Resumo
Em março de 1986, Raymundo Faoro ministra uma aula inaugural na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, local onde tornara-se bacharel em 1948. Na palestra, além de associar certa omissão de sua geração ao processo que culminou no golpe de 1964, Faoro lembra que todo advogado é um intelectual e vice-versa. Neste artigo, lanço luzes aos anos de formação de Faoro, a fim de desvendar os significados por trás dessa categoria advogado intelectual. Por meio da investigação dos diários escritos por Faoro entre 1943 e 1952, procuro pelas representações do autor sobre a vida intelectual em Porto Alegre e no Brasil de modo a acessar as expectativas e requisitos à época necessários para que o jovem ingressante no curso de Direito pudesse tornar-se um intelectual. Assumo uma atitude etnográfica em relação a essas fontes primárias inéditas investigando os significados empreendidos nas práticas de escrita de Faoro.
Palavras-chave:
Raymundo Faoro; Advogado intelectual; Diários; Porto Alegre
Abstract
In March 1986, Raymundo Faoro taught an inaugural class at the Faculty of Law of the Federal University of Rio Grande do Sul, where he had obtained his bachelor’s degree in 1948. In t addition to associating a certain omission of his generation with the process that culminated in the coup 1964, Faoro remembered that every lawyer is an intellectual and vice versa. In this article, I shed light on Faoro’s formative years, in order to unveil the meanings behind this intellectual lawyer category. Through the investigation of diaries written by Faoro between 1943 and 1952, I look for the author’s representations of intellectual life in Porto Alegre and Brazil. The aims are to access the expectations, conventions and requirements which are central for including young men as Faoro in intellectual careers. I assume an ethnographic attitude towards these unpublished primary sources, investigating the meanings embedded in Faoro’s writing practices.
Keywords:
Raymundo Faoro; Lawyer-intellectual; Diaries; Porto Alegre
INTRODUÇÃO1
Em 20 de março de 1986, Raymundo Faoro2 ministra uma aula inaugural na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No mesmo mês, mas 40 anos antes, no mesmo prédio, ele ingressava no terceiro ano do bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais. O título da aula por ele escolhido é “A Injustiça dos Tribunais”. Ao longo das 14 páginas datilografadas, ele discorre sobre o autoritarismo no Brasil e suas relações com ensino e com a prática jurídica. Um fato chama atenção especial: Faoro associa a ditadura instaurada a partir de 1964 à omissão da geração de juristas da qual fez parte, desde 1946.
O que deixamos de sonhar fiou a teia do pesadelo da década de 60. O que deixamos de fazer, com o abandono do inconformismo, foi feito contra nós […] Nossa organização jurídica, a de 46, que deveria abrir as portas de uma sociedade nova, dissimulou, na alquimia liberal, mas não democrática, o herdado arcabouço autoritário. As elites temiam o povo, e, para conjurá-lo, entregaram aos militares a garantia e a sustentação do poder público […] O que não se sonhou, o que se esqueceu de sonhar, o que se deixou de fazer, pode ser feito, pode ser sonhado3.
Na mesma aula, afirma que, em 1946, “o advogado era, substancialmente, um intelectual, e o intelectual era, ainda que ignorasse o título, um advogado”. Nesse modelo de advogado intelectual haveria, segundo ele, uma interpendência entre a “participação no sistema político” e os “direitos do homem”.
Neste artigo investigarei essa proposição do autor na forma de algumas indagações, procurando pelo indivíduo Faoro, na década de 1940, nas possíveis relações com os seus contextos. Como se formavam intelectuais no Brasil de meados do século XX? Com quais expectativas e requisitos, sociais e intelectuais, um jovem como ele, newcomer em Porto Alegre, aspirante ao mundo das letras precisava lidar para obter sucesso? Que tipo de jurista Faoro se refere ao citar a sua geração? O que vem a ser um advogado intelectual na categoria do autor?
Trabalharei o problema por meio da investigação dos diários escritos por Faoro entre 1943 e 1952, período em que ele habitou a cidade de Porto Alegre, em sua maior parte, como estudante da Faculdade de Direito. Adentrando, etnograficamente, às minúcias do processo de escrita do autor, procurarei pelas representações construídas por ele sobre a figura do intelectual e da vida cultural letrada na capital gaúcha e no Brasil à época.
Argumento, entre outros aspectos, que tais diários não foram construídos como necessariamente objetos da intimidade do autor, mas como práticas disciplinares de escrita e de leitura muito associadas a uma fenomenologia do ofício intelectual daquele tempo conforme venho defendendo (Alcântara, 2021, 2022) Nas representações e significados construídas por Faoro, ele busca alinhar e lapidar a sua autoimagem sempre em relação com os padrões, convenções e requisitos ligados ao ingresso nas carreiras intelectuais à época
Ao todo, Faoro escreveu 20 cadernos, contendo, aproximadamente, 6.800 páginas. O arquivo sob guarda familiar foi cedido em regime de exclusividade para o desenvolvimento do projeto de pesquisa do qual este artigo é produto4. Deterei foco analítico nos quatro primeiros volumes dos diários, escritos entre 1943 e 1946, período em que Faoro se estabelece em Porto Alegre, vindo a ingressar, em 1944, na Faculdade de Direito.
Adotar uma atitude etnográfica aos diários de Faoro implica abordar o arquivo como um campo etnográfico (Cunha, 2005) a partir do qual é possível lançar questões antropológicas ao passado (Des Chenes, 1997). Sigo, desse modo, o curso das linhas escritas por Faoro, mas também as pondero investigando as suas “práticas e escrita” (Barber, 2007), isto é, examinando as marcas, significados, experiências, intenções, em uma palavra, os “gestos” (Alcântara, 2022) que presidem, direta e/ou indiretamente a escrita do autor e que dela constroem sentidos para a formação do indivíduo que escreve sobre si, a todo momento, em relação com os contextos à época (Barton & Uta, 2010). Para isso, lanço mão de relações entre o arquivo em questão e os conteúdos presentes em jornais, revistas da época5, bem como com a bibliografia especializada. As fontes hemerográficas são manuseadas de modo complementar aos diários, no “experimento” de recriar os possíveis contextos sociais vividos (Hartman, 2019), direta e indiretamente, pelo autor, e nem sempre literalmente expressos por sua escrita, mas passíveis de dedução por meio de um trabalho de relação e indagação mútua entre fontes.
Encaminharei os resultados da pesquisa por meio de três argumentos abrigados em três seções textuais: a vida e as abordagens literárias e sociológicas da cidade burguesa em modernização; as representações em torno do intelectual solitário e a escrita de si; as construções sobre a figura do bacharel e do curso de Direito. Ao final, espero ter esboçado, a partir dos diários de Faoro, algumas pistas para uma compreensão original acerca da formação de intérpretes sociais no Brasil baseados no ensino jurídico na figura de um advogado intelectual.
O INTELECTUAL E A CIDADE: O CONTEXTO (NÃO TÃO) PROPÍCIO
As cidades brasileiras em modernização no início do século XX configuram-se como objetos privilegiados do pensamento e da representação nas ciências humanas à época. Isso impacta, em especial, as escolhas de abordagens na literatura e nos estudos sociológicos.
Em julho de 1943, Raymundo Faoro tem dezoito anos de idade. Ele mora em um dos quartos para mensalistas no Hotel Palácio, localizado na Rua Vigário José Inácio, esquina com a Riachuelo, no centro da cidade de Porto Alegre. Do seu quarto ele ouve os ruídos da rua cujo movimento intenso é constituído por transeuntes, trabalhadores do Sindicato dos Trabalhadores na Industria da Construção Civil de Porto Alegre e, ao anoitecer, pelo público do Teatro Carlos Gomes que chega em busca de diversão com as comédias populares tão na moda entre as classes médias e altas da capital, como sugerem os anúncios presentes em jornais locais.
Diante da mesa, próxima à sua cama, ele escreve as primeiras páginas de um diário. Talvez um pouco mal acomodado diante de uma mesinha muito baixa em relação ao seu 1,90 metro de altura, Raymundo impõe a si uma ‘disciplina’ cujo objetivo geral é registrar leituras, estudos e experiências pessoais. A escrita configura também, segundo ele, uma espécie de ‘higiene mental’ para um jovem que se representa como solitário na cidade e cheio de dúvidas sobre o futuro profissional.
Já vão se completando dois anos desde que Raymundo desembarcou em Porto Alegre para preparar o ingresso na Faculdade de Direito. Apesar de não mencionar nos diários, no próprio hotel ele pode conviver com alguns estudantes universitários, de engenharia e direito, que lá residem. Em 1941, após concluir os estudos no Ginásio Aurora, ele deixa a família em Caçador, no oeste catarinense tendo como destino a capital do seu estado natal6. Na imagem ideal que guardara sobre a cidade, enxergava aquela cosmopolita capaz de contrastar radicalmente com o ‘interior mal iluminado’7 que sente em Caçador. Porto Alegre seria, para ele, o que a Paris moderna seria para Balzac. Mas, a cidade que encontra é diferente daquela imaginada com os livros.
Raymundo testemunha uma Porto Alegre em transformação. No centro da cidade, os transeuntes presenciam o alargamento das avenidas que deverão dar espaço a um número crescente de veículos. Enquanto isso, os becos e ruelas passam a ser extintos. Nos jornais e revistas prevalece uma mentalidade burguesa que valoriza a “iluminação pública”, a “higiene” e a “ordem” em oposição à “criminalidade” e à “vagabundagem” associada aos grupos sociais de trabalhadores que lá habitam e se reúnem (Pesavento, 1994: 94). Na imagem geral, as grandes avenidas que levam os nomes de políticos de destaque no estado prevalecem sobre os becos escuros pensados como propícios às atividades ilícitas ou criminalizadas no senso comum burguês e de elite.
Construção e destruição convivem nos espaços urbanos. Há um esforço de representação da cidade nos jornais e revistas locais como um dos principais centros de industrialização do Brasil. No mesmo instante as classes populares são expulsas do centro para os “arrabaldes”, para os bairros fabris em formação, enfatizando, espacialmente, as desigualdades de raça e classe na cidade (Monteiro, 1995). No Brasil do Estado Novo, a criação da Companhia Siderúrgica Nacional dá o tom do desenvolvimentismo nacional enquanto a inflação e os preços dos transportes e dos alimentos sobem.
No Correio do Povo, entre os principais jornais que circulam na cidade, as reportagens sobre a Segunda Guerra Mundial exibem as tecnologias aéreas e promovem ênfase épica às “missões” dos países aliados. Ao mesmo tempo, o jornal reclama a alta nos custos de vida na capital gaúcha que teria causa, especialmente, na guerra. Nas páginas vizinhas, vemos anúncios dos filmes de Hollywood que tomam os cinemas locais de propaganda do chamado american way of life. No entanto, estes passam a dividir alguma atenção com os filmes da produtora Argentina Sono-Filmes, intercâmbio incomum no restante do país. Ir ao cinema está entre os programas prediletos de Raymundo.
Furtos, roubos e agressões são denunciados na “Crônica Policial” do jornal, ao lado de notícias sobre acidentes com os bondes que passam a chegar cada vez mais “lotados” ao centro da cidade. Em 1943, Érico Veríssimo publica o romance “O resto é silêncio”, abordando a violência urbana e alguns dramas anônimos da cidade (Hohlfeldt, 2003: 86). O livro se torna um “grande acontecimento literário” na cidade, dividindo a população. De um lado, os apoiadores do padre Leonardo Fritzen, professor de literatura do Ginásio Anchieta que atacara a obra. Do outro, os apoiadores do grupo mais social e ideologicamente heterogêneo ligado à Livraria do Globo, na sua maior parte, críticos ao Estado Novo (Bertraso, 1993: 49). Como resultado, o livro permanece durante semanas entre os mais vendidos, esgotando os vinte mil exemplares iniciais.
Revistas e almanaques também circulam pela cidade. Desde 1929 a Revista do Globo, periódico quinzenal dirigido por Veríssimo desde 1932, publica literatura, teatro, moda, propaganda e os acontecimentos sociais e políticos da sociedade local. Mário Quintana foi colaborador da revista desde 1930. A revista Província de São Pedro, dirigida por um famoso jornalista local Moysés Vellinho, publica autores locais, entre outros, Simões Lopes Neto, Darcy Azambuja, Augusto Meyer e Veríssimo (Salvaro, 1990). Se, por um lado, essas publicações buscam representar e fixar, sob o olhar de intelectuais locais (Ramos & Golin, 2007: 108) uma cidade moderna e cosmopolita, por outro, homenageiam, em tom heroico, alguns empresários e ruralistas da época os quais passam a enviar seus filhos homens para se tornarem médicos, engenheiros e advogados.
A cidade moderna é cada vez mais o “centro dos acontecimentos” nas construções dos escritores locais, pelo menos, desde 1935 (Cruz, 1994). O crescimento e a modernização são tematizados e especialmente materializados na imagem dos “arranha-céus” responsáveis por verticalizar a cidade que, vista por cima8, pode ser, modernamente, conceituada como uma “multidão” de anônimos9. Essas representações literárias não necessariamente falsificam a realidade, mas exageram e dramatizam fatos que devem ser notados em detrimento de outros. Nessa seleção vemos, por meio das lentes ideais de intelectuais e burgueses, uma capital se espelhando nas metrópoles europeias, em especial, em Paris10. No passado, sob diferentes lentes, Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar e Lima Barreto, entre outros, representaram a vida urbana no Rio de Janeiro. Em São Paulo, Mário e Oswald de Andrade. Na Porto Alegre, a partir dos anos 1930, foram Mário Quintana, Érico Veríssimo, Reynaldo Moura, Dyonelio Machado.
Em meio a esse contexto, Raymundo passa uma parte dos dias escrevendo. A escrita alinhada com as “práticas de leitura”11 ao mesmo tempo que arquiva informações e ideias, é um treino para o jovem que sonha com uma carreira intelectual e, até então, política. Nesse exercício, a cidade é tema constante. Nos diários, eu encontro uma Porto Alegre narrada como um produto da emergência de uma burguesia urbana, comerciária e industrial, em contraste com o declínio das aristocracias rurais do interior.
A vontade de vir-a-ser cosmopolita luta contra a persistência das características provincianas. Os habitantes da capital não formam uma massa anônima. Ao contrário, segundo Raymundo, são, na maioria, pertencentes a grupos familiares fechados, tendentes à rotina e carentes de vida artística. Nas horas vagas, ele observa os jovens homens, em círculos de descendentes de famílias alemãs, se encontrando para beber chopps nos bares Zitter Franz e Antonello. Em maio de 1946, ele escreve que em termos de dinheiro tudo é possível na cidade, desde as amizades interesseiras às uniões amorosas que seriam menos fruto do ‘cupido’ e mais de uma ‘geometria euclidiana’.
A cidade que Raymundo vê e narra possui uma relação com as provocações causadas pelas leituras. A sociologia alemã de Ferdinand Tönnies, Max Scheler e Max Weber12 é lente para a interpretação do jovem do interior sobre a formação das relações urbanas-burguesas: os dilemas entre formas “arcaicas” de vida e a valorização do pensamento científico-racional, entre o campo e a cidade, entre as tradições da comunidade e a formação das sociedades capitalistas.
Mais do que esses autores, as visões de Raymundo estão imantadas pela leitura da obra de Machado de Assis. Isso faz com que, a todo instante, ele se faça cruzar com algumas personagens e presencie situações narradas pelo romancista em seus livros. Como em Esaú e Jacó (1904), Raymundo vê as famílias enquanto ‘núcleos da vontade e do poder’. Os seus membros vivem excessivamente nas e pelas aparências vindo a expressar posições políticas pela conveniência.
No conto “O espelho” (1882), a distinta farda do alferes da Guarda Nacional poderia ser elemento que governa algumas relações sociais baseadas em títulos nobres. A sua distinção pode ser relacionada aos carros que desfilam pela larga Avenida Borges de Medeiros, aos títulos de sócios distintos do Country Club e do Club do Commércio, às exposições de arte e aos bailes de gala. Tanto no conto quanto na cidade escrita por Raymundo, “o dinheiro elimina o homem”.
Basta citar o caso da farda do alferes... Arrancada a farda, caía nada, sumira-se. Até o espelho recusava-se a lhe refletir a imagem. Em certo sentido, todos somos como o alferes (8 de agosto de 1946).
É como se Rubião e Cristiano Palha, personagens de Quincas Borba (1891), habitassem os mesmos espaços sociais que Raymundo. O primeiro, vindo do interior, encarna a passagem do ingênuo ao capitalista autoenganado. Já o segundo representa o arrivismo burguês. O interior é ludibriado e engolido pela capital e seus parasitas e aí, Raymundo, recém-chegado do interior e frustrado com os sonhos que lá construíra sobre a capital, se implica, pessoalmente, na crítica que faz.
Um fato decisivo da minha formação foi a vinda para Pôrto Alegre. Cheio de orgulho pueril, com armas fracas mas ousadas, pretendia reinar neste solo, para mim até então, fulgurante e futuroso. Cêdo porém, cêdo demais comecei a constatar o abismo entre os meus sonhos e a fria realidade que transpirava a capital gaúcha. E o resultado foi dúplice: tomei-me da negra descrença para com o Rio Grande e sua gente (27 de abril de 1946).
Não somente com Machado, mas lendo Aldous Huxley na tradução de Veríssimo, em 25 de abril de 1944, Raymundo enxerga o “mundo novo” em Porto Alegre ao denunciar aquilo que interpreta como um ‘desaparecimento das emoções’ numa cidade onde vê crescer o gosto por reportagens sensacionalistas sobre ‘crimes horrendos’, pelas lutas de boxe e pelos romances policiais. A cidade em processo de aburguesamento é também decadente aos seus olhos.
Em 1943, Raymundo está atento ao círculo da intelectualidade que se forma ao redor da Seção Editora da Livraria do Globo. Em Porto Alegre já se pode ler, por exemplo, James Joyce, Virginia Woolf, Thomas Mann, Aldous Huxley, André Gide, Liev Tolstói entre outros. No espaço de seis anos, desde o início das suas atividades, a Seção Editorial publicou também: Theodomiro Tostes, Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Athos Damasceno Ferreira, Cecília Meirelles, Câmara Cascudo, Graciliano Ramos, Álvares de Azevedo, Machado de Assis, Castro Alves, Coelho Neto, Olavo Bilac e Mário de Andrade (Bertraso, 1992: 22; Martins Filho & Pavão, 2003: 7).
Com a Globo, é importante notar, Porto Alegre participa de um “surto editorial” que acontece no Brasil desde 1930, com a expansão do mercado de romances e livros didáticos (Miceli, 2001: 242; Pontes, 1988: 59). Diante de edições mais elevadas e traduções mais caprichadas, é possível que jovens como Raymundo sintam-se encorajados às práticas da leitura e da escrita. É possível dizer que a leitura de tais títulos é parte importante daqueles requisitos para a integração na vida intelectual da Rua da Praia. A Biblioteca Pública, apesar de reclames publicados nos jornais sobre a qualidade da infraestrutura, sobretudo, nos dias de maior calor no verão, é também um espaço para ser frequentado. De acordo com Correio do Povo, em janeiro de 1943, Machado de Assis está entre os autores mais procurados pelos leitores que frequentam a biblioteca. Apesar disso, Raymundo sabe que os grupos intelectuais são a minoria. A crítica à provinciana Porto Alegre se mantém.
Os homens estudam e lêm o suficiente para a profissão e o fazem, em regra, bem. Fora disse, alguma leitura fugaz do romance da moda e um pouco de Eça e Machado. O resto das horas do dia, ocupam-se na ociosidade dos matinés, dos namôros, das festas na casa de fulano ou beltrano. As mulheres, essas sim, devoram tôda a torrente de livros que a moda impõe. Romances quasi sempre forjados com engenhoso enrêdo. Daí o fato de por vezes notar-se a fluência para escrever de muitas moças. Sorveram-na nos inúmeros romances que leram sempre às pressas (16 de maio de 1946).
O Largo do Medeiros, a Rua da Praia e o Parque da Redenção são os principais espaços da sociabilidade intelectual em Porto Alegre. Nos jornais e magazines locais os cafés são representados como instituições modernas exemplares, locais onde a vida intelectual se mistura e até se confunde com os encontros para se fazer negócio. Lá se pode também ouvir sobre a vida alheia, espalhar boatos e discutir política. O importante é ver e ser visto, mas nesse momento, Raymundo se sente mais um invisível a esses grupos e seus sobrenomes13.
O que se precipita desses espaços nos gestos da escrita de Raymundo? Encontro menos a confirmação da vanguarda pretendida pelos grupos intelectuais e mais a presença daquilo que ele nomeia, com Machado de Assis, de ‘intelectual medalhão’: figura voltada à propaganda de si e socialmente medida mais pelo excesso de erudição formal do que pelo talento propriamente dito. Raymundo está pensando naqueles homens cujos perfis são divulgados em homenagens publicadas nos jornais locais, exaltando os dotes precoces e os discursos empolados. A ‘mediocridade’ e a ausência de ‘sincero amor à literatura, filosofia e sociologia’ chamam a sua atenção ao folhear a revista Província de São Pedro, em junho de 1946. Haveria um ‘vácuo intelectual’ na cidade e um verdadeiro ‘desestímulo à criação’. As denúncias aparecem na escrita de Raymundo enquanto em que ele faz questão de demonstrar a sua desconfiança com o suposto talento que teria para a carreira intelectual. É esperado que o jovem leitor fortemente elogiado pelas professoras do Ginásio Aurora, portanto, portador da certeza vocacional pelas letras, sinta-se inseguro diante de grupos desconhecidos que, talvez, possam até desprezar tipos como Raymundo, vindos do interior ‘mal iluminado’.
As práticas de escrita de Raymundo, nunca ingênuas, se relacionam com as suas pretensões intelectuais no período em que se prepara e ingressa na Faculdade de Direito de Porto Alegre. Não há, nesse sentido, como fazer uma discriminação entre as confissões pessoais do autor e o seu trabalho de construção de um estilo de pensamento e de escrita. Este se dá de forma individual, mas sempre em relação com o contexto, isto é, com as características comuns e os requisitos sociais para o ingresso nas carreiras intelectuais à época.
É importante notar que em 1935, a abordagem sobre “cidade moderna”, por exemplo, é elemento literário central e objeto de estima daqueles mais proeminentes escritores locais. Veríssimo já satirizava a burguesia metropolitana. Enquanto os jornais divulgavam o aparecimento e a reprodução de poucos arranha-céus que surgiam, o escritor associava a euforia sobre “novos-ricos” como o personagem coronel Pedroso de Caminhos Cruzados (Cruz, 1994: 81). Dyonelio Machado, por sua vez, destacava o dinheiro como máquina que devora o homem simples na cidade que cresce14.
Em 1940, Quintana publica o seu primeiro livro A rua dos cataventos, dando início a uma série de poemas sobre a vida nas ruas de Porto Alegre: “Olho o mapa da cidade/ Como quem examinasse/ A anatomia de um corpo...”. Em 1941, Gilberto Freyre visita Porto Alegre divulgando as suas interpretações sobre a cidade a partir das relações entre os sobrados patriarcais remanescentes e a sociabilidade local (Freyre, 1946: 12-13). São imprecisos os limites entre seguir esses escritores e o exercício de discriminação individual de Raymundo. O mais relevante é compreender que a cidade é objeto comum dos escritores em destaque e que a perspectiva sociológica é a lente ideal de interpretação para a vida urbana, como fica claro na leitura do nosso autor sobre o livro Sociologia, de Freyre, publicado no ano anterior.
As grandes personalidades não são as que desconhecem o meio. São as que, conhecendo-o e principalmente sentindo-o, alargou-se na busca dos valores e só os encontram por questão matizados pelo regionalismo e na cultura (29 de julho de 1946).
Não somente Freyre, mas Machado de Assis e Aluísio Azevedo são, para Raymundo, ‘anotadores de situações sociológicas’ nas cidades. Os seus olhos estão, simultaneamente, nos livros e na cidade, na experiência de observação das ruas e nas práticas reclusas de escrita. Na compreensão de Raymundo essa relação entre literatura e sociologia é requisito de constituição de um estilo em diálogo com o contexto em intelectual que se mostra proeminente não somente em Porto Alegre.
Vale notar que a construção desse estilo está também repleta de ausências. Para citar um exemplo, apesar da publicação de O cortiço (1890), de Azevedo e do romance Moleque (1938) do local Athos Damasceno Ferreira, a cidade dos arrabaldes e dos descendentes de escravizados, por enquanto, não é objeto da atenção de Raymundo.
UM ILUSTRE SOLITÁRIO
Entre julho de 1943 e o mesmo mês de 1944, Raymundo dá início à escrita dos diários. A atividade é irregular e as entradas ainda não assinalam datas, mostrando ainda se tratar de um exercício livre. Durante esse período a escrita se configura como práticas associadas à solidão do jovem ainda deslocado dos círculos intelectuais da capital. Segundo ele, a escrita está à serviço do ‘desabafo’, da observação da consciência e da ‘busca pela personalidade’ em meio a uma diversidade de referências que manipula, principalmente, segundo ele, nos livros.
Raymundo fala sob o ponto de vista de alguém que está conhecendo a vida na capital, um forasteiro deslocado dos círculos sociais já estabelecidos. É possível imaginar um jovem vindo do interior, proveniente de uma família de pequenos camponeses descendentes de italianos. Raymundo, um newcomer, carrega, no sotaque, nas roupas e nos modos, a “constituição-terra” no corpo (Borges, 2020) que tanto poderá justificar a timidez, o desajuste e a insegurança daquele que pretende se tornar um homem público, nas letras e na política.
A escrita dos diários é um recurso para se lidar com essa solidão e desajuste. Conforme Philippe Lejeune (2009: 195), um especialista em autobiografias, esse gênero de escrita pode ser um instrumento do refúgio íntimo e secreto em que se realizam registros sobre si para prevenir-se contra o esquecimento. Mas para Raymundo, a escrita de diários significa mais. A prática o ajuda a colocar ordem à rotina e expressar o que, certamente, expressaria aos amigos que ainda não têm. Ele, em suas palavras, pretende colocar ‘ordem’ a um ‘tumulto mental’ causado pelas leituras. Recolhido ao quarto do hotel, de onde contempla, de sua janela, a rua do centro, as análises sobre as obras são feitas na medida da sua leitura, sempre entremeada por outros autores, mas também friccionada às experiências do jovem provinciano na capital.
Desde Caçador, Raymundo traz um apreço à Nietzsche autor que se consagrou escrevendo sobre a solidão, especialmente, em Assim falou Zaratustra. Ele também conhece e cita o dramaturgo moderno Henrik Johan Ibsen para quem ‘o homem mais forte é o mais solitário’. Essa solidão é, portanto, praticada em relação a outros (ilustres) solitários; ela é, ao mesmo tempo, a marca do jovem do interior deslocado na cidade, e uma espécie de título do ‘homem’ moderno já tão presente na literatura de proa à época.
Na escrita de Veríssimo, a qual ainda não passa pelos diários de Raymundo, já se pode conhecer o professor Clarimundo, personagem urbano de Caminhos Cruzados (2005) que sonha escrever um livro. O professor solitário também vive numa pensão, como Raymundo. Theodomiro Tostes, poeta local, recorda-se de que à época a solidão fazia parte de um ethos literário. Os seus companheiros viviam a escrita menos como expressão e mais como evasão ou escapismo do meio e da rotina na capital que ainda é provinciana (Fretta, 2010: 16). A escrita, prática solitária, é, ao mesmo tempo, desabafo íntimo e relação com o coletivo intelectual.
Após alguns meses do início, a escrita é interrompida. O hiato dura pouco mais de um ano, período em que Raymundo organiza alguns comícios políticos em Caçador e ingressa, finalmente, na Faculdade de Direito. Ele não menciona as razões para a interrupção, no entanto, apresenta em abundância os motivos que o levaram a retomar a prática. Ao perceber, segundo ele, a ausência de palavras certas ao proferir um discurso em um dos comícios que organizara ele se lança, então, na disciplina da escrita diária, decidindo não passar um dia sequer sem escrever. A medida seria, ao mesmo tempo, uma ‘higiene mental’ para curar-lhe das angústias pessoais e um ateliê onde treinaria a escrita visando a oratória e alguns trabalhos futuros.
Sinto-me em falta com a disciplina que me impuz em relação a este caderno: escrever uma página, pelo menos, ao dia. Essa medida visa um duplo objetivo: 1) ser uma higiene, vasando aqui as angústias e ressentimentos e 2) fazer deste caderno um “atelier” de onde sairão trabalhos futuro. E a “conditio sine qua non” para cumprir o desideratum proposto é a constância de voltar sempre a estas páginas, confessando-me, penitenciando-me, relatando as decepções e entusiasmos, enfim, tudo o que interessar à minha personalidade (7 de maio de 1946).
Não somente a constatação de que lhe faltava a ‘língua da oratória’, a decisão chegava-lhe nove meses após sofrer a primeira hemoptise. Isolado agora num quarto de hotel alugado em Belém Novo, um núcleo de povoamento localizado ao sul de Porto Alegre, à beira do Rio Guaíba, Raymundo trata a tuberculose acompanhado por Dr. Ricaldone, especialista local na enfermidade. Com o escritor ainda mais solitário, a escrita vai se tornando mais intensa. São raros os dias em que Raymundo não escreve e não lê.
Ultimamente tenho dividido o meu tempo entre ler e escrever. Ler é, pois, atividade fundamental. Dá-me alimento e motivo para escrever, de vez que ainda não sei escrever por mim mesmo, sem sugestões alheias. O que quer dizer que não tenho emancipação literária. E, nas condições que estou, si eu fosse para uma ilha deserta, só e sem livros, é de crer que eu voltaria para a civilização sem, volvidos alguns anos, um acabado primata. Por mais que anseio por liberdade, ela não me vem. Mesmo porque a liberdade - neste sentido - é uma conquista. Goethe escreveu que só é digno de liberdade quem a conquista todos os dias. (16 de abril de1946).
As práticas da escrita, a todo momento, ainda misturam registros de leituras com experiências vividas em Porto Alegre e em Belém Novo. O esforço em relacionar ambas as informações é mais intenso: uma só aparece em complementação ou como legitimação da outra. Raymundo está em busca de conjugar o individual com o geral, o concreto com o abstrato no mesmo instante em que dá início a um estudo intenso da Sociologia, em especial, a alemã. Com Max Weber, Karl Marx, Ferdinand Tönnies, Karl Mannheim e Max Scheler, ele passa a imantar suas observações sobre a sociedade pensando a partir dos pares indivíduo/sociedade, comunidade/sociedade, utopia/ideologia, razão/emoção. No dia 18 de maio de 1946, ele escreve que ‘o melhor modo de refutar uma teoria, sistema ou argumento é indicar as realidades que não explicam, que não abarcam’.
Objetivos com o estudo da sociologia do conhecimento (1) clarificar as ideias sobre os conceitos que tenho da filosofia e da sociologia e a aplicação destes sobre alguns escritos (o que mais se casa com a minha personalidade); (2) buscar um modo claro de dizer e estético, capaz de servir à minha vida literária e profissional (18 de maio de 1946).
O jovem escritor, desse modo, não faz questão de disfarçar ou esconder as suas intenções com a escrita dos diários. Trata-se de um diário filosófico, uma peça intelectual que pouco teria a ver com aquele modelo comum pautado pelo segredo em confissão. E isso também não é socialmente extraordinário apesar das singularidades que guarda.
Desde, pelo menos, abril de 1946, Raymundo lê com afinco os diários de viagem de Hermann Von Keyserling. O filósofo alemão vinha sendo celebrado em alguns círculos intelectuais brasileiros, incluindo Mário de Andrade e Oswald de Andrade (Faria, 2013). Nesses diários, além de apontar a necessidade de formação de uma “elite intelectual” baseada na ideia de cosmopolitismo, são encontrados relatos analíticos muito exotizantes e sob um ponto de vista de uma branquitude eurocêntrica e colonial sobre as Américas. Raymundo lia relatos de viagens do filósofo construídos para encontrarem a crítica ao “tempo acelerado” da modernidade europeia, relacionando-a como a razão da “decadência do ocidente”. Ele tem diante de si um diário publicado como obra de um filósofo, uma construção onde o autor faz questão de elevar os seus dotes intelectuais, até mesmo “dramatizando-os”, como o próprio autor declara na introdução ao volume I (Von Keyserling, 1925), ao mesmo tempo em que o coloca à serviço de um projeto teórico sobre a modernidade. Os relatos da observação do autor servem ao seu projeto intelectual teórico e de si mesmo.
Parece muito provável que Raymundo interessa-se pelos usos dos diários como um laboratório, um ateliê, onde o pensador não somente registra e experimenta as suas ideias, mas também construirá a sua autoimagem enquanto autor solitário capaz de alinhar o conhecimento acadêmico com as suas experiências cotidianas. Essa parece ser uma inclinação epistemológica predominante na vanguarda à época com a qual, mesmo recluso, Raymundo faz questão de travar relações.
É nesse mesmo momento que também passa a estar presente sobre a mesa de trabalho de Raymundo os diários de André Gide, escritor já traduzido pela Globo e destacado localmente como “um dos maiores escritores e pensadores da França”15. Ele está, especialmente, interessado com o fato de Gide construir os seus diários como peças de uma obra literária maior, em que a consciência autobiográfica mistura-se à ficção e ao legado futuro do autor (Freixas, 1996). Tudo leva a crer que a escrita de diários, já popularizada entre intelectuais, políticos e artistas desde, pelo menos o final do século XIX, significa, para Raymundo, um símbolo ou um certificado da identidade do escritor, sendo parte integrante daquilo que Sérgio Miceli (2001: 86) caracterizou como uma “fenomenologia do ofício”.
Nesse ateliê, Raymundo promove uma “escrita de si” que, nos termos de Foucault (1983), se realiza por meio da organização, do rearranjo e até mesmo da construção de fatos e ideias sobre a vida. A prática se dá em relação com os motivos e tendências percebidas nas cenas intelectuais da época. Percebo nos diários um processo de escultura do autorretrato do escritor em formação. Nesse autorretrato, ele compõe com aquilo que seleciona a partir de suas memórias, estudos e vivências na cidade, ora suavizando, ora exagerando os seus traços em relação com o contexto estilístico e os valores que apreende à época. Em 1952, Raymundo escreve que o ‘gênio’ poderia ser reconhecido como aquele que ‘escreve para si’ no intuito de compreender, simultaneamente, a sua personalidade, mas também os outros e o mundo.
E um homem deve considerar-se tanto mais genial quanto mais homens encerra dentro de si e, acrescentaremos que quanto mais... se achar dentro de si, os sentirá mais intensamente […]. O ideal de um gênio da arte e viver em todos os homens, é perder-se entre todos, diluir-se na multidão; enquanto que a tarefa do filósofo é recolher em si mesmo a todos os indivíduos e reabsorvê-los em uma unidade, que será precisamente sua mesma unidade.
VIR-A-SER UM ADVOGADO INTELECTUAL
Em 1944, Raymundo ingressa no bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais, na Faculdade de Direito, fundada em 1900 como Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre, a sétima do Brasil. Nesse momento, estudar lá configura prestígio e distinção entre os jovens e suas famílias. Todos os “gentlemen” do interior do estado desejam enviar seus filhos para estudar na capital no intuito de torná-los “doutores”: médicos, engenheiros, advogados e políticos. As finanças mensais de Raymundo são apertadas e o dinheiro enviado pela família não é o suficiente para cobrir os gastos que envolvem a mensalidade do hotel, o tratamento médico contra a tuberculose, a compra de alguns livros e a anuidade da Faculdade que ficava em 200 Cruzeiros.
Os anéis de doutor no dedo e a defesa da política partidária em pronunciamento de “brilhantes discursos”16 firmam o status social do poder, conforme destacam uma série de textos e notícias na imprensa local, elevando perfis de políticos e empresários ruralistas. O próprio Raymundo chega na capital inflado por um espírito de ‘combate político’. Enquanto orador da turma do Colégio e nos comícios que ajudara a organizar em Caçador, as habilidades oratórias se destacam como requisito para tornar-se um profissional das leis ou, como ele chamará em 1986 na aula já mencionada, um advogado intelectual.
Outra coisa do meu estado atual é ter começado a vida espiritual com a preocupação oratória. Creio ter no artificialismo dos discursos a arma para conquistar o mundo, conquista que era uma exigência da vaidade infantil (11 de abril de 1946).
Em 1952, ao recordar-se da infância em Caçador, Raymundo faz questão de sublinhar o gosto de seu pai Attílio Faoro pela política, cujo ‘ídolo intelectual’ era Assis Brasil, figura que aglutinava os títulos de advogado gaúcho formado pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1882, escritor, diplomata, orador e líder político. Nos diários, o pai, um comerciante de ferragens em ascensão econômica local, proveniente de uma família de camponeses e imigrantes italianos estabelecida em Vacaria, se não é figurado como influência direta na escolha do filho pelo curso de Direito, pelo menos, colabora muito na construção de um contexto favorável à carreira intelectual para o filho.
Pelo menos na juventude Raymundo, ainda com pretensões de atuação na política partidária, segue a inclinação oposicionista do pai ao governo de Getulio Vargas. Num primeiro momento, Raymundo se alinha aos ideais de políticos do Partido Republicano Rio-grandense (PRR) e à União Democrática Nacional (UDN) como Borges de Medeiros e o próprio Assis Brasil. Porém, tão logo abandonará a bandeira partidária acusada por ele por ser composta por ‘velhos políticos odiados pelo povo’ contra operários e lavradores
No Correio do Povo, em 19 de abril de 1941, a visita de Marcondes Filho (1982-1974)17, “jurista consagrado nas justas do fôro paulista” é celebrada. O texto, muito empolado nos elogios que faz, exaltação “orador”. O escritor da nota aproveita para destacar a “pregação nacionalista” do jurista capaz de unir as diversidades no Brasil contra ao que chama de “ideias exóticas” que serviriam a uma fragmentação do país.
Nas aspirações dos estudantes da Faculdade que formara Getulio Vargas, então presidente do Brasil, provavelmente, o advogado é sinônimo de “homem público”. Na constituição social, a aristocracia econômica se confunde com a aristocracia intelectual. E isso não é novidade. Durante o final do século XIX, pelo menos na Faculdade de Direito de São Paulo, era comum presenciar bacharéis se convertendo em políticos profissionais trazendo, como vocação, a inclinação por “cruzadas civilizatórias” (Adorno, 2019: 87), numa recém-nascida República na qual buscava-se a autorrepresentação no desenvolvimento científico-racional e no positivismo. Em Porto Alegre não seria diferente: o bacharel em direito é também visto como intelectual e como articulador político.
Nas primeiras décadas de funcionamento da Faculdade de Direito, muitos professores se destacaram por suas atuações na formação de grupos e de instituições intelectuais e públicas. Parte deles foi responsável, por exemplo, pela fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, da Academia Rio-Grandense de Letras, da Faculdade de Filosofia de Porto Alegre e da Faculdade de Economia (Santos, 2000). Alguns criaram e atuaram em jornais como o Jornal do Comércio, A Federação, Correio do Povo, Jornal da Manhã e Diário de Notícias. Outros tiveram destaque em órgãos da administração pública entre cargos jurídicos e funções consultivas nas esferas estadual e municipal.
Além do desejo de desenvolver as habilidades políticas, Raymundo trazia de Caçador um enorme gosto pela Filosofia e pela Literatura. Nada muito diferente daquela imagem que representa os cursos de Direito à época, um tanto voltados à formação de intelectuais polivalentes, na política e nas letras (Miceli, 2001: 114). Não devem ter sido poucas as pessoas que sugeriam ao jovem o ingresso no curso de Direito na capital gaúcha.
Dado que as primeiras Faculdades de Filosofia do Brasil estavam ainda em criação18, Raymundo enxerga no Direito um campo profícuo para dar continuidade em sua formação humanista a qual, em sua concepção, deveria se posicionar em protesto às insistências das forças positivistas na cultura política e jurídica vigente. Em artigo publicado no Correio de Povo, em 1970, o professor José de Salgado Martins recorda que já na primeira década de fundação, o positivismo já não encontrava forças na Faculdade de Direito de Porto Alegre e afirma que “os horizontes opressivos do positivismo fechavam todos os caminhos conducentes à investigação de uma realidade substancial” (Martins, 2000: 196). Em 1943, Martins foi nomeado titular da cadeira de Direito Penal (Santos, 2000: 298), vindo a ser professor de Raymundo entre o segundo e o terceiro ano de formação.
No primeiro ano de curso Raymundo escreve muito pouco sobre as experiências na Faculdade em seus diários, permitindo aparecer apenas alguns traços sobre as representações críticas que faz sobre o estudo do Direito. Ele tem em mente, por exemplo, uma ‘ciência rígida’ cujos efeitos viriam a ‘esterilizar’ a criatividade e as emoções de seus estudantes e profissionais. Ele pensa o Direito que estuda nas salas de aulas e nos livros como parte integrante de uma vida moderna muito resumida à racionalidade técnica e em raciocínios mecânicos. Ao contrário da recordação do professor Martins, Raymundo percebia a força positivista presente na formação que lhe era aplicada. Isso permite vislumbrar algumas contradições presentes na caracterização de um ensino conduzido, até então, em bases positivistas, mas que pretende, em partes, realizar mudanças. Talvez tais contradições tenham propiciado as limitações da geração de Raymundo tal como exposto no trecho de sua aula em 1986.
Nos diários, desde, pelo menos 1943, Raymundo procura construir uma autoimagem de intelectual ‘inovador’ contra a ‘mediocridade’ dos meios. Se assim se dá com Porto Alegre, a Faculdade de Direito não ficaria de fora. Nas suas práticas de escrita, alguns significados são construídos. O Direito não se descola da sociedade burguesa emergente que ele presencia em Porto Alegre. O Direito como sistema de regras e leis é, para ele, a concepção ideal para a sociedade que procura se representar como respeitadora da ordem e que, para isso, age sufocando a vida intelectual e toda a criatividade que poderá ameaçá-la.
O estudante não encontra tais confrontações nos livros de Direito, mas na literatura. O jovem Werther, personagem de Goethe, é aquele que acredita que “toda regra sufoca o verdadeiro sentimento e a verdadeira expressão da natureza”. Lendo Crime e Castigo, de Dostoievsky, ele anota que o ‘homem extraordinário’ move e dirige o mundo enquanto o ‘ordinário’ conserva-o. Um é ‘senhor do presente’ e o outro do ‘futuro’ (27 de fevereiro de 1944).
A Faculdade de Direito é, nesse sentido, representada por Raymundo mais como um obstáculo do que um ambiente facilitador de seus objetivos intelectuais. Em maio de 1946, já no segundo ano do curso, ele confessa a tristeza com os deveres escolares os quais impedem a sua dedicação ao trabalho intelectual desejado. Os empecilhos seriam, segundo ele, o estudo compulsório do Direito Comercial, do Direito Civil e do Direito Penal, disciplinas um tanto baseadas nas condições normativas dos ‘códigos’. Nos exames, o aluno busca o mínimo exigido para a aprovação, como fica evidente em seu boletim escolar do mesmo ano.
Essa preocupação de exames que me absorve deixa-me num estado confuso de espírito... Tenho a impressão que, dentro de mim, tudo está parado. Nada vive. Nada vibra. Sinto até dificuldade de pensar. Ao mesmo tempo sinto desprêzo pelos exames. Creio não gostar do curso que estou tirando, perturba-me os planos, as ideias, os meus projetos mais queridos. No ponto em que cheguei os exames significam um apelo à vida material, ao futuro meio de subsistência e a vida profissional encaro-a como perturbadora da minha verdadeira vida, a que eu mais desejo, a que mais aspiro. Às vezes esse estado de oposição entre a profissão e meus mistérios mais íntimos me é motivo de angustia, de desespero quase... (03 de julho de 1946).
Mas, o mesmo Raymundo que enxerga na Faculdade um meio de preservação do positivismo próprio à burguesia emergente na capital é também aquele que lá percebe a formação das condições necessárias para o seu próprio êxito econômico: ‘lembro-me ainda, que não posso obscurar desses deveres: serão a forma com a qual ganharia a vida, com a qual conquistarei o ócio necessário para escrever’ (13 de maio de 1946). Isso pode confirmar que, se a Faculdade de Direito representa o destino de alguns jovens interessados pela formação humanística, ela também é capaz de abrigar a vontade de atuação na política assim como em órgãos da administração pública ou, simplesmente, a chance de ascensão e estabilidade financeira.
Apesar de trazer o considerável privilégio do letramento num país onde a metade da população com idade acima dos 15 anos é classificada como analfabeta, Raymundo é minoria num contexto de ensino majoritariamente ocupado por descendentes das aristocracias rurais do interior. No entanto, ele não deve ser minoria quando pensa que a sua formação jurídica e intelectual não está restrita à Faculdade. Conforme Adorno (2001), desde a criação dos primeiros cursos de Direito no Brasil, em 1827, a formação de bacharéis teria sido tributada, em muito, pelas experiências variadas externas aos currículos dos cursos, como autodidatas. Isso permite uma compreensão de que tais inclinações narradas por Raymundo, sem o prejuízo de dissolver as suas propriedades individuais e subjetivas, também compõem um quadro cultural de representações e convenções sobre o bacharel e os cursos de Direito à época.
Não é por acaso que em 26 de julho de 1946, Raymundo está escrevendo um ensaio sobre o jurista e poeta sergipano formado pela Faculdade do Recife e que dá nome ao Grêmio Estudantil da Faculdade de Direito. Tobias Barreto, segundo Raymundo, é esse bacharel ‘autodidata’ que mistura o tipo ‘erudito’ com o tipo ‘gênio’. O primeiro, como Rui Barbosa, tem as ideias confinadas à uma lógica de ‘estufa’, às teorias generalizantes e aos discursos herméticos. O segundo, que prevaleceria em Barreto, ao invés de apenas armazenar, recria as ideias a partir de seus sentimentos.
Raymundo constrói para si o perfil de um Tobias Barreto vivendo em confrontações internas as quais, em muito, potencialmente revelam as concepções do jovem sobre o mundo do Direito. O que se pode ver é um Barreto cujas ideias estão mais em ‘ebulição’ do que em ‘fertilidade’ (2 de outubro de 2016). Um germanófilo declarado, o Barreto de Raymundo é um divulgador, às vezes acrítico, do pensamento alemão no Brasil. Trata-se de um ‘mulato’ indiferente aos males causados pela escravidão. O ‘preconceito de cor’ daria a Barreto um ‘ressentimento’ a ser vencido, talvez, pela ascensão intelectual. Raymundo inspira-se aí nas ideias de Silvio Romero sobre Machado de Assis que, assim como Barreto, teria buscado nas palavras a erudição socialmente interditada.
Mas o que parece ficar para Raymundo é a atenção de Tobias Barreto ao seu redor, às experiências concretas que o distancia do excesso de formalismo associado a perfis como o de Rui Barbosa. É nesse momento também que o jovem escritor passa a ler e a se espelhar em autores representantes da segunda fase da literatura regionalista: Monteiro Lobato, José Lins do Rego e Jorge Amado.
O homem ressequido e morto aos sentimentos torna-se um generalizador fácil e fácil e logicizante, mas perde o contato com o as coisas e concretas, isola-se do fluir da realidade para se encaixar no raciocínio seco. Observe como triste sinal dos tempos “as almas que sentem tornam-se cada vez mais raras, e os espíritos cultos mais comuns” (p. 22) […] onde os interesses da vida cotidiana não apagam a flama da imaginação (11 de dezembro de 1945).
A ‘estufa’ intelectual fomentada, em partes, pela formação jurídica disciplinar, viria a ser, segundo Raymundo, elemento fundador de uma aristocracia burocrática inspirada por valores burgueses: o apego à ordem e ao formalismo por conveniência e junto a um distanciamento da realidade sentimental das ideias. Do Ginásio Aurora em Caçador à Faculdade de Direito de Porto Alegre, a disciplina escolar, como parte importante de um ethos burguês observado e registrado nos diários, sufoca o pensador ao mesmo tempo que este, um pouco autodidata, parece o melhor intérprete social a ser representado por um Raymundo. Ele é, simultaneamente, solitário e conectado ao seu contexto cultural; está dentro do quarto de hotel ou da sala da Faculdade e na rua; vive e pensa, ao mesmo tempo, dentro e fora dos livros. Quando Raymundo, em 1986, olha para o seu passado são esses os significados que presidem a sua noção de advogado intelectual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste texto busquei investigar as representações construídas por Raymundo Faoro sobre a vida intelectual e o Direito entre 1943 e 1952, período em ele habitava a cidade de Porto Alegre, na sua maior parte, como estudante da Faculdade de Direito.
Enfocando, principalmente, os primeiros volumes dos diários escritos por Faoro no período (1943-1946), identifiquei alguns traços que montam as representações do jovem escritor sobre a vida intelectual local e nacional sob o ponto de vista da formação sociojurídica. É possível defender que tais representações podem ser entendidas como requisitos presentes numa fenomenologia do ofício intelectual no Brasil: um escritor de todos os dias, observador da realidade concreta em oposição à lógica formalista da sala de aula, uma espécie de autodidata se formando por meio da escrita e do auto arquivamento. Ao mesmo tempo, recluso e atento aos grupos intelectuais e suas convenções, Faoro faz dos diários um ateliê onde esculpe, cotidianamente, o intelectual que deseja tornar-se no futuro: um escritor e orador, um bacharel sociológico com forte base na literatura. Essa é parte importante daquele perfil que Faoro nomeará décadas depois como um advogado-intelectual.
Ao final, este artigo apresenta fatos inéditos sobre a formação desse renomado intérprete do Brasil, os quais mais do que oferecerem pistas sobre o processo de formação de suas ideias, revelam traços relevantes sobre a formação de intelectuais no Direito à época.
REFERÊNCIAS
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1
Agradeço à Lilia M. Schwarcz pela supervisão, suporte e inspiração constantes à pesquisa que dá origem a este artigo; ao Pedro Cardim com quem pude realizar trocas essenciais; à Luís Augusto Fischer por ser grande parceiro em Porto Alegre; à Antonádia Borges, Leonilde Medeiros e Leonardo Belinelli pela leitura e discussão prévia deste artigo. Agradeço especialmente a André Faoro pela confiança dos arquivos abertos. E, finalmente, sou grato agradecimento aos pareceristas da Sociologia & Antropologia que tiveram papel muito importante para a finalização deste artigo
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2
Raymundo Faoro (1925-2003), jurista e historiador brasileiro, está entre os mais destacados “intérpretes do Brasil” no século XX. Especialmente, desde a segunda publicação de os Os Donos do Poder (1958, 1975), as suas ideias influenciaram parte das mais perenes representações sobre o passado brasileiro, em especial, sobre a persistência do Estado patrimonial que serve aos estamentos e deles se serve no Brasil. Ao ocupar a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, entre 1977 e 1979, Faoro obteve papel relevante no processo de redemocratização após a ditadura civil militar, contribuindo, especialmente, com processo constituinte até 1988, o qual, de maneira geral, questionava a ausência popular (Faoro 1986, 2018). Faoro faleceu em 2003, pouco mais de dois anos após ser eleito para Academia Brasileira de Letras.
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3
O documento integra o arquivo da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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4
Os diários, até então inéditos, foram cedidos pela família de Raymundo Faoro, na pessoa de filho André Faoro a quem agradeço a confiança pelo trabalho.
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5
Pesquisa realizada no Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, no Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, no DELFOS - Espaço de Documentação e Memória Cultural da PUCRS, e no arquivo da Faculdade de Direito da UFRGS.
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6
Raymundo Faoro é natural da cidade de Vacaria na região nordeste do estado do Rio Grande do Sul.
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7
No caderno escrito em 1952, Raymundo apresenta uma dupla valência da expressão ‘mal iluminada’. À chegada da família Faoro, em 1931, Caçador não tinha energia elétrica. Foi o pai de Raymundo, Attílio Faoro quem construiu a primeira usina hidrelétrica no Rio do Peixe, em 1932 (Cabral, 2020: 25). Mas para Raymundo, a falta de iluminação é também referência ao precário acesso ao conhecimento científico e literário na cidade.
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8
Nas imagens que seguem o texto vemos duas abordagens que se repetem nos arquivos públicos da cidade, ambas cheias de intenções em representar, sob o ponto de vista das autoridades públicas, o crescimento urbano e a modernização social. Na primeira temos uma visão aérea da cidade dando, ao mesmo tempo, uma versão da expansão e do planejamento urbano, registro muito comum à época. Na segunda vemos a cidade retratada na imagem dos bondes e do alargamento das vias para a passagem cada vez maior de automóveis.
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9
Referência ao famoso conto “O Homem da Multidão”, de Edgar Allan Poe, publicado, pela primeira vez, em 1840. Nele, entre outros elementos, o autor observa a moderna Londres cujo traço importante é o anonimato dos muitos transeuntes que circulam por uma cidade sobrepovoada.
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10
Para a discussão inicial sobre o assunto, ver Benjamin (1991) e Simmel (1979).
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11
Termo usado pelo historiador Roger Chartier que dá à leitura um estatuto de prática criadora e inventiva do leitor.
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12
Algumas dessas obras, como as de Weber e Scheler, chegam até Raymundo Faoro por meio de suas versões em espanhol acessadas via mercado editorial argentino. Entre as editoras estão a Fondo de Cultura Economia (México) e a Editorial Nova (Argentina). Outras, em francês, são revendidas pela Livraria do Globo (Porto Alegre), como é o caso de Comunidade e Sociedade, de Tönnies.
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13
Somente a partir de 1946, Raymundo irá fazer parte efetiva de um grupo intelectual. Com alguns amigos da faculdade, ele fundará a revista literária Quixote, objeto de um estudo sequente a este artigo.
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14
É importante ressaltar que, conforme Luís Augusto Fischer (1993), na literatura gaúcha, os romances encenados em espaços urbanos já podiam ser lidos a partir da segunda metade do Século XIX.
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15
Revista do Globo, nº 334, março de 1943.
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16
Revista do Globo, nº 332, 1943.
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17
Jurista formado pela Faculdade de Direito de São Paulo. Ele atuou como deputado federal (1927-1930); ministro do Trabalho (1941-1945); ministro da Justiça (1942-1945); constituinte em 1946; senador da República (1946-1955); e novamente ministro da Justiça em 1955.
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18
A Faculdade de Filosofia de Porto Alegre foi criada em 1943, um ano antes de Raymundo ingressar na Faculdade de Direito.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
03 Out 2023 -
Revisado
12 Dez 2023 -
Aceito
10 Maio 2024