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O TEMPO E O MODO: TEMAS DE DIALÉTICA MARXISTA

TIME AND MODE: THEMES OF MARXIST DIALECTIC

Resumos

Tempo e modo são referências que impregnam toda a obra de Marx, em especial quando nela se manifesta de maneira mais explícita a dimensão dialética do seu pensamento. Trazer à tona esse núcleo analítico é tarefa urgente e importante para renovar e bem utilizar esse "poder do pensamento negativo" (Marcuse). Isso se aplica especialmente à preocupação central do presente artigo, que consiste em reunir elementos que possam contribuir na construção de uma teoria da experiência social adequada às novas formas que vai assumindo o mundo ao qual Marx dedicou seu trabalho, o mundo do capital. Para tanto apresenta-se uma concepção não linear da dimensão temporal, com o objetivo de lhe conferir a devida centralidade nos processos sociais.

Palavras-chave:
Dialética; Karl Marx; Tempo social; Modo de produção; Teoria social


Time and mode are references that impregnate the whole of Marx's work, especially when the dialectical dimension of his thought is explicitly present. Bringing to the surface this analytical nucleus is an urgent and important task if one is to renew and make the best use of this "power of negative thinking" (Marcuse). This applies especially to the central aim of the present paper, which consists in looking for elements apt to contribute to the building of a theory of social experience suitable for the new forms assumed by the world to which Marx dedicated his work, the capitalist world. With this in mind a no linear conception of the temporal dimension is presented, with the aim of giving to time its due centrality in the social processes.

Keywords:
Dialectics; Karl Marx; Social time; Mode of production; Social theory


Pôr em movimento as relações petrificadas. Essa exigência do jovem Marx em 1843 resume todo o programa teórico e prático da dialética, tal como ele a praticou ao longo da sua vida. Tal é o lema básico das presentes anotações. Questionam elas o modo de conhecimento e de orientação prática envolvido nessa exigência. É verdade que essa formulação preliminar encerra problemas e armadilhas de toda sorte. Não é segredo que esse modo de pensar foi ao mesmo tempo fonte de inspiração e de embaraço para Marx. Tanto que em mais de uma ocasião ele não mediu esforços para "esconder" essa linha do seu pensamento (Reichelt, 2011Reichelt, Helmut. (2011). Que método Marx ocultou? Crítica Marxista, 33, p. 67-82.).1 1 Reichelt, junto com Hans-Georg Backhaus, é o iniciador na Alemanha da "nova leitura" de Marx, a partir de dois trabalhos seminais: o livro de Reichelt de 1970, agora disponível pela editora da Unicamp, e o artigo de Backhaus (1974) sobre a teoria do valor. Não é o caso, aqui, de entrar no debate sobre a presença de Hegel na obra de Marx, tampouco de seus outros "namoros" com temas novecentistas como o evolucionismo, nem sobre a presença de Engels na sua obra. Cabe tão-somente lembrar como em Marx convivem, de modo inseparável e tenso, duas almas (para evocar belo título de livro de Gildo Marçal Brandão sobre o partido comunista brasileiro). Ao Marx refinado dialético responde o Marx duro militante, e nem sempre as duas faces convivem pacificamente. Dizer isso já envolve restrição ao alcance daquilo que aqui se propõe. O Marx preocupado com a intervenção prática no mundo fica aqui implícito sem ser diretamente evocado, reservando-se maior cuidado à sua elaboração dos fundamentos teóricos para tanto. Isso é feito sempre de olho no tema central, anunciado no título. Por essa razão não se encontra aqui esforço sistemático de análise metodológica ou exercício filológico de decifração de texto com direta referência a Marx ou ao marxismo, nem debate meticuloso com intérpretes. Esta última restrição aplica-se mesmo aos intérpretes mais importantes, até àqueles brasileiros que há décadas vêm dando contribuição de relevo na área. Ao mesmo tempo, fala-se em marxismo, em teoria crítica e na questão do tempo, entretanto mal se reserva uma palavra a Walter Benjamin ou a Ernst Bloch, nem, no Brasil, para Paulo Arantes. O uso da bibliografia limita-se a algumas referências indispensáveis à argumentação em cada passo. Trata-se de tentativa (nesse sentido, ensaio) de caráter estritamente exploratório. O tema inspirador é outro. Busca-se reunir elementos, e não mais do que isso, que permitam sustentar estudo mais rigoroso da (fundamental, no meu entender) contribuição possível da dialética de inspiração marxista em área que também reputo fundamental e urgente. O objetivo mais fundo consiste em contribuir na construção de bases para o estudo adequado ao nosso tempo dos modos de experiência social. É essa última referência que realmente me move. Nesse ponto defendo posição clara no contraste entre dois grandes mestres. Entre Lukács, que aposta tudo na consciência e na organização da classe, e Adorno, para quem a preocupação fundamental consiste na crítica das formas de experiência dadas e na busca de novos conteúdos para elas, fico com o segundo como mais relevante para as condições contemporâneas do mundo.

No tocante a Marx, a atenção concentra-se em dois grandes aspectos da sua obra, as referências ao modo e ao tempo, que eu gostaria de ver associadas de maneira semelhante a modo de produção, como modo de tempo. Faz parte do argumento central afirmar que essas duas categorias impregnam todo o seu modo de pensar. A começar, claro, pela fórmula que liquida de antemão todo economicismo, quando Marx não fala de produção sem mais, e, sim, de modo de produção. Por isso mesmo, essas ideias não são tematizadas por ele e nem sempre estão à vista, formam o "éter" (para usar expressão sua) no qual tudo se move.

A posição a ser defendida aqui é que o termo tempo se refere a algo muito mais importante e muito mais fundo do que a mera duração ou sequência dos eventos, assim como modo não se reduz a referência caracterizadora (algo que poderia justificar a observação de Max Weber, de que Marx operaria com tipos ideais). Modo é condição material de possibilidade para falar daquilo que (literalmente) modifica, como se dá na expressão "modo de produção", sem a qual o termo "produção" fica entregue ao isolamento e à abstração. Constitui uma espécie de "transcendental material" - e a ressonância kantiana, por imprecisa que seja, não é gratuita. A dialética marxista não deve só a Hegel como também a Kant, como já sustentou entre nós Wolfgang Leo Maar, junto com seu mestre alemão, Oskar Negt. Por detrás disso tudo está a ideia de que a dialética é, no sentido mais rigoroso do termo, uma teoria da informação. Uma teoria da imposição de forma à matéria e da peculiar dinâmica da reiterada conversão da forma em matéria para o engendramento de nova forma. Dinâmica essa que, mais do que qualquer outra coisa, justifica falar em materialismo com referência a esse modo de pensar, desde que se entenda matéria não como dado bruto, mas como dimensão substantiva, condição real e objetiva para a constituição de formas efetivas, aptas a se encadearem na reiterada referência a ela. Um peculiar materialismo esse, em que, para se impor como lhe cabe, a materialidade dos processos sociais se apresenta de maneira cada vez mais imaterial, etérea, como que fantasmagórica.

FORMA E RESISTÊNCIA

A questão de fundo é a do modo de imposição de forma. Ele envolve algo fundamental, que é a resistência a essa imposição, junto com os limites que opõem uma à outra forma e matéria (que no processo nunca se completam plenamente, sempre se encontram intimamente entrelaçadas em fases de formação e de objetivação, permutando a condição de constituída e constituinte). Resistência mediante a qual a oposição entre ambas se resolve em seguidas metamorfoses, nessa peculiar espiral do movimento dialético, sempre com a memória da relação original, do momento determinante do processo todo, sem jamais perder-se nele. Sustento aqui que o fio que percorre toda essa dinâmica e entrelaça seus momentos componentes concerne à natureza e ao papel da dimensão temporal.

Comecemos por um exemplo dos problemas a enfrentar, numa formulação de Marx ao iniciar o tratamento do processo de trabalho no primeiro volume do Capital. "Durante o processo de trabalho este se converte constantemente da forma da inquietação naquela do ser, da forma do movimento naquela da condição objetiva", escreve ele (Marx, 1957Marx, Karl. (1957). Das Kapital. Kritik der Politischen Ökonomie. Berlim: Dietz Verlag. Livro 1.: 197). Deixando-se de lado as ressonâncias da inquietação como negatividade solta e do ser como determinação inicial em busca de desenvolvimento, que fazem a delícia dos adeptos da dialética, essa passagem permite vislumbrar nossas questões centrais. De início o trabalho é pura inquietude, energia pulsante. É ao longo do processo de intervenção intencional nas coisas que ele vem a se ver propriamente como tal. Passa da forma inquieta, do mero movimento, para a forma descansada da objetivação, da condição que lhe permite gerar efeito próprio, determinado. E esse efeito é nova forma, que, longe de ser secretada sem mais pela matéria, nela impõe seu timbre e dela destaca o produto como produto. E o destaca para introduzi-lo num processo, numa espécie de reviravolta do seu próprio andamento. Pois a energia da pura mobilidade encontra seu ponto de repouso no preciso momento em que converte a matéria natural inerte destacada (abstraída) do seu meio, literalmente elaborada, em algo novo: em parcela movente, já agora envolvida num desenvolvimento não mais natural, mas social. (Enquanto isso, o "descanso" do trabalho objetivado suscita o efeito ideológico básico da ocultação da condição do produzido sob a aparência de original.)

Nessa espécie de transmissão de mobilidade (não mais como mera agitação, inquietação, mas como tempo social, lapso dotado de sentido) em que ambos os termos se transfiguram encontra-se momento importante da relação dialética. E esse resultado do processo, por ser social e, por conseguinte, encerrar significado desde o primeiro alento, exibe traço que se revelará fundamental. É que o trabalho, como adverte Marx, conserva-se no resultado, não se perde, demora-se nele. E disso resulta ponto fundamental para o nosso tema. Não é o trabalho sem mais que se conserva no resultado, na forma de produto. É a própria inquietação matriz, é o movimento mesmo que se insinua de algum modo na coisa produzida. E não é sem mais que se impõe pela forma, e nela se conserva. Pois, como acentua a presente linha de argumentação, há uma resistência envolvida nesse processo, como de resto em qualquer processo dialético. E essa resistência é móvel, não cessa de reproduzir-se em cada momento percorrido, sempre sob novas formas. A tensão inerente a esse movimento é bem real, os andamentos e deslocamentos não se fazem sem esforço e nunca são lineares. A referência marxista ao trabalho vai muito fundo.

Por outro lado, a ideia mesma de produto (como a palavra produção já indica, ao aludir a uma condução para adiante) permite introduzir o outro grande tema, o do tempo. O resultado de trabalho já posto como integrante da vida social, na condição de objeto diretamente fungível no uso ou disponível para troca que resulta da atividade direcionada, já assinala como aquilo que vem a se apresentar como produto é unidade tensa, vibrante. Simultaneamente ele se volta para trás (o momento passado da produção) e para frente (o momento futuro da realização, imediatamente no uso ou diferido na troca). Há nisso um movimento, em configurações que em cada caso requerem decifração. Isso já permite antecipar outro ponto central no meu argumento: o de que o tempo não comparece na exposição dialética como mera medida de duração, mas se insinua no mais íntimo das coisas e das suas relações, que configuram a vida social. Ele as anima, confere-lhes vibração própria e inconfundível, ressoa de múltiplas maneiras no espaço da história da qual é o cerne. Isso se entendermos, como aqui se faz, que história é tempo socialmente organizado em múltiplas formas.

Modo de produção concerne à condição prévia que deve ser satisfeita para que sequer se possa falar de produção de maneira não formal ou abstrata. Com conteúdo histórico, portanto, desde que se entenda história como foi proposto acima, como movimento cuja matéria é o tempo e cujos agentes são pessoas associadas, e não como relato bem ordenado de sequências de eventos ou de configurações. Por isso mesmo, modo não é categoria originária na exposição do objeto de estudo de Marx, não há como iniciar por ele. Mas também não há como dispensá-lo, ainda quando inicialmente implícito, ou em um ou outro ponto até explícito, como quando Marx fala de "modo de trabalho" (Marx, 1957Marx, Karl. (1957). Das Kapital. Kritik der Politischen Ökonomie. Berlim: Dietz Verlag. Livro 1.: 48), em contexto no qual o termo alude mais propriamente ao agenciamento de material, meios de trabalho e trabalho em processo produtivo. Faz isso para acentuar diferenças qualitativas em diversos processos de trabalho. Destarte já nos adverte de que modo é, sim, modal, tem a ver com qualidade da própria coisa, se não se quiser ficar preso àquele dado da aparência imediata do qual se trata de partir quando se defronta o capitalismo, a mercadoria sem mais. Pois cumpre demonstrar desde logo que não há mercadoria, nem objeto algum no território demarcado pelo capital, que exista sem mais, como dado nu. É dessa circunstância elementar que o termo modo adverte sem trégua. Ainda mais quando não é a produção sem mais, nem o trabalho puro e simples, mas a forma específica de constituição da sociedade moldada pela prevalência do capital que cabe explicar.

DO RESULTADO AO PRODUTO

Originário (na medida em que se possa usar esse termo) é o trabalho, que, à semelhança do incesto lévi-straussiano instalado na confluência de natureza e cultura e estabelecendo a distinção entre ambas, está na exata passagem entre a natureza e a organização e reprodução da existência social. Importa o modo de exercício da capacidade de trabalho humano (que, como tal, é somente isso, capacidade difusa, sem caráter, mera energia) nas condições históricas que interessam. Adotando-se a metáfora "orgânica", ou "sistêmica", de que se vale Marx quando fala, por exemplo, de "totalidade orgânica", o trabalho apresenta-se como "célula" básica do processo todo (mas o termo pode ter outra denotação, temática em vez de orgânica, com o que se aproximaria da linguagem musical, que parece especialmente adequada nesse campo e por isso mereceria especial atenção). Em consequência, para realizar-se como tal nos termos que importam, que são sociais, o trabalho depende do exercício de potencial próprio a ele e ativado naquele específico contexto. Trata-se de exercício com vista a algo mais do que mero resultado, argila que se tornou vaso. Consiste em enveredar-se pelo caminho sem volta que leva do resultado pontual a algo que vai além, produto. O produto é, socialmente, mais do que desfecho pontual de atividade direcionada. E o termo "mais" tem significado sério. Indica que ele vale, permite avaliação para além da mera utilidade. Ademais, enseja nova instância da vida social, aquela que confere qualidade a produtos, permitindo a comparação e o intercâmbio de objetos com notas sensíveis diferentes: o valor econômico, essa inovação histórica desconcertante, que no mesmo passo diferencia quantitativamente e equaliza qualitativamente, abrindo caminho para a incorporação desses traços contrastantes na mercadoria. Chega-se assim a movimento fundamental em processos dialéticos, de desdobramento do objeto em termos polares, que definem modalidades dinâmicas de inserção no processo maior. Assim, o trabalho ganha toda sua densidade ao desdobrar-se em concreto e abstrato, e o valor se põe como tal ao desdobrar-se em uso e troca. É de se suspeitar que nexos temporais tenham algo a ver com isso.

Quanto à produção (tomada aqui como trabalho socialmente organizado que gera valor), na sua condição de portador de modo (que é sempre social), ela vai além do trabalho organizado. Ao gerar valor ela gera a instância que no mesmo passo constitui o trabalho como trabalho (como socialmente relevante) e valida o produto como tal. Mas o alcance da referência à produção vai mais além. Foi dito acima que nela se encerra a outra dimensão fundamental que importa enfatizar aqui. Trata-se da dimensão temporal, que desde logo, como vimos, está alojada no próprio termo, quando alude ao agir prospectivo, antecipação do futuro (como o atento arquiteto de quem fala Marx, em contraste com a diligente abelha). O trabalhador teceu, aquietou-se, encerrou sua parte. O problema é que, nesse passo inicial, tudo se esgota no resultado, tecido pronto para o uso. Nas palavras de grande beleza plástica de Marx (ele teve pouca oportunidade para exercer isso), ainda ao falar do processo de trabalho que se esgota no valor de uso:

No processo de trabalho efetua-se, então, na atividade do ser humano mediante o instrumento de trabalho uma modificação de antemão intencionada no objeto de trabalho. O processo extingue-se no produto. Seu produto é um valor de uso, uma substância natural adequada a necessidades humanas mediante mudança de forma. O trabalho combinou-se com seu objeto. O trabalho se objetiva, e o objeto é trabalhado. O que aparecia do lado do trabalhador como inquietação aparece agora como propriedade descansada, na forma do ser, do lado do produto. Ele teceu, e o produto é um tecido (Marx, 1957Marx, Karl. (1957). Das Kapital. Kritik der Politischen Ökonomie. Berlim: Dietz Verlag. Livro 1.: 189).

Antes desse desenlace (na realidade, prenúncio de novo enlace, já de outra índole) não há impulso intrínseco ao processo que leve o trabalhador a ir além do resultado pontual, no qual seu esforço foi absorvido como nova forma do objeto, do fio ao tecido. Falta a passagem para o momento em que o resultado possa aparecer como produto, como algo que não se esgota nele como mera coisa fungível. (Por isso a ousadia de, contra Marx, distinguir entre produto e resultado.) Em suma, o tecido, que é forma trabalhada dos fios, tem que sair de si e por sua vez ganhar nova forma, a de algo que não se esgota em si mesmo, mas vale para outro. Na outra ponta não se encontra o simples usuário inerte, mas o parceiro possível que só ele, embora anônimo, irá consumir (negar o produto, criar um vazio e ser preenchido por outros) e assim dar novo impulso ao processo.

MEDIDA E LIMITE

Estamos diante do produto, enfim, mas já validado como mercadoria pelo valor, se admitirmos, com Helmut Reichelt (2010)Reichelt, Helmut. (2010). Zur Konstitution ökonomischer Gegenständlichkeit: Wert, Geld und Katpital unter Geltungstheoretischen Aspekt. In: Bonefeld, Werner & Heinrich, Michael (orgs.). Kapital und Kritik. Nach der neuen Marx-Lektüre. Hamburgo: VSA Verlag., que o valor é mais da ordem da vigência e da validação do que da medida e do atributo da coisa. Aqui entramos no momento da troca, da comparação, da equivalência, da medida. No caso, o momento do valor de troca, que, já no nome, assinala sua dimensão social. De maneira paradoxal, porém. Pois a troca, ao se desenvolver e se multiplicar, afasta um do outro seus agentes, oculta sua face social, numa espécie de socialização torta, anônima, que alcança o seu ápice quando o afastamento, a abstração do processo encontra seu suporte no equivalente universal, dinheiro. Valor que, nos seus desdobramentos, vai caracterizar a dinâmica do processo capitalista, precisamente ao introduzir o dado novo, da medida. E essa se apresenta desde logo numa relação tensa. Num polo, a carência de medida no trabalho marcado pela mera atenção ao resultado imediato e, no outro (concebendo-se esses polos como mutuamente imbricados numa dinâmica tensa de aproximação e afastamento), a atenção ao produto, à troca, ao valor que se expande refugando o limite e aponta para o excesso e a desmedida, marca do processo regido pelo capital, e também da sua crise, como demonstra Grespan (2008)Grespan, Jorge. (2008). A desmedida do capital. Cadernos de Ética e Filosofia Política, p. 7-16.. No percurso entre ambos os polos, a redução do tempo a mera escala de medida da fruição do trabalho alheio.

A presença da medida como condição da equivalência na troca suscita a exigência do limite, enquanto exacerba a busca da vantagem, o interesse como categoria mestra no incentivo à utilização eficaz dos recursos, em especial das assimetrias de poder e controle. Interesse, ou seja, interposição da utilidade. E que não se fale em interesse comum, talvez de classe, pois isso só pode significar paralelismo, múltiplos olhares voltados para o mesmo ponto. A troca aproxima (pela equalização) e no mesmo passo separa (pelas vantagens comparativas), e o valor percorre e unifica proximidade e separação. O limite, nas condições capitalistas de força de trabalho como mercadoria, não pode ser externo ao processo de produção e circulação, tem que estar no seu âmago. Cabe-lhe estar em relação íntima com a própria medida responsável pela equivalência nos atos de troca. E esta, como Marx tanto se empenhou em demonstrar, não pode apresentar-se somente no momento da circulação, já deve trazer consigo sua escala desde a produção. Sua figura específica é a do tempo de trabalho socialmente necessário para a reprodução do seu agente, o trabalhador. Cabe lembrar, a propósito, que não é simplesmente o necessário que está em causa, mas o socialmente necessário, aquilo que não se resume em obediência a algo como uma média socialmente estipulada. Trata-se da reprodução do trabalhador como tal e não mais, não como alguém capaz de eximir-se da venda da sua peculiar mercadoria. Há, portanto, limites à magnitude do salário que decorrem de exigências do processo todo, e não do mero interesse do comprador, e é isso que lhe confere caráter propriamente capitalista. Isso não afeta a relação de exploração (no sentido de vantagem regularmente assimétrica), somente lhe confere caráter de necessidade para a reprodução, não apenas de uma parcela como do sistema todo. Tampouco afeta a circunstância decisiva de que o socialmente necessário, aqui, corresponde ao socialmente imposto, a uma relação objetiva. É também nesse sentido, creio, que se pode ler a observação de Ruy Fausto, feita em outro contexto, de que "o trabalho socialmente necessário corresponde ao tempo que se impõe socialmente determinando o valor - isto é, em primeira instância, os preços. [...] Há um certo tempo social que aparece de maneira mais ou menos modificada nos preços das mercadorias" (Fausto, 1983Fausto, Ruy. (1983). Abstração real e contradição: sobre o trabalho abstrato e o valor. In: Marx: lógica e política. Tomo I. São Paulo: Brasiliense , p. 89-138. [Reeditado em 2015 pela Editora Vozes com o título Sentido da dialética (Marx: lógica e política). Tomo I].: 126, nota 14).

A ORDEM DO TEMPO

Essa ideia de um tempo que é social ao se impor na expressão quantitativa do valor das mercadorias, ao lhes impor o timbre de coisas permutáveis, é das mais importantes. Aqui o tempo não aparece como mera duração, mas como dimensão que impõe limite às relações constitutivas do processo maior, oferece-lhes régua e compasso para traçarem o campo no qual as trocas são possíveis. Isso permite antecipar ponto fundamental, que mereceria estudo mais demorado. Tal como é entendido aqui, o tempo não é ele próprio duração, sequência ou algo do gênero. É, mais propriamente, modo temporal, que rege múltiplas modalidades de temporalidade ao unificá-las em regimes temporais. Estes, por sua vez, permitem definir sequências, durações, intensidades. A relação do tempo com os encadeamentos de eventos é da mesma ordem da relação do valor com os objetos prenhes de trabalho. No seu caso, consiste em conferir a qualidade de tempo à peculiar vibração interna daqueles produtos. Ou seja, trata-se de fazer valer a ordem do tempo, como aquela que de mil maneiras liga o início e o fim, ao pronunciar o que é início e o que é fim.

Por outro lado, importa muito para o nosso tema a questão da escala de medida quando se fala de tempo. Certamente a dimensão temporal penetra mais fundo do que isso, como cabe examinar. Pode-se falar em tempo de trabalho referindo-se ao intervalo entre o início e o fim de uma tarefa. Igualmente válido e com maior alcance é falar-se no tempo do trabalho, com referência ao modo peculiar como essa dimensão da vida humana promove, no seu interior, a distinção que, consoante se sustenta aqui, lhe é específica. Trata-se do confronto, pronto a formar contradição, entre continuidade e limite.

Isso se manifesta de modo mais claro quando examinamos a conformação social do produto. Este, como vimos, já na referência ao ato prospectivo da produção está saturado de tempo. Não só nisso, porém. O produto encerra em si, do modo mais pungente, a tensão entre o que se projeta adiante no momento da produção e aquilo que se apresenta como já realizado, o resultado socialmente reconhecido como produto e entregue à circulação. Continuidade sem a qual ele não se faz, limite sem o qual não encontra forma própria. Tempo presente em estado puro, ou seja, tensão insolúvel entre passado e futuro. Pois, como vimos, Marx acentua que o resultado do trabalho, em contraste com a inquietude que o move, é descansado, em repouso, é puro ser quando se apresenta como valor de uso. Contudo, no mesmo passo em que se torna produto e não mero resultado, carrega consigo o trabalho, a fadiga do trabalhador impregna-se nele. Fundamental, porém, é que essa impregnação vai mais fundo. O produto, já na forma de portador de valor como mercadoria, incorpora não só o trabalho como também a inquietação do trabalho, sua antecipação, sua vibração própria, sua negação da forma bruta da matéria. Ou seja, está prenhe de tempo, não se limita a relacionar-se externamente com ele como escala de medida. São várias as expressões de inquietude do trabalho, conforme o propósito, o material, os instrumentos. Na medida em que o valor de uso se vê na condição de subordinado e não mais como ponto terminal, já no processo de produção e circulação de mercadorias regido pela dinâmica do valor e, com a entrada em cena do capital, da valorização, uma nova exigência se impõe. Para haver medida, comparação, equalização, requer-se um padrão estável, que não pode depender das vicissitudes do dispêndio meramente físico de energia, nem de um tempo avesso à normalização. Neste ponto apresenta-se a ideia de tempo abstrato, vinculado a trabalho abstrato. O tempo linear, homogêneo, normalizado, passa a esconder o múltiplo, complexo, intrincado, embora não o elimine.

TEMPO ABSTRATO E TRABALHO

Tempo abstrato e trabalho abstrato. Tais referências já são familiares na bibliografia. A ideia de que, em analogia com o trabalho, podemos distinguir entre tempo concreto e tempo abstrato está proposta e desenvolvida com mais empenho do que em outros lugares por Moishe Postone, em seu livro sobre tempo, trabalho e dominação social (Postone, 1993Postone, Moishe. (1993). Time, labor, and social domination. Cambridge: Cambridge University Press.). Impõe, pois, exame, ainda que rápido, dessa contribuição. Embora severamente crítico de muitas das suas propostas, Postone está entre os autores importantes nas últimas décadas que explicitamente assimilaram posições da chamada Teoria Crítica da Sociedade, junto, em especial, com autores alemães como Hans-Georg Backhaus e Helmut Reichelt e seus seguidores diretos. Na realidade, foi bastante longe no tratamento dessa linha de interpretação da natureza e das tendências do capitalismo ao longo do século XX, ao não se limitar às teses de Horkheimer e Adorno e enfrentar diretamente as contribuições de autores pioneiros como o economista Friedrich Pollock (com sua tese da primazia do político no "capitalismo de Estado" no nacional-socialismo) e o jurista Franz Neumann (com sua análise clássica da organização e funcionamento conflituoso do regime nacional-socialista no livro Beemoth), chegando até o confronto direto com Habermas.2 2 Para uma crítica com afinidades à de Postone do tratamento de Habermas a Marx ver: Haddad (1999 e 2004). Para uma apreciação geral de Postone, ver Camargo (2013).

O ponto no qual a presença da vertente original da teoria crítica se apresenta com mais nitidez na obra de Postone encontra-se na caracterização do capitalismo e daquilo que nele pode anunciar tendência objetiva à sua superação (sua "contradição fundamental"). Para ele o ponto de possível ruptura encontra-se na contradição entre aquilo que o capitalismo seguidamente reproduz como sua figuração efetiva (a prevalência da forma valor) e aquilo que sua própria organização e seu modo de operação igualmente reproduz, como alternativa oculta, embora possível (a superação dessa prevalência). Nesse sentido, caberia, segundo ele, introduzir no vocabulário crítico a ideia de desnecessidade histórica, ao invés da ênfase monótona na necessidade. Tudo isso lembra fortemente certas teses de Adorno. Em Postone aquela ideia de desnecessidade ocupa posição central no argumento. Ela permite sustentar tese básica: a de que tudo aquilo que se manifesta historicamente como específico do capitalismo, como componente seu, lhe é inerente e só tem como se reproduzir no seu interior (e aqui já transparece a tese complementar, de que a análise marxista incide sobre configuração histórica única, embora contingente na sua constituição, na medida em que não resulta da necessidade férrea de algum processo inexorável). Isso se aplica às modalidades de trabalho e de produção, à organização em classes e, sobretudo, ao valor, categoria histórica por excelência, sobre a qual deve incidir o empenho crítico-revolucionário, e não sobre relações de classe, que, por mais que mudem ou mesmo possam se inverter só fazem reproduzir o cerne do processo todo.

A referência às relações de classe permite introduzir neste ponto um tema que ilumina muito da diferença, que Postone se empenha em afirmar, entre sua posição e a do marxismo "tradicional", herdado das grandes lutas sociais do século XIX e primeiras décadas do XX. Trata-se da questão da "inversão". O argumento de Postone é direto e simples. Se uma relação é intrínseca a um sistema e concerne a componentes igualmente próprios a eles, é ela mesma que deve ser alterada se for o caso de mudar o sistema, e não a posição relativa das partes, mesmo quando invertidas. O tema, entretanto, é dos mais fascinantes. Aquela versão deriva de formulação típica de Marx nos seus momentos de impaciência, quando o refinamento analítico cede lugar ao peculiar gosto de usar as ideias como armas. Trata-se da imagem de colocar sobre os pés o que estava de ponta-cabeça. Imagem que não faz justiça a outra, do próprio Marx, sobre inverter a dialética hegeliana para dela extrair o nódulo racional oculto sob o revestimento místico. Em exame do tema, Jorge Grespan vale-se dela para repensar a questão do capital (Grespan, 2002Grespan, Jorge. (2002). A dialética do avesso. Crítica Marxista, 14, p. 26-47.: 26-47). Faz isso recorrendo a engenhosa formulação do filósofo alemão estudioso de Hegel, Hans-Friedrich Fulda (mestre, aliás, de eminente estudioso brasileiro da dialética, Marcos Müller), segundo quem tal inversão não corresponde a simples troca de posições. Recorrendo ao sentido original do termo alemão, Fulda mostra que esse "inverter" refere-se mais propriamente a "revirar", como se faz, por exemplo, com uma luva ao trazer para fora sua parte interna. Isso é notável. Pois, aqui sim, entra em cena dimensão fundamental de processos dialéticos, que é a dinâmica do interior e do exterior, da internalização e da externalização. Ou, na perspectiva preferida por Grespan, da inclusão e da exclusão e do seu movimento contraditório, que gera tendências opostas (sempre lembrando-se de que contradição é processo e não estado, e que não é a contradição que mata um processo, mas a sua ausência). Embora não seja indispensável para a presente argumentação, cabe lembrar aqui, pela sua importância, a interpretação que Grespan oferece, no seu artigo, da inversão de Hegel por Marx.

A "inversão" da dialética hegeliana por Marx consiste, portanto, em que as figuras lógicas [...] "diferença e identidade", estão em posições contrárias para cada um dos autores. [...] Em Hegel a diferença estaria no lado de fora e a identidade no de dentro; enquanto em Marx, ao contrário, a identidade é que aparece no lado de fora, determinada por uma diferença no lado de dentro. Se para Hegel a identidade é o "momento" preponderante na determinação da diferença, para Marx, "inversamente", é a diferença que predomina sobre a identidade e a determina (Grespan, 2002Grespan, Jorge. (2002). A dialética do avesso. Crítica Marxista, 14, p. 26-47.: 33).

O DADO E O POSSÍVEL

Postone fala de uma contradição no capitalismo entre o dado e o potencial engendrado em segundo plano por ele. Esse modo de ver vincula-se à sua caracterização da dinâmica capitalista como uma dialética da transformação e da reconstituição, da contínua mudança na vida social e simultânea reiteração das suas bases capitalistas, numa espécie de movimento de esteira, de progressão que não sai do lugar. O problema, neste ponto, surge ao se invocar a ideia de contradição nesse contexto. Uma interpretação extrema sugeriria que se está afirmando enfaticamente o caráter dialético do processo capitalista como totalidade, e que o capitalismo seria visto no seu desenvolvimento interno como se desdobrando nele mesmo e no seu contrário, no império do valor e na superação do valor como momento determinante. Se adotada, essa posição resulta em variante altamente sofisticada (e, paradoxalmente, avessa a qualquer determinismo histórico) da posição de que a transformação é inexorável e que o capitalismo só faz apressá-la ao acelerar seu desenvolvimento próprio, presa como é de um impulso de produtividade inteiramente à solta, sem controle (outro tema adorniano, assim como é a ideia de uma espécie de adesão compulsiva ao presente nas condições capitalistas). Como essa não é a conclusão que Postone retira da sua análise, torna-se necessário examiná-la melhor. Cabe, neste ponto, conhecer nas suas próprias palavras o que ele entende por capitalismo. Trata-se de uma "forma historicamente específica de interdependência social com caráter impessoal e aparentemente objetivo" (Postone, 1993Postone, Moishe. (1993). Time, labor, and social domination. Cambridge: Cambridge University Press.: 3). Suas bases são dadas pelo trabalho abstrato associado àquilo que denomina tempo abstrato (ambos homogêneos e indiferentes a conteúdos, sejam eles objetos ou eventos) e, como derivado histórico fundamental disso, pelo valor. O termo mais significativo daquela definição é "interdependência". Ele sem dúvida permite identificar nexos e, associado às ideias de impessoalidade e aparente objetividade, abre caminho para a introdução do tema da dominação numa perspectiva precisa, a do seu caráter impessoal, sem agentes discerníveis. É possível, entretanto, que exatamente nisso consista o ponto fraco da construção de Postone. Pois é duvidoso falar em interdependência numa análise que se propõe ter caráter dialético, ou de dominação quando a categoria dialética mais apropriada seria outra (a de subsunção), tudo isso tendo efeitos sobre o uso de mais uma categoria básica, a de mediação. Vejamos isto um pouco melhor.

No conjunto, a argumentação de Postone é engenhosa e inovadora (apesar de críticas às vezes extremadas que recebeu, como a de Jacques Bidet (2015)Bidet, Jacques. (2015). Miséria da filosofia marxista: Moishe Postone leitor do Capital. Crítica Marxista, 41.. É no mínimo instigante a ideia de que o capitalismo produz continuamente a sua "sombra" (a expressão não é dele) e que é essa que importa para quem se empenha em fazer emergir uma configuração histórica alternativa, na qual a "desnecessidade" se faça valer. Alternativa em relação a que? À exploração do tempo de trabalho excedente em relação ao socialmente necessário? À apropriação privada do sobrevalor socialmente gerado? Tudo isso, mas não se limitando a isso. Nisso Postone é radical, e leva ao pé da letra a ideia de que, se o adversário é o capital, este tem que ser visto pelo que é, valor que se valoriza. A raiz do problema está, pois, no valor como categoria histórica específica. Trata-se de ficar atento à emergência de algo que, longe de ser uma necessidade histórica inexorável, pode vir a se revelar como desnecessidade, no duplo sentido de que não há garantia objetiva da sua continuidade nem do seu final. Neste ponto a perspectiva muda. Temos o exato oposto das ideias sobre o caráter inexorável do fim do capitalismo que percorriam as primeiras décadas do século XX. Nisso, põe-se com força ponto de fundamental importância, se a presente interpretação tiver fundamento. Trata-se da exigência, para os empenhados na mudança, de algo como uma prontidão histórica (o termo não é de Postone) para o novo e o inesperado. Na realidade, a alternativa objetivamente propiciada, em segundo plano, pelo capitalismo mais avançado não seria baseada no valor, essa "forma de riqueza baseada no dispêndio de tempo de trabalho humano", como escreve ele. Na fase avançada do seu desenvolvimento o capitalismo vai liberando algo que está no seu âmago, ao ensejar aquilo que ele denomina "divisão social do tempo". Este vai passando de "necessário" a "supérfluo" para, no limite, na transformação do processo todo, tornar-se "disponível", não mais adstrito à geração de valor e pronto para apropriação e uso social.

CRÍTICA DE POSTONE

O problema da análise de Postone reside nos seus fundamentos. Comecemos pela ideia de interdependência, à primeira vista uma concepção não dialética, mais adequada a elementos de um sistema do que a momentos de um processo. Segundo ele as relações sociais são formas de interdependência social, o que equivale a dizer que ela se compõe de modalidades específicas de relações. Como ele afirma enfaticamente que a interdependência sempre é mediada, a questão que se apresenta concerne àquilo que denomina "caráter específico da mediação nas relações sociais". Isso tem a virtude de lembrar algo que ele tende a subestimar, que a mediação não é diretamente relação social. Na realidade, é o que a constitui como tal e mediante ela se realiza. Aquele caráter a que se refere Postone é dado por um princípio socialmente constituído, uma "categoria de mediação social". E aqui ele estabelece sua tese mais abrangente. Com base na ideia de que o pensamento marxista consiste numa "teoria crítica das formas de mediação social", sustenta que a forma de mediação que é objeto da crítica de Marx é o trabalho gerador de valor. E este, precisamente, é a categoria de mediação social básica no capitalismo, está no seu núcleo. Disso, conclui que Marx critica as relações sociais mediadas pelo trabalho, e o faz de uma perspectiva muito específica. O ponto de vista que sustenta sua crítica é o da possibilidade historicamente emergente de outras mediações sociais e políticas que não o trabalho. Fica claro que isso não significa pregar a abolição do trabalho, mas sim a da condição histórica que o colocou na condição de referência e amarra do conjunto de relações constitutivas da sociedade.

É preciso reconhecer que dois pontos estreitamente ligados não ficam adequadamente esclarecidos nesse argumento. Primeiro, o da natureza disso que é denominado mediação. Segundo, o da natureza da contradição. A aproximação que Postone promove, entre o movimento de mediação numa sociedade intrinsecamente contraditória e as relações que ocorrem no seu interior, encerra o risco de se perder de vista exatamente aquilo que importa, que é a contradição. Se a mediação não é pensada na sua presença em ambos os polos da contradição e na sua capacidade de, definindo os polos (do contrário não seria mediação) conectá-los sem anular seu caráter contraditório (do contrário não seriam polos) ela corre o risco de se converter em mera rede de relações. No limite isso poderia conduzir ao erro elementar de supor a contradição como se dando entre objetos (tomando-a, pois, na sua forma imediata, de confronto, oposição, conflito) em vez de no interior do objeto mesmo. Afinal, não há contradição entre capital e trabalho, mas a há no capital (fixo e variável) e no trabalho (concreto e abstrato). Diante disso a tática de Postone consiste numa manobra radical. Ao enfatizar que a sociedade com timbre capitalista se distingue pela presença de uma dominação social específica, na qual temos "a dominação das pessoas por estruturas de relações sociais abstratas, quase-independentes [ou seja, quase fora da interdependência social] mediadas por trabalho determinado pela mercadoria" (Postone, 1993Postone, Moishe. (1993). Time, labor, and social domination. Cambridge: Cambridge University Press.: 3), estruturas essas que, segundo ele, Marx busca identificar com categorias como valor e capital, ele repõe o problema em outro nível. Aqui não temos relações sociais sem mais, porém estruturas de relações. E, naquilo que nos interessa, tais estruturas são mediadas por forma determinada de trabalho. Nesse caso a mediação incide em relações parciais no processo todo, não nos seus extremos constitutivos. Revela-se, assim, que a ênfase está nas estruturas de relações, não no movimento mediador. Este é invocado continuamente para acentuar aquilo que talvez se pudesse denominar "eficácia" das estruturas como instâncias da dominação impessoal e abstrata que Postone identifica na sociedade capitalista. Isso pode ajudar a explicar por que ele, embora não a esqueça, acabe conferindo realce relativamente reduzido à questão, que se imaginaria central na sua análise, da forma. Pois é nela que se poderia encontrar o elo entre relações e processo contraditório abrangente, sem risco de reduzir mediações a relações. (É verdade que discutir isso a fundo exigiria exame da questão, difícil em Marx, do que se entende por relação). A questão se apresenta quando ele fala nas relações sociais como formas de interdependência social. Entretanto, em nome daquilo que chamei acima de eficácia, no exame da interdependência a atenção acaba se concentrando mais na estrutura de relações do que na sua forma. Isso acaba imprimindo certo tom estático numa análise marcada pela atenção à dinâmica dos processos. Cabe aqui lembrar passagem paradigmática do Capital, quando, ao discutir o dinheiro como meio de circulação e iniciar o exame da "metamorfose das mercadorias" no volume 1, Marx observa que "o processo de troca das mercadorias encerra relações que se contradizem e se excluem mutuamente. O desenvolvimento da mercadoria não suspende essas contradições, mas cria a forma na qual elas podem se mover" (Marx, 1957Marx, Karl. (1957). Das Kapital. Kritik der Politischen Ökonomie. Berlim: Dietz Verlag. Livro 1.: 109, grifado no original). Não é por outra razão que o estilo de exposição dialético, voltado para os modos e as condições do movimento, é, antes de mais nada, uma análise dos modos de constituição das formas. Nisso, é essencialmente crítico, sempre no limite e apontando para além. Faz sentido, nesse contexto, a posição de Adorno, ao conceber sua dialética negativa como "ontologia do estado falso". Falso precisamente ao apresentar mero estado (Zustand) como constituído, quando cumpre revelar o movimento que desmente tanto o estado de coisas quanto a ontologia, como é discutido em Nobre (1998)Nobre, Marcos. (1998). A dialética negativa de Theodor W. Adorno. A ontologia do estado falso. São Paulo: Iluminuras.. Um aspecto perturbador da análise de Postone consiste em que, não havendo necessidade imperativa que comande o processo histórico para além das suas variações episódicas, não há razão para supor que um processo complexo como o capitalismo avançado gere na sua dinâmica própria uma única alternativa possível. Seria mais plausível supor que fossem múltiplas. Com isso, voltamos à questão política. Quem seleciona a alternativa relevante e tem condições para impô-la ao conjunto? Como a solução da classe revolucionária foi descartada por ele com bons argumentos, abre-se um vácuo conceitual e prático, cujo preenchimento é um desafio que vale a pena enfrentar. Estamos, enfim, à beira de algo importante, um "pluralismo revolucionário" (o termo não é dele, embora ele talvez nem o rejeitasse). Na realidade, o que transparece aqui é um problema na análise de Postone que, pela importância do conceito envolvido, merece ser assinalado. É que em muitas passagens em que ele fala de dominação sente-se falta de um passo a mais, no sentido de conceito tão central na obra de Marx como é o de subsunção. É verdade que esse conceito é com frequência aproximado ao de subordinação (no sentido de modalidades, formal e material, de subordinação do trabalho ao capital, no exemplo mais direto), mas ele vai mais fundo. É mais do que subordinação ou dominação. É a imposição a um momento do processo social maior da lógica própria à instância apta a fazer isso. Ou seja, daquela historicamente mais abrangente (no caso, o capital), que, exatamente na subsunção, intromete-se no processo todo. É o modo de inserção no processo maior que está em jogo, não uma relação pontual de imposição, embora a forma social assumida possa ter essa índole. Considerando-se as exigências da exposição dialética, o conceito de dominação não é suficiente, por mais que se enfatize o seu caráter objetivo, impessoal, vinculado ao processo todo.

MODO E FORMA

Isso nos conduz de volta ao tema do modo e da forma, com referência à mediação social. A mediação como tal, como movimento, não é modo nem forma, é versão dialética da função. Ela se distribui pelo conjunto das formas e, com isso, permite ao modo do processo (no caso, capitalista) se desenvolver como tal. Nesse sentido fica difícil insistir, como faz Postone, no "caráter" da mediação das relações sociais (Postone, 1993Postone, Moishe. (1993). Time, labor, and social domination. Cambridge: Cambridge University Press.: 152 e 319). Mediações em exercício não têm caráter próprio, nem poderiam ter. Na realidade, assumem em cada momento do processo o caráter da relação social sua portadora, precisamente ao defini-la como relação. Do contrário, o conjunto ficaria bloqueado, ao invés de se manter em movimento precisamente graças à perversidade polimorfa da mediação, que se ajusta a tudo e permeia tudo. Essa qualidade da falta de qualidade própria permite-lhe, de resto, operar como regente oculta de relações sociais e também como mediadora, não no sentido de intermediária, mas como transmissora e ao mesmo tempo agenciadora de dimensão nem sempre evidente da contradição, por mais que esteja anunciada no termo. Trata-se da dimensão de resistência, de esforço, de tensão. O problema está na contrariedade das pontas do processo, que se transfere ao conteúdo no seu desdobramento e se mantém nas mediações, nas formas engendradas no seu desenvolvimento. Pois a forma, como aparência determinada, é expressão de algo, resultado do sair de si da matéria. Não se reduz à outra face do conteúdo, é o lado socialmente ativo do conteúdo. A substância do processo constitui-se como conteúdo de uma forma ao ser reiterado por ela, reproduzido mediante ela. A questão "por que tal conteúdo assume tal forma" é unilateral, pois o conteúdo só se constitui e se determina como tal ao encontrar sua contrariedade em forma determinada. Como sustenta Reichelt, "não cabe dizer (como Marx): como este conteúdo assume aquela forma (trabalho abstrato assumindo a forma valor e tempo de trabalho assumindo a grandeza do valor). Deve-se, sim, dizer: como se pode conceber o conteúdo a partir do desenvolvimento das formas" (Reichelt, 2010: 10, nota 14). Nos termos das observações feitas até agora cabe, reciprocamente, ver como a forma determina o conteúdo como tal. Pois a forma não é mero efeito do conteúdo, é sua negação determinada. Não concerne a conteúdo sem mais, e sim a este preciso conteúdo, mediante esta precisa forma. Reichelt insiste na ideia de que a relação socialmente relevante para a identificação das formas não é determinação no sentido vago de imposição de nota característica. É da ordem do valor, como validação e vigência. Chega ao ponto de sustentar que essa validação é social até o ponto de envolver algo como o estabelecimento de uma aceitação universal da forma de relação. Valor não se refere a coisa ou a atributo dela, mas a validade, lembra ele. Esse tema é dos mais importantes, embora controverso na formulação de Reichelt. Tanto que um autor simpático a ele, Ingo Elbe (2008)Elbe, Ingo. (2008). Resenha de Helmut Reichelt. Neue Marx-Lektüre. In: Marx-Engels Jahrbuch 2008, p. 158-162., chega a criticá-lo por exibir, movido nos seus trabalhos mais recentes pela preocupação com a agência em contraste com a estrutura, uma tendência a "reduzir fenômenos econômicos a socialização regulada por normas". Ou seja, haveria nele uma tendência a sociologizar demasiado a análise, ao ponto de negligenciar a dimensão propriamente econômica envolvida. Algumas observações mais recentes de Reichelt parecem reforçar a crítica de Elbe. Mas é preciso considerar que sua preocupação maior consiste na formulação de uma "ontologia social do valor", na perspectiva da constituição social do caráter objetivo do valor (para o que vai buscar apoio em Adorno e em Simmel, com sua ideia da "abstração real"). A perspectiva social, contudo, tampouco pode ser negligenciada. Em outro registro (certamente não sociológico), relativo a uma "dialética da sociabilidade", José Arthur Gianotti lembra que "uma coisa não aparece transformando-se noutra, o atributo não possui um princípio interno de diferenciação, de modo que o peso e a brancura pudessem servir de motor da diferença. [...] Atrás da perdurabilidade da coisa, da sua identidade lógica, que permite a referência do nome próprio, se esconde um processo social de avaliação e transformação". Por outra parte, "A objetividade sui generis do valor está ligada a um processo formal de diferenciação; a forma surge ilusoriamente dotada de um movimento de autopromoção" (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. (1983). Formas da sociabilidade capitalista. In: Trabalho e reflexão. Ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense , p. 216-299.: 241). Na perspectiva de Reichelt é precisamente essa ilusória capacidade do valor de se puxar pelos próprios cabelos que lhe permite reger o processo social de avaliação, ao validar a coisa e sua transformação.

JOGO DE ESPELHOS

Tudo isso certamente não anuncia algo como uma harmonia espontânea entre essas dimensões da vida social. No processo em curso, a vida social vai se tornando, passo a passo, mais indireta e vai escondendo suas balizas. E isso não porque se torne mais cerrada e sem lacunas. Mas, pelo contrário, porque se multiplicam no seu interior os hiatos, os descompassos, e eles são de ordem temporal: pausas e andamentos desconexos, interferências de frequências, "choques temporais", como escreve Roy Bhaskar num dos livros mais desconcertantes sobre dialética, com o título fascinante, que Hegel apreciaria, "o pulso da liberdade" (Bhaskar, 2008Bhaskar, Roy. (2008). Dialectic - the pulse of freedom. Londres: Routledge.).3 3 Bhaskar teve forte impacto no marxismo inglês, e a escola do "realismo crítico" da qual é representante eminente tem conhecedores de qualidade no Brasil, a começar pelo sociólogo brasileiro (por adoção) Frédéric Vandenberghe, que já começa por ele seu livro Teoria social realista (2010). Ver também Cynthia Hamlin, Realismo crítico. Um programa de pesquisa para as ciências sociais (2000). Para uma apreciação crítica, ver Alex Callinicos, Critical realism and beyond - Roy Bhaskar's Dialectic (2008). É aqui que se desenrola a dinâmica mais funda do processo todo. É também aqui o cenário da dinâmica entre modo e forma. O trabalho some no seu resultado, que o absorve; a produção é absorvida na circulação; nesta, o produto aparece como dado originário, na forma de ente permutável, de mercadoria; o modo de trabalho produtivo de valor aparece na forma da organização e da gerência, com o trabalho como subordinado, e assim por diante. Sem esse jogo de fintas e esquivas seria impossível a reprodução. Nisso é fundamental o jogo entre modo e forma. Entre, por um lado, o modo de intervenção socialmente organizada no mundo e de geração de formas e, por outro, a forma de apresentação da operação do modo (mediante as relações que ele engendra) e da sua reprodução. Importante, nesse ponto, é que entre o modo e a forma se introduz uma fenda, que deriva das diferenças de temporalidade entre um e outra. Em consequência, a forma nunca se apresenta direta, linearmente, porém o faz de maneira cada vez mais refratada. Atingimos aqui outro argumento central: o de que o movimento do processo total é marcado por duas modalidades de descompasso, um hiato temporal entre formas nas suas relações e uma refração na imagem que apresenta. Ou seja, à dimensão estritamente temporal junta-se uma espacial, e ambas formam uma unidade. As formas nunca são de "primeiro grau", pois o mundo das formas vai se descolando do mundo dos modos. Isso não se dá ao acaso, porém. Se couber o termo, trata-se de descompassos determinados. Há, no processo, uma ordem no conjunto de refrações e uma natureza específica de cada relação envolvida, de cada "prisma" (o termo é de Gramsci, que percebeu esse fenômeno), assim como o descompasso temporal depende de temporalidades que em nada são casuais.

Em grande medida deriva disso o caráter "obscuro" das relações no mundo regido pelo capital, analisado, com rigor não presente aqui, no campo da articulação lógica do conjunto por Ruy Fausto. "A dialética é de certo modo fenomenologia da obscuridade", escreve ele (1987: 150)Fausto, Ruy. (1987). Pressuposição e posição. Dialética e significações "obscuras". In: Marx: lógica e política. Para uma reconstituição do sentido da dialética. São Paulo: Brasiliense. Tomo II, p. 149-198.. O fetiche sempre se apresenta e o caráter espectral do processo não só é inevitável como é necessário para o encadeamento do processo todo. Em exata oposição a Max Weber o mundo do capital é cada vez mais "encantado", intrincado, difícil de decifrar no seu modo de operar, a despeito da brutal evidência dos seus efeitos. Em texto dedicado a esse tema, Christopher Arthur (2004)Arthur, Christopher J. (2004). The spectre of capital. In: The new dialectic and Marx's Capital. Leiden: Brill, p. 153-174. adota título em homenagem ao livro de Jacques Derrida sobre o "espectro de Marx" (no qual Derrida comenta, logo no início, que "o fantasma se apresenta para lembrar [Hamlet] do dever, também em relação ao seu pai morto. É isso que desloca dos gonzos o tempo, de tal modo que o alinhamento do morto com o vivo constitui uma espécie de temporalidade impossível", no que evoca o caráter espectral do movimento do capital e o cruzamento de temporalidades entre trabalho vivo e trabalho morto). A ideia do tempo "fora dos gonzos" merece, como de resto já teve entre nós, exame atento (Rinesi, 2009Rinesi, Eduardo. (2009). Política e tragédia. Hamlet, entre Hobbes e Maquiavel. Rio de Janeiro: Azougue Editorial/Fapesp.). Ao examinar o valor, em relação ao qual leva a sério a afirmação de Marx de que ele tem de fato caráter "metafísico", Arthur vale-se da ideia de Bhaskar de que em processos dialéticos é mais importante a "ausência" do que a "presença". Isso porque o "vazio", o "nada" da ausência (que é mais um deslocamento, um "distanciamento" do que mera perda) é tão real quanto a presença. Na realidade, é um "vazio determinado", conformado pelo processo que o causou e que deve ser enfrentado, como índice de coerção e carência de liberdade que é. É difícil pensar um tratamento desse tema sem reservar ao tempo (ao seu "pulso", esse é o ponto) papel fundamental nesse jogo da ausência e da presença, de vazio e de pleno, no qual emerge a promessa da liberdade, que, naquela interpretação, seria o grande projeto inscrito na dialética. Por outro lado, é importante nas formulações de Arthur a ideia, que compartilha com Postone e, por essa via, com Adorno, de que a dinâmica temporal capitalista vai revelando caráter compulsivo, numa espécie de fixação no presente, reiteração linear, acumulativa. Impulso compulsivo esse que pode ser vinculado à dinâmica da valorização no capital. Poderíamos acrescentar que isso contrasta com um possível processo com caráter formador, multidimensional, gerador de novas formas.

ARTIMANHAS DA DIALÉTICA

Por detrás de tudo isso está o caráter muito peculiar do movimento de contradição dialética, em que a coisa é ela própria e seu contrário, num movimento que só pode aumentar o escândalo e a perplexidade dos adversários dessa forma de exposição de determinados níveis de processos sociais. Pois o importante nisso nada tem a ver com a suposta, e absurda, tese de que no mesmo passo seja possível A e não-A. O trickster dialético é mais sutil. Em processos sociais como o da gênese e do desenvolvimento do valor (e é disso que se trata, não de alguma "dialética da natureza"), o truque consiste precisamente em que, embora a coisa se desdobre nela e no seu contrário, os contrários não se mesclam. A questão não é a de uma impossível simultaneidade de A e não-A, mas da necessidade da sua copresença. Sob pena de não se realizar como tal (esse é o ponto) A carrega consigo não-A, como presença real porém não idêntica, como sombra indelével prestes a inverter posições. Não é uma questão de identidade fixa, mas de formação móvel. É por isso que se trata de movimento e não de estado. Mercadoria é mercadoria e é dinheiro. Não ambas as formas emaranhadas, contudo. Cada qual somente se dá na sua referência intrínseca à outra. Significa isso que conteúdos sem mais não entram em contradição entre si. Tomados tal como se apresentam (mais vale dizer, tal como não têm como se apresentar), são inteiriços e separados, abstratos, não têm como entrar em relações. Só ganham mobilidade pela sua condição de entes socialmente engendrados, ao assumirem internamente formas sem as quais não têm como se realizarem ao longo do tempo, não têm como ir além de meros "momentos" de um todo também abstrato. A contradição se dá entre formas assumidas no interior do mesmo conteúdo no processo da sua existência e reprodução. Só isso permite o aparente paradoxo de afirmar, sem prestidigitação verbal, que é pelo lado da forma que se define a contradição como material, como própria à coisa mesma, e não como mera ideia. Própria à coisa mesma, ou seja, mediada na (e não pela) forma. No sentido rigoroso do termo a matéria é determinada na forma que assume e é posta em movimento pelo enlaçar-se das metamorfoses (e não o oposto, como quer o materialismo ingênuo). Estamos, de novo, diante de cenário peculiar, com sombras, hiatos e refrações que só exibem os traços dos personagens ao olhar, a audição e o senso rítmico mais atentos. Eisenstein poderia ir bem longe no seu filme sobre o Capital.

Uma questão conexa e relevante é aquela, formulada com especial ênfase pelos criadores da teoria crítica da sociedade, de movimentos historicamente regressivos, em aberto contraste com a ideia de progresso irreversível. Se essa regressão for pensada como uma espécie de retrocesso na linha temporal a ideia perde muito do seu interesse. Não assim, entretanto, se pensarmos a regressão como modalidades específicas de composição e entrelaçamento de ritmos temporais, como parece ocorrer quando se tem um movimento do capital no qual o uso intensivo de recursos high tech se une à reativação das formas mais cruas de superexploração e acumulação. O que leva a lembrar que, num mundo de multitemporalidades, não há regressão ou progresso sem mais, e sim modalidades várias de sua combinação.

RESISTÊNCIA E COMPULSÃO

A isso se acrescenta ponto já referido acima, sobre a questão da força e da resistência. Resistência da matéria ao trabalho que a violenta, do produto ao valor que o dilacera em mercadoria, do trabalho ao capital que o explora, de uma forma a outra forma que disputa o mesmo conteúdo. Um campo tenso de embates, que ganham forma social em múltiplos conflitos. Não se trata, entretanto, de algo do feitio da luta de classes interpretada na sua versão mais simples, como inteiriça e frontal. São embates enviesados, não lineares, até porque nada é linear sob o capital, nem mesmo a luta de classes, que é real, porém intrincada e envolvida na constituição das próprias classes. Na perspectiva aqui adotada (na qual, diga-se de passagem, classe não é um grupo social sem mais, e sim um princípio de organização no interior da sociedade) não se trata propriamente de embates e sua forma social não é invariavelmente de conflitos, mas de modalidades específicas de descompassos de ritmos e andamentos temporais. Nisso revelam-se históricas, num sentido exigente do termo. Se somarmos o caráter sempre refratado das relações nessa específica ordem social regida pelo capital ao jogo da imposição de formas e das resistências e consideramos que tudo isso se realiza sob múltiplas modalidades de movimento (outro termo difícil, que podemos neste passo entender como significando mudança continuada que modifica o caráter do objeto - com o que o aproximaremos, creio que legitimamente, da ideia de "formação"), fica patente que, sem um acurado estudo da dimensão temporal não se poderá avançar. A questão da resistência remete ao cerne mesmo do movimento dialético, naquilo que concerne aos momentos de externalização e internalização. Pois a medida é a face externa, espacial, daquilo que, pelo lado interno, temporal, é o limite. E o jogo entre ambos percorre o processo todo. Nesses termos, a continuidade, o par dialético do limite na dimensão temporal, pode também ser pensada na dimensão espacial, como par da medida. Admitindo-se que as dimensões temporal e espacial formam unidade, a continuidade poderia ser concebida como "categoria de mediação" que possibilita as relações no interior de cada qual e entre elas. Quando avançamos na identificação dos seus momentos de manifestação podemos nos aproximar de situações extremas no processo que nos interessa, aquele regido pelo valor. Pois, se o valor não é ponto terminal, nem mesmo sua valorização o é. De certo modo o valor resiste a se converter em mais valor, a valorizar-se na sua figura extrema, que, no entanto, não cessa aí. Pois o mais valor, na sua dinâmica incontida, tende a nova figura, muito singular, uma figura não dialética, que não envolve desdobramento, um puro mais, um avanço "automático", a figura perfeita da desmedida, ao distender sem limite a medida sem a qual não existe. Nesse movimento sonega-se à dimensão temporal a continuidade, que, desprovida de limite, perde sentido. O incremento automatizado não tem mais como assumir forma, é movimento puro, "fibrilação", crise na sua acepção mais acabada. Isso, contudo, não significa o fim do processo, pois, ao contrário dos seus demais momentos, não engendra resistência. Engendra, sim, a distopia perfeita da crise permanente. Não final, contudo. Pois, se o valor perde sua dimensão de medida (de limite, fronteira como diz Marx em várias passagens), mantém sua capacidade de validação da vigência de processos. Nesses termos, é possível deixar o território no qual o valor reina pleno sem abandonar o domínio do capital, ao contrário do que supõe Postone. Só não se atinge a crise permanente, autoalimentadora, quando as múltiplas modalidades de resistência geradas no interior do processo (esse é o ponto) conduzem a formas sociais adequadas à contenção do impulso desabalado (o "freio" de Walter Benjamin) e à constituição de formas alternativas. A expressão "adequadas" tem certa ressonância lukacsiana. Lukács soube fazer, em História e consciência de classe, uso criativo dela. Embora bastante problemática numa perspectiva dialética, aquela ideia é poderosa o suficiente para merecer atenção e uso cuidadoso. No mesmo passo, transparece que movimento corresponde a uma categoria crítica, cuja exposição não pode se restringir a acompanhá-lo em ideia, mas deve mostrar até onde é capaz de ir, e em nome de que.

FORMAÇÃO E REGIME TEMPORAL

A questão da formação, a que se aludiu acima, mereceria atenção bem maior, e não pode passar inteiramente em branco. Nas suas principais obras Marx não estava preocupado com esse tema na sua concepção alemã clássica, voltado como estava para os grandes panoramas históricos e de modos de produção que lhe permitissem entender a dinâmica do capital. Por essa razão, está mais interessado em conjuntos de formas, Formation, do que em formação de sujeitos autônomos, Bildung. A questão da formação no sentido que lhe foi reservado no grande pensamento idealista alemão, com o uso que propicia das ressonâncias significativas das palavras, merece lembrança no mínimo porque está no centro do tema de fundo das presentes considerações, relativo às formas sociais da experiência. O modo como o conjunto de formas integradas na sociedade moldada pelo capital se faz presente na formação dos seus integrantes suscita desde logo questões perturbadoras. Limito-me a sugerir como Bildung (figuração, geração de forma, formação) é termo complexo, que se desdobra em dois momentos relativos à constituição de sujeitos sociais, com designações muito expressivas em alemão. O primeiro deles concerne à externalização, à Erfahrung, à saída de si na qual o sujeito ganha conteúdo para retornar modificado. O segundo diz respeito à internalização, à Erinerung, na qual os resultados da travessia são incorporados. O primeiro é da ordem da experiência e o segundo, da ordem da memória. Um remete ao que se fará no mundo e ao que permanecerá disso, à tensão entre presente e futuro, à aventura se quisermos. O outro diz espeito aos traços, às marcas deixadas pela travessia, àquilo que se retém na passagem do tempo. Juntos, conferem seu tom e seu timbre próprio a temporalidades particulares, que se juntam e se combinam entre si no contexto maior da vida social em condições históricas específicas. Não são agência e estrutura que importam aqui, mas, para evocar Ortega fora de contexto, eu e minha circunstância (ambas mutáveis, ambas imersas no tempo, no jogo entre continuidade e limite, Fausto exortando o instante fugidio, "permanece, és tão belo").

Lukács viu muito bem que o modo de vida regido pelo capital gera uma configuração "espacializada" do tempo, numa análise que, ao seu modo, Postone retoma ao falar de "tempo abstrato". Ou seja, tempo linear, homogêneo, apto a ser dividido em segmentos de magnitude uniforme, impessoal porque independe das flutuações geradas pelas condições de vida das pessoas. É possível antecipar, agora, uma questão que me parece legítima e para a qual dificilmente encontraremos resposta cabal na literatura. Na passagem do capitalismo para formas mais avançadas, financeirizadas, digitalizadas e assim por diante, essa modalidade de tempo se acentua ou tende a ceder lugar a alguma outra, a ser descoberta? Uma conjectura plausível parece ser que o puro tempo abstrato linear e como que balístico não dá conta das novas condições que se vão gerando. Isso vale ainda mais se levarmos a sério a referência ao abstrato, pensando o tempo como se desligando do processo maior, ganhando fisionomia própria, como que se tornando autônomo. Essa hipotética autonomia suscita questões difíceis. Talvez a mais séria entre elas seja aquela que traz para exame aspecto do problema que aqui não foi nem mesmo lembrado até agora. É que não podemos incorrer no engano de imaginar processos sociais e históricos complexos, a exemplo de modos de produção, como simplesmente ocorrendo no tempo. Pois isso levaria a perder de vista o principal, a ideia que Lukács tem o mérito de pelo menos ter entrevisto, de que modos de produção (e processos afins) não são meras ocorrências ou modos de devir, mas engendram suas próprias temporalidades. Têm (para tomar de empréstimo termo central em Weber para caracterizar a lógica interna dos tipos de ação) sua temporalidade (mais precisamente, seu regime temporal, com múltiplas temporalidades entrelaçadas) própria, intrínseca. Perante tudo isso põe-se a questão de como conceber essa dimensão em termos mais abrangentes e flexíveis.

O ARCO E A FLECHA

O tempo não pode ser concebido como trajetória ou reduzido à condição de medida, sob risco de simplesmente reproduzir o modo como ele se apresenta na específica ordem social que nos cabe examinar, o que significaria enredar-se na ideologia. Como pensá-lo, então? Para encaminhar a questão, vou introduzir uma imagem importante. Trata-se da ideia, reelaborada nos anos 20 do século passado pelo astrônomo Arthur Eddington para tratar da natureza irreversível dos fluxos temporais, da "flecha do tempo". A proposta que trago para exame com base em tema examinado em outra ocasião (Cohn, 2015Cohn, Gabriel. (2015). Temporalidades. Sobre flechas e feixes temporais. In: D'Incao, Maria Angela (org.). Domínio das tecnologias. Ensaios em homenagem a Hermínio Martins. Presidente Venceslau, SP: Letras à Margem, p. 43-53.) é que a imagem é boa, desde que mudemos a perspectiva do olhar. Não é a trajetória da flecha que importa, e sim a vibração da corda e do arco no preciso momento do lançamento. É fundamental que não se perca de vista que a "corda" é mais propriamente um "cabo", com múltiplos fios entrelaçados. Pois isso sustenta a ideia envolvida, de que os fios vibram com frequências e andamentos diferentes entre si. No conjunto, eles compõem o timbre e o ritmo próprio do lançamento (da relação), que se transmite à flecha e é transportada por ela. Não por acaso surge aqui a ideia de transporte. Ela é muito importante, num pensamento que concebe a relação de modo complexo e sutil e que se ocupa muito com transições e mudanças de forma. Trata-se, é claro, de formulação metafórica, que não tem outro objetivo (mas ele me parece da maior importância) senão propor, mediante concepção alternativa, que as visões convencionais da dimensão temporal são insuficientes e precisam ser revistas. Nessa perspectiva, o tempo não é mera linha ou trajetória, tampouco meio no qual ocorrem eventos. É aquilo sem o qual sequer se pode falar de eventos. O tempo de trabalho pode ser uma métrica conveniente quando se trata de atribuir magnitude a processos produtivos; mas não é propriamente de tempo que se trata nessa condição, e sim de imposição de medida. Falar de tantas horas para tal tarefa ignora inteiramente o caráter do tempo envolvido, embora seja conveniente para se formularem contratos, num modo de sociedade que os exige. Numa sociedade livre do império do valor, em que o tempo se tornasse dócil à convivência humana, tal métrica até poderia ganhar sentido para além da mera mensuração. O tempo guarda, sim, íntima relação com a medida, mas não como instrumento, meio. Já vimos que, na realidade, pode ser visto como se desdobrando em dois polos, continuidade e limite. É na tensão entre eles (o do perder-se no andamento e o da definição de referências para a parada) que se instala o movimento de autovalorização do valor, do capital à solta (o velho terror de Adorno, o precipitar-se sem peias) do valor que, no seu impulso interno cada vez mais autônomo, autocentrado, reflui na mera acumulação retilínea, que só se defronta às cegas com barreiras a serem ultrapassadas. A autovalorização do valor é a realização paradigmática da experiência frustrada, de estar fora de si sem sair de si, de relacionar-se consigo mesmo, daquela desmedida que merece ser denominada êxtase do valor, episódio perfeito de alienação se quisermos dar algum sentido ao termo.

A ideia básica envolvida nessa perspectiva é a de múltiplas temporalidades entrelaçadas nas relações e processos sociais (os lançamentos do arco), que lhes dão frequências, intensidades e ritmos específicos. Assim, a temporalidade escandida por fios com textura de interesses, competição e indiferença é diversa daquela formada por expectativa, colaboração e solidariedade. Recorre-se nisso, certamente, a linguagem metafórica. Talvez tenhamos que reconhecer, todavia, que uma componente metafórica é inerente à exposição dialética. Afinal, estamos lidando com um mundo de deslocamentos, de passagens, um mundo verrükt, como diria Marx, ou seja, deslocado, enlouquecido, fora de si, metafórico no sentido exato do termo. O problema não é que haja metáfora, mas que seja certeira (no caso, sinuosa) o suficiente.

A conclusão que emerge de tudo isso é a de que, nas condições que se vão desenhando no mundo, a atenção às diferenças finas, em especial no que concerne aos ritmos temporais, torna-se cada vez mais importante para discernir a emergência de mudanças, por vezes de grande porte, que podem advir de flutuações sutis na ordem do tempo. Para tanto é imprescindível a combinação mais íntima de leveza e precisão naquilo que mais do que tudo importa para enfrentar o mundo que vem: a mobilidade. É essa a tarefa que se desenha no horizonte, e as observações aqui anotadas não tiveram outro propósito senão chamar atenção para ela.

NOTAS

  • 1
    Reichelt, junto com Hans-Georg Backhaus, é o iniciador na Alemanha da "nova leitura" de Marx, a partir de dois trabalhos seminais: o livro de Reichelt de 1970, agora disponível pela editora da Unicamp, e o artigo de Backhaus (1974)Backhaus, Hans-Georg. (1974). Materialen zur Rekonstruktion der Marxschen Werttheorie. In: Gesellschaft. Beiträge zur Marxschen Theorie 1. Frankfurt am Main: Suhrkamp, p. 52-77. sobre a teoria do valor.
  • 2
    Para uma crítica com afinidades à de Postone do tratamento de Habermas a Marx ver: Haddad (1999Haddad. Fernando. (1999). Trabalho e linguagem. Para uma redialetização do materialismo histórico. Lua nova, 48, p. 5-29. e 2004)Haddad, Fernando. (2004). Trabalho e linguagem. Para a renovação do socialismo. Rio de Janeiro: Azougue.. Para uma apreciação geral de Postone, ver Camargo (2013)Camargo, Silvio. (2013). Teoria crítica e dominação na obra de Moishe Postone. Mediações, 18/2, p. 118-132..
  • 3
    Bhaskar teve forte impacto no marxismo inglês, e a escola do "realismo crítico" da qual é representante eminente tem conhecedores de qualidade no Brasil, a começar pelo sociólogo brasileiro (por adoção) Frédéric Vandenberghe, que já começa por ele seu livro Teoria social realista (2010). Ver também Cynthia Hamlin, Realismo crítico. Um programa de pesquisa para as ciências sociais (2000)Hamlin, Cynthia. (2000). Realismo crítico. Um programa de pesquisa para as ciências sociais. Dados - Revista de Ciências Sociais, 43/2, p. 373-398.. Para uma apreciação crítica, ver Alex Callinicos, Critical realism and beyond - Roy Bhaskar's Dialectic (2008)Callinicos, Alex. (2008). Critical realism and beyond - Roy Bhaskar's Dialectic. In: Jacques Bidet & Kouvelakis, Stathis (orgs.). Critical companion to contemporary Marxism. Leiden: Brill , p. 567-585..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2016
  • Aceito
    15 Fev 2016
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