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UM VELHO DILEMA? CIVILIZAÇÃO E CULTURA EM HENRI-ALEXANDRE JUNOD

AN ANCIENT DILEMMA? CIVILIZATION AND CULTURE IN HENRI-ALEXANDRE JUNOD

Resumo

O artigo explora a trajetória do etnógrafo-missionário Henri-Alexandre Junod (1863-1934). Além de ter vivido e trabalhado na África do Sul, Junod viveu durante muitos anos em Moçambique. Nos dias de hoje, um dos sintomas contemporâneos do seu legado aparece no denominado debate multicultural, em que a tensão entre civilização e cultura se manifesta mediante duas demandas aparentemente opostas: uma universalista (a da integração social), outra relativista (a do reconhecimento cultural). Atualmente, as políticas de educação bilíngue, os processos de construção de uma sociedade multiétnica e os dilemas identitários nacionais do Moçambique "pós-socialista", não podem ser entendidos sem uma sistemática e renovada reflexão sobre o seu trabalho.

Palavras-chave
Moçambique; África do Sul; civilização; cultura; Junod

Abstract

This article explores the career of the ethnographer-missionary Henri-Alexandre Junod (1863-1934). Besides living and working in South Africa, Junod lived for many years in Mozambique. Today, one of the contemporary symptoms of Junod's legacy still appears in the so-called multicultural debate, in which the tension between civilization and culture is manifested under apparently opposing demands: one universalist (that of social integration) the other relativist (that of cultural recognition). Today, the policies on bilingual education, the process of constrution of a multi-ethnical society and the national identity dilemmas of "post-socialist" Mozambique, cannot be understood without a systematic and renewed reflection on his work.

Keywords
Mozambique; South Africa; civilization; culture; Junod

Meu interesse pelo trabalho do missionário e etnógrafo suíço Henri-Alexandre Junod (1863-1934) remonta a 1996, quando pela primeira vez viajei a Moçambique. Na altura, o meu objetivo era realizar, in situ, uma investigação sobre as políticas educativas durante o período colonial e pós-colonial.1 1 O resultado da pesquisa derivou na minha tese de doutorado sob a orientação do professor doutor Peter Fry, Do assimilacionismo ao multiculturalismo. Educação e representações sobre a diversidade cultural em Moçambique, defendida no final de 2000 junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, IFCS/UFRJ. Para tanto, travei contato com uma geração de africanos que vivenciou a trajetória da condição de indígena à de assimilado, duas categorias que o sistema jurídico colonial contribuiu para criar (Macagno, 2019Macagno, Lorenzo. (2019). A invenção do assimilado. Paradoxos do colonialismo em Moçambique. Lisboa: Edições Colibri.). A pesquisa também incluiu entrevistas com intelectuais e atores específicos, entre eles funcionários e investigadores do Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (Inde) que então iniciavam uma reflexão sobre a importância do papel das línguas moçambicanas nas políticas educativas. Sem fazer uso explícito e consciente dos métodos e ideias de Junod, aqueles projetos-piloto2 2 No início de 1990, o Inde começou a trabalhar em estreito contato com um grupo de pesquisadores e linguistas da Universidade de Estocolmo, Suécia. Em 1993, Kenneth Hyltenstam e Christopher Stroud, ambos membros do Centro de Investigação sobre Bilinguismo da Universidade de Estocolmo, produziram um amplo relatório de recomendações, como resultado do projeto Avaliação de materiais de ensino para a educação primária inferior em Moçambique. Esse projeto integrava uma iniciativa do Ministério de Educação de Moçambique e foi financiado pela Swedish International Development Authority (Sida). A responsabilidade institucional local esteve a cargo do Inde. Pelo lado sueco, o projeto contou com o apoio institucional do Departamento de Investigação Educacional do Instituto de Educação de Estocolmo. É importante assinalar que participaram do projeto pesquisadores suecos e moçambicanos. de ensino bilíngue eram análogos aos que o missionário formulara um século antes. Do ponto de vista pedagógico, argumentava Junod, dever-se-ia considerar a criança nativa um pequeno Banto, que aprende no seu lar uma língua na qual a mente dos seus antepassados está incorporada. Essa língua vernácula, afirmava, deve ser mantida no início da escolarização como o principal meio da sua educação. Muitos técnicos do Inde, familiarizados com os debates da sociolinguística, opinavam dessa mesma forma.

Num contexto em que Moçambique começava a se interrogar sobre a sua própria multiculturalidade, resultava especialmente instigante o fato de que as bases implícitas que justificavam essa nova reflexão - sobre multilinguismo e diversidade - fossem análogas às ideias que Junod construíra a partir da sua experiência africana.

É importante lembrar que a denominada Missão Suíça, em que Junod foi um dos atores marcantes, instalou-se no sul do atual Moçambique, no final do século XIX. Em 1948, transformou-se numa Igreja moçambicana, passando a denominar-se Igreja presbiteriana de Moçambique (Silva, 1998Silva, Teresa Cruz e. (1998). Educação, identidades e consciência política: a missão suíça no sul de Moçambique (1930-1975). Lusotopie, 5, p. 397-406.). Seu protagonismo na história política e cultural do país tem sido longamente analisado por vários autores, entre eles Monnier (1995)Monnier, Nicolas. (1995). Strategie missionaire et tactiques d'appropriation indigènes. La Mission Romande au Mozambique 1888-1896. Le Fait Missionaire, 2, p. 85. e Morier-Genoud (1998)Morier-Genoud, Eric. (1998). Y a-t-il une spécificité protestante au Mozambique? Discours du pouvoir post-colonial et histoire des églises chrétiennes. Lusotopie, 5, p. 407-420.. Um dos sintomas mais evidentes da sua importância para os destinos do Moçambique colonial e pós-colonial é o fato de que Eduardo Mondlane, o arauto do nacionalismo moçambicano, foi educado pelos missionários suíços protestantes (Sansone, 2012Sansone, Lívio. (2012). Eduardo Mondlane e as ciências sociais. In: Trajano Filho, Wilson (org.). Travessias Antropológicas. Estudos em contextos africanos. Brasília: ABA publicações, p. 93-125.).

Este artigo explora os alcances do legado de Junod a partir dos dilemas sobre políticas culturais e linguísticas que, nesse caso, pertencem mais à história contemporânea daquele país - e, como veremos, de seu vizinho, África do Sul - do que ao seu passado longínquo. Alguns desses dilemas se condensam em intervenções, como a que realizou no início de 1990 o escritor e ex-ministro da Cultura Luis Bernardo Honwana (1993: 48)Honwana, Luis Bernardo. (1993). Língua portuguesa e línguas nacionais. In: Cenários da língua portuguesa. A vitalidade do idioma. Maputo: Centro de Estudos Brasileiros., quando afirmou: "Em minha opinião a questão central na discussão do problema da língua, ou das línguas, em Moçambique é o caráter multicultural da nossa sociedade". Este trabalho nasceu, em grande medida, da necessidade de entender algumas preocupações que, nos últimos anos, os próprios moçambicanos vêm manifestando, concernentes sobretudo à construção da moçambicanidade em um contexto eminentemente multiétnico e plural.

Ao monoculturalismo implícito na figura jurídico-colonial do assimilado - cuja matriz epistêmica, para dizer de maneira foucaultiana, será retomada pela figura do Homem Novo socialista, promovida pelos porta-vozes do Estado moçambicano independente - contrapõe-se, na obra de Junod, uma sorte de multiculturalismo latente. Ou seja, sua obra nos coloca diante da complexidade de uma disjuntiva que acompanhou durante muito tempo os porta-vozes da empresa colonial: integrar/assimilar os Banto à cultura europeia - em nome, muitas vezes, de um universalismo cristão - ou conservar a sua cultura em nome de uma tolerância, também cristã, e promover assim um desenvolvimento separado. O dilema ao qual fazemos referência no título - civilização e cultura - possui, portanto, incontornável perenidade.

É possível que para os leitores brasileiros a obra de Junod não seja tão familiar como é para os cientistas sociais sul-africanos, moçambicanos e portugueses. Parece-me importante, contudo, salientar o fato de que, no Brasil, alguns jovens pesquisadores têm começado a se interessar por seu legado, bem como o esforço de Omar Ribeiro Thomaz (2011)Thomaz, Omar Ribeiro. (2011). Henri Junod, usos e costumes dos Bantu. Etnográfica, 15/2, p. 405-407. que, a partir da Universidade de Campinas, propiciou em 2009, junto a Paulo Gajanigo, a tradução e publicação de Usos e costumes dos Bantu (Junod, 2009Junod, Henri-Alexandre. (2009). Usos e costumes dos Bantu. Org. Omar Ribeiro Thomaz/Paulo Gajanigo. Campinas: Editora Unicamp (Coleção Clássicos).), do missionário e etnógrafo suíço.

JUNOD ETNÓGRAFO

Henri-Alexandre Junod (1863-1934) nasceu no cantão de Neuchâtel. Sua formação inicial transcorreu no Collège Latin e no ginásio da sua cidade natal, onde recebeu sua primeira instrução em ciências e história natural. Optou, no entanto, e apesar das expectativas dos seus professores, pelo caminho religioso, aprofundando seus estudos teológicos em Neuchâtel, Basel e Berlim. Sua primeira ida à África, na qualidade de missionário, foi em 1889. Nos primeiros anos da sua estada, Junod manteve o interesse pelas ciências naturais, tornando-se um grande colecionador de espécies de plantas, insetos e, sobretudo, borboletas.

Quem esteve relacionado com a conversão de Henri-Alexandre Junod à etnografia foi James Bryce, historiador, político e amigo de James Frazer. Junod já havia publicado alguns contos dos Rongas do sul de Moçambique e havia estudado alguns "costumes curiosos" da tribo. No entanto, seu passatempo favorito até esse momento era a entomologia. Em 1895, quando dirigia a Missão Suíça em Lourenço Marques (atual Maputo), recebeu a visita de Bryce; "desde então", relata, "a etnografia suplantou, mais ou menos, a entomologia. Iniciei o inquérito sistemático e completo que Lord Bryce me aconselhava e verifiquei ao fim de pouco tempo que, vendo bem, o homem é infinitamente mais interessante que o inseto!" (Junod, 1974Junod, Henri-Alexandre. (1974) [1946]. Usos e costumes dos bantos. A vida duma tribo Sul-Africana. Tomos 1 e 2. Lourenço Marques: Imprensa Nacional de Mozambique.: 10, tomo 1). Segundo Patrick Harries (1981: 37-38)Harries, Patrick. (1981). The anthropologist as historian and liberal: H. -A. Junod and the Thonga. Journal of Southern African Studies, 8/1, p. 37-50., essa sensibilidade etnográfica também foi estimulada durante a sua juventude, na Suíça. Naquele tempo, as culturas regionais europeias estavam se desintegrando rapidamente diante das novas mudanças que vinham aproximando as periferias do Estado-nação aos centros industriais. Nesse processo, as línguas locais eram eclipsadas pela pressão das línguas e literaturas nacionais. Junod teria notado a mesma desintegração no sudeste da África, onde os sistemas banto de vida familiar estavam em rápida transformação. Esse é um aspecto central para a nossa indagação, já que a decidida ênfase de Junod na defesa de uma educação bilíngue tanto em Moçambique como na União Sul Africana (atual África do Sul) reflete, no fundo, uma preocupação muito "europeia". Os "olhos alpinos" de Junod, portanto, também influenciaram sua maneira de ver o mundo africano (Harries, 1997Harries, Patrick. (1997). "Under Alpine eyes": constructing landscape and society in late pre-colonial South-East Africa. Paideuma, 43, p. 171-191.).

Nessa época, o trabalho de Junod sofreu grande influência das ideias evolucionistas propagadas, entre outros, por Robert Ranulph Marett, Edwin Sidney Hartland e William Charles Willoughby e, sobretudo, Johann Jacob Bachoffen,3 3 Também suíço, Bachofen publicou sua obra Das Mutterecht, sobre o direito materno, em 1861. que postulava a tese de que a instituição da família teria progredido do matrimônio grupal para o matriarcado, chegando finalmente ao patriarcado (Harries, 1981Harries, Patrick. (1981). The anthropologist as historian and liberal: H. -A. Junod and the Thonga. Journal of Southern African Studies, 8/1, p. 37-50.: 38, 2007Harries, Patrick. (2007). Butterflies & barbarians. Swiss missionaries & systems of knowledge in South-East Africa. Oxford: James Currey.: 207-208). Em função de seu caráter pseudo-histórico, essas teorias foram criticadas por Radcliffe Brown em seu célebre artigo sobre o "irmão da mãe" e o avunculado na África do Sul. Cabe também lembrar que os famosos aportes de Van Gennep inspiraram os estudos de Junod sobre os ritos de passagem. Essas ideias foram matizadas, aliás, com alguns elementos difusionistas. A influência de Van Gennep sobre o trabalho de Junod tem sido destacada por João de Pina-Cabral (1996: 26)Pina-Cabral, João. (1996). A difusão do limiar: margens, hegemonias e contradições na antropologia contemporânea. Mana. Estudos de Antropologia Social, 2/1, p. 25-57., que afirma que a obra do etnólogo francês "teria possivelmente passado ao esquecimento não fosse o brilhante trabalho etnográfico realizado por seu amigo e mentor Henri Junod". Além disso, em 1912, Junod cedeu sua vaga de professor na Universidade de Neuchâtel, na Suíça, a Van Gennep que, justamente nesse momento, era marginalizado por seus colegas franceses de L'Année Sociologique.4 4 Para um aprofundamento sobre as relações de H.-A. Junod com os antropólogos da época, consultar o capítulo 8 do livro de Patrick Harries (2007).

Junod e sua esposa chegaram a Moçambique no final de junho de 1889. Poucos dias depois, em uma correspondência datada de 12 de julho, Junod descreve seu primeiro encontro com os Ba-ronga, na igreja da Missão Suíça em Lourenço Marques:

No alto da cerca as mulheres numerosas, decentemente vestidas, a cabeça coberta de turbantes vermelhos; do outro lado, os homens, vestidos completamente à europeia; no meio e na frente, as crianças; todos cantando com real harmonia uma canção que termina com as palavras francesas: "soyez les bienvenus!". Ali estão esses selvagens, esses representantes das raças inferiores! Na verdade eles apresentam um ar doce e inofensivo, e sendo que são cristãos já não são inferiores... (Junod, H.P., 1934Junod, Henri-Philippe (1934). Henri-A. Junod. Missionaire et savant. Lausanne: Mission Suisse dans l'Afrique du Sud.: 15).

Esta declaração condensa a perplexidade de Junod diante de um encontro desprovido de qualquer romantismo etnográfico: africanos vestidos à europeia, mulheres "decentemente" vestidas e canções de boas-vindas que incluíam palavras em francês. Essa perplexidade pode ser interpretada sob duas perspectivas simultâneas: a de uma imaginação vitoriana em face dos representantes de "raças inferiores", ou bem rousseauniana - que, no seu paternalismo, evoca a ideologia do bom selvagem - frente ao "ar doce e inofensivo" de seus interlocutores. Esse primeiro encontro evidencia mais o entusiasmo de um missionário à procura de almas para "salvar", do que a curiosidade de um etnógrafo à procura de costumes para compreender.

Pouco tempo depois de chegar a Lourenço Marques, Junod se desloca para a sede da Missão Suíça em Rikatla, localizada a 25 quilômetros ao norte da cidade. Desde os primeiros dias, dedicou-se a estudar a língua local com seu principal informante, Matsivi (Calvin Mapopé), um pastor negro educado pela Missão. Como resultado, Junod consegue elaborar a primeira gramática da língua ronga. A Gramática Ronga - um volume de 300 páginas - é publicada em 1896. Cerca de 30 anos mais tarde, Junod convida C. Mapopé para participar de uma cerimônia na Catedral de Lausanne, na Suíça, reconhecendo publicamente a sua colaboração: "É com surpresa profunda, emocionado e contente que me encontro neste púlpito com o pastor C. Mapopé [...]. Foi ele quem me ajudou nas minhas primeiras traduções da língua indígena; ele tem sido meu mestre..." (Junod, 1931cJunod, Henri-Alexandre. (1931c). Le problême indigène dans l'Union sud-africaine. Actualités Missionaires, 7, p. 3-35.: 68). Outro informante com quem trava conhecimento na sua primeira estada em Lourenço Marques é Tobane. Segundo Junod, Tobane havia sido iniciado nas questões da religião ainda criança e "possuía um conhecimento profundo dos usos da corte e do tribunal". Como já fizera com Mapopé, Junod (1974, tomo 1: 12)Junod, Henri-Alexandre. (1974) [1946]. Usos e costumes dos bantos. A vida duma tribo Sul-Africana. Tomos 1 e 2. Lourenço Marques: Imprensa Nacional de Mozambique. expressou-lhe seu agradecimento nestes termos: "Devo-lhe a maior parte do que sei a respeito do sistema tribal dos Rongas".

De 1896 a 1899, Junod esteve na Suíça divulgando sua experiência africana. No seu segundo retorno à África, o missionário se instalou no Leste de Transvaal, onde dirigiu a escola de Xiluvane, na sede da Missão Suíça. Nessa região, conheceu Manquelo, filho de um antigo chefe do clã Ncuna, que se torna seu informante. Segundo Junod (1974, tomo 1: 13)Junod, Henri-Alexandre. (1974) [1946]. Usos e costumes dos bantos. A vida duma tribo Sul-Africana. Tomos 1 e 2. Lourenço Marques: Imprensa Nacional de Mozambique., Manquelo era, ao mesmo tempo, general, chefe do exército, principal médico da casa real, um dos mais importantes conselheiros do rei, adivinho convicto, sacerdote da família, "enfim um banto tão profundamente dominado pelas concepções obscuras do espírito banto, que nunca pôde libertar-se delas e ficou pagão até morrer, em 1908". Nessa região de Transvaal, Junod teve outros informantes igualmente importantes. Foi o caso de um tsonga batizado, a quem, curiosamente, foi outorgado o nome de um professor de teologia de Lausanne - Viguet - e a quem Junod (1974, tomo 1: 13)Junod, Henri-Alexandre. (1974) [1946]. Usos e costumes dos bantos. A vida duma tribo Sul-Africana. Tomos 1 e 2. Lourenço Marques: Imprensa Nacional de Mozambique. se sentia extremadamente agradecido: "Era homem inteligente, mas, devo confessá-lo, nem sempre foi bom cristão. Era dotado duma memória maravilhosa. Como tinha sido chefe duma aldeia de refugiados tonga nos Spelonken, deu-me informações preciosas acerca dos mistérios da vida familiar e das cerimônias de iniciação".

Em 1907, o missionário regressou ao litoral de Moçambique, fundando uma escola em Rikatla, onde permaneceu até 1909. Ali se reencontrou com um velho informante que havia conhecido no decorrer de sua primeira estada em Moçambique. Tratava-se de Spoon (batizado, mais tarde, com o nome de Elias), um ronga originário de Nonduane, no norte de Lourenço Marques. Junto com Elias e outro informante chamado Mboza, Junod iniciou uma sistemática pesquisa etnográfica, baseando-se no método da coleta de dados proposto por James Frazer: "A minha curiosidade era principalmente atraída pela questão dos tabus. No decurso desse estudo, que me levou meses, senti-me mais impressionado do que nunca pela imensa complexidade da vida de uma tribo sul-africana" (Junod, 1974Junod, Henri-Alexandre. (1974) [1946]. Usos e costumes dos bantos. A vida duma tribo Sul-Africana. Tomos 1 e 2. Lourenço Marques: Imprensa Nacional de Mozambique., tomo 1: 14). Precisamente em 1910 é publicado, na Revue d'Ethnographie et de Sociologie, dirigida por Van Gennep, o resultado dessa pesquisa, sob o título: "Les conceptions physiologiques des bantou sud-africains et leurs tabous"5 5 Apesar de Junod não o ter explicitado, seus trababalhos sobre “tabu” e “totemismo” podem ter recebido a influência de Émile Durkheim, cf. Harries (2007: 239, nota 39). (Junod, 1910Junod, Henri-Alexandre. (1910). Les conceptions physiologiques des bantou sud-africains et leurs tabous. Revue d'Ethnographie et de Sociologie, p. 126-169.).

Se os informantes Elias (Spoon) e Mboza eram oriundos do clã Mazwaya, Tobane, diferentemente, era oriundo da chefia Mafumo. Segundo Patrick Harries, tal fato outorgou ao trabalho de Junod um caráter parcial e incompleto, já que sua etnografia basear-se-ia em informantes oriundos de apenas duas das nove grandes chefaturas que constituem a "tribo" que Junod classifica como Ba-Ronga6 6 Importa ressaltar que o grupo que Junod denomina Rongas ou Ba-Ronga (o prefixo “ba”, nas línguas de origem banto indica plural) era uma subdivisão da “tribo” que Junod chama de thongas ou tsongas. Os Rongas ou Ba-Ronga habitavam as proximidades de Lourenço Marques (atual Maputo) e a região da baía de Delagoa. (quer dizer, aquele grupo que falava a língua tsonga e vivia entre a fronteira Zulu e o rio Nkomati). Ademais, cada um desses interlocutores pertencia a grupos de interesses particulares internos às suas chefaturas. Assim, a família Mafumo, à qual pertencia Tobane, possuia uma longa tradição de aliança com os portugueses (Harries, 1981Harries, Patrick. (1981). The anthropologist as historian and liberal: H. -A. Junod and the Thonga. Journal of Southern African Studies, 8/1, p. 37-50.: 43-44).

Em 1898, é publicado o primeiro resultado daqueles anos iniciais de pesquisa, sob o título "Les Ba-Ronga: étude ethnographique sur les indigènes de la Baie de Delagoa". Em 1912, uma versão revisada, em inglês, que incluía as "tribos do norte" (na área de Transvaal), é publicada em Neuchâtel sob o título de The life of a South African tribe. Em 1926-27, após acumular um novo conjunto de material, uma segunda edição revisada e ampliada é publicada, dessa vez, em Londres. Posteriormente, em 1936, aparece a edição francesa, Moeurs et Coutumes des Bantou e, finalmente, em 1946, a primeira edição em português: Usos e costumes dos Bantos. A vida duma tribo sul-africana, publicada pela Imprensa Nacional de Moçambique, em Lourenço Marques, e reeditada em 1974.7 7 Para a elaboração deste artigo, consultei a edição de 1946 e 1974 em português. Também tive acesso à edição francesa, de 1936, que se encontra disponível na Biblioteca do Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, onde sou professor há 17 anos. Lembremos, também, que, em 1996, o Arquivo Histórico de Moçambique, organizou uma nova edição (as suas capas reproduzem gravuras do famoso pintor moçambicano Malangatana). Tal como anunciado na introdução, em 2009 foi editada a versão brasileira, pela Editora da Unicamp. A obra foi muito bem recebida na comunidade antropológica internacional. O próprio Malinowski, que, mais tarde, passaria um período na África do Sul, elogiou a etnografia nos seguintes termos: "sem pretender adular, esta obra monumental é o único trabalho sintético, abrangendo todas as manifestações da vida de uma tribo" (Junod, H.P., 1934Junod, Henri-Philippe (1934). Henri-A. Junod. Missionaire et savant. Lausanne: Mission Suisse dans l'Afrique du Sud.: 70-71).

Em sua etnografia, Junod aborda os conceitos de tribo, grupo e clã,8 8 Segundo Patrick Harries, Junod parece falar, em alguns momentos, de clãs como chefias e em outros, como unidades baseadas no parentesco, mesmo que, no fundo, elas estivessem dominadas por chefias no sentido de unidades políticas (comunicação pessoal com Patrick Harries, mensagem de e-mail datada de 12 fev. 1999). de modo que um conjunto de clãs forma um grupo e vários desses grupos configuram uma tribo. Junod distingue seis grandes grupos (cada um desses grupos abrange, por sua vez, vários clãs) que formam a tribo dos Thonga ou Tsonga. São estes os seis grupos: Rongas, Djonga, N'ualungo, Lhangano, Bila e Chêngua. Os grupos Bila, Djonga e Chêngua são formados por um conjunto de clãs, que Junod chama, genericamente, de Clãs do Norte.9 9 Esses Clãs do Norte foram incluídos, primeiro, sob a categoria genérica de Gwambas e, mais tarde, de Shanganas.

CONSERVAR AS CULTURAS E CONVERTER AS ALMAS

Junod foi um espectador privilegiado do colonialismo no sudeste da África, tanto do lado britânico, a União Sul-Africana (posteriormente África do Sul), quanto do lado português, Moçambique. Sua visão do colonialismo português foi, contudo, ambígua. Recordemos que a comparação entre o modelo de colonização britânica e o modelo português tem recebido, nos últimos anos, a atenção de vários trabalhos relevantes (ver, sobretudo, Fry, 2000Fry, Peter. 2000. Cultures of difference. The aftermath of Portuguese and British colonial policies in Southern Africa. Social Anthropology, 8/2, p. 117-143.). No entanto, é preciso enfatizar que a partir dos congressos coloniais internacionais, ocorridos no início do século XX, os administradores e juristas coloniais portugueses se informavam - e se inspiravam - sobre as experiências e os métodos de colonização seguidos por seus pares britânicos.

A primeira etapa da estada de Junod em Moçambique, lembremos, data de 1889, quando a administração colonial ainda possuía pouco controle sobre as chefaturas independentes, e se encerra em 1896, quando os portugueses conseguiram vencer o reino de Gaza e instalar, definitivamente, sua administração. Em cartas escritas ao jurista suíço Virgile Rossel, Junod analisa as causas daquele conflito e justifica sua posição favorável a Gaza, apoio que ocasionou, posteriormente, sua expulsão de Moçambique. Nessa correspondência, acusa Portugal de estimular o trabalho forçado (chibalo), mesmo que, anos depois, esses ataques tenham sido suavizados, quando procurou compreender as exigências administrativas do lado português (Harries, 1981Harries, Patrick. (1981). The anthropologist as historian and liberal: H. -A. Junod and the Thonga. Journal of Southern African Studies, 8/1, p. 37-50.: 42; 2007Harries, Patrick. (2007). Butterflies & barbarians. Swiss missionaries & systems of knowledge in South-East Africa. Oxford: James Currey.: 221-222).

Durante o período de sua primeira permanência em Moçambique, Junod chegou, aliás, a intercambiar algumas correspondências com António Enes,10 10 António Enes atuou primeiro como jornalista; posteriormente foi deputado, ministro da Marinha e do Ultramar e, por fim, entre 1894-1895, tornou-se governador de Moçambique, sendo, indubitavelmente, um dos artífices centrais do processo de construção jurídica do “indígena”. Seu relatório, intitulado “Moçambique”, escrito no final do século XIX, é um documento de referência da moderna política colonial portuguesa. o grande idealizador do sistema administrativo-colonial em Moçambique. Nessa altura, Enes desempenhava a função de comissário régio. Nunca existiu, no entanto, boa relação entre ele e quem fora o ideólogo da moderna administração colonial portuguesa. Enes, contudo, era ciente de que, entre os europeus da região, apenas Junod possuía contato cotidiano com as tribos tsongas, bem como um profundo conhecimento de sua língua. Por tal motivo, Enes manifestou o desejo de que Junod lhe enviasse um relatório informativo, a fim de saber qual era o "ponto de vista nativo" sobre o início da guerra entre Portugal e o reino de Gaza - o grande império multiétnico, comandado por Gungunhane ao sul de Moçambique. Junod chegou a enviar essa informação a Enes em uma carta datada de 23 de fevereiro de 1895.11 11 “De Henri Junod a António Enes”, Anexo XII do volume As campanhas de Moçambique em 1895 segundo os contemporâneos, prefácio e notas do Prof. Dr. Marcello Caetano. Divisão de Publicações e Biblioteca – Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1946,

É importante recordar que, durante esse período (até os dias de hoje), milhares de africanos oriundos do sul de Moçambique se deslocavam para trabalhar nas minas sul-africanas de Witwatersrand e Transvaal. Junod criticou o sistema de compounds, onde eram hospedados os mineiros. Porém, sua postura oscilava entre ressaltar os aspectos bons e ruins da civilização. Sua preocupação central consistia em chamar a atenção sobre a "desintegração moral" que a civilização provocaria na África. "Ao que parece", dizia, "o indígena sul-africano perdeu mais do que ganhou nesse contato com a civilização" (1974, tomo 2: 588). As consequências negativas do contato, segundo Junod, iam da perda do interesse político e "sentido de responsabilidade" à "degradação" dos costumes, vícios, alcoolismo, sífilis, tuberculose, e assim por diante. A tribo, diz Junod (1974, tomo 2: 588)Junod, Henri-Alexandre. (1974) [1946]. Usos e costumes dos bantos. A vida duma tribo Sul-Africana. Tomos 1 e 2. Lourenço Marques: Imprensa Nacional de Mozambique., "perdeu suas regras de vida, as suas tradições", e o resultado é "uma rápida decadência física e moral", de modo que somente o cristianismo poderia fornecer uma verdadeira solução ao problema, bem como promover uma autêntica regeneração.

Em 1922, Junod se reencontra com o ex-governador de Moçambique, Freire de Andrade, então delegado de Portugal na Sociedade das Nações. Um relatório produzido naquela época pelo sociólogo norte-americano Edward Ross sobre o trabalho forçado nas colônias portuguesas despertara grande interesse. No entanto, tanto Freire de Andrade como Junod se esforçaram em atenuar a impressão "extremamente perniciosa" produzida por esse relatório (Junod, H. P., 1934Junod, Henri-Philippe (1934). Henri-A. Junod. Missionaire et savant. Lausanne: Mission Suisse dans l'Afrique du Sud.: 65). Sendo assim, o missionário procuraria, com um tom moderado, ressaltar os direitos de Portugal sobre suas colônias (Harries, 2007Harries, Patrick. (2007). Butterflies & barbarians. Swiss missionaries & systems of knowledge in South-East Africa. Oxford: James Currey.: 222-223).

Existia, pois, na visão cristã de Junod um colonialismo benéfico e outro nocivo. Seu humanismo - que oscilava entre o salvacionismo e o paternalismo - expressava-se tanto pelo elogio da missão civilizadora quanto pela denúncia da exploração do trabalho forçado. Nos seus últimos anos de atividade, Junod foi presidente do Bureau International pour la Défense des Indigènes, órgão criado em Genebra, em 1913, no contexto do vasto movimento antiescravagista pós-conferência de Berlim. Na qualidade de membro ativo dessa organização, escreve um informe sobre a situação colonial na Libéria, onde os governantes, descendentes de ex-escravos libertos da América, marginalizavam e escravizavam os liberianos nativos. No panfleto, intitulado La supplique du Liberia (Junod, 1931aJunod, Henri-Alexandre. (1931a). La supplique du Liberia. Genève: Bureau International pour la Défense des Indigènes.), procura chamar a atenção da Sociedade das Nações e dos Estados Unidos para esse fato. Cabe lembrar que duas décadas antes, em 1911, Junod publicara o romance Zidji, étude de mœurs sud-africaines, em que veicula, via a narração das peripécias pelas quais passa a personagem, uma crítica às difíceis condições de trabalho nas minas e suas consequências. O protagonista dessa trama desafia os horrores dos compounds de mineiros, a fome, a sujeira, os estupros entre homens para, finalmente, ingressar no mercado de trabalho formal, no qual obtém dinheiro suficiente para estudar (Harries, 1981Harries, Patrick. (1981). The anthropologist as historian and liberal: H. -A. Junod and the Thonga. Journal of Southern African Studies, 8/1, p. 37-50.: 42).12 12 Segundo Bronwyn Louise Michler, uma edição do Bulletin de la Mission Romande publicou, em janeiro de 1908, o obituário de um estudante da Lemana Normale School, cujo nome era Zitchi Mafemane. Um exame de seu obituário revelou que se tratava do jovem personagem em volta do qual Junod estruturou o seu texto (Michler, 2003: 110).

Junod se envolverá, portanto, em intensa atividade política e reformista, ora como crítico, ora como celebrador do colonialismo. Na etnografia sobre os Tsonga, suas opiniões a respeito do colonialismo não se encontram no corpo central da obra, mas nos anexos finais. Essa disposição, certamente, ilustra a inexistência de uma sobreposição entre a tarefa do rigoroso etnógrafo (o "científico") e a do comprometido reformador (o "político"). Nesses apêndices, Junod se refere a questões práticas, relativas à mudança social, às consequências do progresso, à educação e ao destino da população tsonga. Já nas conclusões, aborda temas concernentes à ampliação da cidadania dos indígenas sul-africanos educados; nesse momento, contudo, ainda não estavam sistematicamente formuladas as ideias referentes à segregação, que começariam a ganhar contornos a partir da nova política indígena de Barry Hertzog,13 13 James Barry Munnick Hertzog começou a ter um papel preponderante na política sul-africana após a guerra anglo-bôer, finda em 1899. Como advogado, tornou-se um militante da causa nacionalista bôer (ou africâner). Tornou-se primeiro-ministro em 1924, quando derrotou Ian Smuts nas eleições, permanecendo no poder até 1939. na então União Sul-africana, por volta de 1924.

Em escrito de 1911 (reproduzido nos anexos de sua etnografia), Junod se pronuncia favoravelmente ao direito de voto dos africanos educados, que teriam alcançado o "nível moral e intelectual requerido". No que diz respeito aos "não civilizados", propõe que fosse estimulada a responsabilidade política no interior dos clãs, o que fortaleceria o sistema tribal: "Assim, ainda que não sendo um cidadão eleitor no Estado, o indígena não civilizado permanece um membro responsável do seu clã. Não apressemos por isso a morte do clã. Se este tiver que morrer, que seja de morte natural" (1974, tomo 1: 522). Lembremos que ainda não tinham começado a ser implementadas as medidas segregacionistas do Native Land Act nem as novas políticas indígenas promovidas por Hertzog.

Podemos considerar, a partir dessas observações, que o Junod etnógrafo, admirador, até certo ponto, das culturas que estuda, combina-se, harmoniosamente, com o Junod educador: nesse sentido, o indígena "não civilizado", apesar de não ser um cidadão no sentido pleno, possui um sistema político com valor e eficácia intrínseca, que, de acordo com o caso, deveria ser mantido.

Idêntica conclusão poderia ser formulada em relação à língua ronga. Como investigador fascinado pelas complexas estruturas gramaticais da língua local, ele se propõe a atacar as atitudes desvalorizadoras e etnocêntricas, argumentando a favor de uma educação bilíngue. Em 1905, Junod publica um trabalho intitulado What should be the place of the native language in native education, que foi apresentado na Conferência Missionária, em Johanesburgo. Naquela altura, Junod já tinha publicado seus trabalhos sobre a gramática ronga e suas monografias Les Ba-Ronga (1898) e Les chants et les contes des Ba-Ronga (1897). Nas palavras introdutórias da sua apresentação, Junod afirma que os missionários haviam constituído até então a única agência criadora de escolas para as tribos sul-africanas, e que esse lado pedagógico do trabalho missionário era sua característica mais importante.

Do ponto de vista pedagógico, em sua opinião, a educação dos nativos deveria cumprir dois objetivos: formar a mente das crianças nativas; e as tornar membros da South African Commonwealth. O primeiro objetivo seria alcançado caso elas aprendessem a "pensar", em vez de agir por simples impulso "como selvagens ou de acordo com velhas superstições". O segundo objetivo seria conquistado se a escola as ajudasse a encontrar seu próprio lugar, nas condições sociais existentes da África do Sul, em relação à "raça superior" (Junod, 1905Junod, Henri-Alexandre. (1905). What should be the place of the native language in native education. Morija: Sesuto Book Depot.: 2).

Naquele momento, dois métodos diferentes eram implementados na educação do nativo. Um deles, do qual Junod discordava, abordava a criança africana, vinda de seu kraal,14 14 Oriunda da língua africâner, kraal é, na realidade, uma deturpação da palavra portuguesa curral. O tom pejorativo da palavra é evidente (um curral, como indica qualquer dicionário, é o lugar em que se abriga o gado). O termo kraal acabou sendo amplamente utilizado nas crônicas coloniais para se referir às residências rurais dos africanos. "como se se tratasse de meninos ou meninas ingleses". Ser-lhes-ia mostrada "a beleza de Shakespeare e outros autores clássicos". A ideia central desse método é que "o que é bom para os brancos também é bom para os negros" (Junod, 1905Junod, Henri-Alexandre. (1905). What should be the place of the native language in native education. Morija: Sesuto Book Depot.: 2).

O outro método, que Junod defendia, considerava a criança africana um pequeno banto, que aprendia no seu lar uma língua, em que a mente de seus antepassados estaria incorporada. Essa língua vernácula "é mantida como o principal meio de sua educação". Segundo essa pedagogia, "A criança é ensinada primeiramente a ler, escrever e conhecer sua própria gramática" (Junod, 1905Junod, Henri-Alexandre. (1905). What should be the place of the native language in native education. Morija: Sesuto Book Depot.: 2-3).

Esse conservacionismo moderado, por assim dizer, será reiterado em sucessivas ocasiões. Em 1907, Junod publica um artigo sob o sugestivo título "The best means of preserving the traditions and customs of the various South African native races", em que prenuncia um ideário que, mais tarde, seria radicalizado sob as leis da Bantu Education (1953). Esse ideário assumiria uma forma perversa nas formulações da etnologia africâner (volkekunde), sobretudo, por intermédio de um dos seus principais porta-vozes, W. N. Eiselen.15 15 W. N. Eiselen foi secretário do Department of Bantu Administration and Development, na África do Sul, professor de antropologia na Stellenbosch University, membro da Commission on Education in Basutoland e chefe da Native Education Commission. O exclusivismo cultural e racial do apartheid considerava que a educação dos africanos era um processo que deveria estimular o desenvolvimento de uma "alta cultura banto", e não a produção de europeus negros (Gordon, 1988aGordon, Robert. (1988a). Apartheid's anthropologists: the genealogy of Afrikaner anthropology. American Ethnologist, 15/3, p. 535-553.). Isso significava um forte senso de conservação tanto da língua quanto da cultura banto (e, indiretamente, garantia uma proteção da cultura "branca" afrikaner em face da posibilidade de "contágio" pela cultura banto).16 16 Agradeço a Patrick Harries ter chamado minha atenção sobre a posibilidad de situar Junod no interior da genealogia dos antropólogos do volkekunde. De fato, a obsessão protecionista de Junod em manter os nativos isolados do “corrosivo mundo europeu” cria uma importante matériaprima para os ideólogos segregacionistas. Junod, no entanto, jamais teria compactuado com a radical e perversa “solução” do apartheid. Mergulhar nas derivações da antropologia segregacionista (volkekunde) sul-africana desviaria o objetivo traçado neste artigo. Para aprofundar esse assunto, pode-se consultar: Gordon (1988a, 1988b); Sharp (1981); Mönnig (1964); West (1979); e Booyens and Jansen van Rensburg (1980).

O próprio Junod se pronunciou, em várias ocasiões, contra os perigos de uma assimilação homogeneizadora. Nesse sentido, chegou a evocar o exemplo norte-americano para chamar a atenção sobre as nefastas consequências de uma assimilação que alienasse os negros de suas tradições, sua mentalidade, sua linguagem. Os negros americanos, afirma, foram privados de seus atributos; "Agora eles estão infelizes e em uma posição anormal, e a totalidade de norte-americanos sofre dessa anomalia que tem sido levada a cabo pelo pecado das gerações precedentes" (Junod, 1905Junod, Henri-Alexandre. (1905). What should be the place of the native language in native education. Morija: Sesuto Book Depot.: 10).

Essa crítica ao africano aculturado, no entanto, foi, por momentos, acompanhada de lampejos universalistas, já que era necessário partir do princípio da existência de uma "unidade psíquica" na espécie humana, a fim de promover a conversão religiosa. Essa convicção levou Junod a procurar analogias entre as ideias cristãs e alguns elementos da religião banto, o que facilitaria a aceitação, por parte dos africanos, da ideia de um Deus único. A busca desse germe monoteísta foi recorrente entre os missionários-etnógrafos preocupados em demonstrar que as crenças de seus nativos, e os sistemas de pensamentos documentados em suas respectivas etnografias, poderiam facilitar o caminho da empresa conversionista e, portanto, a adequada aceitação dos princípios cristãos. Outro componente da religião dos Tsonga identificado por Junod - e que poderia conduzir a um gradual monoteísmo - é a crença nos ancestrais deuses que, mesmo dotados de divindade, não passariam de seres humanos, assim como seus adoradores. A crença em um céu não simplesmente enquanto fenômeno material, mas como princípio espiritual, desempenharia, segundo Junod, um grande papel nas concepções religiosas da tribo.

A URBANIZAÇÃO DOS AFRICANOS E A AMEAÇA DO "BOLCHEVISMO"

No contexto da aplicação iminente das leis segregacionistas de Hertzog propostas no parlamento, Junod redige, em 1930, um texto fundamental em que expõe os desafios oriundos do conflito racial na África do Sul. Seu objetivo consiste, por um lado, em chamar a atenção dos administradores e dos governantes e, por outro, em consumar suas convicções humanitárias, sugerindo possíveis soluções para o problema racial. Essas convicções se fundamentavam, como o próprio Junod admite, nos preceitos de uma moral cristã.

Contudo, a moral de Junod não desemboca em uma condenação aberta do processo colonial; diferentemente de outros missionários mais "liberais", ele adverte que a colonização implica uma exigência da humanidade no seu conjunto e, como tal, é necessária (1931c: 5).

O programa educativo e reformista de Junod é consciente das dificuldades e dos conflitos que o contexto colonial gera. As soluções se inscrevem num projeto de "colaboração" de raças,17 17 Henri-Philippe, seu filho e biógrafo, afirma que Junod se pronunciava favoravelmente a uma resposta “cristã” à política da separação de raças, desejando a “colaboração” e não a “fusão” de raças: “ele não via senão desvantagens na fusão de negros e brancos, e sabia que a intuição profunda dos primeiros, como dos segundos, afirma-se contra as mesclas. Porém sabia que o único caminho era o da colaboração, a compreensão mútua, e o respeito recíproco” (Junod, 1931c: 68-69). sendo, para isso, necessário ter em conta os agentes envolvidos nesse processo. No caso da União Sul-africana, Junod considera três grupos fundamentais interagindo conflitivamente: os bôeres (descendentes dos antigos colonos holandeses), os ingleses e aqueles que, genericamente, denomina negros.

Comecemos pelos bôeres. Não é difícil identificar um certo mal-estar por parte de Junod diante do que chama de mentalidade bôer, isto é, uma mentalidade mais explicitamente segregacionista e racista. Segundo o missionário-etnógrafo, seriam três as causas que teriam contribuído para a criação dessa mentalidade: a instituição da escravidão, que colaborou para formar a ideia de que a principal razão de ser do indígena é a de servir o branco; a dificuldade do bôer para se relacionar com os Hottentotes e, sobretudo, com os Cafres e Zulus − Junod se refere a um enfrentamento entre bôeres e Zulus que havia alimentado a recíproca indisposição, após a grande marcha desde a Cidade do Cabo até a província de Natal, em 1838; a causa de tipo religioso, relacionada com uma doutrina denominada chamismo. Trata-se de uma teoria baseada no capítulo 10 do Gênesis, segundo a qual Cham foi amaldiçoado por Deus em virtude da sua falta de respeito por Noé e, por tal motivo, foi subjulgado por seus irmãos. Os negros seriam seus descendentes e deveriam permanecer inferiores e servidores.18 18 Junod adverte que alguns estudiosos fizeram justiça a essa “absurda interpretação”, que parece ter sido inventada por comentaristas talmúdicos dos primeiros séculos da nossa era e que foi admitida pela maioria dos cristãos. Os bôeres teriam assimilado, com convicção, essa interpretação, a ponto de se considerar um povo escolhido em busca da terra prometida (Junod, 1931c: 10).

Na sequência, Junod se refere ao lugar ocupado pelos ingleses. Segundo o missionário-etnógrafo, quando os ingleses anexaram definitivamente a colônia do Cabo, em 1806, trouxeram uma nova concepção na "relação entre raças". Não obstante, admite que os ingleses teriam praticado a escravidão, durante os séculos XVII e XVIII, com considerável grau de crueldade. É relevante constatar que, durante o século XVIII, teria havido, segundo ele, um crescente antirracismo oriundo da metrópole, e promovido pelos grandes alvores religiosos da Inglaterra do século XVIII. A consequência dessa mudança teria sido a fundação de sociedades missionárias e uma atitude muito mais "liberal em relação aos negros", que já não eram considerados destinados à inferioridade perpétua, mas seres "capazes de desenvolvimento e chamados a alcançar o mesmo grau de civilização que os europeus" (Junod, 1931cJunod, Henri-Alexandre. (1931c). Le problême indigène dans l'Union sud-africaine. Actualités Missionaires, 7, p. 3-35.: 10). Seriam, pois, os missionários da Missão de Londres os encarregados de propagar essas ideias reformistas.19 19 Essas ideias, observa Junod (1931c: 10-11), foram às vezes implementadas com “exagero”; esse seria o caso do missionário Van der Kemp, que chegou a se casar com uma Hottentote “para grande escândalo da população bôer”.

A partir da anexação definitiva do sul da África pela Inglaterra, em 1806, emergiram duas concepções distintas em relação à política indígena. Uma delas − que se expressa na declaração de que "Não há nenhuma igualdade entre brancos e negros, nem na Igreja, nem no Estado" − cristalizou-se nas propostas da primeira Constituição de Transvaal (uma província eminentemente bôer). A outra - com base na declaração de que "Não há, perante a lei, nenhuma distinção ou desqualificação fundada na simples diferença de cor, origem, língua ou crença" − teria sido efetuada pelo governo de Natal (província eminentemente britânica), em 1843. Junod, entretanto, não estabelece correspondência direta entre essas duas atitudes e os dois principais grupos de colonos no sul da África (bôeres e ingleses). Portanto, longe de cair em um maniqueísmo, aceita a complexidade da situação e admite que, com efeito, muitos ingleses, apesar da aparência liberal, eram partidários da política indígena keep them down, ou seja, manter os negros em perpétua posição de inferioridade.

Nesse complexo panorama inclui-se a presença dos trabalhadores de origem britânica que, em face do temor de se ver desprovidos de suas fontes de trabalho pela mão de obra indígena, se aliaram aos nacionalistas bôeres.

"Qual desses dois princípios triunfaria?", perguntava-se Junod. O princípio do segregacionismo, em virtude do qual cada grupo diferenciado por barreiras de cor deveria empreender um desenvolvimento "separado"? Ou o princípio "liberal" da integração, segundo o qual os negros poderiam gradualmente adquirir direitos de cidadania e alcançar o grau de civilização europeia? Certamente, o dilema apresentado por Junod ganha contorno quase profético, se considerarmos o que, de fato, aconteceria mais tarde na África do Sul: um regime de apartheid que duraria quase meio século.

As interrogações que Junod formula em relação ao futuro do "problema indígena" indubitavelmente dizem muito sobre a sua sensibilidade não apenas como missionário, mas como antropólogo e analista preocupado com as questões prático-morais da administração e da educação.

Para Junod, o problema das relações entre "raças" se situa, concomitantemente, no âmbito político, econômico e social. Resumiremos, pois, esses três aspectos sobre os quais o missionário se debruça. Junod parte de um fato irrevogável: os indígenas têm perdido sua independência política. Não obstante a constatação, esse não é um simples enunciado que descreve um estado de coisas, mas que exige uma atuação como contrapartida. "Não sou dos idealistas que se indignam" dizia; "[a] África do Sul, estado moderno e civilizado, não pode deixar sua inteira soberania a populações semiprimitivas, incultas" (Junod, 1931cJunod, Henri-Alexandre. (1931c). Le problême indigène dans l'Union sud-africaine. Actualités Missionaires, 7, p. 3-35.: 16). Por isso, como ele mesmo admitia, "não se pode servir dois patrões ao mesmo tempo".

Ao analisar o problema político, é preciso diferenciar segundo as regiões. Na região do Cabo, até a década de 1930, aplicavam-se as leis mais liberais em relação aos indígenas, existindo a possibilidade de que, gradualmente, os mais "civilizados" reclamassem o direito de voto. Assim, todo indivíduo, qualquer que fosse a sua cor, poder-se-ia transformar em eleitor se cumprisse duas condições: poder assinar seu nome e escrever seu endereço e a natureza de sua ocupação; residir em uma casa ou possuir terreno no valor mínimo de 75 libras e ter renda de ao menos 50 libras por ano.

Em 1926, os africanos constituíam quase dez por cento do eleitorado total na região. Quanto às províncias do Norte - o Estado livre de Orange e Transvaal -, essas nunca aceitaram conceder esse direito aos indígenas (Natal constituindo um caso à parte). Em 1927, o general Hertzog pronunciou famoso discurso, em que atacou abertamente a política de outorgamento de direitos de voto (franchise) adotada no Cabo. A extensão dessa política a toda a União Sul-africana significaria, segundo Hertzog, a ruína da "população branca e da civilização europeia no país".

No ponto em que Junod se refere ao problema econômico, formula novamente críticas às leis propostas por Hertzog, dessa vez, àquelas relativas à posse da terra por parte dos indígenas e que foram cristalizadas no The Native Land Act, de 1913, reformulado em 1936 pelo Development Trust and Land Act. Com esses atos jurídicos, o regime segregacionista concentrou 90% das terras nas mãos dos fazendeiros brancos.20 20 Não será possível abordar neste artigo as implicações dessas disposições segregacionistas em relação à ocupação da terra. Do lado sul-africano, a bibliografia é vasta. No Brasil, gostaria de chamar a atenção para os trabalhos de Antonádia Borges (2011) e Marcelo Rosa (2011), que realizaram pesquisas etnográficas na região de Kwazulu-Natal.

Segundo Junod, o problema rural vinha criando o problema urbano. Em virtude das expulsões territoriais, as mulheres já não podiam cultivar a terra como antes, e os homens tinham de ir às cidades para manter suas famílias. Isso instauraria, ademais, o conflito entre a população indígena e os brancos pobres (poor white), uma categoria recém-criada, sobretudo, pelos bôeres. O problema econômico gerava mal-estar, descontentamento político, greves. Junod parece especialmente preocupado com a figura do sindicalista negro Clements Kadalie. "Quem é Kadalie?", ele se pregunta. É um "banto forte", "inteligente", muito instruído, oriundo de Nyassaland (atual Malawi), onde foi influenciado pelos missionários da Igreja escocesa, e veio a se instalar na África do Sul. Kadalie afirmava que a forma de conseguir o aumento de salários era seguir o exemplo dos brancos. Por isso reuniram-se em um grande sindicato denominado Industrial and Commercial Workers Union (ICU).21 21 Para mais detalhes sobre a ICU, ver Bradford (1987). Mais de 50.000 operários negros uniram-se a Kadalie, que, imediatamente, se tornou uma fonte de desconforto para o governo.

Por que a preocupação de Junod diante da existência desse líder sindical negro? É nesse ponto que se evidencia outro atributo de seu reformismo, bem como os limites de seu liberalismo político. "A fome é má conselheira" afirma, e, para não deixar lugar a ambiguidades, dispara sua carga de metáforas: "adivinhamos por trás a presença deste sinistro personagem que aparece em todas partes onde há problemas e descontentamentos, como um fungo venenoso, ali onde o solo é úmido e insano: o bolchevique" (Junod, 1931cJunod, Henri-Alexandre. (1931c). Le problême indigène dans l'Union sud-africaine. Actualités Missionaires, 7, p. 3-35.: 31).

Nessa mesma época, ocupando o cargo de presidente do Bureau International pour la Défense des Indigènes, Junod (1928: 2)Junod, Henri-Alexandre. (1928). Le mécontentement aux colonies. Alençon: Imprimerie Corbière et Jugain/Bureau International pour la Défense des Indigènes. publica um panfleto intitulado Le mécontentement aux colonies, em que volta a exprimir seus temores antibolchevistas: "O bolchevismo tem um programa bem conhecido, dirigido a quem o queira ouvir; seu ideal é a ditadura do proletariado, e seu método, a destruição do estado de coisas atual [...]. Sabemos o que ele fez na Rússia e alhures".

Se o problema indígena precisa de soluções imediatas e práticas, Junod enuncia algumas das possíveis saídas. Poucos meses antes da publicação do seu informe, é realizado em Johanesburgo um encontro do Joint Councils of European and Natives. As conclusões dessa reunião e as sugestões apresentadas são explicitamente aceitas pelo missionário suíço, entre elas: voltar à estipulação da Acta de 1913, segundo a qual os territórios novos abertos à ocupação dos negros lhes serão exclusivamente reservados; criar um crédito hipotecário para os indígenas, amplamente subsidiado pelo Estado, a fim de facilitar-lhes a compra de terrenos necessários por meio de empréstimos; estimular essas compras não só para as tribos, com o objetivo de aumentar-lhes as propriedades comunais, como também para indivíduos destribalizados, cujo número aumenta rapidamente e que aspiram a um modo de vida semelhante ao dos europeus.

Seriam essas algumas das muitas sugestões que poderiam ser feitas. Essa política liberal, entretanto, teria chance de ser adotada? pergunta-se Junod. Em sua opinião, algumas instâncias organizativas locais que estariam promovendo essa possibilidade de diálogo eram os chamados Joint Councils of European and Natives, capazes de reunir "Ingleses, Bôeres, Basutos, Zulus", estudando os mencionados problemas com um espírito de "fraterna cooperação" (Junod, 1931cJunod, Henri-Alexandre. (1931c). Le problême indigène dans l'Union sud-africaine. Actualités Missionaires, 7, p. 3-35.: 33). Na verdade, esses Conselhos, se bem começaram a ser formados a partir de 1920 como uma instância de oposição às medidas segregacionistas de Hertzog, aos poucos foram perdendo força política e, tal como afirma Brits (1994: 222)Brits, Jean-Pierre. (1994). The pact and South African society. In: Liebenberg, Barend Jacobus & Spies, Burridge (orgs.). South Africa in the 20th Century. Pretoria: J. L. Van Schaik, p. 177-223., acabaram por concentrar seus esforços apenas em tarefas filantrópicas.

É possível que o otimismo, um tanto exacerbado, de Junod se apoie no crescente número de reuniões e congressos ecumênicos que na época começavam a ser promovidos pelas missões cristãs. Nesses eventos, negros e brancos compartilhavam o mesmo espaço na discusão do problema racial. A própria Igreja reformada holandesa teve, aliás, atuação muito significativa, organizando, em 1920, a primeira grande conferência multirracial.22 22 Ver, sobretudo, Du Toit (1984). Nessa ocasião, negros e brancos de distintas igrejas e sociedades missionárias, representantes de organizações beneficentes e do mundo acadêmico se consultavam mutuamente sobre questões relativas à educação banto, propriedade da terra e melhoria social dos africanos. A essa primeira conferência, de 1920, seguiram-se outras duas, em 1926 e 1927 (Brits, 1994Brits, Jean-Pierre. (1994). The pact and South African society. In: Liebenberg, Barend Jacobus & Spies, Burridge (orgs.). South Africa in the 20th Century. Pretoria: J. L. Van Schaik, p. 177-223.: 221). Segundo Brits (1994)Brits, Jean-Pierre. (1994). The pact and South African society. In: Liebenberg, Barend Jacobus & Spies, Burridge (orgs.). South Africa in the 20th Century. Pretoria: J. L. Van Schaik, p. 177-223., muitos cristãos consideravam que, desde o início do século XX, o papel dos missionários não se resumia apenas à conversão do "paganismo", mas também às questões relativas à educação, saúde e bem-estar social dos cristãos negros.

Por isso, o trabalho missionário na África do Sul foi amplamente influenciado pelo chamado evangelho social, oriundo dos Estados Unidos e das sociedades missionárias.23 23 Merece menção especial a Phelps-Stokes Fund, organização filantrópica norte-americana que, na década de 1920, percorreu a África subsaariana, produzindo dois relatórios sobre a educação no continente (Report of the Phelps-Stokes Fund, 1985, 1986). Junod teve contato com membros dessa fundação que, ademais, promovia métodos de ensino bilíngue nas colônias e produziu, também, o primeiro grande estudo sobre o sistema racial segregacionista das escolas norte-americanas (Negro Education in the United States, 1912). Para aprofundar esse assunto, ver Baeta (1970), Groves (1969) e Welbourn (1971). Por volta de 1920, e diferentemente das posturas mais agressivas promovidas pelas igrejas independentistas negras - cujas primeiras experiências foram retratadas no clássico livro de Sundkler (1948)Sundkler, Bengt G. M. (1948). Bantu prophets in South Africa. London: Lutterworth Press.-, essas sociedades pregavam princípios sociais e políticos muito moderados. Moderação que será, como as próprias palavras de Junod sugerem, uma forma de neutralizar os "perigos do bolchevismo".

CIVILIZAÇÃO OU CULTURA?

Ce ne sont pas [...] les injures, la plupart anonymes, que je reçois, qui me feront préférer la "Kultur" à la "Civilisation"

Arnold van Gennep (apud Centlivres & Vaucher, 1994Centlivres, Pierre & Vaucher, Philippe. (1994). Les tribulations d'un ethnographe en Suisse. Arnold van Gennep à Neuchâtel (1912-1915). Gradhiva, 15, p. 89-101. : 100)

Afinal, qual era o paradigma que mobilizava o projeto de Junod? Evoquemos, por um momento, a afirmação do seu amigo, Arnold van Gennep, na epígrafe, pronunciada em circunstâncias históricas muito particulares: uma Europa, cujas rivalidades nacionais estavam em pleno apogeu.

Naquela época, a opção entre Kultur e Civilisation era, também, uma opção política. Contudo, para além desses momentos específicos, ambas as noções criaram uma genealogia de problemas, ultrapassando as circunstâncias históricas das quais se alimentaram. Seguindo as pistas dessa tensão, podemos identificar as consequências do duplo legado - romântico e iluminista - que marcou a história teórica das ciências sociais (Denby, 2005Denby, David. (2005). Herder: culture, anthropology and the Enlightenment. History of the Human Sciences, 18/1, p. 55-76. ). Um dos sintomas contemporâneos desse legado - e seus dilemas - ainda persiste no chamado debate multicultural, em que a tensão entre Kultur e Civilisation se manifesta sob duas exigências aparentemente opostas: uma relativista - a do reconhecimento cultural - e outra universalista - a da integração social (Macagno, 2014Macagno, Lorenzo. (2014). O dilema multicultural. Curitiba/Rio de Janeiro: Editora UFPR/Graphia Editorial.). Devemos assumir essa dicotomia como um dado natural e inquestionável? Como conciliar as exigências relativistas do etnógrafo com os imperativos universalistas do missionário?

Teria conseguido, Junod, controlar as fronteiras que separavam sua atividade científica de sua atividade missionária? A pergunta veicula um falso problema. Sobretudo porque, em grande medida, as duas dimensões (etnográfica e missionária) se alternam - e, por vezes, se complementam - em um jogo complexo de recíproca interdependência. Esse apoio mútuo explica o fato de que Junod baseou seu trabalho em relatos de informantes convertidos ao cristianismo, os quais, ao mesmo tempo, guardavam claras lembranças de seu passado pagão. Não há paradoxo nessa complementariedade, já que, nesse caso, o diálogo etnográfico se funda no distanciamento que o informante estabelece em relação ao seu próprio mundo, que deixa de ser incomensurável e incomunicável para se tornar inteligível aos olhos do etnógrafo-missionário, que assim comentava esse processo:

as circunstâncias em que me encontrava entre os Thonga eram as mais favoráveis que se podem imaginar para uma tal investigação [...]. Os próprios adultos das nossas congregações tinham sido pagãos e haviam praticado os ritos acerca dos quais os interrogávamos. Podiam descrevê-los melhor do que os pagãos sem educação, pois se encontravam já a uma certa distância da vida antiga e podiam julgá-la de maneira mais independente" (Junod, 1974Junod, Henri-Alexandre. (1974) [1946]. Usos e costumes dos bantos. A vida duma tribo Sul-Africana. Tomos 1 e 2. Lourenço Marques: Imprensa Nacional de Mozambique., tomo 1: 11).

Assim, o presente etnográfico que Junod pretende descrever se converte, imediatamente, em passado à medida que a descrição vai se aprofundando: a condição de um bom informante consiste, nesse caso, na necessidade de que ele participe, por assim dizer, de "dois mundos" simultâneos. Para que a narrativa etnográfica se realize, contudo, esse nativo deve, de alguma maneira, afastar-se do seu paganismo: o autodistanciamento seria a condição para que ele conseguisse dialogar com o horizonte cognitivo do observador.

Levando tal argumento ao limite, podemos arriscar que o preço que Junod pagaria para ampliar seu conhecimento etnográfico consistiria em "converter", aproximar do mundo europeu esses indivíduos que, ao sair das margens estreitas dos seus usos e costumes, estariam em condições de se tornar informantes idôneos, competentes. Dessa forma, o etnógrafo e seu informante, com a ampliação das suas correspondentes visões de mundo, criam as condições para esse diálogo etnográfico. Contudo, essa mútua ampliação das fronteiras cognitivas pode derivar em momentos menos satisfatórios para a relação hierárquica que o missionário-etnógrafo precisava manter. Um desses momentos aparece ilustrado num encontro, por assim dizer, de "visões de mundo". Trata-se de um diálogo que inverte e subverte os termos da relação etnógrafo/informante. Nesse caso, o observador se transforma em observado (e vice-versa). O missionário percebeu esse processo com singular frustração quando, certa vez, pretendeu exercer o papel de etnógrafo diante de três africanos fortemente europeizados:

Em 1909, numa das minhas viagens à Europa, encontrei, a bordo do paquete que nos levava, três indígenas que iam, suponho, para Inglaterra por motivos políticos. Senti um grande prazer em falar com eles. Um era director dum jornal indígena, outro chefe cristão, o terceiro dirigia uma casa de educação, fundada por ele próprio. Tentei um belo dia obter deles algumas informações etnográficas. Nunca sofri insucesso tão completo em toda minha carreira! [...] Deixei-os, com um sentimento de melancolia, pensando como eram diferentes dos meus informadores thongas, o Mboza, o Tobane e mesmo Elias (Junod, 1974Junod, Henri-Alexandre. (1974) [1946]. Usos e costumes dos bantos. A vida duma tribo Sul-Africana. Tomos 1 e 2. Lourenço Marques: Imprensa Nacional de Mozambique., tomo 1: 10-11).

Por um lado, Junod sente prazer em participar daquela conversa "civilizada". Por outro, sente frustração e melancolia por não conseguir obter "informações etnográficas" dos seus interlocutores. Seus modos cosmopolitas lhe parecem quase uma afronta. "Não busquemos", dirá em outra ocasião, "fazer do africano uma cópia servil do branco". Ao contrário, é preciso que ele se desenvolva nos seus próprios termos culturais. É preciso criar uma "alta cultura banto" que valorize o Geist (o gênio) desse povo:

O africano é um homem, mas não é um homem exatamente igual ao europeu. Ele representa um tipo de humanidade que tem o direito de existir e de se manter. Sem dúvidas, está chamado a se transformar e a se civilizar verdadeiramente, e somos nós que temos que lhe fornecer os meios. Mas ele tem seus dons particulares, suas tradições, seu gênio próprio. Respeitemo-lo. Respeitemos sua língua. Não busquemos, através de uma assimilação precipitada, fazer dele uma cópia servil do branco! (Junod, 1931bJunod, Henri-Alexandre. (1931b). Le noir africain. Comment faut-il le juger? Lausanne: Imprimeries Réunies.: 20).

Apesar dessa advertência, Junod não abdicará de um certo universalismo instrumental. Um universalismo no qual o esforço civilizatório deve ser feito sob a tutela do branco e, mais especificamente, do missionário.

Entretanto, a imprensa missionária - por meio de seus livros, revistas, opúsculos - ocupou-se de retratar as suas conquistas civilizatórias de uma maneira imagética. Nesse outro corpus de representações, as mensagens visuais buscavam passar a ideia, a leitores europeus, de que a conquista das almas era possível. Na fotografia a seguir, Junod aparece junto aos pastores formados pela Missão. Vários elementos chamam a atenção. Quiçá o traço mais distintivo da imagem seja a sua simetria: no centro e na frente, o homem branco. Por um lado, a imagem pode denotar uma espacialidade hierárquica. É possível, ademais, ver que os dois homens negros que aparecem à direita e à esquerda do grupo seguram, respectivamente, um elegante chapéu. Na outra mão, levam um livro, seguramente uma bíblia.

O obsessivo esmero com os trajes introduz um elemento fortemente homogeneizador que, por isso, atenua o efeito da presumível centralidade do homem branco. Como uma metáfora visual da missão civilizadora, a fotografia está desprovida de qualquer intenção exotista. Não é o nativo prístino que aparece na imagem. Não é o pagão. Ao contrário, a fotografia parece querer dizer: eis o resultado do esforço civilizatório; a conversão do banto é possível; é possível a colaboração racial.

O Junod missionário e o Junod etnógrafo são a mesma pessoa, salvo pelo fato de que, por vezes, uma dimensão pretende se sobrepor à outra e vice-versa. Assim, por exemplo, o Junod missionário intervém sobre o Junod etnógrafo quando procura um elemento monoteísta na cosmologia tsonga; da mesma forma, o Junod etnógrafo intervém sobre o Junod missionário quando se lamenta, nostalgicamente, pelo desaparecimento dos costumes da tribo, em virtude da presença europeia e dos males da industrialização. Às vezes, o multiculturalismo do etnógrafo consegue vencer o monoculturalismo do missionário. Em outros momentos, é este último que se impõe. Nesse caso, a satisfação do missionário com o cumprimento da sua tarefa fala mais alto.

Esses dilemas podem ser apreendidos, e compreendidos, em termos do que João de Pina-Cabral (2012)Pina-Cabral, João. (2012). Um livro de boa-fé? A contraditoriedade do presente na obra de Henri-Alexandre Junod (1898-1927). In: Dias, Juliana Braz & Lobo, Andréa (orgs.). Africa em Movimento. Brasília: ABA, p. 271-296. denominou contraditoriedade do presente na obra de Junod. O que não pode ser descrito em termos de coerência - isto é, em termos etnográficos - necessita de outras linguagens, de outras estratégias narrativas. Portanto, aquilo que está em processo de ser, por assim dizer, contaminado pela civilização precisa ser descrito com outras ferramentas discursivas. É por isso que Junod escreveu o romance Zidji, referido no início deste artigo. Essa outra narrativa, diferentemente da narrativa etnográfica, devia enfrentar o complexo, o mutável, ou seja, não mais o passado pagão, mas a contraditoriedade do presente.

Por fim, o que dizer da fotografia a seguir, em que Junod aparece ministrando uma lição de osteologia junto aos seus apredizes africanos?

A centralidade da imagem é protagonizada, dessa vez, não por um homem branco, e sim por um ser genérico, universal, descarnado: um esqueleto. Este não possui "raça", nem cor, nem cultura. Trata-se, em última instância, de uma metáfora visual das convicções monogenéticas de Junod: a certeza de uma origem comum e de um repertório genético idêntico para todos. Já não há banto, nem europeu, nem Tsonga; há, simplesmente, Homo Sapiens. Não obstante, existem diferentes "roupagens culturais" para vestir esse ser genérico. E, portanto, diferentes repertórios cognitivos. Este último imperativo justifica a empreitada etnográfica de Junod em prol de melhor entender a "mente banto". Pode também, entretanto, justificar o lado do educador. Com efeito, dada uma origem comum, todos podem atravessar idênticas etapas na linha evolutiva da criação. Na passagem de uma etapa para outra, cabe a alguns exercer o papel de guias tuteladores: é o momento em que aparece o Junod missionário, pronto para salvar "seus" indígenas da obscuridade do paganismo. Não julgamos aqui a duvidosa veracidade da cena, nem a sua falsa espontaneidade (pois é provável que a lição de osteologia retratada na imagem tenha sido teatralmente montada), mas a sua intencionalidade intrínseca, como artefato veiculador de significados. A indagação antropológica das fotografias produzidas em contextos missionários tem o potencial heurístico de iluminar várias arestas das tensões e paradoxos (entre civilização e cultura) analisados aqui. Trata-se de uma indagação que já tem sido explorada por outros autores.24 24 Ver, a respeito, Patrick Harries (2007) sobretudo nas páginas 226-227, em que ressalta, com outros exemplos, a dimensão “construída” da produção e divulgação da fotografia missionária. Ver, também, o número especial “Mission and photography” editado pela revista Le Fait Missionnaire (hoje denominada Social Sciences and Missions), 10, 2001.

COMENTÁRIOS FINAIS

Como etnógrafo-missionário, Junod estava treinado para conjurar a incomensurabilidade das culturas, mapear o particular e, de alguma forma, torná-lo inteligível. Não obstante, ainda que possa parecer um contrassenso, a empresa do resgate etnográfico na qual estava empenhado era facilitada pela sua posição de missionário. Ou seja, o fato de Junod ter baseado seu trabalho nos relatos de informantes convertidos ao cristianismo (que, ao mesmo tempo, guardavam claras lembranças do seu passado pagão) constitui condição sine qua non da tarefa etnográfica naquele contexto específico. Aqui, ao menos em termos instrumentais e metodológicos, a civilização subsidia a cultura: o informante informado (civilizado) é um pagão converso.

Em grande medida, a própria subjetividade de Junod constitui um campo de batalhas cognitivas, desencadeadas pela ampliação dos limites físicos e morais do seu mundo. A disputa se resolve ora a favor dos particularismos, ora a favor do universalismo. Em ambos os casos, a nostalgia de Junod em relação aos "usos e costumes" que gradualmente desapareciam do mundo africano possui um corolário político. Na cosmologia do missionário-etnógrafo, a civilização engloba dois contrários, positivo e negativo, respectivamente. Por um lado, ela promove a conversão das almas e, na sua visão, liberta os africanos das trevas do paganismo; mas, por outro, a civilização pode ser perniciosa, pois, entre as crescentes camadas de africanos urbanizados, traz consigo tanto os riscos da degradação que o capitalismo promove como as ameaças do materialismo e do ateísmo que o "bolchevismo" fomenta.

E por fim, até que ponto a tensão veiculada na trajetória e na obra de Junod permanece vigente? Poderemos, hoje, estar expectantes ou passivos perante o dilema? Ou, para dizê-lo nos termos apresentados na epígrafe de Van Gennep: poderá a Kultur se impor à Civilisation? Ou vice-versa? A resposta é necessariamente situacional e contextual, já que depende de um campo de disputas, em que relativismo e universalismo não atuam em terrenos politicamente neutros.

Tal como mencionado na introdução, o espectro de Junod quase inevitavelmente se imiscuía nas minhas conversas com os linguistas e educadores do Inde, em Moçambique. Para além do contexto sociopolítico no qual ele escreveu, as controvérsias provocadas por sua obra permanecem incólumes. Passados os anos, não é um simples acaso que, em 2006, o cineasta moçambicano Camilo de Sousa tenha retornado, em um oportuno documentário intitulado Junod, à figura do etnógrafo-missionário.25 25 O filme Junod também contou com a assessoria da antropóloga Brigitte Bagnol e com a colaboração de Licínio Azevedo no script. Camilo de Sousa, o realizador, tem vasto protagonismo no cinema moçambicano, participando em centenas de produções cinematográficas. Trabalhou no Instituto Nacional de Cinema de Moçambique entre 1980 e 1991. Em 1992, participou da criação da primeira cooperativa independente de produção de imagem. Em 2001, associou-se à produtora Ébano. É, também, membro fundador da Associação Moçambicana de Cineastas, Amocine, criada em 2003. Ao longo do filme, desfila uma plêiade de intelectuais moçambicanos e sul-africanos. No documentário, tradição e modernidade se defrontam e se desafiam reciprocamente. A discussão que é feita sobre o lobolo (ou casamento tradicional) é um exemplo paradigmático desse embate. Trata-se de um diálogo tenso e resiliente. Em pleno século XXI, os dilemas de Moçambique - e, portanto, da construção da moçambicanidade - estão fatalmente metaforizados na obra de Junod. E seu legado continua a nos interpelar.

NOTAS

  • 1
    O resultado da pesquisa derivou na minha tese de doutorado sob a orientação do professor doutor Peter Fry, Do assimilacionismo ao multiculturalismo. Educação e representações sobre a diversidade cultural em Moçambique, defendida no final de 2000 junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, IFCS/UFRJ.
  • 2
    No início de 1990, o Inde começou a trabalhar em estreito contato com um grupo de pesquisadores e linguistas da Universidade de Estocolmo, Suécia. Em 1993, Kenneth Hyltenstam e Christopher Stroud, ambos membros do Centro de Investigação sobre Bilinguismo da Universidade de Estocolmo, produziram um amplo relatório de recomendações, como resultado do projeto Avaliação de materiais de ensino para a educação primária inferior em Moçambique. Esse projeto integrava uma iniciativa do Ministério de Educação de Moçambique e foi financiado pela Swedish International Development Authority (Sida). A responsabilidade institucional local esteve a cargo do Inde. Pelo lado sueco, o projeto contou com o apoio institucional do Departamento de Investigação Educacional do Instituto de Educação de Estocolmo. É importante assinalar que participaram do projeto pesquisadores suecos e moçambicanos.
  • 3
    Também suíço, Bachofen publicou sua obra Das Mutterecht, sobre o direito materno, em 1861.
  • 4
    Para um aprofundamento sobre as relações de H.-A. Junod com os antropólogos da época, consultar o capítulo 8 do livro de Patrick Harries (2007)Harries, Patrick. (2007). Butterflies & barbarians. Swiss missionaries & systems of knowledge in South-East Africa. Oxford: James Currey..
  • 5
    Apesar de Junod não o ter explicitado, seus trababalhos sobre “tabu” e “totemismo” podem ter recebido a influência de Émile Durkheim, cf. Harries (2007: 239, nota 39)Harries, Patrick. (2007). Butterflies & barbarians. Swiss missionaries & systems of knowledge in South-East Africa. Oxford: James Currey..
  • 6
    Importa ressaltar que o grupo que Junod denomina Rongas ou Ba-Ronga (o prefixo “ba”, nas línguas de origem banto indica plural) era uma subdivisão da “tribo” que Junod chama de thongas ou tsongas. Os Rongas ou Ba-Ronga habitavam as proximidades de Lourenço Marques (atual Maputo) e a região da baía de Delagoa.
  • 7
    Para a elaboração deste artigo, consultei a edição de 1946 e 1974 em português. Também tive acesso à edição francesa, de 1936, que se encontra disponível na Biblioteca do Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, onde sou professor há 17 anos. Lembremos, também, que, em 1996, o Arquivo Histórico de Moçambique, organizou uma nova edição (as suas capas reproduzem gravuras do famoso pintor moçambicano Malangatana). Tal como anunciado na introdução, em 2009 foi editada a versão brasileira, pela Editora da Unicamp.
  • 8
    Segundo Patrick Harries, Junod parece falar, em alguns momentos, de clãs como chefias e em outros, como unidades baseadas no parentesco, mesmo que, no fundo, elas estivessem dominadas por chefias no sentido de unidades políticas (comunicação pessoal com Patrick Harries, mensagem de e-mail datada de 12 fev. 1999).
  • 9
    Esses Clãs do Norte foram incluídos, primeiro, sob a categoria genérica de Gwambas e, mais tarde, de Shanganas.
  • 10
    António Enes atuou primeiro como jornalista; posteriormente foi deputado, ministro da Marinha e do Ultramar e, por fim, entre 1894-1895, tornou-se governador de Moçambique, sendo, indubitavelmente, um dos artífices centrais do processo de construção jurídica do “indígena”. Seu relatório, intitulado “Moçambique”, escrito no final do século XIX, é um documento de referência da moderna política colonial portuguesa.
  • 11
    “De Henri Junod a António Enes”, Anexo XII do volume As campanhas de Moçambique em 1895 segundo os contemporâneos, prefácio e notas do Prof. Dr. Marcello Caetano. Divisão de Publicações e Biblioteca – Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1946,
  • 12
    Segundo Bronwyn Louise Michler, uma edição do Bulletin de la Mission Romande publicou, em janeiro de 1908, o obituário de um estudante da Lemana Normale School, cujo nome era Zitchi Mafemane. Um exame de seu obituário revelou que se tratava do jovem personagem em volta do qual Junod estruturou o seu texto (Michler, 2003Michler, Bronwyn Louise. (2003). Biographical study of H.-A. Junod: the fictional dimension. Dissertação de Mestrado (History). University of Pretoria.: 110).
  • 13
    James Barry Munnick Hertzog começou a ter um papel preponderante na política sul-africana após a guerra anglo-bôer, finda em 1899. Como advogado, tornou-se um militante da causa nacionalista bôer (ou africâner). Tornou-se primeiro-ministro em 1924, quando derrotou Ian Smuts nas eleições, permanecendo no poder até 1939.
  • 14
    Oriunda da língua africâner, kraal é, na realidade, uma deturpação da palavra portuguesa curral. O tom pejorativo da palavra é evidente (um curral, como indica qualquer dicionário, é o lugar em que se abriga o gado). O termo kraal acabou sendo amplamente utilizado nas crônicas coloniais para se referir às residências rurais dos africanos.
  • 15
    W. N. Eiselen foi secretário do Department of Bantu Administration and Development, na África do Sul, professor de antropologia na Stellenbosch University, membro da Commission on Education in Basutoland e chefe da Native Education Commission.
  • 16
    Agradeço a Patrick Harries ter chamado minha atenção sobre a posibilidad de situar Junod no interior da genealogia dos antropólogos do volkekunde. De fato, a obsessão protecionista de Junod em manter os nativos isolados do “corrosivo mundo europeu” cria uma importante matériaprima para os ideólogos segregacionistas. Junod, no entanto, jamais teria compactuado com a radical e perversa “solução” do apartheid. Mergulhar nas derivações da antropologia segregacionista (volkekunde) sul-africana desviaria o objetivo traçado neste artigo. Para aprofundar esse assunto, pode-se consultar: Gordon (1988aGordon, Robert. (1988a). Apartheid's anthropologists: the genealogy of Afrikaner anthropology. American Ethnologist, 15/3, p. 535-553., 1988b)Gordon, Robert J. (1988b). Ethnological knowledge is of vital importance: the martialization of South African anthropology. Dialectical Anthropology, 12, p. 443-448.; Sharp (1981)Sharp, John S. (1981). The roots and development of Volkekunde in South Africa. Journal of Southern African Studies, 8/1.; Mönnig (1964)Mönnig, Herman Otto. (1964). The development of anthropology in South Africa. African Institut Bulletin, 4/2.; West (1979)West, Martin E. (1979). Social anthropology in a divided society. Inaugural Lecture (New series University of Cape Town, 58).; e Booyens and Jansen van Rensburg (1980)Booyens, Johan Henning & Van Rensburg, Fanie Jansen. (1980). Two separate developments. Anthropology in South Africa. Royal Anthropological Institute Newsletter, 36..
  • 17
    Henri-Philippe, seu filho e biógrafo, afirma que Junod se pronunciava favoravelmente a uma resposta “cristã” à política da separação de raças, desejando a “colaboração” e não a “fusão” de raças: “ele não via senão desvantagens na fusão de negros e brancos, e sabia que a intuição profunda dos primeiros, como dos segundos, afirma-se contra as mesclas. Porém sabia que o único caminho era o da colaboração, a compreensão mútua, e o respeito recíproco” (Junod, 1931cJunod, Henri-Alexandre. (1931c). Le problême indigène dans l'Union sud-africaine. Actualités Missionaires, 7, p. 3-35.: 68-69).
  • 18
    Junod adverte que alguns estudiosos fizeram justiça a essa “absurda interpretação”, que parece ter sido inventada por comentaristas talmúdicos dos primeiros séculos da nossa era e que foi admitida pela maioria dos cristãos. Os bôeres teriam assimilado, com convicção, essa interpretação, a ponto de se considerar um povo escolhido em busca da terra prometida (Junod, 1931cJunod, Henri-Alexandre. (1931c). Le problême indigène dans l'Union sud-africaine. Actualités Missionaires, 7, p. 3-35.: 10).
  • 19
    Essas ideias, observa Junod (1931c: 10-11)Junod, Henri-Alexandre. (1931c). Le problême indigène dans l'Union sud-africaine. Actualités Missionaires, 7, p. 3-35., foram às vezes implementadas com “exagero”; esse seria o caso do missionário Van der Kemp, que chegou a se casar com uma Hottentote “para grande escândalo da população bôer”.
  • 20
    Não será possível abordar neste artigo as implicações dessas disposições segregacionistas em relação à ocupação da terra. Do lado sul-africano, a bibliografia é vasta. No Brasil, gostaria de chamar a atenção para os trabalhos de Antonádia Borges (2011)Borges, Antonádia. (2011). Sem sombra para descansar: etnografia de funerais na África do Sul contemporânea. Anuário Antropológico, 36/1, p. 215-252. e Marcelo Rosa (2011)Rosa, Marcelo. (2011). Mas eu fui uma estrela do futebol! As incoerências sociológicas e as controvérsias sociais de um militante sem terra sul-africano. Mana, 17/2., que realizaram pesquisas etnográficas na região de Kwazulu-Natal.
  • 21
    Para mais detalhes sobre a ICU, ver Bradford (1987)Bradford, Helen. (1987). A taste of freedom: the ICU in rural South Africa 1924-1930. [s.l.]: Ravan Press..
  • 22
    Ver, sobretudo, Du Toit (1984).Du Toit, Brian M. (1984). Missionaires, anthropologist, and the policies of the Dutch reformed church. Journal of Modern African Studies, 22/4.
  • 23
    Merece menção especial a Phelps-Stokes Fund, organização filantrópica norte-americana que, na década de 1920, percorreu a África subsaariana, produzindo dois relatórios sobre a educação no continente (Report of the Phelps-Stokes Fund, 1985, 1986). Junod teve contato com membros dessa fundação que, ademais, promovia métodos de ensino bilíngue nas colônias e produziu, também, o primeiro grande estudo sobre o sistema racial segregacionista das escolas norte-americanas (Negro Education in the United States, 1912). Para aprofundar esse assunto, ver Baeta (1970)Baeta, Christian G. (1970). Missionary and humanitarian interests, 1914 to 1960. In: Gann, Lewis H. & Duignan, Peter (edits.). Colonialism in Africa, 1870-1960, v. 2, Cambridge: Cambridge University Press., Groves (1969)Groves, Charles P. (1969). Missionary and humanitarian aspects of imperialism from 1870 to 1914. In: Gann, Lewis H. & Duignan, Peter (eds.). Colonialism in Africa, 1870-1960, v. 1, Cambridge University Press. e Welbourn (1971)Welbourn, Frederick B. (1971). Missionary stimulus and african responses. In: Turner, Victor (ed.). Colonialism in Africa 1870-1960, v. 3, Cambridge University Press..
  • 24
    Ver, a respeito, Patrick Harries (2007)Harries, Patrick. (2007). Butterflies & barbarians. Swiss missionaries & systems of knowledge in South-East Africa. Oxford: James Currey. sobretudo nas páginas 226-227, em que ressalta, com outros exemplos, a dimensão “construída” da produção e divulgação da fotografia missionária. Ver, também, o número especial “Mission and photography” editado pela revista Le Fait Missionnaire (hoje denominada Social Sciences and Missions), 10, 2001.
  • 25
    O filme Junod também contou com a assessoria da antropóloga Brigitte Bagnol e com a colaboração de Licínio Azevedo no script. Camilo de Sousa, o realizador, tem vasto protagonismo no cinema moçambicano, participando em centenas de produções cinematográficas. Trabalhou no Instituto Nacional de Cinema de Moçambique entre 1980 e 1991. Em 1992, participou da criação da primeira cooperativa independente de produção de imagem. Em 2001, associou-se à produtora Ébano. É, também, membro fundador da Associação Moçambicana de Cineastas, Amocine, criada em 2003.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2019
  • Revisado
    20 Abr 2020
  • Aceito
    01 Maio 2020
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