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O “ORIGINAL” E A “CÓPIA” NA ANTROPOFAGIA

‘ORIGINAL’ AND ‘COPY’ IN BRAZILIAN ANTHROPOPHAGY

Resumo

O artigo avalia até que ponto a Antropofagia inova ao lidar com a importação de ideias no Brasil. Analisa, para tanto, como o projeto ideológico de Oswald de Andrade é elaborado entre 1924 e 1928 no Manifesto da Poesia Pau-Brasil e no Manifesto Antropófago. Confronta as formulações do escritor, a partir daí, com a crítica da época, que enfatizava a pretensa inspiração europeia de seu programa. Em termos mais específicos, busca, por meio da Revista de Antropofagia, entender os rumos e significados que o movimento assume até 1929. Em cada um desses momentos presta atenção especialmente na interlocução dos antropófagos com outros intelectuais da época. Ou seja, procura basicamente entender a Antropofagia em seu contexto, com o objetivo de verificar, em termos deliberadamente anacrônicos, até que ponto ela pode transcender seu ambiente, confrontando-a de modo especial com as recentes formulações pós-coloniais.

Palavras-chave:
Antropofagia; original; cópia; ideias; pós-colonialismo

Abstract

The article examines to what point the Brazilian Anthropophagy movement innovates in its approach to the importation of ideas. It begins by analysing how Oswald de Andrade’s ideological project developed between 1924 and 1928 in the Pau Brazil Poetry Manifesto and the Anthropophagic Manifesto. It then compares the writer’s arguments with the critique made of his program at the time, which stressed its supposed European inspiration. More specifically, through the journal Revista de Antropofagia, it looks to understand the paths taken and meanings explored by the movement up to 1929. In each of these moments, special attention is paid to the dialogue between anthropophagists and other contemporary intellectuals. In sum, it tries to understand Anthropophagy in its context in order to evaluate, in deliberately anachronic terms, how far it can transcend them, comparing it particularly with recent postcolonial formulations in anthropology.

Keywords:
Anthropophagy; originality; copy; ideas; post-colonialism

Oswald de Andrade, no Manifesto Antropófago, de 1928, talvez formule uma solução diferente para o já centenário mal-estar brasileiro com influências estrangeiras.1 1 Desde pelo menos a independência, políticos e escritores voltam-se contra a importação de ideias e instituições estrangeiras. Inicialmente o problema incomoda em especial conservadores e românticos, que reagem contra o universalismo favorecido por liberais e neoclássicos. O mal-estar com as “ideias fora do lugar” atravessa, a partir daí, a maior parte do pensamento político-social brasileiro. Ver, entre outros: Schwarz, 1992; Ricupero, 2004. Pode-se, todavia, disputar o sentido do “original”, identificando-o com o modelo europeu ou as origens americanas. Ver, entre outros: Santiago, 2000; Sussekind, 1990. Em contraste com a denúncia da importação de ideias e instituições produzidas na Europa, já que elas seriam inadequadas a nossas condições, toma o ato de devorar o que vem de fora como definidor de um país como o Brasil. Nessa referência, a própria deglutição modificaria aquilo que seria comido: “absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem” (Andrade, 1972b: 18Andrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.).

A menção ao canibalismo tem claramente um sentido polêmico, tão ao gosto do autor do manifesto. Até porque a antropofagia é um tabu poderoso, que indica o próprio limite entre natureza e cultura. Ao invocá-la, Oswald como que busca atingir essas fronteiras, destacando o ritualismo altamente elaborado dos supostos primitivos que comiam seus inimigos mais valorosos e o caráter recalcado da vida pretensamente civilizada.2 2 Pascale Casanova indica, de maneira sugestiva, que a metáfora canibal já aparece no século XVI, quando o humanista Joachim Du Bellay (apud Casanova, 2004: 54) defende a diferenciação do francês diante do latim. Para tanto, remete à relação que os romanos tiveram com a cultura grega: “imitando os melhores autores gregos, transformando-se neles, devorando-os; e depois de tê-los bem digeridos, convertendo-os em sangue e alimento”. Imagem semelhante também teria aparecido no romantismo alemão ao confrontar a hegemonia da cultura francesa. É verdade que em outros momentos do Manifesto Antropófago aparece uma atitude mais tradicional ao lidar com ideias estrangeiras, se proclamando, por exemplo: “contra todos os importadores de consciência enlatada” (Andrade, 1972b: 14).

Examino no artigo até que ponto vai o projeto ideológico da Antropofagia.3 3 Deixo de fora deliberadamente o projeto estético, apesar de a separação ter uma certa arbitrariedade, até porque, como aponta Pedro Dutra (2014), a inovação artística se articula com a interpretação do Brasil. Significativamente, com a Antropofagia ocorre a incomum situação de um movimento nas artes plásticas fazer nascer todo um movimento de ideias. Mais especificamente, é o quadro Abaporu, presenteado por Tarsila quando Oswald completa 38 anos, que dá origem à Antropofagia. Sobre o projeto estético antropófago, ver, entre outros: Amaral, 1975; Scharwtz, 2013. Num outro sentido, é possível considerar que a radicalidade da Antropofagia, tal como destaca Haroldo de Campos (1974), contribui para que seu projeto não seja meramente estético. Nessa orientação, Antonio Candido e Adelarlo Castello (1972: 16) consideram que o movimento apontaria para a elaboração de “uma verdadeira filosofia embrionária da cultura”. Já Augusto de Campos (1975), avalia que a Antropofagia foi “a única filosofia original brasileira e, sob alguns aspectos, o mais radical dos movimentos artísticos que produzimos”. Jorge Schwartz (2013: 33) toma, por sua vez, “a ideologia Pau Brasil, que culminaria no final da década com a Antropofagia” como “a revolução estético-ideológica mais original das vanguardas latino-americanas daquela época”. Finalmente, Eduardo Viveiros de Castro (2007: 168) considera que “a antropofagia foi a única contribuição realmente anticolonialista que geramos”. Formulado nos anos 1920, em meio a agitações e disputas no interior do modernismo e da Primeira República, Oswald procura reelaborá-lo, em linguagem filosófica, nas décadas de 1940 e 1950. No entanto, a Antropofagia praticamente desaparece com a morte de seu principal inspirador. Mais tarde, nos anos 1960, o apelo ao canibalismo cultural volta, com força. Desde então, a Antropofagia está presente no debate político-cultural, não sendo difícil encontrar afinidades com o que hoje é chamado de pós-colonialismo, especialmente no sub-ramo dos estudos subalternos, e seu objetivo de “provincianizar a Europa” (Chakrabarty, 2000Chakrabarty, Dipesh. (2000). Provincializing Europe. Princeton: Princeton University Press.).

Trato no artigo do modo como o projeto ideológico de Oswald é elaborado entre 1924 e 1928 no Manifesto da Poesia Pau-Brasil e no Manifesto Antropófago, chamando a atenção para as continuidades e mudanças entre os dois textos. Confronto as formulações do escritor, a partir daí, com a crítica da época, que enfatizava a pretensa inspiração europeia de seu programa, argumento que continuou a ser usado posteriormente. Em termos mais específicos, busco, por meio da Revista de Antropofagia, entender os rumos e significados que o movimento assume até 1929. Em cada um desses momentos presto atenção especialmente na interlocução dos antropófagos com outros intelectuais da época, principalmente os verde-amarelos, Graça Aranha, Tristão de Athayde e Mário de Andrade. Ou seja, procuro basicamente entender a Antropofagia em seu contexto.

Não tendo como tratar dos desdobramentos e apropriações do projeto antropofágico na cultura brasileira - processo de média ou até longa duração, fundamental para avaliar seu alcance ideológico -, limito-me a reconstruir e confrontar sua produção com as recentes formulações pós-coloniais. Selecionei tal perspectiva pela repercussão que ela tem tido e por acreditar que aparecem notáveis afinidades do pós-colonialismo com a Antropofagia. Em poucas palavras, quero reconstruir o ambiente da Antropofagia para verificar, em termos deliberadamente anacrônicos, até que ponto ela pode o transcender.4 4 Margaret Leslie (1970) indica, a partir de interessante diálogo com Quentin Skinner, que a história pode servir como uma espécie de reserva de material quase inigualável para formulações teóricas. Exemplo de tal procedimento, que fornece argumentos em favor de um certo anacronismo, é a maneira de Antonio Gramsci se servir das reflexões de Nicolau Maquiavel para elaborar, de maneira extremamente original, sua própria teoria. Esclareço que do que é em geral chamado, de maneira bastante imprecisa, de pós-colonialismo privilegio os estudos subalternos indianos ou, mais precisamente, bengali. Faço isso em razão de ser possível encontrar sugestivos pontos de permanências com a Antropofagia brasileira, especialmente na crítica à cultura ocidental.

O PROJETO

Antes do Manifesto Antropófago, Oswald tinha lançado, em 1924, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil. Seu primeiro manifesto, porém, ainda desejava viabilizar uma “poesia de exportação” que, para realizar esse propósito, precisava destacar o que era próprio da cultura brasileira e do país e assim garantir lugar para a literatura brasileira numa espécie de divisão internacional do trabalho intelectual. Em outras palavras, seria preciso encontrar as “vantagens comparativas” brasileiras não só na economia, mas também na cultura: “a formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança” (Andrade, 1972bAndrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 5).5 5 Significativamente, como indica o autor do manifesto 25 anos depois: “como o pau-brasil foi a primeira riqueza brasileira exportada, denominei o movimento Pau Brasil” (Andrade, 1990: 148). Ainda na referência econômica, Affonso Arinos vê, em 1926, Pau-Brasil como “depósito de matérias-primas da poesia à espera da manufatura transformadora” (Arinos, 1926: 37). João Ribeiro (1952: 91) percebe, por sua vez, já em 1927, ou seja, antes da crise de 1929, até possíveis implicações de uma substituição de importações literária: “assim nasceu uma poesia nacional que, levantando as tarifas de importação, criou uma indústria brasileira”. Tal preocupação não é fundamentalmente diferente do programa romântico, de criar uma literatura nacional a partir daquilo que seria particularmente brasileiro.

De maneira significativa, como nota Paulo Prado (1990: 57)Prado, Paulo. (1990). Poesia pau-brasil. In: Andrade, Oswald. Pau-Brasil. São Paulo: Globo. no Prefácio do livro de poesias Pau-Brasil, o ângulo assumido é dado pelo centro: “Oswald de Andrade, numa viagem a Paris, do alto de um atelier da Place Clichy - umbigo do mundo - descobriu, deslumbrado, a sua própria terra”.6 6 No mesmo sentido, o volume é dedicado originalmente a Blaise Cendrars, “por ocasião da descoberta do Brasil”. Quase na mesma época, o revolucionário peruano José Carlos Mariátegui (1994: 611) faz comentário parecido, mas mais contundente: “yo no me sentí americano sino en Europa. Por los caminos de Europa, encontré el país de América que dejara y en el cual viviera casi como un extraño y ausente. Europa me reveló hasta qué punto yo pertenecía a un mundo primitivo y caótico; y, al mismo tiempo, me impuso, me esclareció el deber de una tarea americana”. A avaliação do primeiro manifesto quanto à obra realizada pelo modernismo tem, de maneira similar, um sentido de atualização: “o trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio império da literatura nacional” (Andrade, 1972bAndrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 9).

Sugestivamente, a Antropofagia, assim como o Pau-Brasil, também se aproxima do romantismo, no seu caso, tomando o índio como símbolo do país. Faz questão, entretanto, de se diferenciar do primeiro indianismo: “contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio Mariz” (Andrade, 1972Andrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.b: 18). Isto é, não aceita o índio catequizado, que apareceria “nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses” (Andrade, 1972bAndrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 16). Diante dessa representação, opõe o índio antropófago que, ritualisticamente, ao comer sua vítima, absorveria suas qualidades. Em resumo, diante do “bom selvagem” preferiria o “mau selvagem” (Campos, 1975Campos, Augusto de. (1975). Revistas re-vistas. Revista de Antropofagia. São Paulo: Metal Leve.).

Nessa referência, aquilo que é comido, também é digerido, ou seja, modificado. Portanto, o canibal, que serve como marco diferenciador da América “selvagem” diante da Europa “civilizada”, funciona também, como sugere o crítico colombiano Carlos Jáuregui (2008)Jáuregui, Carlos. (2008). Canibalia. Madrid: Iberoamericana., como uma chave para a entrada no que poderia ser uma outra modernidade. A posição é bem resumida na fórmula “queremos o antropófago de knickerbockers e não o índio de ópera”, aparecida no artigo “Uma adesão que não nos interessa” (Porononimare, 1929Porononimare. (1929). Uma adesão que não nos interessa. Revista de Antropofagia, 2/10, p. 10.: 10), publicado no n. 10, da “segunda dentição” da Revista de Antropofagia.7 7 Knickerbockers eram um tipo de calça curta muito usado no início do século XX, especialmente por golfistas.

Em termos mais imediatos, o contraste do índio Antropófago se dá especialmente com o índio Verdeamarelo.8 8 A oposição entre o Pau-Brasil e a Antropofagia, de um lado, e o Verde-amarelo e a Anta, do outro, não é mero acaso, já que, em boa medida, eles se constituíram uns em confronto com os outros. Já em 1925. Plínio Salgado e Cassiano Ricardo, em artigo de 23 de setembro no Correio Paulistano, afirmavam que depois de cuidadosa investigação historiográfica, “tivemos notícia de tal madeira. Trata-se de um espécime de flora colonial, muita aproveitável a tinturarias”. Segundo os autores, além de o pau-brasil não existir mais, “interessou holandeses e portugueses, franceses e chineses, menos os brasileiros, que dele só tiveram notícia pelos historiadores”. Portanto, contra uma postura pretensamente colonialista, que seguiria as “receitas da Europa” (Ricardo & Salgado, 1925: 8), defendem que seria preciso afirmar uma poesia verde-amarela. Três dias depois, no mesmo jornal, Oswald responde com uma carta a Menotti del Picchia intitulada “O lado oposto”, em que informa: “apenas me ausentei de São Paulo dez dias e tive o prazer de contar dez tentativas de assassinato da poesia Pau Brasil”. Tal poesia teria ao menos o mérito “de deixar o Cassiano Ricardo verde, o Plínio Salgado azul e você amarelo. Ergueram-se os três em legítima bandeira nacional, faltando apenas as respectivas estrelas” (Andrade, 1925: 5). Apesar das diferenças, não deixa de haver certa proximidade entre os protagonistas dos dois movimentos. Sinal disso é que Oswald (1990) em entrevista, já em 1928, a O Jornal, perguntado sobre se existiria uma plêiade de escritores antropófagos cita, entre sete autores, Plínio Salgado, Menotti del Picchia e Cassiano Ricardo. Já Plínio, afirma: “quem descobriu a Anta foi Alarico Silveira. Quem a interpretou e lançou foi Raul Bopp” (Salgado, 1972: 285). No texto que marca o fim do grupo, “O atual momento literário”, e, que ficou conhecido como Manifesto Nhengaçu ou Verde-amarelo, evidenciam-se as diferenças entre os dois polos modernistas. Em vez de comer o inimigo, segundo os verde-amarelos, os Tupi estariam prontos “para serem absorvidos”. Sua migração rumo ao Atlântico teria, dessa maneira, preparado o terreno para a posterior conquista portuguesa. Desde então, o índio teria desaparecido objetivamente “para viver subjetivamente”. Não por acaso, o totem tupi seria a Anta, animal não carnívoro, “que abre caminhos” (Del Picchia et al., 1929Del Picchia, Menotti et al. (1929). O atual momento literário. Correio Paulistano.: 4).

Com base nessa imagem do nativo, mesmo seu desaparecimento não é avaliado de forma negativa. Defende-se a ideia de que o fim objetivo do índio indicaria uma certa predisposição daquele que seria “símbolo nacional, justamente porque ele significa a ausência de preconceito”. Isto é, num momento de grande afluxo de imigrantes, especialmente no Sul do país, o que colocaria em questão a nacionalidade, o tupi funcionaria como uma espécie de mediador da brasilidade (Cuccagna, 2004Cuccagna, Claudio. (2004). Utopismo modernista. O índio no ser-não-ser da brasilidade (1920-1930). Tese de Doutorado. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas/Universidade de São Paulo.). A herança do autóctone se daria no sentido de que no Brasil não haveria preconceito racial, preconceito religioso e preconceito político, o que teria um curioso efeito futurista-conservador: “país sem preconceitos, podemos destruir as nossas bibliotecas, sem a menor consequência no metabolismo funcional dos órgãos vitais da Nação” (Del Picchia et al., 1929Del Picchia, Menotti et al. (1929). O atual momento literário. Correio Paulistano.: 4).

Se criaria, a partir daí, em clara polêmica com a Antropofagia, os fundamentos para a constituição de um “nacionalismo não exótico”. Nessa orientação, Cassiano Ricardo (1927: 3)Ricardo, Cassiano. (1927). Caçando papagaios. Correio Paulistano, p. 3. proclama contra a cópia: “vamos caçar papagaios”. Em termos ainda mais diretos, indica: “os nossos adversários são adeptos da cultura importada e das receitas de inteligência: são dadaístas, futuristas, expressionistas, cubistas, impressionistas, principalmente, francesistas”. Em sentido pretensamente oposto, avalia que, em razão de a obra de arte ser produto de seu tempo e de seu lugar, caberia criar efetivamente uma cultura brasileira e americana.9 9 Ironicamente, é provável, como indica Claudio Cuccagna (2004), que Oswald tenha encontrado inspiração para fazer uso da metáfora antropófaga na disputa com seus adversários verde-amarelos. Plínio Salgado chegara a escrever, em 1927, uma “Carta Antropófaga”, publicada por Menotti del Picchia no Correio Paulistano, em que, contra a interpretação de João Miramar a respeito da Anta, esclarecia: “se trata apenas de uma senha pela qual recebemos, nós os selvagens, a ordem de furar pança e fazer churrasco das figuras ridículas do boulevard, que hão de terminar no nosso espeto, revirados no braseiro e papados com paçoca e cauim, segundo os métodos da velha culinária - agora mais do que nunca novíssima - dos devoradores do bispo Sardinha”. Nessa referência, o autor de Os condenados se encontraria no mesmo patamar de Hans Staden e Jean de Léry, escritores que “falaram sobre coisas brasileiras sem sentimentos brasileiros”. Salgado (1927: 7), apesar de admitir que contribuíram para o conhecimento do país, faz a ressalva: “mas continuaram sempre estrangeiros, com os olhos na terra deles”.

Em sentido mais diretamente político, o perrepista Oswald, da mesma forma que os verde-amarelos que escreviam para o Correio Paulistano, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo e Plínio Salgado, identifica-se com um certo projeto de sãopaulanizar o Brasil. Importante instrumento para tanto seria a candidatura, em 1930, de Júlio Prestes, impulsionada pelo então presidente Washington Luís.10 10 Significativamente, o antropófago era bastante amigo dos dois políticos, Washington Luís tendo sido padrinho de seu casamento com Tarsila do Amaral (Boaventura, 1995; Fonseca, 2007). Oswald chega a escrever, em 1930, um artigo não publicado em que proclama: “o povo laborioso e feliz de São Paulo continua solidário com a obra de liberdade, de progresso real, de desenvolvimento maravilhoso, de união e de ordem que lhe assegura brilhantemente o Partido Republicano Paulista” (Andrade, 1991: 163). Sobre a ligação de Oswald com o PRP, ver Miceli (1979). Independentemente do sucesso da Revolução de 1930, se Prestes tivesse chegado ao poder também se teria rompido com o pacto entre os grandes estados que sustentava o arranjo oligárquico da Primeira República (Lessa, 1988Lessa, Renato. (1988). A invenção republicana. São Paulo: Vértice.). Mesmo antes, porém, é possível considerar que o modernismo ajudava a estender a hegemonia paulista para além da economia e da política, procurando dotá-la igualmente de uma dimensão cultural.11 11 Nesse sentido, Menotti del Picchia publica no órgão oficial do PRP uma crônica, “A ‘bandeira futurista’”, quando da partida, em outubro de 1921, de uma espécie de comitiva modernista para acompanhar a leitura no Rio de Janeiro de poemas do então livro inédito Pauliceia desvairada, de Mário de Andrade. O cronista social do Correio Paulistano, que escreve escondido sob o pseudônimo Hélios (1921: 3), procura sugerir, como indica o próprio título do artigo, a repetição de supostas proezas num novo cenário: “os paulistas, renovando as façanhas dos seus maiores, reeditam, no século da gasolina, a epopeia das bandeiras”.

Em termos mais propriamente literários, a hostilidade da Antropofagia não é dirigida só contra o grupo Verde-amarelo. Também diante de outro nome importante associado ao modernismo, o Manifesto Antropófago caçoa: “morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu” (Andrade, 1972bAndrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 15). Ou seja, aquilo que Graça Aranha havia contraposto em termos de “subjetivismo passivo” e “objetivismo dinâmico”, o último sendo supostamente uma exigência do espírito moderno, não passaria de um “empolado palavratório mental” (Andrade, 1972aAndrade, Oswald. (1972a). Modernismo atrasado. In: Batista, Marta Rosetti et al. Brasil: 1º tempo modernista - 1917/29. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros.: 218). Em sentido mais profundo, o projeto de busca da originalidade brasileira esposado pelo autor de Estética da vida partia de bases muito diferentes daquele formulado pela Antropofagia.

Coerente com tal postura, a conferência “O espírito moderno”, que marca o rompimento, em 1924, de Graça Aranha com a Academia Brasileira de Letras (ABL), enfatiza que a cultura no Brasil viria da Europa. Reconhece, entretanto, que a civilização sofreu aqui a modificação do meio americano e da presença nele de raças diversas. Consequentemente, a nacionalidade brasileira não passaria de um esboço, ainda pouco definido. Seria, portanto, um equívoco a existência no Brasil de uma Academia cujo propósito fosse guardar a tradição. Por outro lado, o escritor que desejava ser líder do movimento modernista também faz a ressalva, três meses depois da publicação do Manifesto da Poesia Pau-Brasil: “se escaparmos da cópia europeia não devemos permanecer na incultura. Ser brasileiro não significa ser bárbaro. Os escritores que no Brasil procuram dar de nossa vida a impressão de selvageria, de embrutecimento, de paralisia espiritual, são pedantes literários” (Graça Aranha, 1925Graça Aranha, José P. (1925). O espírito moderno. In: Espírito moderno. São Paulo: Companhia Gráfica Editora Monteiro Lobato.: 43).

Mesmo assim, é possível considerar, num sentido amplo, a existência de uma concordância básica entre a Antropofagia, o grupo Verde-amarelo e Graça Aranha no que se refere à busca da brasilidade. Em especial, seria na afirmação de sua particularidade que a cultura brasileira encontraria sua universalidade.12 12 Já Manuel Bandeira defendia, em 1924, em carta a Carlos Drummond de Andrade, a coincidência fundamental entre diversos modernistas: “O Graça Aranha condena o primitivismo e bate-se pelo universalismo. Esse universalismo, entretanto, não exclui os temas nacionais, como ele próprio se encarregou de mostrar no Malasarte. O Oswald de Andrade defende o primitivismo, mas o primitivismo dele é civilizadíssimo: creio que há mal-entendido na rotulação: o que ele quer é acabar com a imaginária livresca, fazer olhar para a vida com olhos de criança ou de selvagem, virgens de literatura. [...] Pensando bem, creio que no fundo estão todos de acordo e o problema é enquadrar, situar a vida nacional no ambiente universal, procurando o equilíbrio entre os dois elementos. O Mário de Andrade, que me parece ser o nosso maior poeta atual e o segundo grande poeta brasileiro (o primeiro foi Castro Alves) parece ter resolvido o problema nos seus últimos poemas, sobretudo no “Noturno de Belo Horizonte”, que é todo o Brasil, ou pelo menos, um pedaço enorme de Brasil, sentido com larga emoção por um espírito de alcance e de cultura universais” (Bandeira, 1958: 1385-1386). Além do mais, os antropófagos, os verde-amarelos e Graça Aranha se aproximariam, como defende Eduardo Jardim (1978)Jardim, Eduardo. (1978). A brasilidade modernista. Rio de Janeiro: Graal., na crença de que seria pela intuição que se poderia realizar esse projeto, ao passo que Mário de Andrade insistiria na necessidade de um paciente trabalho de pesquisa.

No entanto, não deixa de fazer diferença a maneira como se procura relacionar o nacional e o internacional. O Manifesto Antropófago, em particular, defende uma inversão da subordinação entre Europa e América: “queremos a Revolução Caraíba. Maior do que a Revolução Francesa”. Argumenta até que “sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem” (Andrade, 1972bAndrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 14).13 13 Em entrevista realizada em 1928, Oswald sugere, entretanto, de maneira não tão diferente do Manifesto da Poesia Pau-Brasil: “sob um tom de paradoxo e violência, a Antropofagia poderá quem sabe dar à própria Europa a solução do caminho ansioso em que ela se debate. Note você como a Europa procura se primitivizar” (Andrade, 1990: 41). Em termos semelhantes, é possível considerar que o movimento da negritude, desenvolvido na década de 1930 por impulso principalmente de Léopold Senghor, Aimé Césaire e Léon Damas, representou tanto a resistência de uma cultura oprimida como uma estratégia de inserção no campo literário parisiense (Proteau, 2001). Sugestivamente, de maneira coincidente com a Antropofagia, Césaire (1980) chega a evocar o canibalismo em seu poema de estreia, Cahier d´un retour au pays natal: “porque nós o odiamos e a sua razão, reivindicamos a demência precoce, a loucura flamejante, o canibalismo tenaz”. Oswald, por sua vez, se teria encontrado com o famoso editor parisiense Valery Larbaud, desejoso de que seu trabalho fosse divulgado na Europa (Casanova, 2004). Por outro lado, é preciso ressaltar que não se pode falar no Brasil dos anos 1920 propriamente na existência de um campo intelectual autônomo (Botelho & Hoelz, 2016). Sinal disso é que, como demonstraria pouco depois em estudo erudito um autor ligado ao modernismo, Affonso Arinos (1937)Arinos, Affonso. (1937). O índio brasileiro e a Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora., a descoberta do Novo Mundo inspirou, durante a Renascença, as utopias que então pululavam, fornecendo argumentos para o questionamento, por parte de Montaigne, da “civilizada” Europa com base na vida de “bárbaros” índios brasileiros, o que culminou no fascínio de Rousseau e do século XVIII pelo homem natural de origem americana.

Em termos mais específicos, como aponta Benedito Nunes (1972Nunes, Benedito. (1972). Antropofagia ao alcance de todos. In: Andrade, Oswald. Obras Completas. vi. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.; 1979)Nunes, Benedito. (1979). Oswald canibal. São Paulo: Editora Perspectiva., se o Pau-Brasil representa uma estética de equilíbrio entre os elementos que formam a sociedade em que atua, a Antropofagia faz uma crítica contundente à cultura erudita. Nesse sentido, é possível argumentar que enquanto a preocupação do Pau-Brasil é especialmente estética, a da Antropofagia é primordialmente política (Azevedo, 2016Azevedo, Beatriz. (2016). Antropofagia: palimpsesto selvagem. São Paulo: Cosac Naify.).14 14 João Lafetá (2000) aponta, em termos mais amplos, como o modernismo passa de uma atitude fundamentalmente estética, nos anos 1920, para uma preocupação crescentemente política, na década de 1930. Não é difícil imaginar que a crise da Primeira República intensifica o caráter político de movimentos como a Antropofagia e o Verde-amarelo, o que abre caminho para que, já depois da Revolução de 1930, alguém como Oswald de Andrade adira ao comunismo, ao passo que Plínio Salgado funde a Ação Integralista Brasileira (AIB).

No que se refere à Antropofagia, é possível argumentar que o movimento realiza, a partir da América, um questionamento da Europa, podendo até ser caracterizado como uma crítica pós-colonial avant la lettre.15 15 Antonio Tosta (2011, 217-218), por exemplo, afirma: “a condenação aberta e, por vezes, humorística da colonização, a ênfase crítica na dependência, o rebaixamento do discurso histórico oficial, e, por fim, a proposta de valorizar as margens e repelir os centros, são alguns dos elementos que permitem ler o projeto Antropófago, como revelado no Manifesto Antropófago de Andrade, assim como no seu anterior Manifesto Pau-Brasil (1924) e sua poesia não apenas pelas lentes do modernismo, mas também como um exemplo do que é considerado atualmente como pensamento pós-colonial”. Nessa linha, a visão otimista do Brasil de Oswald destaca elementos pré-burgueses presentes no país, sugerindo que aqui o puritanismo e o cálculo econômico estariam menos presentes do que na Europa (Schwarz, 1989Schwarz, Roberto. (1989). Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras.). Para o antropófago, haveria consequentemente uma espécie de primazia da colônia em relação à metrópole, até porque “já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro” (Andrade, 1972bAndrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 16). Em termos mais fortes, com base num raciocínio que destaca supostas “vantagens do atraso”, argumenta que aquilo que as chamadas civilizações mais avançadas buscavam conduziria a uma espécie de retorno ao que era considerado primitivo, o que poderia abrir caminho para uma espécie de síntese, com o aparecimento de alguém como o bárbaro tecnizado de Keyserling.

Não deixa, entretanto, de haver continuidade entre o Pau-Brasil e a Antropofagia, o segundo movimento equivalendo a uma radicalização do primeiro. Em termos amplos, não é difícil perceber que a defesa de se “ver com olhos livres” (Andrade, 1972bAndrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 9), como faria uma criança, é continuada e aprofundada pela valorização do homem natural. A perspectiva assumida, no entanto, é diferente; já não se quer exportar, mas fazer como o canibal. Em outras palavras, não se desejaria mais vender produtos tropicais para a metrópole, mas, da colônia, devorar a própria metrópole.

Em termos incisivos, o Manifesto Antropófago se volta não só contra a gramática, mas também contra o homem vestido, a lógica, a ciência e a justiça. Nessa referência, o Brasil pré-cabralino ou, simplesmente, Pindorama (terra das palmeiras), possuiria alternativa à justiça na vingança, alternativa à ciência na magia, alternativa ao patriarcado no matriarcado. O resultado de todas essas ausências seria que antes de “os portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade” (Andrade, 1972bAndrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 18). Em poucas palavras, inverte o senso comum sobre as supostas faltas brasileiras, passando a vê-las de forma positiva, já que os índios viveriam uma vida não reprimida.16 16 Em sentido comparável, Dipesh Chakrabarty (2000: 32) enxerga uma “tendência de ler a história indiana em termos de falta, de ausência, ou incompletude que se traduz em inadequação”. De maneira ainda mais profunda, as referências a essas “ausências” indicariam “a falha de a história encontrar seu destino” (Chakrabarty, 2000: 31), identificado com um caminho traçado na Europa.

A CRÍTICA

Apesar de suas intenções, é possível argumentar, como fazem críticos desde os anos 1920, que o projeto estético e ideológico de Oswald vem da Europa. Em outras palavras, a própria ideia de a colônia devorar a metrópole seria, ironicamente, uma formulação com inspiração europeia. Como prova da suposta pouca originalidade da Antropofagia tem-se lembrado, aliás, que Francis Picabia lançou, em 1920, um Manifesto Canibal, tendo chegado a publicar, no mesmo ano, dois números de uma pequena revista intitulada Caniballe (Ades, 2006Ades, Dawn (ed.). (2006). The Dada reader: a critical anthology. London: Tate Publishing.).

Nessa linha, Alceu Amoroso Lima, sob o pseudônimo de Tristão de Athayde (1925a: 4)Athayde, Tristão de. (1925a). Literatura suicida. O Jornal, p. 4., insistia, já em 1925, no artigo “Literatura suicida”, que a poesia Pau-Brasil, apesar de sua busca da originalidade, beberia em fontes estrangeiras: “a sua poesia é tão importada como as demais. A única diferença é que ele importa mercadoria deteriorada”. Seria influenciada, em especial, pelo irracionalismo dadaísta e expressionista. O crítico de O Jornal defende, assim, que não se deveria levar pela irreverência do autor de Memórias sentimentais de João Miramar, sendo necessário tomá-lo a sério.17 17 Na verdade, a ironia não é um ponto menor em Oswald, estando relacionada com a sensação de desencontro que marca a vida ideológica brasileira e que favorece a comédia, o pastiche, a paródia, a digressão (Santiago, 2000; Schwarz, 1992). Em termos mais amplos, pode-se vincular a paródia à arte do século XX, tal forma tendo um efeito crítico e desmitificador (Hutcheon, 2000). Há, contudo, controvérsia a respeito de a paródia permanecer ou não no chamado pós-modernismo. Diferente de Hutcheon, Fredric Jameson (1991: 19) considera que, em tal contexto, o que prevaleceria seria a “paródia vazia”, o pastiche, que, por exemplo, “aleatoriamente e sem princípio, mas com gusto, canibaliza todos os estilos arquitetônicos do passado e os combina em conjuntos excessivamente estimulantes”. Representaria o maior perigo que o Brasil e o Ocidente enfrentariam, sua obra correspondendo, da mesma maneira que o pior da vanguarda europeia, a uma literatura suicida. Isto é, a busca da pureza, que reagiria contra a artificialidade da civilização, se inseriria numa certa tendência da época, que sentiria atração pela destruição. O mais grave é que ao passo que na Europa a obra de desmanche partiria de uma cultura com bases sólidas, no Brasil o meio social ainda seria informe. Em outras palavras, em vez de procurar uma suposta originalidade bárbara seria preciso ter “coragem literária suficiente para dizer bem alto: ainda não podemos prescindir de certa imitação”. Para além do projeto de destruição, identificado com o romantismo, seria preciso “ir ao clássico”, procurando realizar obra construtiva.

Oswald não aceita, num primeiro momento, a vinculação com “os manifestos epiléticos de André Breton e da cervejaria expressionista”. Argumenta até, em carta a seu crítico publicada em O Jornal, que como ele, estaria empenhado fundamentalmente no que chamou de obra clássica, de construção. Nesse sentido, considera que pontos em comum com o dadaísmo seriam mera coincidência na “minha tentativa de brasilidade” (Andrade, 1926Andrade, Oswald. (1926). Tristão de Athayde e a crítica brasileira. O Jornal, p. 4.: 4).18 18 O antropófago chega a escrever no caderno inédito “Oropa, França e Bahia e outros estados” (Andrade, O., s.d.), um poema, “Retrato do autor pelo Athayde”, que é uma paródia à resenha do crítico, “Queimada ou fogo de artifício”. Athayde (1925b: 4) afirmara: “Dirceu às avessas [...]. Faz o inverso em seu verso, o sr. Oswald de Andrade. Entre as almofadas de seu Cadillac, depois das trufas do Automóvel Clube, entre uma partida de Mah-Jong e a última teoria de Epstein [...], entre a aquisição de um Fernand Léger [...], entre uma carta do Comte Etienne de Beamont e os exames do novo sky-scrapper [...] acende o seu cachimbo de Old Bond-Street, toma da sua Watermann[...] e põe-se a ensinar poesia brasileira aos caipiras do Cairy e da Garnier”. Já o poeta responde: “Ele faz o inverso/De Dirceu/Em verso/Desce das trufas de seu Cadillac/-A Cadillac glauca da ilusão/E penetra no Automóvel Club de Mah-Jong/Entre uma carta ligeira/ De Léger/E um rádio amoroso da condessa Vênus/Distribui planos de ruínas/E acende o arranha céu/Da sua cultura Lincoln/Depois como não há mais vícios/A inventar/Diz ao seu velho cachimbo de Old Bond/Que vai tomar soda Waterman/Com o MDP” (Andrade, s.d.).

É bem mais complexa a explicação desenvolvida por Mário de Andrade, em texto não publicado, para a relação do livro de poesias de seu então amigo com algumas das vanguardas europeias. Discorda de Tristão de Athayde quanto a Pau-Brasil ser cópia dessas vanguardas, indicando que “se a maneira de expressão algumas vezes é parecida o conteúdo ideal organizador é diverso [...]: Dadá é niilista e abandona a realidade pela imagem. Expressionismo é universalista e gigantiza a realidade pela deformação. Pau-Brasil é nacionalizante e realista, une a imagem à realidade tornando aquela compreensível e sem deformar expressionistamente esta” (Andrade, 1972Andrade, Mário de. (1972). Oswald de Andrade: Pau-Brasil, Sans Pareil, Paris, 1925. In: Batista, Marta Rosetti et al. Brasil: 1º tempo modernista - 1917/29. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros.: 229). No entanto, acaba se aproximando do crítico carioca ao avaliar que o elogio da ignorância por parte de Oswald teria um efeito deletério, sendo indiscutivelmente maiores as possibilidades oferecidas pelo conhecimento.19 19 Na mesma referência, Mário, em carta de 1927 a Tristão, esclarece sua diferença em relação a Oswald: “não compreendo como você [...] me chama de ‘primitivo’ no sentido da orientação que Oswald de Andrade deu para essa palavra. Por acaso algum dia eu ataquei a cultura? [...] Quando eu principiei errando meu português não anunciei imediatamente que estava fazendo uma gramática do brasileiro, anúncio com o qual eu tinha apenas a intenção de mostrar que não estava fazendo uma coisa de improviso porém era coisa pensada e sistematizada? Pois então não se percebe que entre o meu erro e o do Oswald vai uma diferença da terra à lua, ele tirando do erro um efeito cômico e eu fazendo dele uma coisa séria e organizada?” (Andrade, M., s.d.: 21 e 22).

Por sua vez, Tristão, no que pode ser entendido como uma espécie de resposta a argumentos como os de Mário de que o primitivismo de Oswald se teria abrasileirado, defende que o autor de Pau-Brasil não levaria em conta que no país também estariam presentes elementos de civilização, até porque “o Brasil tem muitas idades” (Athayde, 1926Athayde, Tristão de. (1926). Construtivismo e destrutivismo. O Jornal, p. 4.: 4). Nessa combinação da América com a Europa, seríamos diferentes dos norte-americanos, mais originais, ou, simplesmente, americanos. Em outras palavras, no brasileiro conviveria a América com a Europa, defendendo o crítico, como o próprio Oswald do Pau-Brasil, que se encontraria na “fusão de contrários” a “nossa originalidade espontânea” (Athayde, 1926Athayde, Tristão de. (1926). Construtivismo e destrutivismo. O Jornal, p. 4.: 4).

Em “Neoindianismo”, de 1928, Tristão agora convertido ao catolicismo, ao tratar do Manifesto Antropófago, avalia que é positiva sua busca de aproximar nossa literatura da terra. Teme, entretanto, o impacto que imagina que as doutrinas de Oswald acabariam por ter na juventude. Em especial, avalia negativamente como, influenciado pelas últimas teorias europeias - o que corresponderia não a um “academicismo dos salões”, mas a um “academicismo das selvas” - buscaria rechaçar “todo nosso passado da Cruz”. Seu “totemismo racial” o levando, por outro lado, a se aproximar do norte-americano Waldo Frank e do mexicano José Vasconcelos, o que apontaria para uma “revolução incubada” que poderia até conduzir a uma “traição da raça e do passado como se presencia hoje no México” (Athayde, 1928Athayde, Tristão de. (1928). Neo-indianismo. O Jornal, p. 4.: 4). Ou seja, a tradição com a qual o crítico passa a se identificar é a católica.

Oswald, por sua vez, em “Esquema ao Tristão de Athayde”, publicado no n. 5 da segunda fase da Revista de Antropofagia, responde ao crítico católico sugerindo que o Brasil índio e matriarcal estaria pronto a aceitar Jesus já que ele seria “um deus filho só da mãe”. Além do mais, a antropofagia seria “trazida em pessoa na comunhão” (Andrade, 1929bAndrade, Oswald. (1929b). Esquema ao Tristão de Athayde. Revista de Antropofagia, 2/5, p. 3.: 3), com a diferença de que o índio, ao contrário do católico, teria coragem de comer a carne viva. Admite que o povo brasileiro seria religioso, mas sugere que religião e superstição não seriam fundamentalmente diferentes. Considera, dessa maneira, a macumba e a missa de galo equivalentes.

Em termos mais profundos, Oswald rejeita nossa vinculação com a cultura ocidental. Defende, num sentido oposto, que se deveria passar a comemorar o dia 11 de outubro, último dia antes da chegada de Cristóvão Colombo à América, livre, bravia e encantada. O Brasil tal como o conhecemos não passaria, na verdade, de “um grilo de seis milhões de quilômetros talhado em Tordesilhas” (Andrade, 1929bAndrade, Oswald. (1929b). Esquema ao Tristão de Athayde. Revista de Antropofagia, 2/5, p. 3.: 3).

Não se deveria, portanto, levar exageradamente a sério o domínio português. Coerentemente, um princípio fundamental do direito antropofágico seria “A POSSE CONTRA A PROPRIEDADE”. Teríamos mesmo criado, a partir daí, um aparentemente paradoxal “DIREITO COSTUMEIRO ANTITRADICIONAL”. Exemplo disso seria o divórcio, questão sobre a qual não se precisaria tratar entre brasileiros, “porque tem um juiz em Piracicapiassú que anula tudo quanto é casamento ruim”. No mesmo sentido, se a Rússia soviética havia suprimido a diferença entre a família natural e a legal, além de ter posto fim à herança, “nós já fizemos tudo isso. Filho de padre só tem dado sorte entre nós. E quanto à herança, os filhos põem mesmo fora!” (Andrade, 1929bAndrade, Oswald. (1929b). Esquema ao Tristão de Athayde. Revista de Antropofagia, 2/5, p. 3.: 3). Em outras palavras, a aparente falta com relação à Europa seria, na verdade, uma vantagem brasileira.

No entanto, o escritor continua a rejeitar sua identificação com o primitivismo, argumentando que “todo progresso real humano é propriedade do homem antropofágico (Galileu, Fulton etc.)” (Andrade, 1929bAndrade, Oswald. (1929b). Esquema ao Tristão de Athayde. Revista de Antropofagia, 2/5, p. 3.: 3). Em outras palavras, a Antropofagia estaria especialmente aberta a diferentes influências e à inovação.

Já Prudente de Morais Neto, escrevendo no n. 10 da primeira fase da Revista de Antropofagia escondido sob o pseudônimo de Pedro Dantas, sugere que Tristão de Athayde teria acabado por aderir ao movimento liderado por Oswald. Com base na sua noção construtiva de cultura, teria percebido que “o sr. Oswald de Andrade e seus companheiros de antropofagia e pau-Brasil” seriam “os mais perigosos e temíveis” artistas brasileiros. Por outro lado, Alceu, ao resenhar Retrato do Brasil, teria defendido que Paulo Prado fosse capaz, como os norte-americanos, de rir de si mesmo. O que faz com que Pedro Dantas pergunte: “mas não é precisamente essa a solução do sr. Oswald de Andrade e o que ele tem realizado na última parte da sua obra?” (Dantas, 1929Dantas, Pedro. (1929). Uma adesão. Revista de Antropofagia, 1/10, p. 3.: 3).

Prudente, junto com seu amigo Sérgio Buarque de Holanda, já havia demonstrado, em 1926, nos artigos intitulados “O lado oposto e outros lados”, simpatia pelo Pau-Brasil.20 20 Significativamente, os títulos dos artigos remetem a um artigo de resposta de Oswald aos verde- amarelos, “O lado oposto”. O crítico paulista afirmara, na Revista do Brasil, em termos semelhantes aos do autor de Memórias sentimentais de João Miramar: “aqui há muita gente que parece lamentar não sermos precisamente um país velho e cheio de heranças onde se pudesse criar uma arte sujeita a regras e a ideias prefixadas” (Holanda, 1926Holanda, Sérgio Buarque. (1926). O lado oposto e outros lados. Revista do Brasil, 3, out., p. 9.: 10). Em sentido oposto, destacara escritores como Oswald e Prudente de Moraes Neto, Couto Barros e Alcântara Machado, que se colocariam contra as “ideologias do construtivismo”. Já Prudente, em texto saído no jornal A Manhã, considerara que Sérgio percebera o início de uma nova fase de nossa literatura. Até 1924 o modernismo teria funcionado como uma frente única, reunindo escritores com orientações muito variadas. No entanto, segundo Prudente, “a poesia pau-brasil perturbava os que mais se diziam modernistas” (Moraes Neto, 1926Moraes Neto, Prudente de. (1926). O lado oposto e outros lados. A Manhã, p. 3.: 3), deixando claro que a unidade do movimento já não seria mais possível.

Se é verdade que o Pau-Brasil marca o fim da fase heroica do modernismo, críticos, desde Tristão de Athayde, têm, como indica Mário de Andrade, se levado pelas aparências e destacado a inspiração e semelhança dele e da posterior Antropofagia com criações europeias. Evidentemente, a inspiração e a semelhança existem, mas elas não são o mais importante. Na verdade, o mais interessante é verificar, como indica Nunes (1979)Nunes, Benedito. (1979). Oswald canibal. São Paulo: Editora Perspectiva., a maneira como Oswald, a partir, em grande medida, de um clima de época, que também influenciava as vanguardas europeias - descrentes com a civilização ocidental depois da tragédia da Primeira Guerra Mundial -, foi capaz de elaborar um certo programa estético e ideológico. Nesse sentido, ao se inspirar em ideias europeias, transformando-as, teria sido verdadeiramente antropófago (Campos, 1975Campos, Augusto de. (1975). Revistas re-vistas. Revista de Antropofagia. São Paulo: Metal Leve.). Pode-se mesmo defender, a partir daí, uma vantagem da “cópia” americana, que indicaria as limitações ideológicas do “original” europeu (Santiago, 2000Santiago, Silviano. (2000). Uma literatura nos trópicos. Rio de Janeiro: Rocco.). Na mesma orientação, o projeto antropófago não deixa de indicar uma importante proposta para o Brasil e outros países de passado colonial, que não destaca tanto as supostas ausências, mas de que modo elas poderiam representar até mesmo uma alternativa para a Europa.

Não deixa, porém, de haver grande ambiguidade em alguém como Oswald que, como aponta Luís Madureira (2005)Madureira, Luís. (2005). A cannibal recipe to turn a dessert country into the main course: Brazilian “antropofagia” and the dilemma of development. Luso-Brazilian Review, 41/2., se serve da língua do colonizador e da cultura europeia para fazer a crítica da metrópole e do Ocidente. Pode até ser visto como um homem vestido que faz o elogio do homem nu ou, para usar a imagem do título de uma crônica de Marcos Rey, seria “um antropófago de Cadillac”. É verdade que o próprio Manifesto Antropófago indica o paradoxo, ao brincar com o dilema de Hamlet e nosso passado indígena: “tupi or not tupi, that is the question” (Andrade, 1972Andrade, Mário de. (1972). Oswald de Andrade: Pau-Brasil, Sans Pareil, Paris, 1925. In: Batista, Marta Rosetti et al. Brasil: 1º tempo modernista - 1917/29. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros.: 13). Mário de Andrade, mais uma vez, não deixa de perceber a tensão: “a Falação exemplifica o que ela tão justamente se revolta contra: é escritura de um náufrago na erudição. Porque essa volta ao material popular, aos erros do povo, é desejo de vontade erudita e das mais” (Andrade, 1972bAndrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 230).21 21 Essa não deixa de ser também uma questão para a elite e classe média bengalis, analisadas por Chakrabarty (2000), que fazem uso de categorias europeias para lidar com sua realidade.

O problema, que se vincula à relação entre o intelectual e os setores populares, não deixa de remeter à questão proposta por Gayatri Spivak (2010)Spivak, Gayatri. (2010). Can the subaltern speak? Reflections on the history of an idea. New York: Columbia University Press.: “pode o subalterno falar?”. Numa situação em que boa parte da população que se evoca foi exterminada, como no caso brasileiro lembrado pela Antropofagia, o aspecto de “re-presentação”, no sentido da arte e do teatro, se acentua diante da representação, como “falar para”, tal como se tem na política. Mesmo assim, é possível interpretar nosso modernismo em termos análogos ao romantismo europeu que, segundo Gramsci (2001: 1739)Gramsci, Antonio. (2001). Quaderni del carcere. Torino: Einauldi., foi “uma especial relação ou ligação entre intelectuais e o povo, a nação, isto é, um reflexo particular da ‘democracia’ (em sentido amplo), nas letras”. Em particular, o esforço dos modernistas brasileiros de harmonizar a língua escrita com a língua falada tem claramente sentido democrático.22 22 Luciano Martins (1987) chega a identificar o modernismo com “a gênese de uma intelligentsia brasileira”, que teria buscado “ir ao povo”. Provavelmente quem leva mais longe tal ímpeto é Mário de Andrade, tanto em suas viagens e pesquisas pelo Brasil, em busca de diferentes manifestações da cultura popular, como em sua posição como organizador da cultura.

Nesse sentido, é sugestivo como os Cadernos do cárcere associam o romantismo europeu, em sua tendência democrática, à Revolução Francesa. Pode-se pensar em algo comparável na relação do modernismo brasileiro com a Revolução de 1930, sendo possível considerar, como sugere Antonio Candido (2003)Candido, Antonio. (2003). A educação pela noite. São Paulo: Editora Ática., que o regime de Getúlio Vargas promoveu uma “rotinização” do modernismo. Ou seja, assim como a dominação carismática, analisada por Weber, em razão de seu caráter extraordinário precisa evoluir para outras formas de dominação mais estáveis, a iconoclastia modernista pôde ser incorporada, com tensões e acomodações, pela ordem política pós-1930, tendo servido especialmente aos propósitos de alargar o âmbito da participação popular.

O VEÍCULO

A Antropofagia corresponde, grosso modo, à Revista de Antropofagia. A rigor, portanto, ela tem curta existência, de pouco mais de um ano, que produziu 26 números, publicados entre maio de 1928 e agosto de 1929. Assim, apesar de sua vida efêmera, a revista é um bom veículo para perceber a evolução do movimento antropófago. Mais do que isso, pode-se, por meio dela, entender diacronicamente o próprio sentido, ou melhor, os sentidos que a Antropofagia assumiu.

A Revista de Antropofagia passa por duas fases bem distintas.23 23 Oswald, em entrevista de 1953, explicita a descontinuidade: “a revista não foi uma, foram duas” (Andrade, 1990: 213). A primeira equivale a dez números, com oito páginas, editados de forma avulsa, entre maio de 1928 e fevereiro de 1929. Na “segunda dentição” da publicação - sugestiva caracterização de seus responsáveis - ela corresponde, a partir de 17 de março de 1929, a uma página, quase semanal, do Diário de São Paulo, cedida por iniciativa de seu redator-chefe, Rubens do Amaral (Bopp, 2006Bopp, Raul. (2006). Vida e morte da antropofagia. Rio de Janeiro: Editora José Olympio.).

Segundo Maria Eugênia Boaventura (1985)Boaventura, Maria Eugenia. (1985). A vanguarda antropófaga. São Paulo: Editora Ática., a tiragem da Revista de Antropofagia, em seu primeiro momento, deveria ser muito limitada, sendo provável que, apesar de anunciar custar 500 réis, fosse distribuída entre os membros do círculo modernista. Por sua vez, a folha provocou, em seu segundo período, incômodo entre os leitores de um jornal de maior circulação, como o Diário de São Paulo, que, em protesto, chegavam a devolver exemplares, o que contribuiu para o fim do órgão antropófago (Andrade, 1990Andrade, Oswald. (1990). Os dentes do dragão. São Paulo: Globo.; Bopp, 2006Bopp, Raul. (2006). Vida e morte da antropofagia. Rio de Janeiro: Editora José Olympio.).

Chama a atenção a inventividade literária e, em menor grau, gráfica, da Revista de Antropofagia. Como outras vanguardas, ela faz uso especialmente de recursos como a paródia e a colagem (Boaventura, 1985Boaventura, Maria Eugenia. (1985). A vanguarda antropófaga. São Paulo: Editora Ática.). Assim, ao longo de sua curta existência, é frequente recorrer a textos do presente e do passado. Já no n. 1 aparece, em letras garrafais, um trecho de Hans Staden, que marcará a Antropofagia: “ali vem a nossa comida pulando”. Também comparecem, ao longo dos números, autores tão diferentes como Manuel da Nóbrega, Sade, Joseph de Maistre, Marx, Schopenhauer, Morgan, Oliveira Vianna, Lampião e Jesus Cristo. A revista publica particularmente autores que tratam da antropofagia, como seus “clássicos”, Jean de Léry e Montaigne. Há igualmente certa abertura para a cultura popular, como no n. 3 da “segunda dentição”, anunciando que o Clube de Antropofagia “almoçou” o palhaço Piolim por ocasião de seu aniversário. Finalmente nela aparecem desenhos ou reproduções de Tarsila do Amaral, da argentina Maria Clemencia, de Rosário Fusco, de Antonio Gomide, de Patrícia Galvão (Pagu), de Di Cavalcanti, de Cícero Dias etc.

A publicação tem especial interesse por questões de costume, “um pai de família, moderno, porém cristão”, fazendo apelo, no n. 2 da segunda fase, para que “os legisladores permitam a profissão de garçonete a qualquer hora da noite e do dia, a moças de qualquer idade” (Um pai de família..., 1929Um pai de família moderno, porém cristão. (1929). Outro. Revista de Antropofagia, 2/2.). Já a seção “Brasiliana” funciona como uma espécie de coletânea do bestiário relativo ao país, retirado de jornais, romances, discursos, anúncios etc. Por exemplo, no n. 7 da primeira fase, citase um artigo de Manuel Victor publicado na Folha da Noite, em que o autor afirma que “a qualidade de mãe não exige distinção de raça, de classe, ou de cor” (Revista de Antropofagia, 1928Revista de Antropofagia. (1928). Brasiliana. Revista de Antropofagia, 1/7, p. 8.: 8).

Na “segunda dentição” se exploram, em particular, as possibilidades oferecidas pela situação de a folha aparecer num grande jornal, procurando-se frequentemente confundir trabalhos “sérios” e “satíricos”, que não se distinguem, à primeira vista, dos outros artigos do Diário de São Paulo.24 24 Segundo Augusto de Campos (1975), ela funcionaria mesmo como “um contrajornal dentro do jornal”. Representativo do procedimento é o “Comunicado Oficial da Academia Paulista de Letras”, publicado no n. 7, que explica: “apesar de ser inventado, este comunicado é verdadeiro, assim como os outros que se lhe seguirem também inventados” (Revista de Antropofagia, 1929eRevista de Antropofagia. (1929e). Comunicado Oficial da Academia Paulista de Letras. Revista de Antropofagia, 2/7, p. 12.: 12). Também são introduzidas novas seções, como “A marcha da antropofagia”, que narra casos contemporâneos de canibalismo, e “A expansão da antropofagia”, que trata da propagação do movimento.

Em sua primeira fase, Antônio Alcântara Machado é o diretor, e Raul Bopp o gerente da Revista de Antropofagia. O primeiro é então o grande animador da publicação, escrevendo artigos na primeira página, que funcionam como uma espécie de editorial, e resenhas de livros recém-editados. Apesar de a publicação aparecer num momento de divisão do modernismo, como explicita no n. 1 o artigo de “Abrealas” - “até 1923 havia aliados que eram inimigos. Hoje há inimigos que são aliados” (Alcântara Machado, 1928aAlcântara Machado, Antônio. (1928a). Abre-alas. Revista de Antropofagia, 1/1, p. 1.: 1) -, ela continua a funcionar, em alguma medida, como uma frente ampla do movimento.

Mantém também a intenção modernista de ser um movimento nacional, se preocupando em reunir colaboradores de diferentes regiões do país, como, já no n. 1, o gaúcho Augusto Meyer e o paraense Abguar Bastos. No mesmo sentido, Alcântara Machado (1928c: 4)Alcântara Machado, Antônio. (1928c). 1 crítico e 1 poeta. Revista de Antropofagia, 1/9, p. 4., ao resenhar, no n. 9, A vida em movimento, do escritor de Passa Quatro Heitor Alves, destaca como o livro, independente de sua qualidade, seria sinal de que a literatura nova iria “ganhando o Brasil inteiro”.

Mais importante, a publicação reúne, de início, até autores verde-amarelos, como Menotti del Picchia e Plínio Salgado, e escritores que são posteriormente caracterizados por Oswald (1991) como “liberais”, como Guilherme de Almeida e o principal alvo da revista na sua “segunda dentição”, Mário de Andrade, além de seus amigos, Bandeira e Drummond. Na radicalização, que marca o último momento da publicação, até seu primeiro diretor, Alcântara Machado, identificado com Mário de Andrade, passa a ser alvo de críticas.

Pode ser considerada representativa da primeira fase da revista, caracterizada por uma espécie de mescla de blague e indefinição, a “Nota insistente”, que fecha o n. 1 e é assinada por Alcântara Machado e Bopp (1928: 8)Alcântara Machado, Antônio & Bopp, Raul. (1928). Nota insistente. Revista de Antropofagia, 1/1, p. 8.. Nela, se esclarece que a publicação “não tem orientação ou pensamento de espécie alguma: só tem estômago”. Portanto, ela estaria “acima de qualquer grupo ou tendência”; aceitaria “todos os manifestos mas não bota manifesto”; estaria aberta a “todas as críticas mas não faz crítica”. Em resumo, seria “antropófaga como o avestruz é comilão”.25 25 Augusto de Campos avalia que “a imagem do avestruz mostra que a Antropofagia”, nesse primeiro momento, “era tomada no seu sentido mais superficial, pela maioria, não ultrapassando, no mais das vezes, a ideia da ‘cordial mastigação’ dos adversários ostensivos do modernismo” (Campos, 1975).

Em outras palavras, não parece ser claro, de início, o que é “antropofagia” para seus defensores. Isso, apesar de aparecer literalmente e em letras garrafais, uma definição no n. 2 da revista. Segundo Dr. Frei Domingos Vieira (1928: 1)Vieira, Dr. Frei Domingos. (1928). Antropofagia. Revista de Antropofagia, 1/2, p. 1., no Grande Dicionário Português, “antropofagia” seria “espécie de aferração mental, quando se dá no homem civilizado”. Coerentemente, Alcântara Machado (1928: 1), no n. 4 - depois de dizer que “pode-se negar poesia à Ilíada. É impossível de negar a um anuário demográfico” -, nota que os dados demográficos de 1924 relativos a São Paulo, indicavam um aumento sensível de casamentos entre estrangeiros e brasileiras. Mesmo assim, insiste: “mas ele que é o comido. Antropofagia legítima”. Ou seja, a visão de antropofagia não vai muito além da de mestiçagem.

Por outro lado, no n. 1 há o artigo bem mais radical “A ‘descida’ antropófaga”, assinado pelo jornalista Oswaldo Costa. O texto assume um tom niilista, fazendo o elogio do dilúvio. No entanto, faz a ressalva de que Deus, no seu ímpeto de destruição, teria esquecido de acabar com Noé. Mas o movimento antropófago viria para corrigir o erro divino; ou seja, estaria pronto a devorar o construtor da famosa arca.

Em termos mais programáticos, contra argumentos como os de Mário de Andrade de que as obras de Oswald de Andrade seriam as de “um náufrago na erudição”, responde que o Brasil não teria verdadeira cultura europeia, mas apenas experiência dela.26 26 Nessa referência, Jáuregui avalia que “Costa produz um descentramento do horizonte identitário” do Brasil: “não como Europa mas como uma experiência colonial da Europa” (Jáuregui, 2008: 44). Mesmo assim, seria preciso “reagir contra a civilização que inventou o catálogo, o exame de consciência e o crime de defloramento”. Ironicamente, exemplo de como proceder seria indicado pelo índio Japy-Açu que, segundo o cronista Claude d’Abbeville, teria perguntando aos capuchinhos: “o que vos impede de se servirem de nossas filhas?”. No entanto, Oswaldo Costa, assim como Oswald de Andrade, insiste na diferença entre o estado de natureza e o estado primitivo, desejando a primeira, mas não a segunda situação. Significativamente, o artigo se fecha proclamando: “quatro séculos de vaca! Que horror!” (Costa, 1928Costa, Oswaldo. (1928). A “descida” antropófaga. Revista de Antropofagia, 1/1, p. 8.: 8); isto é, seria preciso negar a experiência colonialista, junto com a qual veio a criação de gado bovino, presente no Brasil desde o século XVI.27 27 O principal representante latino-americano dos estudos pós-coloniais, o Projeto Modernidade/Colonialidade, que foi impulsionado, desde o final dos anos 1990, pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), volta especialmente sua crítica para a experiência colonial, o que é indicado por seu próprio nome. Como afirma um dos seus intelectuais mais influentes, o semiótico argentino Walter Mignolo (2012: XIII): “a ‘descoberta’ da América e o genocídio de índios e escravos africanos são a própria fundação da ‘modernidade’, mais do que a Revolução Francesa e a Industrial. Ainda melhor, elas constituem a face mais escura e escondida da modernidade, a ‘colonialidade’”.

Também Mário de Andrade e os mais próximos a ele já mostram, na primeira fase da revista, alguma reticência em relação à Antropofagia. O autor de Macunaíma envia no n. 10, da cidade de Natal, um artigo sobre o catimbó local que informa, marcando uma certa distância do movimento: “pode interessar aos cultores da antropofagia... filosófica paulista” (Andrade, 1929aAndrade, Mário de. (1929a). Antropofagia? Revista de Antropofagia, 1/10, p. 5.: 5). Por sua vez, Bandeira (1928: 3)Bandeira, Manuel. (1928). Convite aos antropófagos. Revista de Antropofagia, 1/3, p. 3., já no n. 3, alertara ao grupo: “vocês não estão cumprindo com os seus deveres de antropófagos”. Reclama especialmente de Rosário Fusco que teria se metido “a devorar o Mário”.

Por sua vez, o jovem poeta de Cataguases responde, no número seguinte, num artigo sugestivamente intitulado “Açougue”, propondo a “deglutição imediata de todo sujeito que falar de brasilidade no Brasil” (Fusco, 1928Fusco, Rosário. (1928). Açougue. Revista de Antropofagia, 1/4, p. 2.: 2). Sugere que o banquete se inicie precisamente pelo autor de Ritmo dissoluto. O próprio Oswald anuncia, em letras garrafais, na primeira página do n. 7, escondido sob o pseudônimo João Miramar, “SAIBAM QUANTOS: certifico a pedido verbal de pessoa interessada que o meu parente Mário de Andrade é o pior crítico do mundo e o melhor poeta dos Estados Desunidos do Brasil. Do que dou esperanças” (Miramar, 1928Miramar, João. (1928). Saibam quantos. Revista de Antropofagia, 1/7, p. 1.: 1).

Mas é só na “segunda dentição” da revista que a Antropofagia busca, de fato, se diferenciar do modernismo. Não por acaso, a publicação se dedica especialmente à crítica das diferentes vertentes do movimento e dele como um todo. Já no n. 3, Freuderico, provavelmente pseudônimo de Oswald, esclarece que “a antropofagia como movimento não faz questão de ser tomada a sério”. Ou seja, investe contra o que tinha defendido Tristão de Athayde de que não se deveria levar pela irreverência do autor de Os condenados. Também um escritor já criticado desde o Manifesto Antropófago, Graça Aranha, é visado, sugerindo que a confusão de seu pensamento o tornaria de difícil classificação. Além deles, um novo alvo aparece no diretor da Revista de Antropofagia em sua primeira fase, Alcântara Machado, caracterizado como “burguês brilhante” que ainda acreditaria na arte. No final do artigo, Freuderico-Oswald esclarece, provocativamente: “não fazemos política literária. Intriga, sim” (Freuderico, 1929Freuderico. (1929). Ortodoxia. Revista de Antropofagia, 2/3, p. 6.: 6).

Na nova fase, o expediente da revista passa a explicar que ela é órgão do Clube de Antropofagia e que seu secretário, sugestivamente chamado de “açougueiro”, é Geraldo Ferraz. Já no n. 7, a revista é promovida a periódico da Academia Brasileira de Antropofagia, seu diretor sendo eleito entre os “sete cavalheiros da antropofagia”: Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Raul Bopp, Oswaldo Costa, Geraldo Ferraz, Jaime Adour da Câmara e Clóvis Gusmão (Boaventura, 1985Boaventura, Maria Eugenia. (1985). A vanguarda antropófaga. São Paulo: Editora Ática.).28 28 Adour é diretor até o n. 10, quando a tarefa passa a Bopp.

Na “segunda dentição” há uma certa depuração da publicação, que deixa de acolher os colaboradores mais díspares, para passar a depender, em grande parte, de trabalhos dos “sete cavalheiros da Antropofagia”.29 29 Sinal de dificuldades da publicação é sua suspensão, por quase um mês, entre 15 de maio e 12 de junho de 1929. De maneira sugestiva, mas inverossímil, o “Açougue” explica, no n.10, que “a interrupção - verdadeira dor de dente dos antropófagos - foi devida à falta de papel, como os nossos numerosos leitores devem estar fartos de saber. E só!”. (Acougue, 1929: 10). Diante da falta de colaboradores, os pseudônimos proliferam, sendo difícil identificar a autoria de muitos trabalhos. No entanto, paradoxalmente, na nova situação a coesão e, ligado a isso, o caráter coletivo da publicação são acentuados.

Tal como o primeiro modernismo, entretanto, a Antropofagia mantém a preocupação de ser um movimento de abrangência nacional. Nessa referência, a revista cria, quase no seu fim, a seção “A expansão antropofágica”. Anunciase, no n. 13, num tom entre o sério e a galhofa, que “desde o Amazonas ao Prata, desde o Rio Grande ao Pará, o movimento antropofágico repercute com uma intensidade nunca jamais alcançada por nenhum movimento anterior” (Revista de Antropofagia, 1929bRevista de Antropofagia. (1929b). Desde o Rio Grande ao Pará! Revista de Antropofagia, 2/13.). Fala-se da presença da Antropofagia, frequentemente por meio de clubes, no Pará, no Ceará, no Rio Grande do Norte, em Alagoas, Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul e que importantes jornais de variados estados estariam abertos a ela. Na verdade, porém, o nível de adesão ao movimento no país varia consideravelmente, a maior parte dos escritores de fora de São Paulo que colaboram na revista não tendo com ela relação fundamentalmente diferente da que mantinham com outros órgãos modernistas. Em suma, pode-se considerar que a Antropofagia corresponde basicamente a seu núcleo paulista.

Na crítica ao modernismo, já no n. 4, a “sucursal do Rio”, ao compilar notas sobre a Antropofagia, proclama: “os antropófagos não são modernistas. Para eles se torna plenamente inútil rejuvenescer uma mentalidade que não os satisfaz” (Sucursal do Rio, 1929Sucursal do Rio. (1929). Algumas notas sobre o que já se tem escrito em torno da nova descida antropofágica em nossa literatura. Revista de Antropofagia, 2/4, p. 6.: 6). No entanto, quem vai mais longe na crítica ao modernismo é novamente Tamandaré (1929b: 6)Tamandaré. (1929b). Hors d’oeuvre. Revista de Antropofagia, 2/5, p. 6., na verdade, Oswaldo Costa. No seu segundo “Moquém”, sugestivamente subintitulado “Hors d’oeuvre”, proclama que o valor do modernismo seria “puramente histórico, documental”. O movimento teria como mérito ter-se colocado contra a gramática e uma tradição, portuguesa, que não era nossa. Avalia, contudo, que o modernismo “ficou no acidental, no acessório”, limitando-se a “uma simples revolta estética”. Teria podido, assim, “acomodar numa democracia de bonde da Penha”, os autores mais díspares, como “o sr. Sérgio Buarque de Holanda e o sr. Ronald de Carvalho, o sr. Mário de Andrade e o sr. Graça Aranha”. Contra tal tendência e numa orientação destrutiva, a “segunda dentição” da Antropofagia volta-se contra inimigos antigos e novos. Para tanto, faz uso das armas da crítica e também da sátira.

Por exemplo, no n. 7, é anunciado em “atos oficiais”: “o sr. presidente do estado ordenou ao Correio Paulistano que não inserisse mais artigos sobre a lepra e o movimento Verde Amarelo”. Informa-se que “dessa resolução foram devidamente notificados o Serviço Sanitário e os srs. Menotti Salgado, Plínio Ricardo e Cassiano Del Picchia” (Revista de Antropofagia, 1929dRevista de Antropofagia. (1929d). Atos oficiais. Revista de Antropofagia, 2/7, p. 12.: 12).30 30 No número 10 aparece também o anúncio de que “a anta morreu de indigestão retórica”. O pobre bicho, ao discursar na Liga das Senhoras Católicas em defesa da moral, teria caído em si sendo tomado de vergonha, o que acabaria por levá-lo ao suicídio. Em sinal de comiseração, o anúncio apela: “rezem por ele” (Revista de Antropofagia, 1929c: 10).

Já contra Alceu Amoroso Lima, se ironiza, no n. 5, com um suposto anúncio “da revista de antropofagia A Horda. Órgão católico comensal dedicado à defesa dos interesses anatomistas. Diretor: Tristinho de Ataúde”.31 31 A brincadeira é evidentemente com a revista A ordem, órgão do Centro Dom Vital, do qual Alceu era diretor desde dezembro de 1928.

O ajuste de contas com o modernismo implica, contudo, principalmente a crítica a Mário de Andrade. Ou seja, a disputa no modernismo leva necessariamente que se mire aquele que já se tornara o principal líder do movimento. O cabo Machado, pseudônimo de Oswald, deixa claro, no n. 5 da “segunda dentição”, do que se trata, afirmando que o autor de Macunaíma e escritores ligados a ele, como Yan de Almeida Prado e Alcântara Machado, teriam se sentido “ameaçados pela rudeza antropofágica” (Cabo Machado, 1929Cabo Machado. (1929). Os três sargentos. Revista de Antropofagia, 1/5, p. 6.: 6).32 32 A relação entre os dois Andrades foi, desde seu início, conturbada. Quando Oswald publica, em 1921, no Jornal do Commercio o artigo “Meu poeta futurista”, que abre espaço para Mário nas letras, o suposto homenageado escreve uma carta ao periódico, negando sua filiação “ao futurismo internacional”. Admiração e disputa convivem na relação entre os dois principais nomes do modernismo brasileiro até ocorrer a ruptura definitiva, em 1929. Ver, entre outros: Andrade, 2008, Candido, 2011. Não estão, contudo, inteiramente claros os motivos que levaram ao afastamento entre Mário e Oswald. Autores antropófagos ou próximos ao movimento, como Bopp (2006), Campos (1975) e Boaventura (1985), sugerem que ela teria ocorrido em razão da recusa do autor de Macunaíma em aderir ao movimento, o que faria que abrisse mão de uma posição mais conciliatória em relação às diferentes vertentes do modernismo. Já Miceli (1979) considera que o motivo da divergência seria especialmente político, cindindo os modernistas próximos ao PRP, como Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo, dos ligados ao PD, como Mário de Andrade, Alcântara Machado e Sérgio Milliet. Os primeiros favoreceriam uma atitude de engajamento político, nacionalista, ao passo que os segundos seriam favoráveis à autonomia da arte. De fato, a crítica antropófaga a respeito de Mário é bastante rude tendo, desde o início, um teor homofóbico, que vai subindo de tom, acabando por tornar-se simplesmente grosseria. Assim, no n. 3, alude-se ao professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo com “muitas alunas, nenhum discípulo” (Freuderico, 1929Freuderico. (1929). Ortodoxia. Revista de Antropofagia, 2/3, p. 6.: 6), apelidado, já no n. 5, de “o nosso Miss São Paulo traduzido em masculino” (Cabo Machado, 1929Cabo Machado. (1929). Os três sargentos. Revista de Antropofagia, 1/5, p. 6.: 6), que passa a ser chamado, no número 12 da revista, de Miss Macunaíma.33 33 A grosseria magoa profundamente Mário. Quase quatro anos depois, escrevendo a Manuel Bandeira, deixa claro que seus sentimentos sobre Oswald: “eu o odeio friamente, organizadamente, a quem certamente não ofereceria um pau à mão, pra que ele se salvasse de afogar. Você está vendo que sou assassino em espírito! Mas é que eu me gastei excessivamente com ele. Fomos demasiadamente amigos pra que eu possa detestá-lo pelo que ele me fez. Mais o detesto pelo que ele não fez, por todos os meus sacrifícios pessoais? por todas as esperanças, por todas as minhas lutas interiores, a que ele não correspondeu com o que eu queria” (Andrade, 2001: 546).

Irrita aos antropófagos especialmente a ascendência que Mário exerce sobre escritores, em particular, do Nordeste e de Minas. Refletindo tal sentimento, cabo Machado-Oswald sugere, no n. 5, que, para o grupo, “só a chatice, a cópia e a amizade é que prestam” (Cabo Machado, 1929Cabo Machado. (1929). Os três sargentos. Revista de Antropofagia, 1/5, p. 6., p.6). Por sua vez, Oswaldo Costa-Tamandaré afirma, no seu “Moquém - Entrada”, publicado no n. 6, com evidente ironia”: “não tinha ainda terminado a crítica do movimento modernista quando o sr. Mário de Andrade veio de táxi em meu auxílio, apoiando a minha tese” (Tamandaré, 1929aTamandaré. (1929a). Entrada. Revista de Antropofagia, 2/6, p. 10.: 10).34 34 A alusão é à crônica “Casa de Pensão” (Andrade, 1929b), aparecida no Diário Nacional, no dia 11 de abril de 1929. Já o “Moquém - Entrada” é de 24 de abril. Na sua coluna Táxi, no órgão oficial do PD, o escritor modernista, ao ressaltar a ignorância do literato brasileiro, concluíra que seu resultado natural seria encher “as revistas e jornais de vazio, numa amizade ou antipatisação que não adianta ao público, com que o público não pode se interessar, que não enriquece ninguém” (Andrade, 1929: 3). A carta de Drummond, publicada no n. 11, em que afirma que “para mim toda uma literatura não vale uma boa amizade” (Andrade, 1929Andrade, Carlos Drummond de. (1929). Cartas na mesa: os Andrades se dividem. Revista de Antropofagia, 2/11, p. 10.: 10), fornece argumentos adicionais quanto ao suposto compadrio que predominaria entre modernistas.35 35 Em sentido contrastante, as interpretações de Silviano Santiago (1993), Ricardo Benzaquen de Araújo (2014) e André Botelho (2015) têm chamado a atenção para a importância decisiva da amizade, especialmente epistolar, para Mário. Ela corresponderia ao que Santiago (1993: 136) chama de “diálogo interminável com o outro”; funcionando, segundo Benzaquen de Araújo (2014: 184), como uma das “formas pelas quais Mário encaminha e cultiva a própria personalidade”; e exerce, de acordo com Botelho (2015: 433), uma peculiar pedagogia, “em que a deseducação é a condição para a liberdade e para uma intervenção criadora do brasileiro”.

Mesmo assim, os antropófagos preservam Macunaíma. Oswald, em seu “Esquema ao Tristão de Athayde”, já avaliara que “Mário escreveu a nossa Odisseia e criou numa tacada o herói cíclico e por cinquenta anos o idioma poético nacional” (Andrade, 1929bAndrade, Oswald. (1929b). Esquema ao Tristão de Athayde. Revista de Antropofagia, 2/5, p. 3.: 3). Nessa referência, Macunaíma além de “poema nacional” é reivindicado como livro antropófago. Oswaldo Costa, que também reclama o livro de Mário para o movimento do qual faz parte, enxerga, por outro lado, em alusão ao fato de o escritor não afirmar sua condição de negro, um certo recalque como elemento constitutivo da sua literatura: “deixa ou não consegue deixar de explodir dentro dele o negro bom que ele quer inutilmente esconder por medo da Santa Madre Igreja” (Costa, 1929bCosta, Oswaldo. (1929b). Resposta a Ascenso Ferreira. Revista de Antropofagia, 2/15, p. 12.: 12).

O editorialista do Correio Paulistano e os antropófagos em geral procuram, na intenção crítica, não se limitar à literatura. Costa, em especial, já no n. 1 da “segunda dentição” da Revista de Antropofagia, defendera uma revisão da história brasileira. Como indicara Pareto, os historiadores não poderiam ficar restrito aos textos. Contudo, o maior erro seria estudar “o Brasil do ponto de vista falso, da falsa cultura e da falsa moral do Ocidente” (Costa, 1929cCosta, Oswaldo. (1929c). Revisão necessária. Revista de Antropofagia, 2/1, p. 6.: 6).

Já no “Aperitivo” de seu “Moquém”, publicado no n. 4, Tamandaré(1929c)Tamandaré. (1929c). Moquém - Aperitivo. Revista de Antropofagia, 2/4.-Costa se insurge contra o recém-publicado Retrato do Brasil. Vaticina: “o livro é ruim”, não estando à altura, segundo o crítico, do primeiro trabalho de seu autor, Paulística. Volta-se especialmente contra a obsessão de Paulo Prado com o suposto pecado sexual do índio, o que faria com que, “na época de Freud, ele se fantasia[sse] de visitador do Santo Ofício”. As deficiências como historiador do mecenas do modernismo se deveriam, em boa medida, à influência de seu amigo Capistrano de Abreu, que seria “um bom arquivista”, mas ao qual teria faltado “capacidade filosófica” (Tamandaré, 1929cTamandaré. (1929c). Moquém - Aperitivo. Revista de Antropofagia, 2/4.: 6). Contudo, para corrigir a falsidade do retrato do Brasil pintado pelo autor, insiste que se preste mais atenção aos fatores político-econômicos de nossa história, como não deixam de fazer os ensaístas dos anos 1930, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr., significativamente autores ligados ao modernismo.

No “Hors d’oeuvre” do “Moquém”, aparecido no n. 5, Tamandaré-Costa aponta que o grande erro do modernismo teria sido “a preocupação estética exclusiva” (Tamandaré, 1929bTamandaré. (1929b). Hors d’oeuvre. Revista de Antropofagia, 2/5, p. 6.: 6). Já antes, no n. 2, Japy-Mirim (1929: 6)Japy-Mirim. (1929). De antropofagia. Revista de Antropofagia, 2/2, p. 6., provavelmente Oswald, proclamara: “a descida antropofágica não é uma revolução literária. Nem social. Nem política. Nem religiosa. Ela é tudo isso ao mesmo tempo”. Isto é, no momento de crise do modernismo e da Primeira República, autores ligados ao movimento já começam a ir além da estética, anunciando a preocupação ideológica que marca a década de 1930 (Azevedo, 2016Azevedo, Beatriz. (2016). Antropofagia: palimpsesto selvagem. São Paulo: Cosac Naify.; Lafetá, 2000Lafetá, João. (2000). 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Editora 34.).

Nessa referência, o significado da antropofagia é indicado pela Sucursal do Rio, no n. 4 da “segunda dentição”, quando insiste que “corrigiu a impossibilidade do fechamento dos portos pelo mais ingênuo e brasileiro processo nacionalizante que é esse da assimilação das qualidades”. A partir daí, criar-se-ia uma “língua brasileira” e um “Brasil brasileiro”. Bom exemplo de tal procedimento seria a transformação do catolicismo no país, que como notara Bopp, teria estabelecido uma religiosidade “com procissões e novenas de São Benedito, onde o negro brinca de rei nas tamboreadas da festa do congo” (Sucursal do Rio, 1929Sucursal do Rio. (1929). Algumas notas sobre o que já se tem escrito em torno da nova descida antropofágica em nossa literatura. Revista de Antropofagia, 2/4, p. 6.: 6).36 36 Já na década de 1930, Freyre (1951: 438), de maneira similar, notará o desenvolvimento no Brasil de um “cristianismo doméstico, lírico e festivo, de santos compadres, de santas comadres dos homens, de Nossas Senhoras madrinhas dos meninos”. Por sua vez, Holanda (1936: 149), fala de “nosso velho catolicismo, tão característico, que permite tratar os santos com uma intimidade quase desrespeitosa”. Lembra como exemplo as “festas do Senhor Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo” em que o Cristo “desce do altar para sambar com o povo”. Em outras palavras, a visão de antropofagia esposada é basicamente como síntese, num sentido próximo à mestiçagem.37 37 Tal projeto pode ser contrastado com o de Mário de Andrade que, nas palavras de André Botelho e Maurício Hoelz (2016: 270), enfatiza “a contingência, a relação e o diálogo”. Tal postura aparece, por exemplo, na própria indefinição de Macunaíma.

Em termos mais profundos, Oswald-Japy-Mirim enxerga, no n. 2 também da “segunda dentição”, um conflito entre o que chama de Brasil Caraíba, que seria verdadeiro, e um outro Brasil, artificial. Argumenta, num sentido mais direto, que, para se entender a oposição, seria necessário “distinguir a elite, europeia, do povo, brasileiro” (Japy-Mirim, 1929Japy-Mirim. (1929). De antropofagia. Revista de Antropofagia, 2/2, p. 6.: 6), e esclarece que fica com o segundo em detrimento do primeiro. No entanto, os antropófagos não vão muito além, nesse momento, da intenção de se ligar aos setores populares. Na mesma linha, ainda no último número da revista, artigo não assinado insiste que a alegada falta de caráter do Brasil não seria um problema do povo, mas de uma “certa elite [...] que não tem olhos para ver a nossa realidade”, já que seria “submissa ao Ocidente” (Revista de Antropofagia, 1929aRevista de Antropofagia. (1929a). De Antropofagia. Revista de Antropofagia, 2/16.: 10).

Reaparece aí uma questão central para a Antropofagia: a crítica à cultura ocidental. Como proclama Oswaldo Costa (1929a: 10)Costa, Oswaldo. (1929a). De antropofagia. Revista de Antropofagia, 2/9, p. 10., no n. 9, seria necessário ir “contra a servidão mental. Contra a mentalidade colonial. Contra a Europa”.38 38 Jáuregui (2016: 369) considera mesmo Osvaldo Costa “o grande esquecido da antropofagia”, como sendo mais responsável do que Oswald de Andrade por “um pensamento utópico ‘descolonizador’ ou de ‘emancipação’ cultural”. Na mesma orientação, os antropófagos cariocas, no n. 4, lembram como Oswald tinha notado que toda a vida intelectual brasileira tinha sido feita “dentro do bonde da civilização importada”. Os brasileiros precisariam, portanto, “saltar do bonde, [...] queimar o bonde” (Sucursal do Rio, 1929Sucursal do Rio. (1929). Algumas notas sobre o que já se tem escrito em torno da nova descida antropofágica em nossa literatura. Revista de Antropofagia, 2/4, p. 6.: 6) para realizar a sua cultura.

A Antropofagia reage, assim, contra o catolicismo, mas também contra o marxismo, a psicanálise e o surrealismo, até porque não passariam de manifestações da cultura ocidental. O catolicismo é alvo especialmente visado pelo movimento, devido a seu papel na submissão cultural dos povos não ocidentais. Diferente do marxismo, porém, Oswald-Freuderico considera, como esclarece no n. 1, que mais importante do que a produção seria o consumo, o segundo sendo significativamente o objetivo da primeira. Numa inversão da relação com a Europa, portanto, os antropófagos estariam dispostos a aceitar, provocativamente, algo do bolchevismo, mas também do fascismo, ao menos, naquilo “que nessas realidades políticas [possa] haver de favorável ao homem biológico” (Freuderico, 1929Freuderico. (1929). Ortodoxia. Revista de Antropofagia, 2/3, p. 6.: 6). Quanto à psicanálise, Oswald considera, em entrevista de 1929, que “Freud é apenas o outro lado do catolicismo. Como Marx é o outro lado do capitalismo”. Isto é, em termos antietnocêntricos, sugere que a psicanálise só poderia existir numa sociedade reprimida, perguntando: “que sentido teria num matriarcado o complexo de édipo?” (Andrade, 1929aAndrade, Oswald. (1929a). De antropofagia. O Jornal, p. 2.: 2). Na mesma orientação, a Revista de Antropofagia, ao anunciar, no n. 1, a presença do surrealista francês Péret em São Paulo, faz a significativa ressalva: “não nos esquecemos que o surrealismo é um dos melhores movimentos pré-antropofágicos” (Cunhambebinho, 1929Cunhambebinho. (1929). Péret. Revista de Antropofagia, 2/1, p. 6.: 6).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o crack da bolsa de Nova York e a Revolução de 1930, a Antropofagia chega ao fim.39 39 Também o relato dos protagonistas da Antropofagia indica que ela teria desaparecido de um momento para o outro, mesmo que seus marcos sejam diferentes. Em meio aos preparativos de um Congresso Antropofágico e à publicação de uma Bibliotequinha Antropófaga, além da realização da primeira exposição brasileira de Tarsila do Amaral, Bopp informa que “ocorreu um changé des dames geral. Um tomou a mulher do outro. Oswald desapareceu. Foi viver o seu novo romance numa beira da praia, nas imediações de Santos” (Bopp, 2006: 76). Ou seja, o movimento, que foi tanto produto quanto crítica do mundo que produziu, com a exportação de café, uma prosperidade econômica inédita, e o domínio político da oligarquia paulista, desaparece junto com ele.40 40 Os produtores brasileiros chegaram a controlar – da oferta mundial de café. Diante da superprodução se protegeram com a política de defesa dos preços do café, implementada desde 1906 com o Convênio de Taubaté. Como indica a análise clássica de Celso Furtado (2009), o governo, fosse inicialmente os dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro ou, com a eleição de Afonso Pena, o próprio governo federal, comprava, financiado por empréstimos estrangeiros, o excedente, adiando a eclosão do problema para o futuro. Num sentido oposto, apesar de a Antropofagia ser produto de um contexto muito específico, muitas das questões que enfrentou continuam a nos dizer respeito.

No que se refere ao problema que nos preocupa especialmente neste artigo, a relação entre o “original” e a “cópia”, a Antropofagia sugere mais de um caminho para o pensamento brasileiro e mesmo periférico. Por um lado, chama a atenção para como é falso o desejo, presente pelo menos desde a independência, de evitar influências estrangeiras, supostamente garantindo a existência de uma “cultura autêntica”. Nesse sentido, insinua um questionamento, na linha apontada por Santiago (2000)Santiago, Silviano. (2000). Uma literatura nos trópicos. Rio de Janeiro: Rocco., das noções de unidade e pureza. Chega também a indicar, de maneira arguta, que por trás do problema do “original” e da “cópia” há uma questão de classe, que oporia a elite, identificada com um Brasil artificial, com o povo, identificado com o que chama de um Brasil caraíba. Mas a posição antropófaga é constitutivamente ambígua; é, como percebe Mário de Andrade em relação a Oswald de Andrade, a de um “náufrago da erudição”, que busca fontes populares para um projeto que não deixa de ser de ilustração.

Em outra referência, a Antropofagia modifica a questão do “original” e da “cópia”, ao indicar metaforicamente que o próprio ato de devorar algo transforma aquilo que se come, sugerindo, como aponta Carlos Fausto (2011: 169)Fausto, Carlos. (2011). Cinco séculos de carne de vaca: antropofagia literal e antropofagia literária. In: Rocha, João Cezar de Castro. Antropofagia hoje? São Paulo: Realizações Editora., a existência de uma espécie de “nacional por adição”. Por outro lado, pensa ainda em termos que podem ser chamados de tradicionais, em que a deglutição conduz a uma certa síntese como indica, por exemplo, a ideia de mestiçagem. Radicalizando tal perspectiva, se pode argumentar que a Antropofagia, em sua ânsia de “descentramento”, transcende o ambiente brasileiro e periférico, convertendo-se, como quer João Cezar de Castro Rocha (2011: 648)Rocha, João Cezar de Castro. (2011). Uma teoria de exportação? In: Rocha, João Cezar de Castro. Antropofagia hoje? São Paulo: Realizações Editora., em “promessa de uma imaginação teórica da alteridade, mediante a apropriação criativa da contribuição do outro”. Em outras palavras, a relação entre a América e a Europa, a colônia e a metrópole, que historicamente alimentou a Antropofagia, desaparece em favor da elaboração de uma abstrata filosofia da alteridade de pretenso valor universal.

Em termos diferentes, é possível destacar a crítica do pensamento ocidental e do Ocidente como um todo realizada pela Antropofagia. Oswald e seus companheiros chegam a defender uma nova datação para nossa história, tomando a deglutição do bispo Sardinha ou o 11 de outubro, último dia antes da chegada de Colombo, como marcos alternativos para um novo calendário. A Antropofagia pode, assim, criticar o catolicismo, mas também a psicanálise, o marxismo e o surrealismo, já que seriam todos produtos ocidentais.

Nessa referência, enquanto Graça Aranha, Tristão de Athayde e Mário de Andrade pensam, de diferentes maneiras, o Brasil a partir de sua relação com o Ocidente, Oswald de Andrade imagina a inversão da forma como a sua nação e, num sentido mais amplo, o que chama de América se relaciona com a Europa.41 41 No caso de Tristão, o Brasil é visto, desde 1928, como indissociável do cristianismo. Já a posição de Mário é mais complexa. Se, como Graça e Tristão, argumenta que o Brasil não pode ser entendido fora da cultura ocidental, não vê a relação do seu país com o Ocidente de maneira simplesmente passiva - como sugere o argumento a respeito da nação informe usado pelos outros dois autores - acredita, ao contrário, que uma das principais qualidades do Pau-Brasil teria sido sua capacidade de transformar influências, o que supostamente teria ocorrido com o dadaísmo e o expressionismo. Essa é, entretanto, uma posição mais fácil de tomar diante da “estética de equilíbrio” do Pau-Brasil do que da “crítica à cultura erudita” da Antropofagia. Já os verde-amarelos, assim como os antropófagos, valorizam a absorção de culturas. No entanto, a entendem de maneira pacífica, o tupi tendo estado supostamente disposto a desaparecer. Em contraste, Oswald e seus companheiros defendem a violência do índio antropófago, pronto a comer e deglutir o europeu.

De forma complementar, a Antropofagia transforma as supostas faltas brasileiras em pretensas vantagens.42 42 Em termos mais amplos, como indica Antonio Candido (1976: 120), o modernismo leva a que “as nossas deficiências, supostas ou reais, são reinterpretadas como superioridades”. Teríamos, entre outros ganhos, um aparentemente paradoxal “direito costumeiro antitradicional”, em que não precisaríamos, por exemplo, do divórcio, já que “um juiz em Piracicapiassú [...] anula tudo quanto é casamento ruim”. A contrapartida crítica de formulações de tal tipo é a elaboração do que Schwarz (1989)Schwarz, Roberto. (1989). Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras. chama de uma “interpretação triunfalista do atraso”, em que problemas brasileiros, tanto falsos como reais, são entendidos de maneira simpática. Mais especificamente, a Antropofagia chama a atenção para a artificial cultura letrada e a hipócrita moral burguesa presentes no país, mas também questiona que haja lugar entre nós para as noções de justiça, de direitos humanos e de razão.

Posições como essas continuam a ter grande apelo, atualmente o chamado pós-colonialismo tratando de muitos problemas semelhantes. Em termos amplos, tanto antropófagos como pós-coloniais celebram o que seria supostamente particular diante do universal. Ainda, de forma semelhante, defendem a ideia de que as categorias históricas geradas pela experiência ocidental não podem ser generalizadas. No entanto, a justificada intenção de questionar o argumento de que a modernidade conduza inevitavelmente a um contexto histórico único, identificado com a Europa, corre o risco de levar a uma espécie de “orientalismo às avessas”.43 43 Nessa linha, é interessante como Vivek Chibber (2013: 288) destaca os riscos de o pós-colonialismo reproduzir “os piores aspectos da mitologia orientalista”. Replica-se, assim, inconsciente e ironicamente a imagem europeia a respeito do exotismo do resto do mundo, o que, nos sugestivos termos de Oswald de Andrade, não deixa de corresponder a uma espécie de “macumba para turista” (Andrade, 1971Andrade, Oswald. (1971). Obras Completas. V. Ponta de lança. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 95).

  • 1
    Desde pelo menos a independência, políticos e escritores voltam-se contra a importação de ideias e instituições estrangeiras. Inicialmente o problema incomoda em especial conservadores e românticos, que reagem contra o universalismo favorecido por liberais e neoclássicos. O mal-estar com as “ideias fora do lugar” atravessa, a partir daí, a maior parte do pensamento político-social brasileiro. Ver, entre outros: Schwarz, 1992Schwarz, Roberto. (1992). Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades.; Ricupero, 2004Ricupero, Bernardo. (2004). O romantismo e a ideia de nação no Brasil (1830-1870). São Paulo: Martins Fontes.. Pode-se, todavia, disputar o sentido do “original”, identificando-o com o modelo europeu ou as origens americanas. Ver, entre outros: Santiago, 2000Santiago, Silviano. (2000). Uma literatura nos trópicos. Rio de Janeiro: Rocco.; Sussekind, 1990Sussekind, Flora. (1990). O Brasil não é longe daqui. São Paulo: Companhia das Letras..
  • 2
    Pascale Casanova indica, de maneira sugestiva, que a metáfora canibal já aparece no século XVI, quando o humanista Joachim Du Bellay (apud Casanova, 2004Casanova, Pascale. (2004). The world republic of letters. Cambridge: Harvard University Press.: 54) defende a diferenciação do francês diante do latim. Para tanto, remete à relação que os romanos tiveram com a cultura grega: “imitando os melhores autores gregos, transformando-se neles, devorando-os; e depois de tê-los bem digeridos, convertendo-os em sangue e alimento”. Imagem semelhante também teria aparecido no romantismo alemão ao confrontar a hegemonia da cultura francesa.
    É verdade que em outros momentos do Manifesto Antropófago aparece uma atitude mais tradicional ao lidar com ideias estrangeiras, se proclamando, por exemplo: “contra todos os importadores de consciência enlatada” (Andrade, 1972bAndrade, Oswald (1972b). Obras Completas. VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 14).
  • 3
    Deixo de fora deliberadamente o projeto estético, apesar de a separação ter uma certa arbitrariedade, até porque, como aponta Pedro Dutra (2014)Dutra, Pedro. (2014). A palavra modernista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra., a inovação artística se articula com a interpretação do Brasil. Significativamente, com a Antropofagia ocorre a incomum situação de um movimento nas artes plásticas fazer nascer todo um movimento de ideias. Mais especificamente, é o quadro Abaporu, presenteado por Tarsila quando Oswald completa 38 anos, que dá origem à Antropofagia. Sobre o projeto estético antropófago, ver, entre outros: Amaral, 1975Amaral, Aracy. (1975). Tarsila - sua obra e seu tempo. São Paulo: Presença.; Scharwtz, 2013Scharwtz, Jorge. (2013). Fervor das vanguardas. São Paulo: Companhia das Letras..
    Num outro sentido, é possível considerar que a radicalidade da Antropofagia, tal como destaca Haroldo de Campos (1974)Campos, Haroldo. (1974). Uma poética da radicalidade. In: Andrade, Oswald. Obras completas. vii. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira., contribui para que seu projeto não seja meramente estético. Nessa orientação, Antonio Candido e Adelarlo Castello (1972: 16)Candido, Antonio & Castello, José Adelardo. (1972). Presença da literatura brasileira: modernismo. São Paulo: Difel. consideram que o movimento apontaria para a elaboração de “uma verdadeira filosofia embrionária da cultura”. Já Augusto de Campos (1975)Campos, Augusto de. (1975). Revistas re-vistas. Revista de Antropofagia. São Paulo: Metal Leve., avalia que a Antropofagia foi “a única filosofia original brasileira e, sob alguns aspectos, o mais radical dos movimentos artísticos que produzimos”. Jorge Schwartz (2013: 33) toma, por sua vez, “a ideologia Pau Brasil, que culminaria no final da década com a Antropofagia” como “a revolução estético-ideológica mais original das vanguardas latino-americanas daquela época”. Finalmente, Eduardo Viveiros de Castro (2007: 168)Viveiros de Castro, Eduardo. (2007). Encontros. Rio de Janeiro: Beco do Azougue. considera que “a antropofagia foi a única contribuição realmente anticolonialista que geramos”.
  • 4
    Margaret Leslie (1970)Leslie, Margareth. (1970). In defence of anachronism. Political Studies, 18/4, p. 433-477. indica, a partir de interessante diálogo com Quentin Skinner, que a história pode servir como uma espécie de reserva de material quase inigualável para formulações teóricas. Exemplo de tal procedimento, que fornece argumentos em favor de um certo anacronismo, é a maneira de Antonio Gramsci se servir das reflexões de Nicolau Maquiavel para elaborar, de maneira extremamente original, sua própria teoria.
    Esclareço que do que é em geral chamado, de maneira bastante imprecisa, de pós-colonialismo privilegio os estudos subalternos indianos ou, mais precisamente, bengali. Faço isso em razão de ser possível encontrar sugestivos pontos de permanências com a Antropofagia brasileira, especialmente na crítica à cultura ocidental.
  • 5
    Significativamente, como indica o autor do manifesto 25 anos depois: “como o pau-brasil foi a primeira riqueza brasileira exportada, denominei o movimento Pau Brasil” (Andrade, 1990Andrade, Oswald. (1990). Os dentes do dragão. São Paulo: Globo.: 148). Ainda na referência econômica, Affonso Arinos vê, em 1926, Pau-Brasil como “depósito de matérias-primas da poesia à espera da manufatura transformadora” (Arinos, 1926Arinos, Affonso. (1926). Pau-brasil. Revista do Brasil.: 37). João Ribeiro (1952: 91)Ribeiro, João. (1952). Crítica. Os modernos. vol. IX. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras. percebe, por sua vez, já em 1927, ou seja, antes da crise de 1929, até possíveis implicações de uma substituição de importações literária: “assim nasceu uma poesia nacional que, levantando as tarifas de importação, criou uma indústria brasileira”.
  • 6
    No mesmo sentido, o volume é dedicado originalmente a Blaise Cendrars, “por ocasião da descoberta do Brasil”. Quase na mesma época, o revolucionário peruano José Carlos Mariátegui (1994: 611)Mariátegui, José Carlos. (1994). El alma matinal in Mariátegui total. t. i. Lima: Empresa Editora Aamuta. faz comentário parecido, mas mais contundente: “yo no me sentí americano sino en Europa. Por los caminos de Europa, encontré el país de América que dejara y en el cual viviera casi como un extraño y ausente. Europa me reveló hasta qué punto yo pertenecía a un mundo primitivo y caótico; y, al mismo tiempo, me impuso, me esclareció el deber de una tarea americana”.
  • 7
    Knickerbockers eram um tipo de calça curta muito usado no início do século XX, especialmente por golfistas.
  • 8
    A oposição entre o Pau-Brasil e a Antropofagia, de um lado, e o Verde-amarelo e a Anta, do outro, não é mero acaso, já que, em boa medida, eles se constituíram uns em confronto com os outros. Já em 1925. Plínio Salgado e Cassiano Ricardo, em artigo de 23 de setembro no Correio Paulistano, afirmavam que depois de cuidadosa investigação historiográfica, “tivemos notícia de tal madeira. Trata-se de um espécime de flora colonial, muita aproveitável a tinturarias”. Segundo os autores, além de o pau-brasil não existir mais, “interessou holandeses e portugueses, franceses e chineses, menos os brasileiros, que dele só tiveram notícia pelos historiadores”. Portanto, contra uma postura pretensamente colonialista, que seguiria as “receitas da Europa” (Ricardo & Salgado, 1925Ricardo, Cassiano & Salgado, Plínio. (1925). Verde e amarelo. Correio Paulistano, p.8.: 8), defendem que seria preciso afirmar uma poesia verde-amarela. Três dias depois, no mesmo jornal, Oswald responde com uma carta a Menotti del Picchia intitulada “O lado oposto”, em que informa: “apenas me ausentei de São Paulo dez dias e tive o prazer de contar dez tentativas de assassinato da poesia Pau Brasil”. Tal poesia teria ao menos o mérito “de deixar o Cassiano Ricardo verde, o Plínio Salgado azul e você amarelo. Ergueram-se os três em legítima bandeira nacional, faltando apenas as respectivas estrelas” (Andrade, 1925Andrade, Oswald. (1925). O lado oposto. Correio Paulistano, p. 5.: 5). Apesar das diferenças, não deixa de haver certa proximidade entre os protagonistas dos dois movimentos. Sinal disso é que Oswald (1990) em entrevista, já em 1928, a O Jornal, perguntado sobre se existiria uma plêiade de escritores antropófagos cita, entre sete autores, Plínio Salgado, Menotti del Picchia e Cassiano Ricardo. Já Plínio, afirma: “quem descobriu a Anta foi Alarico Silveira. Quem a interpretou e lançou foi Raul Bopp” (Salgado, 1972Salgado, Plínio. (1972) [1928]. O significado da Anta. Festa, 4. In: Batista, Marta Rosetti et al. Brasil: 1º tempo modernista - 1917/29, 2. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros.: 285).
  • 9
    Ironicamente, é provável, como indica Claudio Cuccagna (2004)Cuccagna, Claudio. (2004). Utopismo modernista. O índio no ser-não-ser da brasilidade (1920-1930). Tese de Doutorado. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas/Universidade de São Paulo., que Oswald tenha encontrado inspiração para fazer uso da metáfora antropófaga na disputa com seus adversários verde-amarelos. Plínio Salgado chegara a escrever, em 1927, uma “Carta Antropófaga”, publicada por Menotti del Picchia no Correio Paulistano, em que, contra a interpretação de João Miramar a respeito da Anta, esclarecia: “se trata apenas de uma senha pela qual recebemos, nós os selvagens, a ordem de furar pança e fazer churrasco das figuras ridículas do boulevard, que hão de terminar no nosso espeto, revirados no braseiro e papados com paçoca e cauim, segundo os métodos da velha culinária - agora mais do que nunca novíssima - dos devoradores do bispo Sardinha”. Nessa referência, o autor de Os condenados se encontraria no mesmo patamar de Hans Staden e Jean de Léry, escritores que “falaram sobre coisas brasileiras sem sentimentos brasileiros”. Salgado (1927: 7)Salgado, Plínio. (1927). Carta antropófaga. Correio Paulistano, p. 7., apesar de admitir que contribuíram para o conhecimento do país, faz a ressalva: “mas continuaram sempre estrangeiros, com os olhos na terra deles”.
  • 10
    Significativamente, o antropófago era bastante amigo dos dois políticos, Washington Luís tendo sido padrinho de seu casamento com Tarsila do Amaral (Boaventura, 1995Boaventura, Maria Eugenia. (1995). O salão e a selva: uma biografia ilustrada de Oswald de Andrade. Campinas: Editora Unicamp.; Fonseca, 2007Fonseca, Maria Augusta. (2007). Oswald de Andrade: biografia. São Paulo: Globo.). Oswald chega a escrever, em 1930, um artigo não publicado em que proclama: “o povo laborioso e feliz de São Paulo continua solidário com a obra de liberdade, de progresso real, de desenvolvimento maravilhoso, de união e de ordem que lhe assegura brilhantemente o Partido Republicano Paulista” (Andrade, 1991Andrade, Oswald. (1991). Estética e política. São Paulo: Globo.: 163). Sobre a ligação de Oswald com o PRP, ver Miceli (1979)Miceli, Sergio. (1979). Intelectuais e classe dirigente no Brasil: 1922-1945. São Paulo: Perspectiva..
  • 11
    Nesse sentido, Menotti del Picchia publica no órgão oficial do PRP uma crônica, “A ‘bandeira futurista’”, quando da partida, em outubro de 1921, de uma espécie de comitiva modernista para acompanhar a leitura no Rio de Janeiro de poemas do então livro inédito Pauliceia desvairada, de Mário de Andrade. O cronista social do Correio Paulistano, que escreve escondido sob o pseudônimo Hélios (1921: 3)Hélios. (1921). A bandeira futurista. Correio Paulistano, p. 3., procura sugerir, como indica o próprio título do artigo, a repetição de supostas proezas num novo cenário: “os paulistas, renovando as façanhas dos seus maiores, reeditam, no século da gasolina, a epopeia das bandeiras”.
  • 12
    Já Manuel Bandeira defendia, em 1924, em carta a Carlos Drummond de Andrade, a coincidência fundamental entre diversos modernistas: “O Graça Aranha condena o primitivismo e bate-se pelo universalismo. Esse universalismo, entretanto, não exclui os temas nacionais, como ele próprio se encarregou de mostrar no Malasarte. O Oswald de Andrade defende o primitivismo, mas o primitivismo dele é civilizadíssimo: creio que há mal-entendido na rotulação: o que ele quer é acabar com a imaginária livresca, fazer olhar para a vida com olhos de criança ou de selvagem, virgens de literatura. [...] Pensando bem, creio que no fundo estão todos de acordo e o problema é enquadrar, situar a vida nacional no ambiente universal, procurando o equilíbrio entre os dois elementos. O Mário de Andrade, que me parece ser o nosso maior poeta atual e o segundo grande poeta brasileiro (o primeiro foi Castro Alves) parece ter resolvido o problema nos seus últimos poemas, sobretudo no “Noturno de Belo Horizonte”, que é todo o Brasil, ou pelo menos, um pedaço enorme de Brasil, sentido com larga emoção por um espírito de alcance e de cultura universais” (Bandeira, 1958Bandeira, Manuel. (1958). Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar.: 1385-1386).
  • 13
    Em entrevista realizada em 1928, Oswald sugere, entretanto, de maneira não tão diferente do Manifesto da Poesia Pau-Brasil: “sob um tom de paradoxo e violência, a Antropofagia poderá quem sabe dar à própria Europa a solução do caminho ansioso em que ela se debate. Note você como a Europa procura se primitivizar” (Andrade, 1990Andrade, Oswald. (1990). Os dentes do dragão. São Paulo: Globo.: 41). Em termos semelhantes, é possível considerar que o movimento da negritude, desenvolvido na década de 1930 por impulso principalmente de Léopold Senghor, Aimé Césaire e Léon Damas, representou tanto a resistência de uma cultura oprimida como uma estratégia de inserção no campo literário parisiense (Proteau, 2001Proteau, Laurence. (2001). Entre poétique et politique. Aimé Césaire et la “négritude”. Societés Contempoirantes, 44, p. 15-39.). Sugestivamente, de maneira coincidente com a Antropofagia, Césaire (1980)Césaire, Aimé. (1980). Cahier d´un retour au pays natal. Paris: Présence Africaine. chega a evocar o canibalismo em seu poema de estreia, Cahier d´un retour au pays natal: “porque nós o odiamos e a sua razão, reivindicamos a demência precoce, a loucura flamejante, o canibalismo tenaz”. Oswald, por sua vez, se teria encontrado com o famoso editor parisiense Valery Larbaud, desejoso de que seu trabalho fosse divulgado na Europa (Casanova, 2004Casanova, Pascale. (2004). The world republic of letters. Cambridge: Harvard University Press.). Por outro lado, é preciso ressaltar que não se pode falar no Brasil dos anos 1920 propriamente na existência de um campo intelectual autônomo (Botelho & Hoelz, 2016Botelho, André & Hoelz, Maurício. (2016). O mundo é um moinho: sacrifício e cotidiano em Mário de Andrade. Lua Nova, 97, p. 251-284.).
  • 14
    João Lafetá (2000)Lafetá, João. (2000). 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Editora 34. aponta, em termos mais amplos, como o modernismo passa de uma atitude fundamentalmente estética, nos anos 1920, para uma preocupação crescentemente política, na década de 1930.
  • 15
    Antonio Tosta (2011, 217-218)Tosta, Antonio. (2011). Modern and post-colonial. Oswald’s de Andrade antropofagia and the politics of labelling. Romance Notes, 51/2, p. 217-226., por exemplo, afirma: “a condenação aberta e, por vezes, humorística da colonização, a ênfase crítica na dependência, o rebaixamento do discurso histórico oficial, e, por fim, a proposta de valorizar as margens e repelir os centros, são alguns dos elementos que permitem ler o projeto Antropófago, como revelado no Manifesto Antropófago de Andrade, assim como no seu anterior Manifesto Pau-Brasil (1924) e sua poesia não apenas pelas lentes do modernismo, mas também como um exemplo do que é considerado atualmente como pensamento pós-colonial”.
  • 16
    Em sentido comparável, Dipesh Chakrabarty (2000: 32)Chakrabarty, Dipesh. (2000). Provincializing Europe. Princeton: Princeton University Press. enxerga uma “tendência de ler a história indiana em termos de falta, de ausência, ou incompletude que se traduz em inadequação”. De maneira ainda mais profunda, as referências a essas “ausências” indicariam “a falha de a história encontrar seu destino” (Chakrabarty, 2000Chakrabarty, Dipesh. (2000). Provincializing Europe. Princeton: Princeton University Press.: 31), identificado com um caminho traçado na Europa.
  • 17
    Na verdade, a ironia não é um ponto menor em Oswald, estando relacionada com a sensação de desencontro que marca a vida ideológica brasileira e que favorece a comédia, o pastiche, a paródia, a digressão (Santiago, 2000Santiago, Silviano. (2000). Uma literatura nos trópicos. Rio de Janeiro: Rocco.; Schwarz, 1992Schwarz, Roberto. (1992). Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades.). Em termos mais amplos, pode-se vincular a paródia à arte do século XX, tal forma tendo um efeito crítico e desmitificador (Hutcheon, 2000Hutcheon, Linda. (2000). A theory of parody. Urbana/Chicago: University of Illinois Press.). Há, contudo, controvérsia a respeito de a paródia permanecer ou não no chamado pós-modernismo. Diferente de Hutcheon, Fredric Jameson (1991: 19)Jameson, Fredric. (1991). Post-modernism. Durham: Duke University Press. considera que, em tal contexto, o que prevaleceria seria a “paródia vazia”, o pastiche, que, por exemplo, “aleatoriamente e sem princípio, mas com gusto, canibaliza todos os estilos arquitetônicos do passado e os combina em conjuntos excessivamente estimulantes”.
  • 18
    O antropófago chega a escrever no caderno inédito “Oropa, França e Bahia e outros estados” (Andrade, O., s.d.Andrade, Oswald. (s.d.). Oropa, França e Bahia e outros estados poéticos. Fundo Oswald de Andrade do Cedae - Unicamp (OA 44 01279) (Caderno inédito).), um poema, “Retrato do autor pelo Athayde”, que é uma paródia à resenha do crítico, “Queimada ou fogo de artifício”. Athayde (1925b: 4)Athayde, Tristão de. (1925b). Queimada ou fogo de artifício. O Jornal, p. 4. afirmara: “Dirceu às avessas [...]. Faz o inverso em seu verso, o sr. Oswald de Andrade. Entre as almofadas de seu Cadillac, depois das trufas do Automóvel Clube, entre uma partida de Mah-Jong e a última teoria de Epstein [...], entre a aquisição de um Fernand Léger [...], entre uma carta do Comte Etienne de Beamont e os exames do novo sky-scrapper [...] acende o seu cachimbo de Old Bond-Street, toma da sua Watermann[...] e põe-se a ensinar poesia brasileira aos caipiras do Cairy e da Garnier”.
    Já o poeta responde: “Ele faz o inverso/De Dirceu/Em verso/Desce das trufas de seu Cadillac/-A Cadillac glauca da ilusão/E penetra no Automóvel Club de Mah-Jong/Entre uma carta ligeira/ De Léger/E um rádio amoroso da condessa Vênus/Distribui planos de ruínas/E acende o arranha céu/Da sua cultura Lincoln/Depois como não há mais vícios/A inventar/Diz ao seu velho cachimbo de Old Bond/Que vai tomar soda Waterman/Com o MDP” (Andrade, s.d.).
  • 19
    Na mesma referência, Mário, em carta de 1927 a Tristão, esclarece sua diferença em relação a Oswald: “não compreendo como você [...] me chama de ‘primitivo’ no sentido da orientação que Oswald de Andrade deu para essa palavra. Por acaso algum dia eu ataquei a cultura? [...] Quando eu principiei errando meu português não anunciei imediatamente que estava fazendo uma gramática do brasileiro, anúncio com o qual eu tinha apenas a intenção de mostrar que não estava fazendo uma coisa de improviso porém era coisa pensada e sistematizada? Pois então não se percebe que entre o meu erro e o do Oswald vai uma diferença da terra à lua, ele tirando do erro um efeito cômico e eu fazendo dele uma coisa séria e organizada?” (Andrade, M., s.d.Andrade, Mário de. (s.d.). In: Fernandes, Lígia (ed.). (s.d.). 71 cartas de Mário de Andrade coligidas. Rio de Janeiro: Livraria São José.: 21 e 22).
  • 20
    Significativamente, os títulos dos artigos remetem a um artigo de resposta de Oswald aos verde- amarelos, “O lado oposto”.
  • 21
    Essa não deixa de ser também uma questão para a elite e classe média bengalis, analisadas por Chakrabarty (2000)Chakrabarty, Dipesh. (2000). Provincializing Europe. Princeton: Princeton University Press., que fazem uso de categorias europeias para lidar com sua realidade.
  • 22
    Luciano Martins (1987)Martins, Luciano (1987). A gênese de uma intelligentsia brasileira: os intelectuais e a política (1920-1940). Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2/4, p. 65-87. chega a identificar o modernismo com “a gênese de uma intelligentsia brasileira”, que teria buscado “ir ao povo”.
  • 23
    Oswald, em entrevista de 1953, explicita a descontinuidade: “a revista não foi uma, foram duas” (Andrade, 1990Andrade, Oswald. (1990). Os dentes do dragão. São Paulo: Globo.: 213).
  • 24
    Segundo Augusto de Campos (1975)Campos, Augusto de. (1975). Revistas re-vistas. Revista de Antropofagia. São Paulo: Metal Leve., ela funcionaria mesmo como “um contrajornal dentro do jornal”.
  • 25
    Augusto de Campos avalia que “a imagem do avestruz mostra que a Antropofagia”, nesse primeiro momento, “era tomada no seu sentido mais superficial, pela maioria, não ultrapassando, no mais das vezes, a ideia da ‘cordial mastigação’ dos adversários ostensivos do modernismo” (Campos, 1975Campos, Augusto de. (1975). Revistas re-vistas. Revista de Antropofagia. São Paulo: Metal Leve.).
  • 26
    Nessa referência, Jáuregui avalia que “Costa produz um descentramento do horizonte identitário” do Brasil: “não como Europa mas como uma experiência colonial da Europa” (Jáuregui, 2008Jáuregui, Carlos. (2008). Canibalia. Madrid: Iberoamericana.: 44).
  • 27
    O principal representante latino-americano dos estudos pós-coloniais, o Projeto Modernidade/Colonialidade, que foi impulsionado, desde o final dos anos 1990, pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), volta especialmente sua crítica para a experiência colonial, o que é indicado por seu próprio nome. Como afirma um dos seus intelectuais mais influentes, o semiótico argentino Walter Mignolo (2012: XIII)Mignolo, Walter. (2012). The idea of Latin America. Malden: Blackwell Publishing.: “a ‘descoberta’ da América e o genocídio de índios e escravos africanos são a própria fundação da ‘modernidade’, mais do que a Revolução Francesa e a Industrial. Ainda melhor, elas constituem a face mais escura e escondida da modernidade, a ‘colonialidade’”.
  • 28
    Adour é diretor até o n. 10, quando a tarefa passa a Bopp.
  • 29
    Sinal de dificuldades da publicação é sua suspensão, por quase um mês, entre 15 de maio e 12 de junho de 1929. De maneira sugestiva, mas inverossímil, o “Açougue” explica, no n.10, que “a interrupção - verdadeira dor de dente dos antropófagos - foi devida à falta de papel, como os nossos numerosos leitores devem estar fartos de saber. E só!”. (Acougue, 1929Acougue. (1929). Hoje tem “Antropofagia”? Tem sim senhor!? Revista de Antropofagia, 2/10, p. 10.: 10).
  • 30
    No número 10 aparece também o anúncio de que “a anta morreu de indigestão retórica”. O pobre bicho, ao discursar na Liga das Senhoras Católicas em defesa da moral, teria caído em si sendo tomado de vergonha, o que acabaria por levá-lo ao suicídio. Em sinal de comiseração, o anúncio apela: “rezem por ele” (Revista de Antropofagia, 1929cRevista de Antropofagia. (1929c). A Anta morreu, viva o Tamanduá. Revista de Antropofagia, 2/10, p. 10.: 10).
  • 31
    A brincadeira é evidentemente com a revista A ordem, órgão do Centro Dom Vital, do qual Alceu era diretor desde dezembro de 1928.
  • 32
    A relação entre os dois Andrades foi, desde seu início, conturbada. Quando Oswald publica, em 1921, no Jornal do Commercio o artigo “Meu poeta futurista”, que abre espaço para Mário nas letras, o suposto homenageado escreve uma carta ao periódico, negando sua filiação “ao futurismo internacional”. Admiração e disputa convivem na relação entre os dois principais nomes do modernismo brasileiro até ocorrer a ruptura definitiva, em 1929. Ver, entre outros: Andrade, 2008Andrade, Gênese. (2008). Amizade em mosaico: a correspondência de Oswald a Mário de Andrade. Teresa, 8/9, p. 161-188., Candido, 2011Candido, Antonio. (2011). Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul.. Não estão, contudo, inteiramente claros os motivos que levaram ao afastamento entre Mário e Oswald. Autores antropófagos ou próximos ao movimento, como Bopp (2006)Bopp, Raul. (2006). Vida e morte da antropofagia. Rio de Janeiro: Editora José Olympio., Campos (1975)Campos, Augusto de. (1975). Revistas re-vistas. Revista de Antropofagia. São Paulo: Metal Leve. e Boaventura (1985)Boaventura, Maria Eugenia. (1985). A vanguarda antropófaga. São Paulo: Editora Ática., sugerem que ela teria ocorrido em razão da recusa do autor de Macunaíma em aderir ao movimento, o que faria que abrisse mão de uma posição mais conciliatória em relação às diferentes vertentes do modernismo. Já Miceli (1979)Miceli, Sergio. (1979). Intelectuais e classe dirigente no Brasil: 1922-1945. São Paulo: Perspectiva. considera que o motivo da divergência seria especialmente político, cindindo os modernistas próximos ao PRP, como Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo, dos ligados ao PD, como Mário de Andrade, Alcântara Machado e Sérgio Milliet. Os primeiros favoreceriam uma atitude de engajamento político, nacionalista, ao passo que os segundos seriam favoráveis à autonomia da arte.
  • 33
    A grosseria magoa profundamente Mário. Quase quatro anos depois, escrevendo a Manuel Bandeira, deixa claro que seus sentimentos sobre Oswald: “eu o odeio friamente, organizadamente, a quem certamente não ofereceria um pau à mão, pra que ele se salvasse de afogar. Você está vendo que sou assassino em espírito! Mas é que eu me gastei excessivamente com ele. Fomos demasiadamente amigos pra que eu possa detestá-lo pelo que ele me fez. Mais o detesto pelo que ele não fez, por todos os meus sacrifícios pessoais? por todas as esperanças, por todas as minhas lutas interiores, a que ele não correspondeu com o que eu queria” (Andrade, 2001Andrade, Mário de. (2001). Mário de Andrade & Manuel Bandeira. Correspondência. Organizada por Marcos Antônio de Moraes. São Paulo: Edusp.: 546).
  • 34
    A alusão é à crônica “Casa de Pensão” (Andrade, 1929bAndrade, Mário de. (1929b). Casa de Pensão. Diário Nacional, p. 3.), aparecida no Diário Nacional, no dia 11 de abril de 1929. Já o “Moquém - Entrada” é de 24 de abril.
    Na sua coluna Táxi, no órgão oficial do PD, o escritor modernista, ao ressaltar a ignorância do literato brasileiro, concluíra que seu resultado natural seria encher “as revistas e jornais de vazio, numa amizade ou antipatisação que não adianta ao público, com que o público não pode se interessar, que não enriquece ninguém” (Andrade, 1929Andrade, Carlos Drummond de. (1929). Cartas na mesa: os Andrades se dividem. Revista de Antropofagia, 2/11, p. 10.: 3).
  • 35
    Em sentido contrastante, as interpretações de Silviano Santiago (1993)Santiago, Silviano. (1993). Ora (direis) puxar conversa! Letras 7, 11/7. p. 130-142., Ricardo Benzaquen de Araújo (2014)Araújo, Ricardo Benzaquen de. (2014). Um grão de sal: autencidade, felicidade e relações de amizade na correspondência de Mário de Andrade com Carlos Drummond de Andrade. História da Historiografia, 7/16, p. 174-185. e André Botelho (2015)Botelho, André. (2015). Posfácio. In: Andrade, Carlos Drummond de. A lição do amigo. São Paulo: Companhia das Letras. têm chamado a atenção para a importância decisiva da amizade, especialmente epistolar, para Mário. Ela corresponderia ao que Santiago (1993: 136)Santiago, Silviano. (1993). Ora (direis) puxar conversa! Letras 7, 11/7. p. 130-142. chama de “diálogo interminável com o outro”; funcionando, segundo Benzaquen de Araújo (2014: 184)Araújo, Ricardo Benzaquen de. (2014). Um grão de sal: autencidade, felicidade e relações de amizade na correspondência de Mário de Andrade com Carlos Drummond de Andrade. História da Historiografia, 7/16, p. 174-185., como uma das “formas pelas quais Mário encaminha e cultiva a própria personalidade”; e exerce, de acordo com Botelho (2015: 433)Botelho, André. (2015). Posfácio. In: Andrade, Carlos Drummond de. A lição do amigo. São Paulo: Companhia das Letras., uma peculiar pedagogia, “em que a deseducação é a condição para a liberdade e para uma intervenção criadora do brasileiro”.
  • 36
    Já na década de 1930, Freyre (1951: 438)Freyre, Gilberto. (1951). Sobrados e mocambos. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora., de maneira similar, notará o desenvolvimento no Brasil de um “cristianismo doméstico, lírico e festivo, de santos compadres, de santas comadres dos homens, de Nossas Senhoras madrinhas dos meninos”. Por sua vez, Holanda (1936: 149)Holanda, Sérgio Buarque. (1936). Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora., fala de “nosso velho catolicismo, tão característico, que permite tratar os santos com uma intimidade quase desrespeitosa”. Lembra como exemplo as “festas do Senhor Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo” em que o Cristo “desce do altar para sambar com o povo”.
  • 37
    Tal projeto pode ser contrastado com o de Mário de Andrade que, nas palavras de André Botelho e Maurício Hoelz (2016: 270)Botelho, André & Hoelz, Maurício. (2016). O mundo é um moinho: sacrifício e cotidiano em Mário de Andrade. Lua Nova, 97, p. 251-284., enfatiza “a contingência, a relação e o diálogo”. Tal postura aparece, por exemplo, na própria indefinição de Macunaíma.
  • 38
    Jáuregui (2016: 369)Jáuregui, Carlos. (2016). La otra antropofagia. Oswaldo Costa y la crítica de la cuestión colonial. Revista Iberoamericana, 82/255-256, p. 349-374. considera mesmo Osvaldo Costa “o grande esquecido da antropofagia”, como sendo mais responsável do que Oswald de Andrade por “um pensamento utópico ‘descolonizador’ ou de ‘emancipação’ cultural”.
  • 39
    Também o relato dos protagonistas da Antropofagia indica que ela teria desaparecido de um momento para o outro, mesmo que seus marcos sejam diferentes. Em meio aos preparativos de um Congresso Antropofágico e à publicação de uma Bibliotequinha Antropófaga, além da realização da primeira exposição brasileira de Tarsila do Amaral, Bopp informa que “ocorreu um changé des dames geral. Um tomou a mulher do outro. Oswald desapareceu. Foi viver o seu novo romance numa beira da praia, nas imediações de Santos” (Bopp, 2006Bopp, Raul. (2006). Vida e morte da antropofagia. Rio de Janeiro: Editora José Olympio.: 76).
  • 40
    Os produtores brasileiros chegaram a controlar – da oferta mundial de café. Diante da superprodução se protegeram com a política de defesa dos preços do café, implementada desde 1906 com o Convênio de Taubaté. Como indica a análise clássica de Celso Furtado (2009)Furtado, Celso. (2009). Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras., o governo, fosse inicialmente os dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro ou, com a eleição de Afonso Pena, o próprio governo federal, comprava, financiado por empréstimos estrangeiros, o excedente, adiando a eclosão do problema para o futuro.
  • 41
    No caso de Tristão, o Brasil é visto, desde 1928, como indissociável do cristianismo. Já a posição de Mário é mais complexa. Se, como Graça e Tristão, argumenta que o Brasil não pode ser entendido fora da cultura ocidental, não vê a relação do seu país com o Ocidente de maneira simplesmente passiva - como sugere o argumento a respeito da nação informe usado pelos outros dois autores - acredita, ao contrário, que uma das principais qualidades do Pau-Brasil teria sido sua capacidade de transformar influências, o que supostamente teria ocorrido com o dadaísmo e o expressionismo. Essa é, entretanto, uma posição mais fácil de tomar diante da “estética de equilíbrio” do Pau-Brasil do que da “crítica à cultura erudita” da Antropofagia.
  • 42
    Em termos mais amplos, como indica Antonio Candido (1976: 120)Candido, Antonio. (1976). Literatura e sociedade. São Paulo: Editora Nacional., o modernismo leva a que “as nossas deficiências, supostas ou reais, são reinterpretadas como superioridades”.
  • 43
    Nessa linha, é interessante como Vivek Chibber (2013: 288)Chibber, Vivek. (2013). Post-colonial theory and the spectre of capital. London: Verso. destaca os riscos de o pós-colonialismo reproduzir “os piores aspectos da mitologia orientalista”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2018
  • Revisado
    20 Jul 2018
  • Aceito
    17 Set 2018
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