Open-access CLARA DOS ANJOS E AS CORES DE LIMA1

CLARA DOS ANJOS AND LIMA'S COLOURS

Resumo

O presente texto tem por objetivo explorar o uso feito pelo escritor Lima Barreto das cores, entendidas como cores sociais, no conjunto de sua obra. O autor não só introduz matizes de cor com grande regularidade, como explora tonalidades diferentes e as vincula a situações sociais e a leituras próprias do contexto do pós-abolição em que viveu. Como sabemos, no Brasil, cores comportam-se como marcadores sociais de diferença, acondicionando elementos socioeconômicos, regionais, de gênero, mas também interpretativos, pois carregam categorias acusatórias e estéticas - sempre diacríticas. Na mesma medida em que traduzem hierarquias sociais, tais cores sociais repõem ambivalências próprias ao contexto e à sua manipulação por indivíduos que se autoclassificam, em especial as ambivalências acionadas pelo próprio criador de personagens como Clara dos Anjos e Policarpo Quaresma.

Palavras-chave: Lima Barreto; cores sociais; discriminação; pós-abolição; marcadores sociais da diferença

Abstract

The present text examines the use of colours, in the sense of social colours, in the work of the writer Lima Barreto. Not only does the author introduce hues of colour with considerable frequency, he also explores different tonalities and connects them to social situations and his own readings of the post-abolition context in which he lived. As we know, in Brazil colours function as social markers of difference, encompassing socioeconomic, regional and gender factors, but also interpretative elements, since they also contain accusatory and aesthetic categories - always diacritical. At the same time as they translate social hierarchies, so these social colours also reinvest their own ambivalences in social contexts and in their manipulation by self-classifying individuals, especially the ambivalences mobilized by Lima Barreto himself, the creator of characters like Clara dos Anjos and Policarpo Quaresma.

Keywords: Lima Barreto; social colours; discrimination; Post-Abolition in Brazil; social markers of difference

Mesmo sem conhecer a língua e desprovido de intérprete eu podia tentar penetrar em certos aspectos do pensamento e da sociedade [...]: composição do grupo, relações do grupo, relações e nomenclatura [...] vocábulos das cores [...]. As cores têm com frequência propriedades comuns que as situam nos meios-termos entre o vocabulário e a gramática: cada grupo forma um sistema, aplica formas de separar ou misturar essas relações

(Claude Lévi-Strauss, Tristes trópicos)


Caricatura de Lima feita por Hugo Pires e encomendada por A Cigarra, 1919

Foi em 1919 que a revista A Cigarra publicou a hoje famosa caricatura de Lima Barreto. Era só uma caricatura, que acabou virando sua marca registrada. Fundada por Gelásio Pimenta em 1914 e voltada para as transformações culturais de São Paulo, A Cigarra era direcionada sobretudo ao público feminino. A despeito disso, a publicação contava, sobretudo, com colaboradores homens, alguns ilustres, a exemplo de Guilherme de Almeida, Oswald de Andrade e Monteiro Lobato.

Na caricatura, supostamente encomendada por Lobato ao artista Hugo Pires, Lima Barreto aparece semelhante e ao mesmo tempo diferente da sua imagem usual. Semelhante, pois o desenho mostra a figura de um escritor negro, para ficarmos com os termos empregados na época, com expressão irônica e vestes de boêmio da capital. Definir-se como um autor de origem africana - em um país que buscava tornar invisível seu passado, bem como a cor social predominante em seu território - não era postura fácil de ser sustentada. O desenho apresenta, portanto, não só seu "melhor retrato", como inclui o tema mais recorrente na obra de Lima: o fato de ele ser afrodescendente e escrever uma literatura que versava muitas vezes sobre essas populações. Sorriso nos lábios, chapéu-panamá na cabeça, sapato caprichado, colete e gravata, cabelo carapinha, Lima aparece definido a partir do ângulo que mais se reconhecia: irreverente e distinto dos demais escritores de "toillete", do "ninho de medalhões e perobas" - expressões que Lobato havia inserido na carta convite que enviou a Lima animando-o a publicar por sua editora e, assim, alisando o ego do carioca.

No traço esperto de Hugo Pires, Lima certamente estava diferente de sua aparência naquele exato momento. Não há como negar que o caricaturista tenha feito um bom trabalho, até porque eram escassas as fotos disponíveis de Lima àquela altura (e até mesmo hoje em dia) (Resende, 2015; Schwarcz, 2011). Talvez o chargista tivesse optado por destacar seu lado boêmio, mas nuançar sua fama de alcoólatra. Não era então segredo para ninguém, sobretudo nos meios literários, como Lima andava profundamente alterado pela bebida. Precocemente envelhecido, com as maçãs do rosto inchadas, constantemente desgrenhado, o terno meio roto, ele já não lembrava a expressão de sucesso e de ironia que completava bem seu porte e fazia o gosto do caricaturista.

Assim, na vida real, em vez da imagem leseira e bonachona que salta do desenho de A Cigarra, encontramos um Lima cada vez mais fechado em seu quarto/escritório e concentrado em seus projetos. Parecia ter urgência em definir que tipo de literatura fazia, e na qual acreditava; tinha pressa em organizar seus escritos;2 andava apurado para publicar as obras que ainda restavam guardadas na Limana, como Bruzundangas, Feiras e mafuás, Bagatelas e Marginália.

Em 1920, viria a público a coletânea Histórias e sonhos, com os contos escolhidos pelo escritor e publicados pela pequena editora de Francisco Schettino. O próprio Lima, mais uma vez desgostoso com o resultado final da edição, tratou de, na errata, explicar que: "Durante a impressão deste livro, por motivos totalmente íntimos, foram atormentadas as condições de vida, tanto da do autor, como da do seu amigo Antônio Noronha Santos, que se encarregou das respectivas provas" (Barreto, 1920: 185). A despeito dos problemas editoriais, o livro foi bem recebido pela crítica jornalística ‒ entendido como uma amostra da "literatura original de Lima Barreto".

No livro Histórias e sonhos apareceria pela primeira vez, como conto e não como livro, "Clara dos Anjos". Fora assim também com "Numa e a ninfa", história publicada primeiramente como conto e depois como novela. Lima não chegaria a ver editado seu romance mais suburbano e mais preocupado com a definição das cores dos personagens; isso a despeito de ter datado o manuscrito de final de 1921 e começo de 1922. Já o conto, sim; ganharia em 1920 a forma impressa em livro.

Toda ambientada nos subúrbios cariocas, mais particularmente em Todos os Santos, bairro em que Lima residia, a história começa com o pai da protagonista que dá nome ao conto, Joaquim dos Anjos, um carteiro que "gostava de violão e de modinhas" e era descrito como "pouco ambicioso em música" e nas "demais manifestações de sua vida". Empregado de um advogado famoso, nunca ambicionara muito na vida e se contentava com um modesto emprego público. Depois transformara-se em carteiro "havia quinze para vinte anos" (Barreto, 2010a: 246-255).

Logo que foi contratado no emprego, Joaquim comprou "uma casita de subúrbio" que foi pagando o resto em prestações (246-247). Detalhista, o autor esmiúça a variedade de casas existentes nos subúrbios, onde, até hoje, pode-se observar a contiguidade entre habitações simples com outras mais bem acabadas: "forradas de azulejos até a metade do pé-direito" ou mesmo "chácaras de outros tempos" (247).

Seu Joaquim era casado há quase 20 anos com Engrácia e só tinham uma filha, a Clara. "O carteiro era pardo-claro, mas com cabelo ruim, como se diz; a mulher, porém, apesar de mais escura, tinha o cabelo liso". Lima faz questão de descrever com detalhes as cores de seus personagens, e, como veremos daqui a pouco, detalhes não são meros detalhes; conformam parte constitutiva da obra desse escritor. E ele faria o mesmo na hora de caracterizar a filha de Joaquim e Engrácia, esmiuçando seus traços físicos.

Na tez, a filha puxava o pai; e no cabelo, à mãe. Na estatura, ficara entre os dois. Joaquim era alto, bem alto, acima da média, ombros quadrados; a mãe, não sendo muito baixa, não alcançava a média, possuindo uma fisionomia miúda, mas regular, o que não acontecia com o marido que tinha o nariz grosso, quase chato. A filha tinha ficado em tudo entre os dois; média deles, era bem a filha de ambos (Barreto, 2010a: 248).

O escritor não deixa escapar as mínimas variações na "cor escura", prática estranha à época, tanto na literatura como na pintura e até mesmo na fotografia. Pintores acadêmicos alegavam dificuldades na hora de representar corpos negros em suas telas. Teoricamente, o problema era apenas técnico: faltavam tintas e modelos adequados para representar os tantos tons de marrom da nossa população. A falta era, porém, excesso (de sentido): careciam os recursos e a vontade de pintar aqueles que pouco frequentavam os retratos das pinacotecas, mas eram (e são) maioria entre os habitantes do nosso país. Claro está que o problema não era da ordem da "natureza", mas antes da cultura e da sociedade (Schwarcz, 2008). Na verdade, a falta de uso vinha da teimosa exclusão social, econômica e política praticada no país. A pobreza não merecia retrato na parede; muito menos a escravidão, que se espalhou feito erva daninha por estas Américas. Esse foi o motivo, por exemplo, para a Kodak, durante muito tempo, não contar com filmes apropriados para captar a cor negra. Melhor dizendo, a calibragem configurada para imprimir as fotos não reproduzia as peles mais escuras que saíam nas revelações com uma coloração pálida ou tão preta, que só se podia distinguir o branco dos olhos e dos dentes. A norma era outra: a brancura. Foi só nos anos 1960, com a vigência dos movimentos de direitos civis, que esse impasse ganhou outro tipo de solução. De toda maneira, nota-se como o problema, nessas primeiras décadas do século XX, não estava apenas relacionado aos limites da tecnologia; o que faltava era reconhecimento da diversidade étnica e desejo de mostrá-la. A questão é, portanto, moral e está vinculada às práticas de representação visual.3

A partir desse pequeno detalhe é possível descobrir um escritor muito atento às variações de cor negra e às especificidades de uma literatura impactada pelos temas e pelas cores sociais dessa população de origem africana, numa época em que os personagens pertencentes a esses grupos, quando apareciam nos romances, eram ainda majoritariamente escravos, secundários ou, se tanto, remediados, quando não vilões. A essas alturas, já fazia mais de 30 anos que a Lei Áurea havia sido decretada, e, mesmo assim, os estereótipos continuavam perversa e teimosamente presentes. Clara, ao contrário da representação geral, crescera alheia a tudo isso: era filha única de uma família bem estruturada, morava em casa própria, estudava e tinha sonhos iguais aos das demais mocinhas, que mal dormiam imaginando a chegada de seu príncipe encantado. Protegida de todos, desacompanhada não ia nem à venda mais próxima. Por vezes tinha permissão para ir ao cinema com as amigas no Méier ou no Engenho de Dentro, os bairros mais animados dos subúrbios (Barreto, 2010a: 249).

A vida ia seguindo assim pacata até que "certo dia, um dos companheiros dominicais do Joaquim pediu-lhe licença para trazer um rapaz de sua amizade, o Júlio Costa, que era um exímio cantor de modinhas". Seu Joaquim concordou, e no dia da festa o famoso trovador apareceu.

Branco, sardento, insignificante, de rosto e de corpo, não tinha as tais melenas denunciadoras, nem outro qualquer traço de capadócio. Vestia-se seriamente com um apuro muito suburbano; sob a tesoura de alfaiate de quarta ordem. A única pelintragem adequada ao seu mister que apresentava, consistia em trazer o cabelo repartido no alto da cabeça, dividido muito exatamente pelo meio. Acompanhava-o o violão. A sua entrada foi um sucesso (Barreto, 2010a: 248-249).

Todas as moças "das mais diferentes cores que, aí, a pobreza harmonizava e esbatia", logo o admiraram. Lima destaca, então, a profusão de cores que lá reinava, e que correspondiam a pequenas variações em tons de preto e marrom. Contrasta também a figura do Júlio Costa, com "ares de nobre e roupas de quarta categoria". O escritor brinca, assim, com a pretensa superioridade do modinheiro: branco e morador de um bairro "melhor" dos subúrbios. Apresentado aos donos da casa e à filha, logo deitou um "olhar guloso para os seios empinados de Clara". O baile começou e num dos intervalos Joaquim convidou o moço para cantar, e a filha insistiu. Dias depois, Clara recebeu uma mensagem do cantor, que reclamava da falta de atenção da sua nova musa. Ninguém "pôs malícia na coisa", e o Costa passou a almoçar e jantar na casa de seu Joaquim. Informa o escritor que, no começo, eram "só olhares"; depois, foram pequenas frases, galanteios trocados às escondidas e cartas secretas (Barreto, 2010a: 251).

Lima, que sempre desfez da gramática dos acadêmicos, brinca com a escrita de Júlio, que assassinava a ortografia. Apesar de branco, ele recebera uma educação menos qualificada que a da filha de seu Joaquim. "A carta era a coisa mais fantástica, no que diz respeito à ortografia e à sintaxe; tinha, porém, uma virtude: [...] era original" (Barreto, 2010a: 251). A despeito dos erros, a missiva estremeceu "toda a natureza virgem de Clara". Não sabia bem o que fazer. Afinal, "ele era branco; ela, mulata". "Mas que tinha isso?" O escritor, que em basicamente todos os seus romances, contos e crônicas sempre passava, de alguma forma, pelo tema da cor social e pelos problemas de exclusão racial ou de origem, como ele chamava, dessa vez pegou a questão a laço.

Júlio Costa morava na estação próxima a Todos os Santos, e a situação de sua família era melhor, socialmente falando, do que a da namorada. O pai carregava a "imponência grotesca do bom funcionário". Sua mulher a despeito da pouca educação tinha "uma pretensão íntima de ser grande coisa, de uma grande família". Além de Júlio, o casal contava com três filhas: uma já era adjunta municipal, outra estudava na Escola Normal, e a mais moça cursava o Instituto de Música. Pareciam-se com o pai e "tinham ambição de casamentos doutorais" (Barreto, 2010a: 252). Lima não perdoa a família de Júlio, que a despeito de morar nos subúrbios, achava-se muito distinta dos vizinhos. Representavam a própria "aristocracia local", desdenhada com frequência pelo escritor. Definindo-os como "pequeno-burgueses, sem nenhuma fortuna", o escritor mostrava como "seu lustro" era apenas uma extensão da posição do pai. De toda maneira, com tais planos de ascensão, jamais aceitariam um casamento com alguém mais pobre e, ainda mais, de origem negra.

A intenção de Lima é contrapor os dois personagens e revelar a ambiguidade: a despeito de sua origem social "melhor", Júlio era menos bem formado - tanto na instrução, como no caráter. Os grupos eram diversos internamente, e o escritor se mostra atento a essas especificidades e às marcas sociais de diferença - como classe, mas também raça, gênero, região e geração - que sempre devem ser analisadas de forma interseccionada. E Lima capricha na sua descrição: ele "era quase analfabeto", "muito estúpido" (Barreto, 2010a: 252-253). O escritor solta todos os seus ressentimentos contra essa classe média branca - vizinha em termos de região e condição social. Lima tampouco gostava das letras das modinhas,4 e criticava com frequência a atitude dos rapazes brancos que usavam de sua posição para corromper moças jovens, mais pobres que eles, e em geral "negras ou mulatas", como ele gostava de destacar. Júlio concentrava tudo isso, e ainda mais: "se vira a braços com a polícia por causa de defloramento e seduções de menores" (253).

Enfim, o destino falou mais forte, e a mocinha fez o que prometeu: deixou a janela do quarto aberta para que o galã entrasse. Um belo dia, Clara sentiu alguma coisa estranha no ventre. Comunicou ao namorado e "ele acalmou-a, prometendo casamento" (Barreto, 2010a: 254). No caso do conto, a história se precipita: grávida, Clara pressiona Júlio para que se case com ela. Já a mãe dele, dona Inês, "a custo de rogos, de choro, de apelo - para a pureza de sangue da família", consegue fazer com que o marido evitasse o matrimônio do filho "com uma negrinha de dezesseis anos, a quem o Júlio 'tinha feito mal'" (253).

E a narrativa do conto toma o rumo esperado. O pai, desgostoso com o filho, não quer mais saber dele. Já Lima vincula simbolicamente a imagem de Júlio à das rinhas de galo, e carrega nas tintas. Era vagabundo, sedutor, deflorador, violento, sem escrúpulos, repugnante e, além do mais, modinheiro, desses que existiam muitos no Rio de Janeiro. Daí inverte a coloração: para o autor de "Clara dos Anjos", os malandros não eram os morenos e pobres: eram os brancos e de classe média baixa.

O sucesso na sedução também tinha a ver com a "obsessão de Clara pelo casamento". Aqui em "Clara dos Anjos" a crítica não se dirigia apenas ao casamento; mirava o preconceito de cor e as desigualdades persistentes de raça. A história ia chegando ao fim, com o cantador das modinhas sumindo e Clara sentindo-se cada vez mais desamparada. Lima ainda joga para seu leitor um lampejo de esperança com a "ideia salvadora" da moça, que achou que convenceria a mãe de Júlio. Dá-se então o diálogo mais ríspido do conto. Clara, altiva, propõe o casamento. A mãe de Júlio, por sua vez, devolve logo "a realidade" da diferença racial: "Ora, esta! Você não se enxerga! Você não vê mesmo que meu filho não é para se casar com gente da laia de você! Ele não amarrou você, ele não amordaçou você... Vá-se embora, rapariga" (Barreto, 2010a: 253).

Clara não conseguiu esconder as lágrimas e a revolta: "Então ela não se podia casar com aquele calaceiro, sem nenhum título, sem nenhuma qualidade superior? Por quê? Viu bem a sua condição na sociedade, o seu estado de inferioridade permanente, sem poder aspirar à coisa mais simples a que todas as moças aspiram" (Barreto, 2010a: 254-255). Nessa passagem, a protagonista lembra muito o personagem Isaías Caminha. Ele descobriu que era negro no caminho da cidade grande; ela, com a gravidez avançada de um filho de pai branco. Não se ultrapassam o preconceito e as amarras criadas por um modelo enraizado como o sistema escravocrata apenas com educação e bons sentimentos. É por isso que Clara, desiludida, se pergunta: "Para que seriam aqueles cuidados todos de seus pais?. [...] Foram inúteis e contraproducentes, pois evitaram que ela conhecesse bem a sua condição e os limites das suas aspirações sentimentais" (255). Clara e o narrador omnisciente tratavam de dar à trama um choque final de realidade. Júlio e Clara nada tinham de Romeu e Julieta, e nesse caso o modinheiro pouco lutou para ficar ao lado da sua "amada". Para Lima, nos trópicos quentes, a questão racial anulava qualquer idealismo romântico. A despeito de o herói e a heroína morarem nos subúrbios, pertencerem a uma classe média remediada, serem filhos de funcionários públicos, com a educação formal favorecendo a moça do casal, persistia uma diferença incontornável entre os dois: ele era branco, e ela era africana de origem. Por isso, haviam de confirmar os preconceitos de cor vigentes no Brasil.5 A diferença racial numa sociedade em que o racismo é tão arraigado tornava-se quase estamental. O final do conto é presumível; Clara volta para casa e, entre soluços, diz: "Mamãe, eu não sou nada nesta vida" (255).

Como sabemos, Lima não chegou a conhecer a publicação de seu romance Clara dos Anjos, mas esse foi o livro mais trabalhado por seu autor e o mais voltado para as especificidades dos subúrbios. Foi também o mais preocupado em delimitar as divisões espaciais e simbólicas que por lá se estabeleciam - com fronteiras criadas internamente a partir da cor social. Não a cor biológica e mais imediatamente apreensível; mas a cor como construção social, como forma de diferenciar grupos de maneira hierárquica e comparativa. No Brasil as cores, muitas vezes, não guardam sentido absoluto só ganhando significados em uma circunstância delimitada.6

Esses são, porém, limites tênues e só reconhecíveis por populações locais, acostumadas a esses códigos e linguagens internos, dos quais Lima partilhava e que tentou transportar para a sua última versão de Clara dos Anjos. Do conto para o romance, Júlio muda de nome, vira Cassi, e tem suas características "abomináveis" ainda mais exacerbadas. O Cassi do livro é definido como "psicopata", mas não daqueles que sofrem com "nevrose ou qualquer psicopatia". Se era "muito estúpido para todo o mais", no caso da sedução tinha "a habilidade consumada dos scrocs". "O violão e a modinha eram seus cúmplices" (Barreto, 2012: 109-110). Como se vê, Cassi era mesmo o vilão de Lima.

No livro, Cassi Jones de Azevedo era "filho legítimo de Manuel Borges de Azevedo e Salustiana Baeta de Azevedo". O Jones, provoca Lima, "é que ninguém sabia onde ele fora buscar, mas o usava desde os vinte e um anos", talvez por "achar bonito o apelido em inglês". A mãe "nas suas crises de vaidade", dizia-se descendente de "um fantástico Lord Jones, que fora cônsul da Inglaterra, em Santa Catarina; e o filho julgou de bom gosto britanizar a firma com o nome do seu problemático e fidalgo avô" (Barreto, 2012: 83-84). Cassi seguia "as modas da Rua do Ouvidor", mas com um "apuro degagé suburbano". Era assim, na avaliação certeira de Lima, um "elegante dos subúrbios", mas que não sobrevivia ao crivo da capital: sua ostentação só fazia efeito nos bairros mais pobres, como os de Clara e de Lima.

No romance, de forma mais acentuada do que no conto, o modinheiro é definido como um "patife contumaz". Era Salustiana, a mãe, quem em geral recebia a "confissão das infelizes": "uma crioulinha" que fora copeira da casa; a Luísa, empregada de um conhecido; a Santinha, que costurava para fora. Diante de todas, a mãe batia o pé, afirmando que o filho não casaria com "criada preta, ou moça pobre mulata". Eram os "preconceitos de fidalga e alta estirpe" da mãe de Cassi, mas que manipulava com as "realidades dadas por esses tempos em que ser mais branco era já pressupor fidalguia e inventar um passado" (Barreto, 2012: 84-87). Conforme escrevia Lima, com sensível precisão de termos, "uma diferença acidental de cor é causa para que possa se julgar superior" (185). Aí estavam hierarquias de cor; códigos só traduzíveis pelos "de dentro", dos subúrbios.

A residência da família de Cassi ficava "num subúrbio tido como elegante". Com o tempo, o patriarca foi conferindo a ela um aspecto de "boa burguesia remediada" (Barreto, 2012: 289-290). Eram brancos, mas de classe média baixa; e, assim, os limites sociais dos Azevedo ou Jones eram proporcionais à reação virulenta da mãe do modinheiro. Também no romance, diante do pedido da "mulata Clara", dona Salustiana se exalta. Na verdade, o escritor vai elevando o tom, pretendendo destacar a contradição vigente no seio da família branca: "A intervenção da mulatinha a exasperou [...]. - Que é que você diz, sua negra?" (291).

Cassi Jones - e o nome diz muito da crítica de Lima ao "bovarismo" das elites e das semielites brasileiras - é definido como um "crápula". Muito versado nesse alfabeto das cores, Lima mostra como, fora do limite seguro dos subúrbios, Cassi anulava-se: "não conseguir ler um livro sequer"; não sabia "pedir bebidas com nomes importados"; e discriminava bem "a distância que o separava das moças da capital".

Mas, ao mesmo tempo em que o escritor realiza uma avaliação fina das marcações de classe, região, cor, gênero e origem, deixa passar seu ressentimento nos termos com que define Cassi.7 O modinheiro tinha "estupidez congênita" e "perversidade inata", era "criminoso inato" (Barreto, 2012: 172). Fica aí expressa sua ambiguidade diante do tipo de modelo científico que tanto criticava e por vezes temia. Ele podia estar jogando com o senso comum da época ou projetando-o para caracterizar seu vilão. De toda maneira, os termos evidenciam como a linguagem da biologia e dos caracteres inatos era ainda forte nesse momento.

Não era, porém, só o tema da raça, expresso nas cores sociais, que aparecia no romance de maneira intencional. Foi nessa trama que o escritor investiu de forma mais direta na denúncia aos maus tratos das mulheres pobres e muitas vezes de afrodescendentes. Nesse terreno, aliás, as atitudes de Lima eram também ambivalentes. Se o amanuense criticava as feministas por considerá-las meras "importadoras de vogas", moças da elite que se divertiam com uma nova arma política, não era insensível ao regime de violência a que se submetiam as mulheres do povo. Desde os tempos da revista Floreal, ele não só voltava, com regularidade e consistência, ao tema dos assassinatos de mulheres consideradas "infiéis" - condenando a atitude usual do marido traído e a decisão corriqueira dos juízes -, como denunciava a prática da sedução, que vitimava sobretudo as mulheres negras. Nesse sentido, o exemplo de Cassi é dos mais sonoros. De um lado, ele não fazia uso da força; de outro, porém, nem por isso usava técnicas mais suaves: "quando no decorrer de suas conquistas encontrava obstáculos [...] logo procurava empregar violência para arredá-lo" (Barreto, 2012: 163). Assim, Lima mostrava como a técnica de sedução de Cassi era também violenta.

Colocando ao lado dessa teoria, bem sua, a consideração de que não empregava violência nem ato de força de qualquer natureza, ele, na sua singular moral de amorosomodinheiro, não se sentia absolutamente criminoso [...]. Os suicídios, os assassínios, o povoamento de bordéis de todo o gênero, que os seus torpes atos provocaram, no seu parecer, eram acontecimentos estranhos à sua ação e se haviam de dar de qualquer forma. Disso, ele não tinha culpa (Barreto, 2012: 261-262).

Enfim, nada havia de "livre" numa sociedade ainda condicionada pela escravidão.

Na versão que saiu em livro, Cassi, depois de ter abandonado Clara, passa ligeiro pela capital, apenas para retirar as últimas poupanças. O vilão tomou a rua do Ouvidor e foi descendo por "becos imundos que se originam na rua Misericórdia". Lá se deparou com gente "diferente de trato e de cor". Entrou numa taverna e veio a seu encontro "uma negra suja, carapinha desgrenhada, calçando umas remendadas chinelas de tapete". O rapaz estranhou o olhar insistente e logo indagou-lhe o motivo da curiosidade. Foi então que a "negra bamboleando respondeu: - 'Não me conhece mais, seu canaia. Então você não 'si' lembra da Inês, aquela crioulinha que sua mãe criou e você...'" Além do mais, joga com os termos; quando jovem e bonita, Inês era definida como uma "crioulinha" que foi seduzida por Cassi. Agora, alquebrada e velha, ela virava "negra suja". Na cena, Lima ainda introduziu uma mulher "branca e com lêndeas nos cabelos" que acrescentou: "Esses 'nhonhôs gostosos' desgraçam a gente..." (Barreto, 2012: 262-263).

O episódio termina com "a pobre negra" abaixando-se para enxugar as lágrimas na "barra da saia enlameada". Faltava, porém, o desenlace definitivo: o filho deles, antes mesmo de completar os dez anos, "já travara conhecimento com a Casa de Detenção" (Barreto, 2012: 262-264). Aí está a suprema condenação de Lima, que se não fechou o romance com Clara prostituída, concluiu com o infalível destino dos herdeiros dessas relações. A quantidade de termos de cor presentes nesse diálogo é impressionante e quase interrompe a narrativa. Melhor, porém, continuar com ela.

Cassi acaba se safando, mas Lima deu o recado. Do jeito que o romance permaneceu, ele mais se parece com um manifesto a favor dos subúrbios e da ética dos pobres. Clara era também uma plataforma contra os estrangeirismos, as desigualdades de origem, raça, classe e região; uma denúncia forte diante das continuidades que não acabaram apenas com o ato de lei que aboliu a escravidão.

Por essas e outras é que se pode dizer que Lima Barreto fazia uma literatura afrodescendente e negra. Não apenas, e tão somente, porque fosse de origem africana - continente e história, aliás, que sempre se orgulhou de partilhar -, mas porque sua literatura era universal e brasileira ao tratar de personagens "negros e morenos", como os definia, e trazer enredos em que essas populações, embora sofressem com o preconceito arraigado, levavam suas vidas, divertiam-se, criavam, cultuavam seus deuses, desenhavam suas casas, cantavam suas músicas, vestiam-se para os dias feriados, divertiam-se em suas festas. Com efeito, a cor faz "toda" a diferença na construção dos romances, no desenho dos protagonistas. Num Brasil constituído majoritariamente por população de afrodescendentes, é raro, muito raro, um escritor que se dedicasse, ainda mais nesse contexto, a essa questão que, como veremos, se é invisível para muitos autores, será absolutamente visível e repetitivamente afirmada na literatura de Lima Barreto.

AS CORES DE LIMA

Em sua obra existem detalhes que saltam aos olhos. O escritor era extremamente minucioso na hora de anotar e quase desenhar as falas, as vestes, as expressões de seus personagens e transeuntes, assim como jamais deixou de descrever, vivamente, suas cores. Não poucas vezes ficamos sabendo como a diferença de origem se expressava numa linguagem social das cores; uma convenção sutil e sensível que cumpre papel paralelo e complementar às várias políticas de exclusão racial experimentadas nesse período do pós-abolição. No romance Clara dos Anjos, além dos exemplos já mencionados, há outros, mais en passant, em que o escritor se deteve nos transeuntes transformando-os em personagens humanos e cheios de sentimentos. É o caso de João Pintor, um dos "bíblias", que trabalhava nas oficinas de Engenho de Dentro, de onde viera seu apelido. Era "um preto retinto, grossos lábios, malares proeminentes, testa curta, dentes muito bons e muito claros, longos braços, manoplas enormes, longas pernas e uns tais pés, que não havia calçado, nas sapatarias, que coubessem neles" (Barreto, 2012: 69).

Essa não é, entretanto, especificidade desse romance ou desse personagem. Outros exemplos podem ser encontrados em toda obra de Lima, comprovando a intencionalidade do autor. Em Vida e morte de Gonzaga de Sá, um de seus primeiros romances a ficar pronto e só publicado em 1919, o amanuense andarilho introduz a figura do "preto velho", que representa a imagem da passividade e o paradoxo da "boa escravidão"; submissa e leal: "Subi devagar uma rua em ladeira, pelas bandas da Candelária; e bati palmas, com respeito, no portão do jardim de sua velha casa, lá quase no alto de Santa Thereza. Veio-me abrir a porta um preto velho, da raça daqueles pretos velhos que sofreram paternalmente os caprichos das nossas anteriores gerações" (Barreto, 1990: 57). Era essa a representação que as elites queriam guardar, e não aquela dos cativos rebeldes e amotinados, que fizeram a sua abolição pela força de sua insurreição.8

Lima também não tinha temor em tratar de tema polêmico, até mesmo em sua época. Por isso, ele sistematicamente criava personagens e os imaginava em cores; sobretudo variações do negro. Em outra passagem, pretensamente sem importância, retirada do mesmo livro, comenta: "Seu filho chegou com o pão. Era um magnífico exemplar de mulato, de mulato robusto, ousado de olhar e figura, mas leve, vivaz, flexível, sem ressumar peso nem lentidão nos modos" (Barreto, 1990: 86). Mulato é termo que vem de mula - da mistura do burro com o cavalo - e lembrava tanto inferioridade biológica como mestiçagem indevida. Era classificação popular e recorrente, e por isso o escritor a utiliza com pretensa naturalidade; ou até mesmo para denunciar a violência contida no termo (Corrêa, 1996).

Lima não só revela essa onipresença das cores na descrição do Brasil, como brinca com a pretensa ausência delas. Em outro momento do livro, o escritor desfaz do senso comum, ironizando como teriam sido os viajantes os primeiros a notar que, afinal, "tínhamos negros no Brasil". Com ironia, ele denuncia a prática da invisibilidade social num país de grande predominância de africanos e seus descendentes. Agora era Gonzaga de Sá quem comentava o fato de num jornal de caricaturas aparecerem uns "clichês muito negros". E alinhava: "E olha que ninguém quer ser negro no Brasil!" (Barreto, 1990: 35). Com igual intenção, no livro Bruzundangas o escritor descreve a história dessa nação que enriquecera por conta do café, do cacau e da borracha, e também porque lá "não há pretos".

Ainda nesse livro, ao comparar o Rio de Janeiro com Buenos Aires, Lima caçoa da suposta superioridade dos portenhos e conclui: pois lá as "ruas são longas e retas, e não há pretos". E arremata: "portanto, meus senhores, o Rio de Janeiro, cortado de montanhas, deve ter largas ruas retas; o Rio de Janeiro, capital de um país que recebeu durante quase três séculos milhões de pretos, não deve ter pretos" (Barreto, 2004a: 166). Provocação semelhante aparece no romance Numa e a ninfa:

Outra fonte de irritação para esses espíritos diplomáticos estava nos pretos. Dizer um viajante que vira pretos, perguntar uma senhora num 'hall' de hotel se os brasileiros eram pretos, dizer que o Brasil tinha uma grande população de cor, eram causas para zangas fortes e tirar o sono a estadistas aclamados [...]. Hão de concordar esses cândidos espíritos diplomáticos que o Brasil recebeu durante séculos muitos milhões de negros e que esses milhões não eram estéreis; hão de concordar que os pretos são gente muito diferentes dos europeus; sendo assim, os viajantes pouco afeitos a essa raça de homens, hão de se impressionar com eles (Barreto, 1989: 138-139).

De tão frequente, o tema das cores não lembra coincidência. Também em Numa e a ninfa, ele retorna ao assunto:

Os nossos diplomatas e quejando com esse tolo e irritante feitio de pensar quiseram apoiar a sua vaidade em uma filosofia qualquer; e combinaram as hipóteses sobre as desigualdades de raça com a seleção guerreira, pensando em uma guerra que diminuísse os negros do Brasil. Não podendo organizar uma verdadeira 'reserve for the blacks', decretar cidades de resistência, estabelecer o isolamento 'yankee', pensaram na guerra em que morressem milhares de negros, embora ficando as negras a parir bebês brancos (Barreto, 1989: 39).

Bem informado, Lima não disfarçava sua antipatia pelos Estados Unidos, sobretudo por conta da política por lá praticada contra os negros.

Chama atenção ainda a quantidade de termos com que são definidos os personagens de Lima. São pretos, pardos, morenos, criolos, negros, cafuzos, mulatos e mulatas. Por sinal, o escritor abusa do último termo como se, premeditadamente, quisesse chocar. "Esses mulatos eram considerados feios (escreve ele), uma quizília". Até mesmo os habitantes de Bruzundanga eram "mulatos": "javaneses mulatos". Jogando, nesse caso, com o terreno da ficção, juntando sua república de Bruzundanga com suas considerações sobre o javanês, explica: "É um javanês (equivalente ao nosso "mulato" aqui) e ademais não sabe sânscrito" (Barreto, 1961: 179). Enfim, Lima traz para o primeiro plano de sua obra essa forma brasileira de classificação social: o léxico social das cores. Mais ainda, afirmam-se como uma gíria local agressiva, que repõe, na lógica do privado e da intimidade, processos sociais de inibição social.

PRETOS HUMILDES

"Pretos", na literatura de Lima, eram sempre os mais "humildes"; aqueles que viviam o preconceito da sociedade. Não contente em descrever apenas a cor, o autor usa seu talento para nos deixar visualizar esses tipos, muito comuns na paisagem brasileira do pós-abolição.

O cavalheiro digno de nota era um preto baixo, um tanto corcunda, com o ombro direito levantado, uma enorme cabeça, uma testa proeminente e abaulada, a face estreitante até acabar num queixo formando, queixo e face, um V monstruoso, na parte anterior da cabeça; e, na posterior, no occipital desmedido, acaba o seu perfil monstruoso (Barreto, 2012: 130).

Carregando séculos de escravidão nos ombros, "pretos" faziam parte constante das narrativas de Lima. Em seu Diário do hospício, por exemplo, ele descreveu, do lado de dentro da instituição, "um preto moço, tipo completo do espécimen mais humilde da nossa sociedade". Havia mais um que "não era bem preto; tinha a tinta do rosto azeitonada, cabelos lisos e negros, embora a barba e o bigode fossem crespos". Outro, ainda, que dormia no leito ao lado de Lima, "era um preto moço e humilde" (Barreto, 2010b: 46).

"Pretos" eram, pois, tipos considerados, em geral, mais passivos e marcados pelo medo do retorno ao cativeiro. No seu Diário íntimo, Lima refere-se a um "velho preto" ou ao "preto velho Nicolau". Era ele que trazia o café. "Há quinze anos que ele o fazia, com a mesma regularidade e com aquela larga e doce simpatia, que só se encontra nessas almas selvagens dos velhos negros, onde o cativeiro paradoxalmente depositou amor e bondade" (Barreto, 2001: 1236). A constatação de que sobrara bondade nesses pretos velhos, mesmo depois dos sofrimentos da escravidão, enternece Lima.

No Diário e em Cemitério dos vivos, ele relaciona outros "pretos do Hospício", seus colegas de internação. Um deles "era um preto que tinha toda a aparência de são, simpático, com aqueles dentes dos negros, límpidos e alvos, como o marfim daqueles elefantes que as florestas das terras dos seus pais criam" (Barreto, 2001: 181). Esses eram, como mostra o Diário íntimo, antigos "pretos de ganho, quitandeiros", "carregadores", que continuavam dominando as ruas do Rio, mesmo que agora vivessem à base do salário.

E para deixar clara a presença desses "tipos", o escritor insiste no termo - pretos velhos ou pretas velhas -, numa tentativa de provocar mal-estar diante de uma situação de dependência por demais conhecida e que a abolição da escravidão não apagou. Basta selecionar o exemplo do preto Anastácio, um comovente personagem de Triste fim de Policarpo Quaresma que servia Policarpo fazia 30 anos e conversava sobre "cousas antigas". A relação deles era tão desigual, mas tão assentada e afetiva, que até mesmo quando o major foi preso, de quem mais se lembrou, "naquele momento, era do Anastácio, o seu preto velho, do seu longo olhar, não mais com aquela ternura passiva de animal doméstico, mas cheio de assombro, de espanto e piedade, rolando muito nas órbitas as escleróticas muito brancas, quando o viu penetrar no vagão da estrada de ferro". A descrição de um animal doméstico, de ternura passiva, todo "seu", só pode ser uma espécie de manifesto diante da maneira como no país custava-se a fazer valer o corpo da lei (Barreto, 2011: 170, 183).

Conforme mostra o historiador Robert Darnton (1986), animais domésticos são, por definição, ambivalentes, uma vez que se localizam na fronteira entre a natureza e a cultura, o público e o privado. E Anastácio, cujo nome deve ter vindo da personagem popular escrava Anastácia, de cuja existência não se tem prova concreta, mas que ainda hoje é mencionada, como exemplo de passividade e da representação da "boa" escravidão, em discursos oficiais ou que procuram apagar a mancha desse sistema.

Até mesmo Ricardo Coração dos Outros, o músico de boa alma e amigo sincero do major Quaresma, não deixa de ser preconceituoso na hora de se equiparar a um "sujeito preto" que tocava muito bem o violão. Lima explica que "Não é que ele tivesse ojeriza particular aos pretos. O que ele via no fato de haver um preto famoso tocar violão era que tal coisa ia diminuir ainda mais o prestígio do instrumento" (Barreto, 2011: 167). Por sinal, anos depois, Gilberto Freyre (2006) descreveria exatamente esse processo social: o instrumento que, associado à escravidão, perdia seu prestígio nos círculos que se pretendiam letrados na capital da República.

"Pretos" eram também aqueles que, após o final da escravidão jamais abandonavam os esquemas em que se tinham habituado a viver durante o período do cativeiro. Essa era a história da crônica "Variações", que contava o caso de "um preto" que vivia da caça e da pesca e morava "bem perto da avenida Central que se intitula civilizada" (Barreto, 2004b: 484). "Selvageria e civilização" habitavam lado a lado, ao menos no caso desses indivíduos que, passados os dias da escravidão, optavam por apenas desfrutar da liberdade recém-adquirida de maneira radical (ver Fernandes, 2007). Nada de trabalho estável ou rotina de labuta. Iam ficando igualmente borrados os limites entre quem era "perfeitamente selvagem" e quem era "civilizado".

Talvez o "preto velho" mais próximo do coração de Lima tenha sido Manoel Oliveira, que aparece mencionado em seu Diário íntimo como o "preto cabinda que tinha de sua nação um orgulho inglês. Hei de escrever-lhe um artigo" (Barreto, 2001: 1313). Sua importância ficou de fato registrada na crônica que o escritor publicou com o nome dele na revista Santa Cruz de maio de 1921. Nela contava a vida desse verdadeiro companheiro de sua família, com o qual conviveu nos tempos das Colônias de Alienados e que virou agregado após os Barreto deixarem a Ilha do Governador. O conto ou crônica, difícil dizer, começa de forma indireta.9 A história narra uma grande "mágoa", tão grande que levou sua vítima à "semiloucura". Era essa a cantilena que Cabinda muitas vezes contou para o menino e depois para o rapaz. Manoel aprendera o ofício de plantar couves com seu senhor, que morava pelas bandas do Catete. Lima o chama afetivamente de "o pobre Manoel" e "do meu cabinda", designando certo paternalismo, alguma propriedade e muito afeto no pronome possessivo (Barreto, 2010c: 663). A vida de Manoel era feita de levar verduras e legumes com preços fixos à feira, sendo ele autorizado a vendê-las mais caro para que ficasse com o excedente. Manoel era "preto de ganho", muito "afeiçoado a seu senhor" - o escritor anota de maneira delicada um costume herdado da época da escravidão, quando o escravo levava o nome da família de seu proprietário e postergava laços de dependência (ver Schwarz, 2000). "Durante anos, Manoel de Oliveira, pois, como era costume, veio a usar sobrenome do senhor, fez ele isso, ao sol e à chuva, juntando nas mãos do senhor os seus lucros diários. Quando chegou a certa quantia estipulada, o Oliveira, dono da horta, deu-lhe a sua carta de alforria". Manoel, no entanto, como não conhecia outro ofício, continuou a trabalhar com seu antigo senhor, mas agora "mediante salário". Porém, "Um belo dia, a sorte bafejou-o e a loteria deu-lhe um conto de réis, que ele guardou nas mãos do patrão" (Barreto, 2010c: 663).

Lima vai deixando clara a dependência de Manoel, que continuava a manter e a renovar laços de afeição com seu senhor, e contentava-se em tomar, em liberdade, o seu trago de bebida. Ocorreu de Manoel de Oliveira conhecer uma "pretinha escrava" chamada Maria Paulina. Ele a libertou e com ela foi morar. As coisas correram bem durante certo tempo. De manhã, lá ia Manoel de Oliveira para a horta, apanhava o tabuleiro e corria à freguesia. Até que Maria Paulina fugiu. Escreve Lima que o "pobre preto" ficou "meio pateta", passou a falar sozinho, abandonou a horta e passou a dormir na cidade sem endereço fixo. "A polícia apanhou-o e meteu-o no Asilo de Mendigos. Daí foi enviado para a ilha do Governador" (Barreto, 2010c: 664).

O escritor mistura a história de Manoel Cabinda com a sua própria e com a da República, contra a qual ele se manifestou sempre que pôde. Comenta que, com o novo regime, as colônias foram "transformadas nas atuais de alienados". E a partir daí as histórias se cruzam: "Meu pai foi, em 1890, nomeado para um pequeno emprego numa delas. Fomos todos morar lá e foi então que eu conheci Manoel de Oliveira".10 Um trabalhador disciplinado, "o velho preto cabinda" parecia feliz como "encarregado de uma seção" do manicômio. Ele cuidava dos porcos (Barreto, 2010c: 664).

Dos internos, o Oliveira, com sua "dor eterna", era o mais próximo dele. Comenta o autor, como, a despeito dos rigores do regulamento vigente na colônia de alienados, Manoel ia sempre à casa dos Barreto para "levar isso ou aquilo; e às vezes, lá se demorava, fazendo este ou aquele serviço". Quando o médico lhe deu alta, foi morar com a família. Lima passou a "conhecê-lo melhor e apreciar a grandeza de sua alma e a singularidade de suas opiniões. Coisa curiosa! Oliveira tinha em grande conta a sua "dolorosa Costa d'África". Se Lima tentasse menosprezar sua origem, o "humilde amigo" logo retrucava e, chamando-o de "Seu Lifonso", lembrava da existência de "doutores e sábios" em seu continente, e de como ele deveria se orgulhar da África".11 Manoel não só ensinou ao menino a ter orgulho por seu passado, como mantinha "opiniões políticas curiosas". Tinha uma grande veneração pelo monarca Pedro II e não gostava da República (Barreto, 2010c: 665).

A relação afetiva que Lima manteve vida afora com "seu" Cabinda virou exemplo e marca do que a escravidão legou: era "curiosa a pobre alma de negro" que o acompanhou durante quase 30 anos. Foram muitos os anos passados ao lado do jardineiro, que virou, achou seu prumo, mudou para o Rio junto com os Barreto e levou sua vida regular como um relógio. Ao final do texto, Lima conta que depois de tanta convivência comum, foi ele quem providenciou o enterro do Cabinda no cemitério de Inhaúma. Junto com ele, confessa o escritor, soterrou também boa parte das esperanças que carregava consigo (Barreto, 2010c: 665).

Dessa forma, se Lima diferenciava-se dos seus "pretos velhos", uma vez que nascera livre, identificava-se, porém, na "sua candura simples". E eram muitos os Manoel Cabinda na vida do escritor. Basta lembrar de "um preto velho quase centenário, de fisionomia simiesca e meio cego" descrito em Recordações do escrivão Isaías Caminha. Ou ainda um "preto que tinha os pés espalmados", "andava de leve, sem quase tocar no chão, escorregava, deslizava - era como uma sombra...". A marca forte e perversa da escravidão impusera os pés descalços e o silêncio dos que viviam à sombra. De toda maneira, mesmo oprimidos por anos de cativeiro, não abriam mão de suas histórias, das lembranças da sua origem, muitas vezes guardadas junto com o orgulho dos tempos passados, quando ainda eram livres na África. Afinal, ninguém fora escravo no passado; todos tiveram sua nação, seus vizinhos, seus próprios diários íntimos. Nesses momentos, a ternura de Lima era imensa e dolorosa. Ele devia, com esses seus outros, viver muitas histórias naquelas histórias (Barreto, 2010d: 250).

MULATOS, MALANDROS E PERSEGUIDOS. COR E CONTRACOR

Não eram apenas "humildes e pretas" as cores do catálogo social de Lima. Aí estão protagonistas ou meros transeuntes descritos por ele como "mulatos", pois têm em comum o fato de manipular histórias e situações. E há toda sorte de casos: podem ser violentos quando precisam; podem ser trabalhadores ou preguiçosos, mas são sempre namoradeiros e bons músicos. "Mulatos" também são normalmente descritos pelo escritor como escravos de segunda geração ou como aqueles nascidos livres. Por isso seriam mais espertos e pouco dados ao trabalho humilde nas fazendas. Ataliba do Timbó era, por exemplo, "um mulato claro, faceiro, bem-apessoado, mas antipático pela sua falsa arrogância e fatuidade" (Barreto, 2012: 101). Era personagem de Clara dos Anjos. E havia outros; o Ezequiel, filho de Florência Pestana, que "puxara muito ao pai, que era mulato, mas tinha os olhos glaucos, translúcidos, de sua mãe meio eslava, meio alemã, olhos tão estranhos" (128).

Talvez por isso alguns "mulatos" eram descritos como desconfiados. Esse é o caso do Santana, um enfermeiro-mor ou inspetor, que aparece na crônica Tenho uma esperança, caracterizado como um "mulato forte, simpático, olhos firmes, um pouco desconfiado" (Barreto, 2010b: 49), mas bom de coração. Ou o exemplo de outro personagem, anônimo, que consta em Cemitério dos vivos como um "mulato escuro, forte, mesmo muito forte, rosto redondo grande, olhos negros brilhantes, com uma pequena jaça de desconfiança" (Barreto, 2010e: 209).

Mesmo assim, quando distantes de situações mais tensas, eram em geral definidos como "boas pessoas", "estátuas de ébano" pela beleza de seus corpos - conforme descrição de um paciente no Diário íntimo. "Mulatos" costumavam também ser sagazes, como Elói, que é chamado no mesmo documento de "oportunista". Talvez por isso "escondesse por vezes a cor" ou "por medo de ser chamado de mulato ou negro" (Barreto, 2001: 1301). Esperteza era, portanto, uma forma de fazer uso da cor "mais atenuada" e assim ascender socialmente. Esse "mundo mulato", em vez de ser apenas oprimido, era inesperadamente variado, plural e diferenciado internamente. Crispim, que aparece em Marginália, "nem de leve, se insurgiu, a não ser inofensivamente em palestras e na platônica insurreição do cálice de cachaça, sorvidos, nos lábios de um rapaz, embora mulato, mas educado e com instrução superior à vulgar" (Barreto, 1922).

A imagem ainda se contrapunha a outro pressuposto perverso e onipresente; aquele que entendia os "mulatos" como tipos de "mestiços degenerados", dados à bebida, à loucura e à criminalidade. É exatamente esse tipo de predisposição que ocorre em Recordações do escrivão Isaías Caminha, quando um crime sem autoria é logo imputado a um "mulato". No caso, o próprio protagonista do romance é levado à delegacia sem suspeitar o porquê. Justamente ele, que também tinha educação muito "superior à vulgar", mas que não conseguia emprego por conta da "aparência"; termo que até hoje é usado como forma de eufemismo social. Escreve Lima: "O laudo do doutor Franco concluía que o homem era mulato, muito adiantado é verdade, um quarteirão, mas ainda com grandes sinais antropológicos da raça negra" (Barreto, 2010d: 238). "Mulato adiantado" é expressão que se refere a indivíduos que vão apagando suas "marcas de origem", mas ainda guardam sinais negros pronunciados, e que carregam, dessa maneira, o estigma da criminalidade. Isso considerando-se as teorias do momento, que julgavam a hereditariedade mais determinante do que a própria realidade. Outro personagem retirado desse mesmo romance é Lucrécio, um "mulato" conhecido como Barba-de-Bode, uma "bela pessoa", que exercia o lucrativo ofício de "capanga" político. Vale lembrar ainda o "belo mulato escuro, forte e alto, de cabelos corridos, peito alto e ombros largos. Tinha uma fama de terrível e era muito procurado pelas eleições. Servia de guarda de corpo do Senador Sofônias e propagava a sua celebridade nas 'classes desafortunadas'" (Barreto, 1961: 270).

Lima construía assim um "universo mulato" dos mais complexos e ambivalentes. De um lado, eles eram faceiros, malandros e usados para todo tipo de serviço; em geral contratados por brancos para tarefas fora do registro da ordem e da lei. De outro lado, estavam os demais "personagens mulatos"; os mais inteligentes, educados, mas que não escapavam do julgamento que envolvia a cor.12 Por isso é que em Numa e a ninfa, uma figura secundária na trama, e de quem nem ao menos sabemos o nome, faz coro à paisagem humana que Lima cria no conjunto da obra. Diz ele: "Deixe-me! Deixe-me! Vocês não sabem o que é ser mulato! Ora bolas!" (Barreto, 1989: 72).

Em certos momentos, o próprio escritor se define como "mulato", jogando para si toda a carga de preconceitos que desenhava para seus personagens ficcionais. Em seu Diário íntimo, reflete: "Mas de tudo isso, o que mais me amola é sentir que não sou inteligente. Mulato, desorganizado, incompreensível e incompreendido, era a única coisa que me encheria de satisfação, ser inteligente, muito e muito!" (Barreto, 2001: 1282-1283). Ou, então, em outro trecho:

Porque... o que é verdade na raça branca não é extensivo ao resto; eu, mulato ou negro, como queiram, estou condenado a ser sempre tomado por contínuo. Entretanto, não me agasto, minha vida será sempre cheia desse desgosto e ele far-me-á grande. Era de perguntar se o Argolo, vestido assim como eu ando, não seria tomado por contínuo; seria, mas quem o tomasse teria razão (Barreto, 2001: 1225).

Argolo era marechal e ministro da Guerra na época em que Lima servia como amanuense nessa secretaria. Para ele, o marechal não tinha nada de especial. Já ele, "negro ou mulato", estava sujeito a todo tipo de limite ou trava na carreira e na vida. No Brasil negociam-se cores, e Argolo, que era "escuro" como boa parte dos nacionais, era tido como branco, pois tinha essa "cor de fronteira"; ou, então, porque, ao virar marechal, tornara-se branco.13

Cores são réguas comparadas. Conforme demonstra Victor Turner (2005), cores são também relações, pois nunca se definem sozinhas e de maneira absoluta. Em seu livro Floresta de símbolos, o antropólogo inglês mostra como existiriam alguns elementos essenciais para extrair das cores. Sugere, então, a existência de três cores básicas - preto, vermelho e branco - que representariam produtos do corpo humano e seriam capazes de emitir e incrementar emoções. Essas experiências corporais corresponderiam, por sua vez, a compreensões de poder; classificações com base em esquemas cromáticos.

Percepções pautadas na cor foram também chamadas de "pigmentocracias"; modelo que permanece influente em várias sociedades, as quais, seguindo a ideologia do "senso comum" (ver Geertz, 1975), estabelecem modelos de ascensão social pautados em tons da pele, assim como criam vínculos estreitos entre raça e status socioeconômico (Telles, 2014).

"Mulato", porém, é ainda mais difícil de classificar. É considerada cor "intermediária" e, por isso, está sujeita a ainda mais manipulação. Nina Rodrigues (1938), por exemplo, em seu livro As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil, lançado em 1894, "lamentava" o fato de os mulatos conformarem um "grupo muito numeroso, constituindo quase toda a população de certas regiões do país". Ademais, o cientista baiano encontrava correlação direta entre esse grupo de cor e a grande incidência de crimes. Em função da variedade e dos "graus de periculosidade", ele os dividia em: "mulatos dos primeiros sangues; mulatos claros de retorno à raça branca e que ameaçam absorvê-la de todo; mulatos escuros, cabras, produto de retorno à raça negra, alguns quase completamente confundidos com os negros criolos, outros de mais fácil distinção ainda" (Rodrigues, 1938: 119-120.).

Como se vê, até mesmo na classificação do famoso médico, "mulatos" eram entendidos como "vários em suas feições e comportamentos e como parte de um grupo de intermediários sociais: alguns se adaptariam à vida em sociedade, outros definitivamente não". Dessa forma, trariam "perigo e insegurança social", uma vez que seriam capazes de ascender ou de descender na escala social. Por isso, também, eram sujeitos a muitos arranjos sociais. Interessante pensar que era essa também a maneira que Lima escolhia para se definir. "Mulato desorganizado" e "incompreensível" (Barreto, 2001: 1282 e 1283).

MULATAS, MULATINHAS, PARDAS: BELEZA E INTIMIDAÇÃO

"Mulatas" aparecem com frequência na obra de Lima e em outros livros de época como O cortiço (1890) de Aluízio Azevedo. Nada como lembrar de Rita Bahiana, uma "mulata independente", insinuante, que seduz todos e sempre se "vira na vida" (ver Bosi, 2003). O escritor de Todos os Santos, no entanto, opta sempre por insistir no abuso e na visão preconceituosa que a sociedade dirige às "mulatas", seja denunciando estupros e maus-tratos, seja nomeando a frustração de seus sonhos de ascensão.

Em "Um especialista", Lima, de maneira indireta, descreve os comentários sexualizados que cercam essas personagens: "Uma maravilha! Nunca vi mulata igual [...] Calcula que ela é alta, esguia, de bom corpo; cabelos negros corridos, bem corridos: olhos pardos. É bem fornida de carnes, roliça; nariz não muito afilado, mas bom! [...] Uma boca breve, pequena, com uns lábios roxos, bem quentes... Só vendo mesmo!" (Barreto, 2010f: 91-92). Ele, como narrador, "capricha" nos termos que vai introduzindo ao longo de sua obra, como se quisesse provocar a partir do uso aberto de nomes que em geral eram evitados no espaço público: "negra suja, negrinha, crioulinha, pretinha, moça pobre mulata, cabrochinha". E se são muitos exemplos, nesse que acabamos de citar estão presentes vários elementos dispersos de uma mesma narrativa que cerca as "mulatas", como se correspondessem a uma natureza à parte (Corrêa, 1996). Em primeiro lugar, elas guardariam elementos da selvageria, na maneira como seus corpos são caracterizados. Se são, de um lado, "maravilhosos" e "extraordinários", são também, por outro lado, "excessivos", fartos em suas curvas e lábios (Schwarcz & Lotierzo, 2013). Elas seriam, por fim, tipos intermediários na "evolução e depuração biológica", com seus narizes "não muito afilados", porém "bons", numa alusão ao fato de já não trazerem traços "tão grosseiros" ou "o nariz alargado"; definido como típico dos "pretos" e presente em desenhos e caricaturas.

Talvez o paralelo mais cruel seja aquele estabelecido por Lima no conto Cló. Cló era branca, mas sensual como uma mulata. Em certo momento picante do conto, ela seduz o dr. André - um branco que ajudava sua família, e que era claramente encantado pelos dotes físicos da menina - cantando "uma 'Canção da Preta Mina: Pimenta-de-cheiro, jiló, quibombô; Eu vendo barato, mi compra ioiô!'". O texto fora publicado na coletânea organizada por Lima em 1920, Histórias e sonhos, e trazia a mesma estrutura de Clara dos Anjos, na referência que fazia aos ioiôs brancos. "Ao acabar, era com prazer especial, cheia de dengues nos olhos e na voz, com um longo gozo íntimo que ela, sacudindo as ancas e pondo as mãos dobradas pelas costas na cintura, curvava-se para o doutor André e dizia vagamente: Mi compra ioiô!" (Barreto, 2010g: 176).

A dicotomia entre os "ioiôs brancos" e as "mulatas prazenteiras" era uma mostra de como a opressão vigente durante a escravidão era reproduzida no período republicano. Raça, classe e gênero conformam, pois, sistemas distintos de dominação, mas que dispostos de maneira relacionada contribuem para a consolidação de uma única estrutura.14 As histórias das mulheres da família do escritor também ressoam em seus textos. Afinal, não há como esquecer que sua avó, Geraldina, fora escrava doméstica e a mãe, Amália, era "protegida" da casa dos senhores em que nasceu. De uma maneira ou de outra, projetivamente ou não, "mulatas" aparecem na obra de Lima confinadas ao espaço das casas nos subúrbios ou das ruas da prostituição no Rio de Janeiro. Por outro lado, lá estão elas, sob a forma de um alerta contra a condição de subjugação experimentada por uma parte grande da população negra e feminina, que segue sujeita à violência masculina, de uma forma geral, e ao desprezo dos homens brancos, de maneira mais particular. Essas são histórias que Lima parece fazer questão de não esquecer, até porque dizem respeito a um mundo que é muito seu.

TODA SORTE DE CORES

Negros, negras, negros flexíveis, pardos, pardas, pardos claros, escuros, morenos, morenas, caboclos, caboclas, mestiços, crioulos, azeitonas, morenos pálidos, morenos fortes, negra suja, velha preta, criada preta, moça pobre mulata... Lima vai introduzindo em sua obra uma miríade de cores para dar conta desse vocabulário brasileiro, que acomoda origem, hierarquia, sexualidade, região e classe social.

São muitos os trechos em que o escritor esmiúça, com detalhes, os indivíduos que pretende apresentar. A operação começava nas suas próprias notas, como em seu Diário íntimo:

David C., baiano, homem insinuante; vivo; de escrúpulos reduzidos, honestidade relativa. Intermediário de agiotas. Agenciador de casas de jogo. De qualquer modo generoso. Poucas letras. Pelas mãos, no seu dizer, tem passado a flor da literatura e da ciência pátria. Tísico. Moreno pálido. Meão de altura. Olhos vivos e grandes, inquietos. Meio calvo. Bigode farto. Arcadas superciliares fundas. Sobrancelhas espessas. Vagamente mulato. Sem família (Barreto, 2001: 1220).

Em Triste fim de Policarpo Quaresma, o protagonista, por exemplo, não se cansava de olhar "aquele velho mulato escuro, com uma grande barba mosaica e olhos espertos". Barba espessa, caráter esperto, eis aí, novamente, um mundo de alusões. O próprio major, em outro trecho do livro, desinteressa-se de uma conversa e passa a analisar um rapaz "moreno". "O major nada disse", apenas anotou a figura bem à sua frente. "Ele era magro e chupado, moreno carregado e a oval do seu rosto estava amassada aqui e ali" (Barreto, 2011: 280 e 304). Em Diário íntimo, Lima se detém no seu Cordeiro: "é homem velho, pardo sem ser mulato (?), de pele encarquilhada, a boca pequena calcada para dentro e projetando o queixinho redondo pra fora [...]. Os cabelos, muito lisos, tais como se fossem falsos, descem untados das bordas internas do chapéu." (Barreto, 2001: 1265). Temos aí quase um retrato visual dessa personagem.

Em Triste fim, Lima anota a paisagem do porto do Rio, onde repara também nas cores. "Havia simples marinheiros; havia inferiores; havia escreventes e operários de bordo. Brancos, pretos, mulatos, caboclos, gente de todas as cores e todos os sentimentos, gente que se tinha metido em tal aventura pelo hábito de obedecer" (Barreto, 2011: 343). Cores aqui aparecem junto com a ideia de "inferioridade" e de "obediência" - duas heranças impiedosas de tempos não tão distantes da escravidão. Novamente por meio dos detalhes podem ser traduzidas as denúncias mais constantes desse escritor, para quem a literatura tinha um papel a cumprir diante da realidade do país. Devia ser militante, como temos dito, e a favor dos mais humildes.

A associação entre cor e trabalho é ainda sublinhada nos relatos de Lima, quando descreve, por exemplo: "Uma madrugada fui passear uma hora antes de sair o sol para admirar, à minha vontade, o solene silêncio da paisagem, mas, bem depressa ouvi elevar-se nos ares o hino que cantam em coro os negros no momento de começar o trabalho" (Barreto, 1919). Relacionar negritude e trabalho vem dos tempos da escravidão, quando Antonil (2011), em 1711, em Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, mostrava como os negros eram "as mãos e os pés do senhor de engenho". O dito vingou e vinculou de forma indelével os africanos ao trabalho, assim como reproduziu e ampliou o preconceito ao trabalho manual, considerado "coisa de preto". No entanto, o relato traz também elementos da sociabilidade negra, feita nas brechas, com os cantos que ajudavam a fazer o tempo passar, ao mesmo tempo que construíam novas formas de solidariedades e irmanavam.

O momento mais forte da associação da negritude com a pobreza e a humilhação pode ser encontrada em Diário do hospício e no romance incompleto Cemitério dos vivos. Duro consigo mesmo, Lima denuncia seu próprio preconceito: "Não deixava de influir também nesse grande desprezo que tinha pelos homens do Brasil, uma boa dose de preconceito de raça. Aos meus olhos, todos eles eram mais ou menos negros e eu me supunha superior a todos" (Barreto, 1961: 254). Diferentemente da tábula rasa que a ideia de abolição permitia supor, no Brasil persistiram, no momento da Lei Áurea, bem como posteriormente, aliás, preconceitos próprios dos tempos da escravidão, assim como se reafirmaram subdivisões internas entre negros nascidos escravos, negros filhos de escravos, negros nascidos no seio de famílias livres ou negros nascidos após o 13 de maio.15 Lima deixava explícito como as hierarquias persistiam, e por isso o manicômio funcionava como laboratório de observação. Foi nesse conjunto de textos que o escritor associou, de forma ainda mais forte, pobreza e loucura, mostrando como a origem era (e ainda é) um "mais" efetivo na hora de imputar criminalidade ou alienação.

Esse pátio é a cousa mais horrível que se pode imaginar. Devido à pigmentação negra de uma grande parte dos doentes aí recolhidos, a imagem que se fica dele, é que tudo é negro. O negro é a cor mais cortante, mais impressionante; e contemplando uma porção de corpos negros nus, faz ela que as outras se ofusquem no nosso pensamento (Barreto, 2010e: 211).

Além de associar o negro à doença e à pobreza, Lima verifica também o oposto nos seus Diários íntimos:

Opiniões do Gomensoro. Os negros fizeram a unidade do Brasil. O negro é recente na terra. Os negros, quando ninguém se preocupava em arte no Brasil, eram os únicos (G. Duque, Arte Brasileira16). Os produtos intelectuais negros e mulatos, e brancos, não são extraordinários, mas se equivalem, quer os brancos venham de portugueses, quer de outros países. Os negros diferenciam o Brasil e mantêm a sua independência, porquanto estão certos que em outro lugar não têm pátria" (Barreto, 2001: 1232).

Literatura para Lima não era apenas escrever bonito e tratar de coisas belas. Ele a definiria como "atividade espiritual", uma forma que precisa se conectar com seu tempo, com sua região e com sua condição. Raça surge aqui não como condenação determinista, e sim como uma maneira de associar cor, classe, gênero e origem. Por isso, em sua obra, em seu dia a dia, essa linguagem complexa das cores produzia imensa diferença.17

Cor não é detalhe, mas pode ser apreendida pelos detalhes;18 é mais flexível sem ser sinônimo de ausência de hierarquia social; é dinâmica a despeito de trazer muito da memória da escravidão. Nesse sentido, Lima fazia "literatura negra", e se definia também como "um escritor negro". Não porque a biologia e a biografia explicassem sua forma de escrita, mas porque, em suas narrativas, a cor fazia imenso sentido; e em sua vida também. Por isso, é ela quem define os personagens, explica sua sorte, discrimina preconceitos, denuncia políticas de exclusão social, revela sociabilidades, motiva relações.

Lima e seus personagens foram ficando cada dia mais misturados. Na verdade, ele ia virando uma sombra de seus personagens e vice-versa. Quaresma, Isaías, Clara, Gonzaga e tantos outros representavam a própria relação de Lima com sua vida: a sua frustração diante da pátria; o seu alijamento do sistema literário; as exclusões e frustrações que sentia no seu cotidiano. Mas não há só "imitação" e cópia nessa relação reflexiva de Lima com sua literatura. Há muita imaginação e muita vida nesses protagonistas, que têm existência, também, por si próprios.19

Os fantasmas de Lima talvez fossem parentes próximos daqueles que a escritora Toni Morrison (2007) introduziu em seu romance intitulado Amada. A escritora narra como, na "Casa 124", habitada por três mulheres marcadas pelo passado da escravidão, os fantasmas eram o que de mais real existia. Andavam todos, eles incluídos, assombrados. Nosso escritor também vivia cada vez mais assombrado com seus próprios fantasmas. Todos eles viviam ao seu redor.

NOTAS

  • 1
    Esse artigo é pautado em capítulo mais extenso sobre o mesmo tema a ser publicado na biografia de minha autoria intitulada Lima Barreto: triste visionário (Companhia das Letras, 2017). Agradeço a Sonia Balady a ajuda nessa pesquisa sobre as cores na obra desse escritor. Agradeço sobretudo a André Botelho que não só me animou a publicar este artigo em Sociologia & Antropologia, como foi dele a ideia de introduzir, no primeiro número desta revista, um ensaio meu sobre Lima Barreto e suas duas internações no Manicômio Nacional. Por fim, agradeço a ele o incentivo e "orientação" que vem me oferecendo durante todo o processo de realização da pesquisa e do livro. Se ele não é "responsável" por nada, cumpre um papel especial de meu grande "animador crítico". É meu orientador informal e, assim sendo, formal por direito adquirido.
  • 2
    Francisco de Assis Barbosa (1988: 301-302) também mostra em sua biografia como Lima Barreto tinha pressa em finalizar projetos e editar livros guardados na Limana, sua biblioteca pessoal. Luciana Hidalgo (2008: 181-242), em seu livro Literatura da urgência, demonstra igualmente como a própria literatura de Lima era "urgente".
  • 3
    Há uma matéria da socióloga e pesquisadora Lorna Roth (2016) sobre os padrões - desde os "cartões Shirley" - produzidos pela Kodak a partir dos anos 1940, até os dias de hoje, com câmeras digitais. O texto trata sobre as dificuldades técnicas que a Kodak teve em captar tonalidades de marrom.
  • 4
    Lima deixou o carnaval de 1906 ou 1907, que assistia junto com os amigos, justamente quando ouviu cantarem a modinha "Vem cá mulata".
  • 5
    Entre 1942 e 1955, Oracy Nogueira desenvolveu uma pesquisa na qual chamou a atenção para o preconceito de cor, de marca, e não apenas de origem no Brasil. A situação experimentada por Clara repisa essa mesma barreira social. A respeito, ver Cavalcanti (1996).
  • 6
    Para uma ótima definição do termo, ver Silva & Hasenbalg (1992).
  • 7
  • 8
  • 9
    Essa dúvida também aparece no livro que organizamos e intitulamos Contos completos de Lima Barreto (Schwarcz, 2010), que traz a versão do conto "Manoel de Oliveira" que usamos aqui. .
  • 10
    Lima se refere ao emprego do pai na Ilha do Governador, como funcionário nas Colônias de Alienados.
  • 11
    Cabinda e Benguela são províncias de Angola, na África, onde também se localiza a República Democrática do Congo, um dos maiores países africanos.
  • 12
    Ver brilhante análise de Antonio Candido (1970), sobre a obra Memórias de um sargento de milícias de Manuel Antonio de Almeida.
  • 13
    Discuti essa forma de jogar com as cores, existente no país, em outra oportunidade. Ver Schwarcz (2014).
  • 14
    Ver Collins (1990), Hooks (1995) e Stolcke (1991). Para um excelente apanhado, ver Moutinho (2014) e McClintock (2010). Ver também Crenshaw (1989).
  • 15
    Para exemplos das variações nas famílias negras antes e depois da abolição ver também Rossi (2011, 2015), Acuna (2015) e Jesus (2009, 2013).
  • 16
    Lima se refere a Luiz Gonzaga-Duque (1995).
  • 17
    Sobre o tema da ambivalência na literatura pós-colonial, ver Homi Bhabha (2000).
  • 18
    São muitos os autores que mostraram a importância dos "detalhes" na formação das culturas. Ver, por exemplo, Clifford Geertz (1975), com a defesa de um método microscópico, e Carlo Ginzburg (1989) e seu "método indiciário".
  • 19
    A esse respeito encontra-se no prelo o excelente trabalho de Tiago Coutinho Parente, intitulado Lima Barreto escritor de si.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Acuna, Maurício. (2015). A ginga da nação São Paulo: Alameda.
  • Antonil, André João. (2011). Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas Brasília: Edições do Senado Federal.
  • Barbosa, Francisco de Assis. (1988) A vida de Lima Barreto 7. ed. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp.
  • Barickman, Bert J. (1999). As cores do escravismo: escravistas "pretos", "pardos" e "cabras" no Recôncavo Baiano, 1835. População e Família, 2/2, p. 7-62.
  • Barreto, Lima. (2012). Clara dos Anjos 1 ed. São Paulo: Penguim Classics Companhia das Letras.
  • Barreto, Lima. (2011). Triste fim de Policarpo Quaresma São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras.
  • Barreto, Lima. (2010a). Clara dos Anjos. In: Lilia Moritz Schwarcz (org.). Contos completos de Lima Barreto São Paulo: Companhia das Letras.
  • Barreto, Lima. (2010b). Diário do hospício. In: Massi, Augusto & Moura, Murilo Marcondes de. Diário do hospício e Cemitério dos vivos São Paulo: Cosac Naify.
  • Barreto, Lima. (2010c). Manoel de Oliveira. In: Lilia Moritz Schwarcz (org.). Contos completos de Lima Barreto São Paulo: Companhia das Letras.
  • Barreto, Lima. (2010d). Recordações do escrivão Isaías Caminha São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras.
  • Barreto, Lima. (2010e). Cemitério dos vivos. In: Massi, Augusto & Moura, Murilo Marcondes de. Diário do hospício e Cemitério dos vivos São Paulo: Cosac Naify.
  • Barreto, Lima. (2010f). Um especialista. In: Lilia Moritz Schwarcz (org.). Contos completos de Lima Barreto São Paulo: Companhia das Letras.
  • Barreto, Lima. (2010g). Cló. In: Lilia Moritz Schwarcz (org.). Contos completos de Lima Barreto São Paulo: Companhia das Letras.
  • Barreto, Lima. (2004a). A volta. Correio da Noite, 26 jan. 1915. In: Beatriz Resende & Rachel Valença (orgs.). Lima Barreto: toda crônica. Volume I (1890-1919) Rio de Janeiro: Agir.
  • Barreto, Lima. (2004b) Variações. In: Resende, Beatriz & Valença, Rachel. Toda crônica: Lima Barreto. Volume I (1890-1919) Rio de Janeiro: Agir.
  • Barreto, Lima. (2001). Diário íntimo. In: Eliane Vasconcellos (org.) Lima Barreto: Prosa seleta Rio de Janeiro: Nova Aguilar.
  • Barreto, Lima. (1990). Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá Rio de Janeiro: Livraria Garnier.
  • Barreto, Lima. (1989). Numa e a ninfa Rio de Janeiro: Livraria Garnier.
  • Barreto, Lima. (1961). Aventuras do doutor Bogóloff. In: Barreto, Lima. Os Bruzundangas 3 ed. São Paulo: Brasiliense.
  • Barreto, Lima. (1922). História de um mulato. O País, 17 abr.
  • Barreto, Lima. (1920). Histórias e sonhos Rio de Janeiro: Livraria Editora de Gianlorenzo Schettino.
  • Barreto, Lima. (1919). Um romance sociológico. Revista Contemporânea, 26 abr.
  • Bhabha, Homi. (2000). O lugar da cultura Belo Horizonte: Ed. UFMG.
  • Bosi, Alfredo. (2003). História concisa da literatura brasileira 41 ed. São Paulo: Cultrix.
  • Candido, Antonio. (1970). Dialética da malandragem. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 8, p. 67-89.
  • Carrara, Sergio & Simões, Julio Assis. (2007). Sexualidade, cultura e política: a trajetória da identidade homossexual masculina na antropologia brasileira. Cadernos Pagu, 28, p. 65-99.
  • Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. (1996). Oracy Nogueira e a antropologia no Brasil: o estudo do estigma e do preconceito racial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 11/31, p. 5-28.
  • Chalhoub, Sidney. (1990). Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte São Paulo: Companhia das Letras.
  • Collins, Patricia Hill. (1990). Black feminist thought in the matrix of domination. In: Lemert, Charles (org.). Social theory: the multicultural and classic readings Boulder: Westview Press.
  • Conrad, Robert. (1975). Os últimos anos da escravatura no Brasil, 1850-1888 Rio de Janeiro/Brasília: Civilização Brasileira/INL.
  • Corrêa, Mariza. (1996). Sobre a invenção da mulata. Cadernos Pagu, 6/7, p. 35-50.
  • Crenshaw, Kimberle. (1989). Demarginalizing the intersection of race and sex: a black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. University of Chicago Legal Forum, p. 139-167.
  • Darnton, Robert. (1986). O grande massacre de gatos. In O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa 2 ed. Rio de Janeiro: Graal.
  • Fernandes, Florestan. (2007). O negro no mundo dos brancos 2 ed. São Paulo: Global.
  • Freyre, Gilberto. (2006). Sobrados e mocambos: decadência do patriarcado e desenvolvimento do urbano 16 ed. São Paulo: Global.
  • Geertz, Clifford. (1975). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar.
  • Ginzburg, Carlo. (1989). Mitos, emblemas e sinais São Paulo: Companhia das Letras.
  • Gomes, Flavio. (2004) Slavery, black peasants and post-emancipation society in Brazil (nineteenth century Rio de Janeiro). Social Identities, 10/6, p. 735-756.
  • Gonzaga-Duque, Luiz. (1995). A arte brasileira São Paulo: Mercado das Letras.
  • Haraway, Donna. (2004). Gênero para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cadernos Pagu, 22, p. 201-246.
  • Hidalgo, Luciana. (2008). Literatura da urgência. Lima Barreto no domínio da loucura São Paulo: Anablume.
  • Hooks. Bell. (1995). Intelectuais negras. Revista de Estudos Feministas, 3/2, p. 464-178.
  • Jesus, Matheus Gato de. (2013). Intelectuais negros maranhenses na formação do Brasil moderno, (1870-1939) Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo.
  • Jesus, Matheus Gato de. (2009). A Nova Aurora: abolição e república no pensamento de Astolfo Marques Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo.
  • Laqueur, Thomas. (2001). Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud Rio de Janeiro: Relume Dumará.
  • Machado, Maria Helena & Castilho, Thomas. (2015). Tornando-se livre São Paulo: Edusp.
  • Machado, Maria Helena P. T. & Gomes, Flávio. (2011). Interiorização e os quilombos em São Paulo nos séculos XVIII e XIX. Iberoamericana, 21/42, p. 93-109.
  • Mattos, Hebe Maria. (1998). Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravagista, Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
  • McClintock, Anne. (2010). Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial Trad. Plínio Dentzien. Campinas: Ed. Unicamp.
  • Morrison. Toni. (2007). Amada São Paulo: Companhia das Letras.
  • Moutinho, Laura. (2014). Diferenças e desigualdades negociadas: raça, sexualidade e gênero em produções acadêmicas recentes. Cadernos Pagu, 42, p. 201-248.
  • Moutinho, Laura. (2006). Negociando com a adversidade: reflexões sobre "raça", (homos)sexualidade e desigualdade social no Rio de Janeiro. Estudos Feministas, 14/1, p. 103-116.
  • Perlongher, Néstor. (2008). O negócio do michê São Paulo: Fundação Perseu Abramo.
  • Piscitelli, Adriana; Gregori, Maria Filomena & Carrara, Sergio (orgs.). (2004). Sexualidade e saberes: convenções e fronteiras Rio de Janeiro: Garamond.
  • Resende, Beatriz. (2015). O Lima Barreto que nos olha. Serrote, 21, nov. Disponível em: <http://www.revistaserrote.com.br/2016/01/o-lima-barreto- que-nos-olha-beatriz-resende/>. Acesso em 30 mar. 2017.
    » http://www.revistaserrote.com.br/2016/01/o-lima-barreto- que-nos-olha-beatriz-resende/
  • Rodrigues, Nina. (1938). As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil 3 ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional.
  • Rossi, Gustavo. (2015). O intelectual feiticeiro - Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil Campinas: Ed. Unicamp.
  • Rossi, Gustavo. (2011). O intelectual "feiticeiro": Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Unicamp.
  • Roth, Lorna. (2016). Questão de pele: os cartões Shirley e os padrões raciais que regem a indústria visual. Zum: Revista de fotografia, São Paulo, 10, abr. Disponível em: <http://revistazum.com.br/revista-zum-10/questao-de-pele/>. Acesso em 27 mar. 2017.
    » http://revistazum.com.br/revista-zum-10/questao-de-pele/
  • Rubin, Gayle. (1993). Thinking sex: notes for a radical theory of the politics of sexuality. In: Abelove, Henry; Barale, Michèle & Halperin, David (orgs.). The lesbian and gay studies reader London: Routledge. Tradução em português disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/1229/rubin_pen-sando_o_sexo.pdf?sequence=1>. Acesso em 30 mar. 2017.
    » https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/1229/rubin_pen-sando_o_sexo.pdf?sequence=1
  • Schwarcz, Lilia Moritz. (no prelo). Lima Barreto: triste visionário São Paulo: Companhia das Letras.
  • Schwarcz, Lilia Moritz. (2014). Nem preto nem branco: muito pelo contrário São Paulo: Companhia das Letras.
  • Schwarcz, Lilia Moritz. (2011). O homem da ficha antropométrica e do uniforme pandemônio: Lima Barreto e a internação de 1914. Sociologia & Antropologia 1/1, p. 119-150.
  • Schwarcz, Lilia Moritz (org.). (2010). Contos completos de Lima Barreto São Paulo: Companhia das Letras.
  • Schwarcz, Lilia Moritz. (2008). O sol do Brasil São Paulo: Companhia das Letras.
  • Schwarcz, Lilia Moritz & Lotierzo, Tatiana H. P. (2013). Raça, gênero e projeto branqueador: A redenção de Cam, de Modesto Brocos. Artelogie, 5. Disponível em: <http://cral.in2p3.fr/artelogie/IMG/article_PDF/article_a254.pdf>. Acesso em 30 mar. 2017.
    » http://cral.in2p3.fr/artelogie/IMG/article_PDF/article_a254.pdf
  • Schwarz, Roberto. (2000). Ao vencedor as batatas São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34.
  • Sedgwick, Eve Kosofsky. (2007). A epistemologia do armário. Cadernos Pagu, 28, p. 19-54.
  • Silva, Nelson do Valle & Hasenbalg, Carlos. (1992). Relações raciais no Brasil contemporâneo Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora/Iuperj.
  • Stolcke, Verena. (1991). Sexo está para gênero, assim como raça para etnicidade?. Estudos Afro-Asiáticos, 20, p. 101-119.
  • Strathern, Marilyn. (1997). Entre uma melanesianista e uma feminista. Cadernos Pagu, 8/9, p. 7-49.
  • Telles, Edward (org.). (2014). Pigmentocracies. Ethnicity, race, and color in Latin America Chapel Hill: UNC Press.
  • Turner, Victor. (2005). Floresta de símbolos [Forest of Symbols]. Niterói: Eduff.
  • Vance, Carole. (1995). A antropologia redescobre a sexualidade. Physis, 5, p. 7-32.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2017
  • Aceito
    22 Mar 2017
location_on
Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo do São Francisco de Paula, 1, sala 420, cep: 20051-070 - 2224-8965 ramal 215 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistappgsa@gmail.com
rss_feed Stay informed of issues for this journal through your RSS reader
Acessibilidade / Reportar erro