro do campo de prática -a taskscape [tarefagem]-estabelecido através de sua presença enquanto ser-no-mundo.

Em sintonia com essa visão ecológica de Ingold, estudos como “Esboço de uma teoria geral da magia”, no qual Mauss e Hubert (Mauss, 2003Mauss, Marcel. (2003). Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify .) pensam a magia como uma “arte de fazer”, uma “ideia prática”; ou “Algumas formas primitivas de classificação”, em que Mauss e Durkheim (Mauss, 1981Mauss, Marcel. (1981). Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva.) reconhecem o quanto as categorias nativas, antes de revelarem um sistema intelectual abstrato, expressam a materialidade das afinidades sentimentais entre as coisas e os homens; e, em “Morfologia social - ensaio sobre as variações sazonais das sociedades esquimós”, Mauss e Beuchat (Mauss, 2003Mauss, Marcel. (2003). Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify .) mostram como a relação dos esquimós com o meio interfere na forma de organização social, política e religiosa dos grupos. Em outras palavras, esses estudos parecem confirmar a afinação dos sentidos, da atenção, da percepção, da sensibilidade dos aborígenes australianos, dos esquimós e do europeu medieval na aprendizagem constitutiva do sistema de educação. As técnicas do corpo mostram, cabalmente, o predomínio da educação na “arte de utilizar o corpo humano”. Para Mauss (2003Mauss, Marcel. (2003). Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify .: 405), “a criança, como o adulto, imita atos bem-sucedidos que ela viu serem efetuados por pessoas nas quais confia e que têm autoridade sobre ela”. A inscrição do social no corpo não retira da criança, do adolescente, do adulto, a capacidade de se “usar”, se “automodelar”, se “apropriar” das técnicas tradicionais. A imitação não elimina a criação9 9 Ponto esse que não pode ser aprofundado nesse momento, mas que aponta para uma frente reflexiva em sintonia com estudos de etnologia e de cultura popular em torno da performatividade do conhecimento e/ou dos saberes tradicionais; ver Almeida & Cunha (2001), Cunha (2009) e Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: Patrimônio Imaterial e Biodiversidade (REVISTA DO PATRIMONIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL: PATRIMÔNIO IMATERIAL E BIODIVERSIDADE, 2003). .

Mauss também reconheceu o quão fundamental é o corpo no campo das artes. A dificuldade em distinguir os fenômenos estéticos dos fenômenos técnicos leva-o a aproximar-se de Boas (2014Boas, Franz. (2014). Arte primitiva. Petrópolis: Vozes.), para quem a arte se define pela estrutura rítmica, regularidade da forma, qualidade técnica. A se julgar a definição de Mauss (1993)Mauss, Marcel. (1993). Manual de etnografia. Lisboa: Dom Quixote. do homem como “animal rítmico”, a relação arte e corpo torna-se orgânica. A partir dessa perspectiva, a arte, como a alma, está indissoluvelmente ligada ao corpo, e o caminho mais curto dessa indissolubilidade entre o físico e o simbólico é a cultura e a educação. Portanto, ambas passam antes pelo corpo, pelas técnicas e pelos sentidos, em suma, pela imitação prestigiosa ou pela aprendizagem da atenção, e depois pelo desenvolvimento do intelecto, como pensam inúmeros psicólogos e pedagogos.

Embora Mauss não tenha se dedicado à educação como o fez seu tio Durkheim, deixou inúmeras sugestões de temas e problemas a serem pesquisados. Assim, pensando em termos do legado de Mauss para a educação, Eric Sabourin ([2007]Sabourin, Eric. ([2007]). Educação, dádiva e reciprocidade: reflexões preliminares. Disponível em <Disponível em https://docplayer.com.br/16640092-Educacao-dadiva-e-reciprocidade-reflexoes-preliminares.html >. Acesso em 28 mar. 2022.
https://docplayer.com.br/16640092-Educac...
: 1) toma como premissa a educação como reciprocidade, ou seja, “educar é dar; é dar conhecimentos, transmitir valores, compartilhar saberes, regras… É um ato de dádiva por natureza: educar, mesmo quando remete para a sua função instrumental, caracteriza-se como um ato materialmente desinteressado, associando uma função simbólica e valores morais à função instrumental da aprendizagem”.

Nessa mesma linha de reflexão, Alexandre Freitas (2006Freitas, Alexandre. (2006). As contribuições de Marcel Mauss para uma sociologia crítica da formação humana [Artigo apresentado]. 29 Reunião Anual da ANPED. Disponível em <Disponível em http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT14-1936--Res.pdf >. Acesso em 20 mar. 2017.
http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/...
) retoma da tradição romântica alemã o conceito de bildung para pensar a educação como parte do processo de formação político-cultural do cidadão moderno, e enxerga na dádiva um mecanismo de educação vital à formação desse cidadão. Assim, combinando os pressupostos da bildung com a dádiva, a educação torna-se para Freitas um dos mais importantes instrumentos de formação das sociedades democráticas modernas, na medida em que promove a aprendizagem integrada à vida social; e a escola, até então desconectada da vida social, pode se tornar um lugar privilegiado de promoção da circulação dos bens simbólicos, valores éticos e princípios políticos democráticos. Em resumo:

A aprendizagem da (e pela) dádiva transcende o chamado “sucesso escolar” e todos os outros “desempenhos” e “competências”. Uma formação bem sucedida consistiria em aprender a construir os vínculos que permitem à “sociedade perpetuar-se como sociedade, renovar-se a aliança em cada geração” (Goldbout). Desse modo, a principal contribuição de Mauss para a educação não se reduz a uma questão metodológica. Suas análises permitem derivar uma teoria potente da formação humana capaz de libertar as abordagens educativas dos ideais abstratos da escola. O ideal republicano clássico permanece preso ao círculo estreito da “sociedade pedagogizada”, na qual se determina que aquele que sabe “doe”, de forma unilateral, o seu conhecimento. O paradigma da dádiva, entretanto, compreende que a circulação da educação como bem simbólico, mediante a lógica do dom é o que determinaria o movimento das forças propulsoras que servem de base às democracias (Freitas, 2006Freitas, Alexandre. (2006). As contribuições de Marcel Mauss para uma sociologia crítica da formação humana [Artigo apresentado]. 29 Reunião Anual da ANPED. Disponível em <Disponível em http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT14-1936--Res.pdf >. Acesso em 20 mar. 2017.
http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/...
: 11).

Não por acaso, Terrier e Fournier irão apontar (Maus, 2017Mauss, Marcel. (2017). A nação. São Paulo: Três Estrelas.) a estreita relação entre o Ensaio sobre a dádiva e A nação - obra sonhada no front e nunca concluída. Entre janeiro de 1920 a agosto de 1921, Mauss, engajado politicamente, passou a colaborar com artigos para L’Action Cooperative, e conferiu à educação atenção especial. Assim dizem os apresentadores da recém-publicada obra (A nação, de 2017): “a educação é, de fato, sua grande preocupação: ‘A questão’, afirma repetidamente, ‘está em formar quadros e, ao mesmo tempo, educar as massas’” (Mauss, 2017Mauss, Marcel. (2017). A nação. São Paulo: Três Estrelas.: 17). As relações de trocas (dar, receber e retribuir) concorrem para o progresso e a democracia nas nações modernas, contrariando os amantes da guerra, sugere Mauss na conclusão do Ensaio. E, ao imaginar as nações modernas como “seres morais” ou sociedades “elevadas moralmente”, Mauss afirma que a educação opera como mediadora na integração e conscientização da nação, com fins à construção futura das sociedades democráticas e socialistas.10 10 Mauss entende o socialismo como um processo de nacionalização no qual a sociedade exerce poder não só do ponto de vista da política, mas também no controle da produção da riqueza social (Mauss, 2017).

O SÁBIO APRENDIZ

Mauss (1993Mauss, Marcel. (1993). Manual de etnografia. Lisboa: Dom Quixote.: 78), no Manual de Etnografia, nos ensina: “É, portanto, essencial nunca deduzir a priori: observar, não concluir nada”. De fato, nesse breve artigo não se pretendeu apresentar a vida e a obra de Mauss, mas somente destacar alguns pontos que julgamos importantes na relação da antropologia com a educação e que, oportunamente, poderão ser aprofundados, indo além de uma impressionista “paisagem intelectual” em torno do antropólogo e sociólogo francês. Mauss “fez escola”, não significando isso a imposição de um “padrão de interpretação”; mas um movimento de produção intelectual cujos ecos se fazem ouvir ainda hoje, como por exemplo no Mouvement Anti-Utilitariste dans le Sciences Sociales (M.AU.S.S.).

Espécie de “obra aberta” sujeita a múltiplas interpretações, a riqueza e a fecundidade dos escritos de Maus residem no fato de sempre estimular a imaginação dos antropólogos. Como sugere Marco Antônio Gonçalves (2014Gonçalves, Marco Antônio. (2014). A reeducação do antropólogo: a pedagogia da antropologia. In: Tosta, Sandra Pereira & Rocha, Gilmar (orgs.). Diálogos sem fronteira: história, etnografia e educação em culturas ibero-americancas. Belo Horizonte: Autêntica, p. 149-164.), é por meio do trabalho de campo, dos processos de ensino e aprendizagem, das experiências partilhadas e fixadas nas etnografias dos antropólogos, cujas vida e obra são uma fonte constante de inspiração, que a pedagogia da antropologia é reforçada, na medida em que cada encontro entre antropólogos e nativos, mestres e aprendizes, educadores e alunos, possibilita abrir novos horizontes, transformando a todos à luz de um processo incessante de ensino-aprendizagem e autorreflexão.

À exemplo de Malinowski (1978Malinowski, Bronislaw. (1978). Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural.: 20), que um dia se perguntou: “Qual é a magia do etnógrafo, com a qual ele consegue evocar o verdadeiro espírito dos nativos, numa visão autêntica da vida tribal?”. No caso de Mauss, a magia parece residir em sua própria vida e obra. Coerente com sua trajetória intelectual, ele aprendia e ensinava a partir da experiência, da sua capacidade de despertar a atenção dos alunos para o concreto. Mauss tinha a habilidade de combinar com maestria a imaginação com o mundo concreto do romano, do francês médio ou do melanésio, entre outros. Mestre e aprendiz, ou melhor, “mestre-aprendiz”, que enfeitiçava sedutoramente ( lembrando que seducere significa desviar-se do caminho) seus alunos e, sem exagero, pode-se dizer até seus críticos. Mauss viveu nele mesmo o significado do educar, pois, como recomenda Ingold (2015Ingold, Timothy. (2015). O dédalo e o labirinto: caminhar, imaginar e educar a atenção. Horizontes Antropológicos, 21/44, p. 21-36.: 32), educar é caminhar no mundo em companhia da imaginação e o educador “é menos um guardião de fins do que um catalizador de começos, cuja tarefa é destravar a imaginação e lhe propiciar a liberdade de vagar sem fim ou destino”. O verdadeiro mestre então é, ele mesmo, sempre um aprendiz.11 11 O próprio Mauss (2003: 176), em “Esboço de uma teoria geral da magia”, nos lembra que mágicos, feiticeiros, bruxos, por definição, são sábios e aprendizes ao mesmo tempo, pois combinam arte, ciência e técnica. Diz ele: “Nas camadas inferiores da civilização, os mágicos são os cientistas e os cientistas são os mágicos”.

Para muitos, Mauss era uma espécie de “guru” (sábio ou guia espiritual e intelectual), de espírito livre, aberto à aprendizagem pela via do concreto. Dumont (1985Dumont, Louis. (1985). O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco.: 181) lembra que “graças a Mauss, tudo, mesmo o gesto mais insignificante, adquiria um sentido para nós”, o que ilustra não só a sua qualidade perceptiva e sensibilidade etnográfica, mas também um pouco de sua magia. Em outras palavras, a própria performance etnográfica de Mauss nos deixa ver algo de sua “magia”, à medida que ele colocava em prática o que desenvolvia na teoria:

Talvez isto ajude a explicar um pouco seu poder de sedução sobre os alunos. Mas a razão principal pela qual o “carisma” de Mauss se mostra eficaz não reside somente na personalidade extraordinária do “humanista” que “sabia tudo”, diziam seus alunos, mas, sobretudo, em decorrência da posição que ocupou no campo da antropologia. Como apontou acerca dos agentes da magia (mágicos, feiticeiros, xamãs), cuja eficácia simbólica deriva dos sistemas de crenças e das posições liminares que estes ocupam na sociedade, Mauss também parecia assumir uma posição até certo ponto liminar frente à dominante sociologia de Durkheim quanto ao amplo, aberto e ainda indefinido campo da antropologia (Rocha, 2006Rocha, Gilmar. (2006). A etnografia como categoria de pensamento na antropologia moderna. Cadernos de Campo , 15/14-15, p. 99-114.: 110).

Tomamos emprestado à Denise Paulme (1993Paulme, Denise. (1993). Prefácio da terceira edição. In: Mauss, Marcel. Manual de etnografia. Lisboa: Dom Quixote , p. 15-20.: XIV) sua conclusão ao prefácio do Manual de etnografia, quando diz de seu mestre: “os alunos de Maus não lhe devem somente a sua formação profissional”, sentença que se completa com a observação de Victor Karady (1968Karady, Victor. (1968). Présentation de l’édition. In: Mauss, Marcel. Oeuvres 1: les fonctions sociales du sacré. Paris: Les Éditions de Minuit, p. I-LIII.: LI), em apresentação a Oeuvres, pois: “Ele tinha a arte e a generosidade do grande mestre que refletia naqueles que estavam ao seu redor”. Passado mais de meio século desde sua morte, Mauss ainda continua a formar novos profissionais e, por certo, a afetar corações e mentes das novas gerações de aprendizes a antropólogo.

REFERÊNCIAS

  • Abreu, Regina. (1996). A fabricação do imortal: memória, história e estratégias de consagração no Brasil. Rio de Janeiro: Livros Lapa/Artemídia Rocco.
  • Almeida, Mauro de & Cunha, Manuela Carneiro da. (2001). Global environmental changes and traditional populations. In: Hogan, Daniel Joseph & Tolmasquim, Maurício Tiomno (eds.). Human dimensions of global environmental change: brazilian perspectives. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, p. 79-97.
  • Bakhtin, Mikhail. (1993). Formas de tempo e de cronotopo no romance. In: Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3. ed. São Paulo: Editora Unesp/Hucitec, p. 211-362.
  • Becker, Howard Saul. (1977). Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro: Zahar.
  • Besnard, Philippe. (1979). La formation de l’équipe de l’Année sociologique. Revue Française de Sociologie, 20/1, p. 7-31.
  • Boas, Franz. (2014). Arte primitiva. Petrópolis: Vozes.
  • Bourdieu, Pierre. (1983). O campo científico. In: Ortiz, Renato (org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, p. 122-155.
  • Cavignac, Julie A. (2011). O Americanismo visto do Musée de l’Homme: etnografia e internacionalismo científico: o exemplo da Amazônia. Revista Anthropológicas, 15/22, p. 119-140.
  • Clifford, James. (1997). Traveling cultures. In: Clifford, James. Routes: travel and translation in the late twentieth century. Cambridge: Harvard University Press, p. 17-46.
  • Clifford, James. (1998). A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.
  • Condominas, Georges. (1972). Marcel Mauss et l’homme de terrain. Revue L’Arc: Marcel Mauss, 48, p. 3-6.
  • Cunha, Manuela Carneiro da. (2009). Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify.
  • Dal Poz, João. (2007). Manual de etnografia. Cadernos de Campo, 16/16, p. 275-279.
  • Dias, Nélia Susana. (1994). Looking, at objects: memory, knowledge in nineteenth-century ethnographic displays. In: Robertson, George et al. Travellers’ tales: narratives of home and displacement. New York: Routledge, p. 164-176.
  • Dumont, Louis. (1985). O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco.
  • Durkheim, Émile. (1972). Educação e sociologia. 8. ed. São Paulo: Melhoramentos.
  • Fournier, Marcel. (1993). Marcel Mauss ou a dádiva de si. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 8/21, p. 104-112.
  • Fournier, Marcel. (2003). Para reescrever a biografia de Marcel Mauss…Revista Brasileira de Ciências Sociais , 18/52, p. 5-13.
  • Fournier, Marcel. (2006). Marcel Mauss: a biography. Princeton: Princeton University Press.
  • Freitas, Alexandre. (2006). As contribuições de Marcel Mauss para uma sociologia crítica da formação humana [Artigo apresentado]. 29 Reunião Anual da ANPED. Disponível em <Disponível em http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT14-1936--Res.pdf >. Acesso em 20 mar. 2017.
    » http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT14-1936--Res.pdf
  • Geertz, Clifford. (1997). El antropólogo como autor. Barcelona: Paidós.
  • Goldman, Marcio. (2006). Como funciona a democracia: uma teoria etnográfica da política. Rio de Janeiro: 7 Letras.
  • Gonçalves, José Reginaldo Santos. (2007). Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro: Garamond.
  • Gonçalves, Marco Antônio. (2014). A reeducação do antropólogo: a pedagogia da antropologia. In: Tosta, Sandra Pereira & Rocha, Gilmar (orgs.). Diálogos sem fronteira: história, etnografia e educação em culturas ibero-americancas. Belo Horizonte: Autêntica, p. 149-164.
  • Grossi, Miriam Pillar et al. (2006). Antropologia francesa no século XX. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana.
  • Grupioni, Luís Donisete Benzi. (1988). Coleções e expedições vigiadas: os etnólogos no Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil. São Paulo: Hucitec/Anpocs.
  • Haudricourt, André. (1972). Souvenirs personnels. Revue L’Arc: Marcel Mauss , 48, p. 89.
  • Ingold, Timothy. (2010). Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, 33/1, p. 6-25.
  • Ingold, Timothy. (2015). O dédalo e o labirinto: caminhar, imaginar e educar a atenção. Horizontes Antropológicos, 21/44, p. 21-36.
  • Karady, Victor. (1968). Présentation de l’édition. In: Mauss, Marcel. Oeuvres 1: les fonctions sociales du sacré. Paris: Les Éditions de Minuit, p. I-LIII.
  • Lave, Jean. (2015). Aprendizagem como/na prática. Horizontes Antropológicos , 21/44, p. 37-47.
  • L’Estoile, Benoît de. (2003). “O arquivo total da humanidade”: utopia enciclopédica e divisão do trabalho na etnologia francesa. Horizontes Antropológicos , 9/20, p. 265-302.
  • Lévi-Strauss, Claude. (2003). Introdução à obra de Marcel Mauss. In: Mauss, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify , p. 11-46.
  • Lévy-Bruhl, Henri. (2003). In memoriam. In: Mauss, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify , p. 527-529.
  • Malinowski, Bronislaw. (1978). Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural.
  • Mauss, Marcel. (1969). L’Ethnographie en France et à l’étranger. In: Oeuvres 3: Cohésion sociale et division de la sociologie. Karady, Victor (ed.). Paris: Les Éditions de Minuit , p. 395-434.
  • Mauss, Marcel. (1979a). L’œuvre de Maus par lui-memê. Revue Française de Sociologie , 20/1, p. 209-220.
  • Mauss, Marcel. (1979b). Ofício de etnógrafo, método sociológico. In: Oliveira, Roberto Cardoso de (org.). Mauss: antropologia. São Paulo: Ática , p. 53-59.
  • Mauss, Marcel. (1981). Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva.
  • Mauss, Marcel. (1993). Manual de etnografia. Lisboa: Dom Quixote.
  • Mauss, Marcel. (2003). Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify .
  • Mauss, Marcel. (2017). A nação. São Paulo: Três Estrelas.
  • MAUSS: segundo suas alunas. (2002). Direção de Carmen Rial & Miriam Grossi. Florianópolis: Núcleo de Antropologia Audiovisual e Estudos da Imagem/Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina. 1 vídeo (46 min). Disponível em <Disponível em https://www.youtube.com/results?search_query=mauss+segundo+suas+alunas >. Acesso em 28 mar. 2022.
    » https://www.youtube.com/results?search_query=mauss+segundo+suas+alunas
  • Oliveira, Roberto Cardoso de. (1979). Introdução a uma leitura de Mauss. In Mauss: antropologia. Oliveira, Roberto Cardoso de (org.). São Paulo: Ática , p. 7-50.
  • Paulme, Denise. (1993). Prefácio da terceira edição. In: Mauss, Marcel. Manual de etnografia. Lisboa: Dom Quixote , p. 15-20.
  • Paulme, Denise. (1999). Nossa “Chère Denise”: entrevista com Denise. [Entrevista cedida a] Miriam Pillar Grossi. Ilha: Revista de Antropologia, 1/0, p. 97-118.
  • Pomian, Krzyzstof. (1984). Colecção. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p. 51-86 (vol. 1: Memória-História).
  • REVISTA DO PATRIMONIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL: PATRIMÔNIO IMATERIAL E BIODIVERSIDADE. (2003). Brasília, DF: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 32. Disponível em <Disponível em http://portal.iphan. gov.br/uploads/publicacao/rev_pat_n32.pdf >. Acesso em 29 mar. 2022.
    » http://portal.iphan. gov.br/uploads/publicacao/rev_pat_n32.pdf
  • Rocha, Gilmar. (2006). A etnografia como categoria de pensamento na antropologia moderna. Cadernos de Campo , 15/14-15, p. 99-114.
  • Rocha, Gilmar. (2011). Mauss & a educação. Belo Horizonte: Autêntica .
  • Sabourin, Eric. ([2007]). Educação, dádiva e reciprocidade: reflexões preliminares. Disponível em <Disponível em https://docplayer.com.br/16640092-Educacao-dadiva-e-reciprocidade-reflexoes-preliminares.html >. Acesso em 28 mar. 2022.
    » https://docplayer.com.br/16640092-Educacao-dadiva-e-reciprocidade-reflexoes-preliminares.html
  • Stocking Junior, George W. (1989). The ethnographic sensibility of the 1920s and the dualism of the anthropological tradition. In: Romantic motives: essays on anthropological sensibility. Madison, WI: University of Wisconsin Press, p. 208-276.
  • Wagner, Roy. (2010). A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify .
  • Waizbort, Leopoldo. (2000). A cátedra, os gestos, e a memória dos que viram e ouviram. In: As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Editora 34, p. 571-588.

NOTAS

  • 1
    Para além da biografia de Mauss (Fournier, 2006Fournier, Marcel. (2006). Marcel Mauss: a biography. Princeton: Princeton University Press.), em português o leitor encontra algumas leituras relativas à sua vida e/ou obra em: Dumont (1985)Dumont, Louis. (1985). O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco.; Fournier (1993Fournier, Marcel. (1993). Marcel Mauss ou a dádiva de si. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 8/21, p. 104-112., 2003Fournier, Marcel. (2003). Para reescrever a biografia de Marcel Mauss…Revista Brasileira de Ciências Sociais , 18/52, p. 5-13.); Oliveira (1979)Oliveira, Roberto Cardoso de. (1979). Introdução a uma leitura de Mauss. In Mauss: antropologia. Oliveira, Roberto Cardoso de (org.). São Paulo: Ática , p. 7-50.; Lévi-Strauss (2003)Lévi-Strauss, Claude. (2003). Introdução à obra de Marcel Mauss. In: Mauss, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify , p. 11-46.; Grossi et al. (2006)Grossi, Miriam Pillar et al. (2006). Antropologia francesa no século XX. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana.; Rocha (2011)Rocha, Gilmar. (2011). Mauss & a educação. Belo Horizonte: Autêntica ..
  • 2
    Como nos sugere o historiador polonês em seu verbete sobre as coleções: “Não são só os objectos que se dividem em úteis e significantes, em coisas e semióforos, sendo os segundos considerados superiores aos primeiros enquanto têm ligações com o invisível que, como se viu, é superior ao visível. O mesmo se pode dizer das actividades humanas […] os próprios homens se encontram repartidos numa ou em mais hierarquias. No topo destas encontra-se sempre um ou mais homens-semióforos, que são os representantes do invisível: dos deuses ou de um deus, dos antepassados, da sociedade vista como um todo etc.” (Pomian, 1984Pomian, Krzyzstof. (1984). Colecção. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p. 51-86 (vol. 1: Memória-História).: 74). Muito embora a ideia de “homem-semióforo” possa sugerir um inapropriado sentido de consagração, à exemplo da análise de Abreu (1996)Abreu, Regina. (1996). A fabricação do imortal: memória, história e estratégias de consagração no Brasil. Rio de Janeiro: Livros Lapa/Artemídia Rocco. sobre o aristocrata Miguel Calmon, interessa-nos aqui dar destaque não ao indivíduo per se, mas às suas ações simbólicas.
  • 3
    A noção de “campo” intelectual e/ou científico permeia nossa análise, embora não seja evocado a todo momento o nome de Bourdieu (1983)Bourdieu, Pierre. (1983). O campo científico. In: Ortiz, Renato (org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, p. 122-155. com fins a “autenticar” sua inscrição no texto, nem os termos que dão sustentação à abordagem, como capital, habitus, distinção, autoridade etc. Reforçando esse argumento, a análise de Besnard (1979)Besnard, Philippe. (1979). La formation de l’équipe de l’Année sociologique. Revue Française de Sociologie, 20/1, p. 7-31. nos mostra a importância de Mauss na formação dos Année Sociologique.
  • 4
    No entanto, Claude Lévi-Strauss (2003Lévi-Strauss, Claude. (2003). Introdução à obra de Marcel Mauss. In: Mauss, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify , p. 11-46.: 33) evoca a imagem bíblica de Moisés para falar de Mauss como alguém que conduziu “seu povo até uma terra prometida da qual jamais contemplaria seu esplendor”.
  • 5
    A experiência pedagógica de Mauss se parece muito com a de outro grande pensador: Georg Simmel (1858-1918). Este também produziu inúmeros ensaios sobre os mais variados temas, e exerceu um enorme efeito persuasivo sobre seus alunos, como se pode ver em Waizbort (2000)Waizbort, Leopoldo. (2000). A cátedra, os gestos, e a memória dos que viram e ouviram. In: As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Editora 34, p. 571-588..
  • 6
    Grupioni (1988)Grupioni, Luís Donisete Benzi. (1988). Coleções e expedições vigiadas: os etnólogos no Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil. São Paulo: Hucitec/Anpocs. apresenta um amplo e denso quadro de relações entre museus, antropólogos, colecionadores etc. nas Américas. Por sua vez, Grossi et al. (2006)Grossi, Miriam Pillar et al. (2006). Antropologia francesa no século XX. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana. destacam os conflitos institucionais e as antipatias pessoais que muitas vezes surgiam na constituição dessas redes sociais, pois nem tudo era harmonia.
  • 7
    Bakhtin (1993Bakhtin, Mikhail. (1993). Formas de tempo e de cronotopo no romance. In: Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3. ed. São Paulo: Editora Unesp/Hucitec, p. 211-362.: 356) entende o cronotopo “como materialização privilegiada do tempo no espaço” e, como tal, fixado em coisas como estradas, castelos, salas-de-visita e, por extensão, os museus, pois representam exatamente a materialização das memórias, tradições, culturas, etnias, naturezas, no espaço.
  • 8
    Em Educação e sociologia, Durkheim (1972)Durkheim, Émile. (1972). Educação e sociologia. 8. ed. São Paulo: Melhoramentos. apresenta uma concepção cognitivista de educação na qual defende o caráter geracional e representacional do conhecimento como processo transmitido de fora para dentro.
  • 9
    Ponto esse que não pode ser aprofundado nesse momento, mas que aponta para uma frente reflexiva em sintonia com estudos de etnologia e de cultura popular em torno da performatividade do conhecimento e/ou dos saberes tradicionais; ver Almeida & Cunha (2001)Almeida, Mauro de & Cunha, Manuela Carneiro da. (2001). Global environmental changes and traditional populations. In: Hogan, Daniel Joseph & Tolmasquim, Maurício Tiomno (eds.). Human dimensions of global environmental change: brazilian perspectives. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, p. 79-97., Cunha (2009)Cunha, Manuela Carneiro da. (2009). Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify. e Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: Patrimônio Imaterial e Biodiversidade (REVISTA DO PATRIMONIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL: PATRIMÔNIO IMATERIAL E BIODIVERSIDADE, 2003REVISTA DO PATRIMONIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL: PATRIMÔNIO IMATERIAL E BIODIVERSIDADE. (2003). Brasília, DF: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 32. Disponível em <Disponível em http://portal.iphan. gov.br/uploads/publicacao/rev_pat_n32.pdf >. Acesso em 29 mar. 2022.
    http://portal.iphan. gov.br/uploads/publ...
    ).
  • 10
    Mauss entende o socialismo como um processo de nacionalização no qual a sociedade exerce poder não só do ponto de vista da política, mas também no controle da produção da riqueza social (Mauss, 2017Mauss, Marcel. (2017). A nação. São Paulo: Três Estrelas.).
  • 11
    O próprio Mauss (2003Mauss, Marcel. (2003). Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify .: 176), em “Esboço de uma teoria geral da magia”, nos lembra que mágicos, feiticeiros, bruxos, por definição, são sábios e aprendizes ao mesmo tempo, pois combinam arte, ciência e técnica. Diz ele: “Nas camadas inferiores da civilização, os mágicos são os cientistas e os cientistas são os mágicos”.
  • *
    Dedicado a Carlos Rodrigues Brandão, Neusa Gusmão e Tânia Dauster, “Mestres” pioneiros na antropologia da educação no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2020
  • Revisado
    09 Out 2020
  • Aceito
    22 Out 2020
Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo do São Francisco de Paula, 1, sala 420, cep: 20051-070 - 2224-8965 ramal 215 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistappgsa@gmail.com