Resumos
O exercício do controle social é uma das formas de prática democrática aplicada ao sistema de saúde pública no Brasil. Dentre os mecanismos para o seu exercício, tem-se os relatórios de prestação de contas de natureza econômico-financeira. Tais relatórios são elaborados pelas Secretarias de Saúde e submetidos à deliberação de seus respectivos Conselhos de Saúde, como um dos meios à concretização da transparência dos atos públicos. Este artigo versa sobre uma análise comparada dos relatórios de prestação de contas das Secretarias Estaduais de Saúde, permitindo dessa forma a descrição de possíveis melhorias no processo de divulgação de tais informações. A presente pesquisa se caracteriza pelo tipo documental e natureza qualitativa. Foram analisados os relatórios de prestação de contas dos exercícios de 2008 e 2009 dos seguintes Estados: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Os resultados sugerem que, apesar de as Secretarias Estaduais divulgarem a maioria das variáveis avaliadas, os Conselhos de Saúde não materializam a análise da gestão pública em seus pareceres, demonstrando que o processo de avaliação das informações carece de melhorias acerca de sua interpretação e recomendações de melhorias das políticas públicas em saúde. No que tange à prestação de contas, aspectos como: definição de prioridades na destinação de recursos e estabelecimento de metas e objetivos ainda não fazem parte da maioria dos relatórios estaduais. Como sugestão para pesquisas futuras, poder-se-á analisar se a amplitude de participação dos conselhos influencia na melhoria dos relatórios de prestação de contas.
Conselhos de Saúde; Accountability; Orçamentos
The exercise of social control is one of the democratic practices applied to the Brazilian national healthcare system. Different mechanisms were provided to this end, among which are the accountability reports. These reports are prepared by the Healthcare Secretariats and submitted to deliberation of their respective Healthcare Councils, in order to ensure transparency in public actions. This article discusses a comparative analysis of the accountability reports from different State Healthcare Secretariats, as a mean of publicizing this type of information. A survey of qualitative nature was conducted on documents which covered the years 2008 and 2009 for the following states: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo and Rio de Janeiro. The results suggest that, although the State Secretariats disclose most of the variables evaluated, Healthcare Councils do not explicit the public management analysis on their own statements. This suggests that the evaluation process for this type of information needs to be improved with regards to the way it is interpreted and the recommendations it makes to improve public healthcare policies. Further issues to be addressed are: defining priorities when applying funds and establishing goals and objectives, since these do not yet feature in most of the accountability reports issued by the States. Future research should seek to establish if the scale of the involvement of the healthcare councils actually leads to improved results in their accountability reports.
Health Councils; Accountability; Budget
Conselhos de saúde e controle social: um estudo comparativo dos relatórios de prestação de contas das Secretarias Estaduais de Saúde
Healthcare councils and social control: a comparative study of the accountability reports by State Healthcare Secretariats
Rodrigo de Souza GonçalvesI; Rogério Itsuo HayakawaII; Andréa de Oliveira GonçalvesIII; André Luiz Marques SerranoIV
IDoutor em Ciências Contábeis. Professor Adjunto e Coordenador Adjunto do Programa de Pós-graduação Multi-institucional e Inter-regional de Ciências Contábeis UnB/UFPB/UFRN. Endereço: Campus Universitário Darcy Ribeiro, Caixa Postal 04320, CEP 70910-970, Brasília, DF, Brasil. E-mail: rgoncalves@unb.br
IIBacharel em Ciências Contábeis. Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de Brasília. Endereço: Campus Universitário Darcy Ribeiro, Caixa Postal 04320, CEP 70910-970, Brasília, DF, Brasil. E-mail: rogerio_hayakawa@hotmail.com
IIIDoutora em Integração da América Latina. Programa de Pós Graduação em Administração da Universidade de Brasília. Endereço: Campus Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências, ala norte, subsolo, módulo 25, CEP 70910-900, Brasília, DF, Brasil. E-mail: andreagon@unb.br
IVDoutor em Economia. Departamento de Administração da Universidade de Brasília. Endereço: Campus Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências, ala norte, CEP 70910-900, Brasília, DF, Brasil. E-mail: andrelms@unb.br
RESUMO
O exercício do controle social é uma das formas de prática democrática aplicada ao sistema de saúde pública no Brasil. Dentre os mecanismos para o seu exercício, tem-se os relatórios de prestação de contas de natureza econômico-financeira. Tais relatórios são elaborados pelas Secretarias de Saúde e submetidos à deliberação de seus respectivos Conselhos de Saúde, como um dos meios à concretização da transparência dos atos públicos. Este artigo versa sobre uma análise comparada dos relatórios de prestação de contas das Secretarias Estaduais de Saúde, permitindo dessa forma a descrição de possíveis melhorias no processo de divulgação de tais informações. A presente pesquisa se caracteriza pelo tipo documental e natureza qualitativa. Foram analisados os relatórios de prestação de contas dos exercícios de 2008 e 2009 dos seguintes Estados: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Os resultados sugerem que, apesar de as Secretarias Estaduais divulgarem a maioria das variáveis avaliadas, os Conselhos de Saúde não materializam a análise da gestão pública em seus pareceres, demonstrando que o processo de avaliação das informações carece de melhorias acerca de sua interpretação e recomendações de melhorias das políticas públicas em saúde. No que tange à prestação de contas, aspectos como: definição de prioridades na destinação de recursos e estabelecimento de metas e objetivos ainda não fazem parte da maioria dos relatórios estaduais. Como sugestão para pesquisas futuras, poder-se-á analisar se a amplitude de participação dos conselhos influencia na melhoria dos relatórios de prestação de contas.
Palavras-chave: Conselhos de Saúde; Accountability; Orçamentos.
ABSTRACT
The exercise of social control is one of the democratic practices applied to the Brazilian national healthcare system. Different mechanisms were provided to this end, among which are the accountability reports. These reports are prepared by the Healthcare Secretariats and submitted to deliberation of their respective Healthcare Councils, in order to ensure transparency in public actions. This article discusses a comparative analysis of the accountability reports from different State Healthcare Secretariats, as a mean of publicizing this type of information. A survey of qualitative nature was conducted on documents which covered the years 2008 and 2009 for the following states: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo and Rio de Janeiro. The results suggest that, although the State Secretariats disclose most of the variables evaluated, Healthcare Councils do not explicit the public management analysis on their own statements. This suggests that the evaluation process for this type of information needs to be improved with regards to the way it is interpreted and the recommendations it makes to improve public healthcare policies. Further issues to be addressed are: defining priorities when applying funds and establishing goals and objectives, since these do not yet feature in most of the accountability reports issued by the States. Future research should seek to establish if the scale of the involvement of the healthcare councils actually leads to improved results in their accountability reports.
Keywords: Health Councils; Accountability; Budget.
Contextualização
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a sociedade brasileira vivencia a experiência do exercício do controle social como uma das formas de prática democrática no sistema público de saúde brasileiro.
Detentora de um orçamento público federal de cerca de R$ 79,5 bilhões (Brasil, 2011) no ano de 2011, a área de Saúde é um dos setores com maior destaque do cenário nacional, tanto pela relevância e nobreza que revestem o serviço oferecido pelo Estado na manutenção da saúde e da vida à população, como pelas constantes críticas advindas dos usuários, sociedade e mídia ao setor em razão da má qualidade dos serviços prestados.
A importância da efetivação dos meios de controle social acerca do uso de tais verbas e da qualidade do serviço se faz necessário enquanto elemento valorativo da cidadania (Labra e Figueiredo, 2002). Para isso, a legitimidade do exercício do controle social advém do teor do art. 198, III, da Constituição Federal de 1988, que estabelece a participação da comunidade como uma das diretrizes das ações e políticas de saúde1 1 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...] III - participação da comunidade. , juntamente com os institutos definidos pela Lei nº 8.142/90, que cria os Conselhos de Saúde, e a Lei nº 8.080/90, que regula o Sistema Único de Saúde (SUS). Os conselhos de saúde são espaços públicos em que a comunidade se expressa e reivindica seus direitos, bem como controla o Estado na perspectiva da execução das deliberações oriundas desta instância (Gonçalves e col., 2008a).
Assim, dentre os instrumentos que podem ser utilizados para a realização do exercício do controle social em saúde, encontram-se os relatórios de prestação de contas elaborados pelas Secretarias de Saúde. A divulgação de tais relatórios é produto da concretização dos princípios constitucionais da moralidade e da publicidade enquanto fundamentos valorativos e estruturantes da Administração Pública2 2 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...] , que deve refletir a transparência dos atos públicos através da prestação de informações adequadas, de modo a possibilitar o monitoramento sobre os atos da gestão pública.
Nesse contexto, este artigo analisa numa perspectiva comparada dos relatórios de prestação de contas das Secretarias Estaduais de Saúde encaminhados aos Conselhos Estaduais de Saúde.
A presente pesquisa justifica-se inicialmente em razão da ausência de estudos comparados que envolvem análise das informações contidas nos relatórios de prestação de contas, o que permite por sua vez a identificação e avaliação do atual estágio desse processo, já que se observa que o dever do gestor público de prestar contas, além de ser uma demanda social, é uma exigência legal, sendo que seu descumprimento ou sua inviabilização seria um obstáculo à construção de uma sociedade mais justa e equilibrada.
Além disso, ao identificar o atual nível de evidenciação da prestação de contas dos gestores públicos, por meio da análise comparada dos resultados obtidos, é possível apontar melhorias quanto ao desenvolvimento desse processo, inclusive, avaliando como a informação é disponibilizada, sua periodicidade, bem como as intervenções dos Conselhos de Saúde a partir da análise dos pareceres dos relatórios.
Referencial teórico
A história da formação dos Conselhos de Saúde no Brasil teve início com a abertura política vivenciada pelo País na década de 1980, resultante de uma grande pressão popular (Brasil, 2002). Entretanto, pode-se afirmar que o processo de democratização, especialmente na área da saúde, iniciou-se com o Movimento da Reforma Sanitária, surgido em meados da década de 1970, em conjunto com o Movimento Popular e Sindical, que corroboraram com o processo de mudança do sistema vigente até então, denunciando o desgaste a que o sistema de saúde estava submetido com o modelo de gestão adotado pelo regime militar (Brasil, 2002).
Com o fim do regime militar e a consequente reabertura da ordem democrática e social no fim da década de 1980, novos movimentos sociais se organizaram visando restabelecer uma nova ordem jurídico-institucional, com a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte (Brasil, 2002). Foi nesse contexto histórico-social brasileiro que se celebrou a 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986, com a discussão de um novo sistema de saúde, e cujas propostas seriam encaminhadas aos constituintes por meio de um relatório final. De acordo com Oliveira (2004), esta conferência reconhecia que o pleno exercício do direito à saúde implicava em garantir dentre outras coisas, a informação, a participação popular na organização, gestão e controle da política pública de saúde. O texto final subsidiou a elaboração dos artigos da Constituição Federal de 1988 referentes à democratização da Saúde.
A partir desses dispositivos, a nova Carta Magna de 1988 proporcionou a inserção de uma série de novos valores na ordem político-social brasileira, resultando na Lei nº 8.142 de 1990, que instituiu as Conferências e os Conselhos de Saúde como instâncias de controle social.
Os Conselhos de Saúde são órgãos colegiados de caráter permanente e deliberativo, com funções de formular estratégias, controlar e fiscalizar a execução da política de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros (art. 1º,§ 2º, Lei nº 8.142/90).
Ao analisar tal dispositivo, notam-se pelo menos dois importantes aspectos. O primeiro diz respeito ao papel incumbido aos Conselhos de Saúde enquanto instâncias competentes ao exercício do controle e fiscalização das políticas e gastos públicos em saúde, cujo papel é de relevante interesse público. Com relação ao segundo aspecto, tem-se a condição de instâncias deliberativas, detentora de representação paritária (Brasil, 1990), através das quais a população seria representada por: usuários (50%); profissionais de saúde (25%); gestores do sistema e prestadores de serviços de saúde (25%)3 3 Resolução CNS nº 33/92 , o que viabilizaria a inserção de diferentes interesses sociais no exercício do controle social do SUS, além de possibilitar a participação diversificada na formulação e definição das políticas de saúde.
Nesse sentido, Gavronsky (2003) afirma que uma das funções da participação social é a busca de uma adequada aplicação dos recursos a partir das necessidades da população, fazendo com que o papel do controle social ganhe maior destaque e relevância.
Em suas reflexões, Labra e Figueiredo (2002) vão além ao tratar do papel a ser desempenhado pelos conselhos de saúde, afirmando que a sua atuação deve criar um círculo virtuoso de forma a defender os interesses dos cidadãos, propiciar acumulação de capital social e ainda o despertar de uma cultura cívica, de forma a contribuir para o fortalecimento da democracia.
Com isso, a atuação dos Conselhos de Saúde deve servir como um instrumento de apoio e fortalecimento da participação democrática da população no formular e implementar políticas públicas de saúde, além de exercer o controle e fiscalização dos recursos econômico-financeiros destinados ao setor. No dizer de Moreira (2008), o conselho deve funcionar como instituição meio, cuja atuação de controlador do recurso público justifica-se pela finalidade de se reduzir a corrupção, e outra, na qual uma "dupla participação" desponta como "bem político" (p. 16) essencial para que a sociedade brasileira avance no processo de ampliação das esferas públicas e, portanto, da democracia.
No entanto, Campos (1990) acredita ser necessária a busca de maior organização dos entes públicos e privados envolvidos, para que assim possibilite o exercício do controle social, sobretudo, no que tange a contribuir na proposição de melhorias nas políticas públicas e na fiscalização da alocação dos recursos financeiros.
Nesse sentido Martins e colaboradores (2008) acreditam que, apesar do avanço quando da criação dos conselhos de saúde como forma de canal de participação popular, entendem que essa participação ainda "está longe de alcançar a plenitude da democracia republicana e pluralista moderna" (p. 116). Essa situação posta pelos autores se justifica, dentre outros fatores, pela necessidade do que Labra e Figueiredo (2002) mencionam que é o despertar de uma cultura cívica. No entanto, Labra (2006) reforça que tais conselhos apresentam uma série de problemas que abrangem desde os estatutos e o funcionamento até a representatividade dos conselheiros e a inoperância do controle social.
Empiricamente, Stralen e colaboradores (2006) e Gerschman (2004) constataram em municípios dos Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro, que a atuação dos conselhos possui pouco impacto na melhoria dos serviços de saúde, em razão principalmente da fragilidade das bases do controle social e da gestão participativa. No que tange à leitura e análise dos relatórios de prestação de contas, já em 2005 no Seminário Nacional de Comunicação e Informação, organizado pelo Conselho Nacional de Saúde, várias reivindicações para o fortalecimento do controle social foram feitas, das quais a comunicação e informação referente à decisão e prestação de contas por parte do executivo precisa ter clareza nas informações prestadas. Gerschman (2004) apontou que somente 12% dos conselheiros entrevistados no Rio de Janeiro indicam o orçamento na área de saúde e a prestação de contas setorial como assunto de maior deliberação. Esse resultado sugere em muitos casos falta de capacitação adequada dos conselheiros na medida em que as informações presentes em um relatório desta natureza trata de conhecimento especializado.
Os achados de Gonçalves e colaboradores (2010, 2011) vão ao encontro desse cenário, à medida que identificaram nos Conselhos do Distrito Federal e do Município de Natal (RN) uma necessidade de maior compreensão, por parte dos conselheiros, das informações de natureza econômico-financeira disponíveis nos relatórios de prestação contas.
Ainda no que se refere à qualidade dessas informações, as pesquisas retro mencionadas, identificaram que há espaço para melhorias na sua qualidade, principalmente no que diz respeito ao cumprimento dos objetivos e metas estabelecidos pelo gestor público.
Diante dos cenários, acredita-se que os relatórios de prestação de contas possam exercer o papel como um dos instrumentos hábeis aos Conselhos de Saúde para a concretização de suas competências, dado que podem e por que não dizer, devem fornecer informações úteis ao monitoramento das ações dos gestores dos recursos públicos e também à concretização das ações prometidas e materializadas no Plano Plurianual.
Contudo, ainda há obstáculos para que no Brasil os relatórios de prestação de contas sejam úteis enquanto instrumento do controle social. Bicalho (2003), por exemplo, constata assimetrias de poder e de informações técnicas entre as classes sociais que compõem o ambiente do Conselho de Saúde. Para Fortes (1997) e Gonçalves e colaboradores (2010) outro fator que representaria um obstáculo ao efetivo exercício do controle social diz respeito à deficiência, tanto qualitativa quanto quantitativa, das informações fornecidas pelos gestores públicos aos conselheiros de saúde.
Apesar desses fatores, vale ressaltar que Gonçalves e colaboradores (2011) constataram que os conselheiros de saúde de Natal entendem que tais informações são importantes para o exercício do controle social, e reconhecem a necessidade de buscar compreendê-las e analisá-las.
Para Campos (1990) e Sano (2003) a prática da accountability no setor público parece estar atrelada ao desenvolvimento da democracia, em que o cidadão passa a exercer um papel ativo acerca dos serviços públicos e decisões públicas, momento a partir do qual a cidadania passa a influenciar não apenas o processo de identificação de necessidades e canalização de demandas, como também de cobrar melhor desempenho do serviço público. Desta forma, Pinho e Sacramento (2009) destacam que accountability nasce quando uma pessoa assume uma responsabilidade delegada por outra e a esta pessoa há a exigência da prestação de contas. A prestação de contas deve ser analisada de forma que o seu executor é responsável por elas.
Nessa perspectiva, a importância da informação contábil ou de natureza econômico-financeira aplicada ao setor público dar-se-ia por motivos de geração e fornecimento do suporte necessário ao cumprimento do mandamento constitucional de se prestar contas, além de permitir o acompanhamento da execução orçamentária (Araújo, 2004).
Diante disso, pode-se enfatizar o caráter multifacetário da contabilidade enquanto ciência social e informacional, em que, a partir das informações contábeis fornecidas e geradas por ela, estas informações são moldadas de acordo com os interesses de seus usuários, com destaque para a sociedade enquanto usuária dessas informações no exercício do monitoramento, controle e fiscalização dos recursos públicos. A informação contábil pode exercer um papel balizador do controle social e consequentemente de auxílio ao desenvolvimento da cidadania e da democracia na sociedade brasileira, em especial, no ambiente dos Conselhos de Saúde.
Percurso metodológico
A pesquisa realizada classifica-se como um estudo comparativo (Sartori, 1994; Schneider e Schimitt, 1998; Bereday, 1972; Vexliard, 1970). A realização do estudo contou com a seleção de casos múltiplos (Yin, 2005). O objeto de análise da pesquisa são os relatórios de prestação de contas elaborados pelas Secretarias Estaduais de Saúde (SES) e submetidos aos respectivos Conselhos Estaduais de Saúde (CES) para deliberação e avaliação nos exercícios de 2008 e 2009, caracterizando-se, portanto, pelo tipo documental (Gil, 2002). Vale enfatizar que se estabeleceram como parâmetros temporais em comum os relatórios de 2008 e 2009, por estes serem os dois últimos exercícios financeiros já submetidos à deliberação dos Conselhos Estaduais de Saúde, uma vez que os relatórios de 2010, no momento da realização da pesquisa, ainda não haviam sido submetidos à deliberação deles.
Assim, para se analisar o conteúdo dos relatórios de prestação de contas, utilizou-se um instrumento avaliativo elaborado por Gonçalves e colaboradores (2010, 2011), sustentado teoricamente em Hendriksen e Van Breda (1999) e Glautier e Underdown (1994). O instrumento é constituído de três dimensões (materialidade, relevância e confiabilidade) e 14 variáveis.
A dimensão materialidade busca, por meio de suas variáveis, avaliar se há elementos na informação prestada que retratem uma relação entre a estratégia estabelecida e os meios para alcançá-la (Gonçalves e col., 2011), formada pelas variáveis: var(01) evidenciação da aplicação dos recursos financeiros; var(02) especificação da fonte dos recursos financeiros; var(03) participação do Conselho nas decisões da SES; var(04) objetivos e metas para o exercício subsequente.
A dimensão relevância expressa elementos relativos à predição das ações do gestor, confirmar ou retificar ações anteriormente propostas e ser tempestiva para a análise e tomada de decisão do usuário externo, no caso os conselheiros de saúde (Hendriksen e Van Breda, 1999; Glautier e Underdown, 1994). Essa dimensão é formada pelas variáveis: var(05) recursos financeiros previstos na proposta/lei orçamentária; var(06) confronto dos resultados obtidos com as metas estabelecidas para a área da saúde; var(07) periodicidade de disponibilização dos relatórios; var(08) disponibilização do relatório em análise.
A terceira dimensão, confiabilidade, tem por característica examinar se a informação é livre de vieses, e nesse sentido suas variáveis buscam avaliar aspectos relativos à neutralidade e prioridades do gestor (Hendriksen e Van Breda, 1999; Glautier e Underdown, 1994). É formada pelas variáveis: var(09) divulgação das prioridades para a destinação de recursos financeiros; var(10) evidenciação das retificações orçamentárias; var(11) previsão de recursos para os exercícios compreendidos no Plano Plurianual - PPA para a área da saúde; var(12) divulgação dos pontos que necessitam de melhorias; var(13) evidenciação do conteúdo legal; var(14) reserva de recursos financeiros diante de eventos incertos e eventuais.
A informação é avaliada por meio de categorias teóricas que variam de restrita à ampla, caracterizadas em (1) restrita a informação requerida não é divulgada; (2) baixa a informação requerida não é divulgada, contudo, o gestor manifestou intenção em passar a divulgar; (3) média o gestor divulga a informação requerida, mas não o faz de forma completa segundo os critérios estabelecidos no instrumento de evidenciação; (4) ampla o gestor divulga a informação requerida de forma completa segundo os critérios estabelecidos no instrumento de evidenciação.
Posteriormente, após a análise do conteúdo dos relatórios, procederam-se confrontações mútuas entre os resultados obtidos, buscando-se aferir os avanços e/ou retrocessos ocorridos no período de 2008 e 2009 entre os Estados brasileiros analisados no que tange ao processo de divulgação das informações pretendidas. Nesta etapa da análise comparativa, teve-se por objetivo averiguar e determinar os pontos em comum e os divergentes entre as práticas adotadas na elaboração dos relatórios de prestação de contas, permitindo a construção de um quadro atualizado do perfil dessas práticas, com ênfase nos aspectos qualitativos da informação (Glautier e Underdown, 1994).
Vale esclarecer que as SES pesquisadas elaboram anualmente um único documento, os Relatórios Anuais de Gestão (RAG), que são submetido aos CES. Além dos relatórios, fazem parte da análise da pesquisa os pareceres emitidos pelos CES.
O universo da pesquisa foi constituído pelos Conselhos Estaduais de Saúde, contudo foram encontradas restrições na obtenção dos relatórios e pareceres. Em razão dessas limitações, foram obtidos os relatórios de prestação de contas nos seguintes Estados: Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina (Região Sul); e Espírito Santo e Rio de Janeiro (Região Sudeste).
Quanto às limitações intrínsecas ao trabalho, tem-se o fato de que as considerações ora levantadas estão restritas aos Conselhos de Saúde e às informações ora analisadas. Além disso, outra limitação da presente pesquisa deu-se no campo intertemporal entre as análises e deliberações já efetuadas pelos Conselhos de Saúde em cada Estado, com destaque para o Rio de Janeiro, que vive uma situação peculiar de atraso diante das exigências legais, o qual detinha os dois relatórios mais recentes já analisados pelo CES/RJ, apenas os documentos referentes aos exercícios de 2007 e 2008, do qual se aproveitou somente este último.
Resultados
A dimensão materialidade constituída de quatro variáveis, Var (01), Var (02), Var (03) e Var (04) apresentou os seguintes resultados conforme quadro 1.
A dimensão relevância constituída pelas variáveis (05), (06), (07) e (08) apresentou os resultados conforme o quadro 2, a seguir.
A dimensão confiabilidade, variáveis (09) a (14), têm seus resultados apresentados nos quadros 3 e 4.
Discussão
A análise dos resultados está dividida a partir das características das dimensões que compõem o instrumento de pesquisa, quais sejam materialidade, relevância e confiabilidade.
Na dimensão materialidade (Gonçalves e col., 2011) há uma melhor qualidade da informação prestada nas variáveis (01) e (02). Nessas duas variáveis é possível identificar individualmente o aporte de cada um dos entes, federal e estadual.
Apesar de serem importantes tais informações, destaca-se que elas fazem parte de um conjunto maior, que é o orçamento estadual ou federal, podendo dessa forma ser obtida em outra fonte de dados que não o relatório de prestação de contas das Secretarias Estaduais de Saúde. A despeito disso, destaca-se negativamente o Estado do Paraná, no qual regrediu de uma informação classificada como ampla (2008) para média (2009) na var(01). Isso significa que a informação acerca dos recursos aplicados na saúde o foram somente em seu montante total e não por cada ação/programa.
Já a var(03) verifica-se em sua maioria uma ausência acerca desse tipo de posicionamento. No entanto, esses fatos podem ter ocorrido devido à ausência de sugestões por parte do Conselho em seus pareceres, como no caso dos Estados analisados da região Sudeste, ou mesmo, podem indicar a inobservância das SES quanto aos pleitos dos CES. Essa situação alerta para uma ocorrência possível dos CES tornarem-se instâncias "homologatórias" das decisões das SES, dado que os pareceres não apontam aspectos que o gestor deveria melhorar ou ainda retificar no cumprimento de suas ações (Martins e col., 2008; Stralen e col., 2006).
À medida que há maior amplitude de participação dos CES, poderá haver uma melhoria no que tange à realização de políticas públicas de saúde (Gonçalves e col. 2008a, 2008b), e nesse aspecto as demandas e a avaliação dos representantes da sociedade acerca da gestão devem fazer parte de um instrumento formal, e dentre eles tem-se os pareceres emitidos.
Campos (1990) afirma que
a omissão ou distorção da comunicação entre governo e sociedade reforça a indigência política, porque compromete a possibilidade de controlar a burocracia, por outro lado essa mesma fraqueza prejudica a credibilidade governamental (p. 10), dado que prestar contas na administração pública remete-se ao termo accountability e ele não se limita a dar publicidade aos atos do governo e ao final do exercício prestar contas dos recursos públicos, nem tampouco se restringe a veículos oficiais de comunicação (Oliveira e col., 2012).
Por fim, a última variável dessa dimensão var(04) avalia a evidenciação do planejamento operacional da SES para o exercício seguinte, incluindo os objetivos e metas que ela quer alcançar em cada área da saúde. Vale ressaltar que o resultado obtido pelo Estado de Santa Catarina (amplo em 2008 e 2009) equivale ao fato de deixar claro quais são os objetivos e metas para cada tipo de ação/programa em saúde, enquanto que o Rio Grande do Sul (médio em 2008 e 2009) aponta seus objetivos sem, contudo, as metas.
Entretanto os demais Estados não somente não apresentam suas metas, como também seus objetivos por ação/programa, sendo que o Estado do Espírito Santo retrocedeu de uma tendência média em 2008 para restrita em 2009.
A não divulgação total ou parcial dos objetivos e metas para o exercício seguinte pode indicar deficiências na gestão, principalmente no que se refere ao planejamento estratégico e operacional da SES, o que é prejudicial à sociedade por impedir o Conselho na avaliação das políticas públicas de saúde, restringindo a atuação de seu controle social. Além disso, tanto a sociedade quanto o CES não poderão visualizar e acompanhar as tendências futuras dessas políticas, o que restringe a análise, o confronto e a adequação da execução das ações e serviços públicos de saúde com os recursos financeiros disponíveis.
Nesse sentido, tem-se a definição dos objetivos, metas, ações e atividades na Saúde como importantes ferramentas por determinar as realizações para o enfrentamento dos problemas identificados e priorizados na área, com o estabelecimento dos responsáveis, dos prazos e dos recursos envolvidos, implicando um planejamento a partir da identificação, descrição e análise dos determinantes sociais dos problemas de saúde (Teixeira e col., 1998).
A dimensão relevância apresenta uma tendência restrita em todos os Estados pesquisados na região Sul na divulgação da var(05), enquanto que o Rio de Janeiro apresentou uma tendência ampla para o ano de 2008. No entanto, o destaque negativo nesta variável foi o Estado do Espírito Santo, que novamente apresentou uma involução em seu processo de divulgação de informações, de uma tendência média em 2008 para restrita em 2009.
A não divulgação dos recursos financeiros previstos na proposta/lei orçamentária pode representar um obstáculo à execução dos objetivos e metas que foram ou deveriam ser estabelecidos para o ano subsequente e sua consequente alocação de recursos. Isso acarreta problemas no que tange à análise do que se pretende realizar em termos de ações e programas em saúde, se há o recurso financeiro suficiente para eles. Além disso, impossibilita a reflexão da sociedade e conselheiros acerca do acompanhamento dos objetivos, metas e prioridades estabelecidas pela respectiva SES diante da programação orçamentária do exercício vindouro. Nesse sentido, observa-se que o PPA, em alguns casos, não tem sido utilizado como instrumento de compromisso da gestão. Segundo Paulo (2010) esse é um dos motivos pelos quais o PPA tem se tornado uma mera peça burocrática.
De forma a complementar a variável anterior, a var(06), que avalia a evidenciação dos resultados obtidos a partir da aplicação dos recursos disponíveis, observou-se uma tendência ampla na divulgação do conteúdo desta variável nos relatórios dos Estados pesquisados na região Sul. Já naqueles analisados da região Sudeste, os resultados apontaram uma tendência média.
Chama a atenção o fato de que em um primeiro momento quase todas as Secretarias Estaduais de Saúde pesquisadas não divulgaram os objetivos e metas para o exercício seguinte ou não as justificaram, porém, posteriormente, realizaram o confronto dos resultados obtidos com as metas do exercício em questão. Tal fato pode sugerir uma falta de comprometimento por parte do gestor público, haja vista que aspectos complementares como as metas e objetivos futuros deixam de ser evidenciados para em um momento posterior apresentá-los a partir dos resultados já obtidos.
Ao apresentar uma tendência restrita, a var(07), demonstra que o Conselho de Saúde fica impossibilitado de realizar um calendário de atividades no que se refere ao uso da informação, dado que a deliberação ocorreu tardiamente e em momento inoportuno. Tal fato prejudicará a eficácia do controle social, devido às diferentes perspectivas temporais e atemporais.
Por fim, a var(08) apresentou que as SES dos Estados de Santa Catarina e Espírito Santo são as únicas que mantêm seus relatórios disponíveis em sítios facilitando o amplo acesso às informações produzidas, enquanto que as demais tornaram tais relatórios disponíveis por meio de mensagem eletrônica, após solicitação realizada. É oportuno enfatizar que as SES não avaliadas nesta pesquisa não o foram em razão de não disponibilizarem tais relatórios.
Na terceira dimensão, confiabilidade, a var(09) apresentou uma tendência média na divulgação dos relatórios dos Estados do Paraná e Santa Catarina. No entanto, avaliando-se os Estados do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, percebeu-se que ambos evidenciaram as informações pretendidas com tendência ampla, isto é, divulgam suas prioridades orçamentárias. Destaca-se o Estado do Espírito Santo, o único que apresentou tendência restrita na divulgação de tal informação.
Os resultados obtidos demonstram uma heterogeneidade visível. Os Estados pesquisados da região Sul apresentam resultados de tendência média e ampla, enquanto que nos pesquisados da região Sudeste, tendência restrita e ampla. A restrição total ou parcial na divulgação destas prioridades pode indicar que o gestor público emprega verbas públicas de maneira aleatória, sem parâmetros de aplicação, o que pode implicar falta de recursos financeiros em programas e ações de saúde considerados mais relevantes, com custos maiores e demandas com maior volatilidade como, por exemplo, o fornecimento de medicamentos.
Na var(10) constatou-se que os Estados pesquisados da região Sudeste apresentaram uma tendência ampla, enquanto que o Paraná e Santa Catarina, uma tendência restrita. Nos Estados pesquisados da região Sul, o Rio Grande do Sul demonstrou um avanço no processo de divulgação das informações pretendidas nesta variável, de uma tendência média para ampla.
O desempenho dos resultados apresentados pelos Estados do Paraná e de Santa Catarina (restrita nos dois períodos) traz como consequência a impossibilidade de o usuário externo identificar quais foram os remanejamentos ocorridos no orçamento tanto sob o aspecto do fluxo dos recursos financeiros como dos programas e ações. A ausência dessa informação por sua vez, não permite uma avaliação mais acurada se o gestor deixou de alcançar alguns objetivos e metas por falta de recursos financeiros (por conta das retificações orçamentárias), por falta do estabelecimento de prioridades, ou ainda, por falhas na gestão, uma vez que o recurso financeiro encontrava-se disponível. Trata-se, portanto, de um dos problemas de funcionamento do Conselho de Saúde identificado também por Labra (2006), que tornam o controle social inoperante.
Nesta variável, percebe-se a importância da informação desta natureza, uma vez que a não divulgação das retificações orçamentárias gera dúvidas quanto à deliberação acerca da aplicação dos recursos financeiros nas ações e serviços públicos de saúde, por se desconhecerem os quantitativos atualizados à disposição dos gestores públicos.
Com relação à var(11), com exceção do Estado de Santa Catarina, cujo resultado foi amplo (2008 e 2009), todos os demais Estados obtiveram um resultado restrito. A não divulgação dessa informação implica a limitação da sociedade de tomar conhecimento dos montantes destinados à Saúde durante a vigência do PPA, além de prejudicar a atuação dos conselheiros por reduzir o alcance da visão global acerca da disposição de recursos financeiros nesse período, impedindo, assim, a adoção de medidas preventivas, dificultando o controle e análise da execução das políticas de saúde e a destinação dos recursos.
Na var(12) observam-se, de maneira geral, avanços significativos nos processos de divulgação das informações estabelecidas nesta variável nos Estados do Paraná e Espírito Santo. O primeiro apresentou uma evolução de tendência restrita para ampla, enquanto o segundo de tendência restrita para média. Vale destacar a situação observada no Rio Grande do Sul, que evoluiu na evidenciação de dados referentes a retificações orçamentárias, e nesta variável obteve retrocesso passando de uma tendência ampla para restrita. Já no Rio de Janeiro e Santa Catarina, mantiveram-se constantes em 2008 e 2009, com uma tendência média para o primeiro Estado e ampla para o segundo.
Os resultados refletem as perspectivas evolutivas nesse processo de divulgação ocorridas no Paraná e Espírito Santo. No entanto, os Estados pesquisados na região Sudeste ainda carecem de melhorias, bem como o Rio Grande do Sul. O interessante de se notar é que o Paraná e o Espírito Santo deixam de divulgar a var(04) objetivos e metas para o exercício subsequente, passando a divulgar somente o confronto dos resultados obtidos com as metas estabelecidas. Isso não proporciona ao Conselho e à sociedade tomar ciência de fatores que impediram o alcance de metas, além de não contribuir para o planejamento e estabelecimento de novas prioridades para o exercício seguinte. Contudo, é de se ressaltar que os outros três Estados (SC, RS e RJ) permitem, ao menos em parte, esse confronto, entre o que fora estabelecido e o realizado.
A var(13), cujo objetivo é avaliar se o conteúdo exigido pelas normas que regem a prestação de contas está sendo evidenciado: o andamento da agenda de saúde pactuada; relatório de gestão; montante, fonte e forma de aplicação dos recursos aplicados; auditorias iniciadas e concluídas no período; e oferta e produção de serviços na rede assistencial, teve uma tendência média para todos os Estados em ambos os períodos. Esse resultado aponta que um dos aspectos obrigatórios da legislação deixou de ser observado pelas SES, demonstrando que ainda há um caminho a ser percorrido no que concerne à divulgação das informações obrigatórias.
Quanto à var(14), constatou-se uma tendência restrita em todos os relatórios analisados. A ausência acerca da evidenciação de reservas financeiras para eventos futuros pode indicar que o gestor público não está constituindo reservas de recursos financeiros para enfrentar eventos futuros incertos que teria repercussões negativas na execução das ações e dos programas em saúde, ou ainda, recursos disponíveis para combater o surgimento de uma epidemia, por exemplo. Vale lembrar que é papel do CS é controlar inclusive os aspectos econômicos e financeiros da política de saúde (Brasil, 1990).
Com objetivo de se ter uma visão global dos resultados obtidos nos períodos em análise, foi elaborado o quadro 5, que resume o resultado de maior frequência (moda) em cada uma das variáveis.
A partir da análise do quadro anterior, observam-se aspectos que apresentaram avanços, dado que houve três resultados finais considerados com uma tendência ampla em 2008 e quatro em 2009. Essa melhoria deu-se na var(12) divulgação de pontos que necessitam de melhorias, que passou de uma tendência avaliada como restrita/ampla em 2008 passando para 2009 para uma avaliação considerada como ampla. Esse aspecto é positivo à medida que demonstra a neutralidade do gestor em realizar uma autoavaliação de suas ações, bem como pelo fato de propor ações para que estas resultem em melhores resultados.
Contudo essa melhoria na qualidade da informação contrasta com o retrocesso na quantidade de variáveis com tendência restrita, que passou de 05 em 2008 para 06 em 2009, em especial a var(04) que avalia os objetivos e metas para o exercício subsequente, que passou de uma tendência média em 2008 para restrita em 2009. Se por um lado os gestores passaram a divulgar aspectos que necessitam de melhorias e até certo ponto ações (sob o ponto de vista qualitativo) estes, por sua vez, deixaram de estabelecer objetivos e metas (quantitativas) que revertam tais propostas em melhorias efetivas à sociedade.
Por fim, o que se observa é que em razão de não existir um padrão previamente estabelecido para a elaboração das informações de natureza econômico-financeira por parte das SES, estas por sua vez, acabam por divulgar tais informações de acordo com suas preferências, ocasionando por alguns aspectos melhorias (vide exemplo var(12)) e também retrocessos (vide exemplo var(04)).
Considerações finais
Os resultados obtidos, no aspecto geral, mostram que, nos Estados analisados, o processo de divulgação de informações no âmbito da atuação da Administração Pública no exercício do controle social sob o aspecto qualitativo da informação de natureza econômico-financeira encontra-se em estágio inicial principalmente no que tange à materialização das sugestões dos conselhos nas ações e programas em saúde.
Para isso, há necessidade de os conselheiros serem dotados de informações que lhes permitam analisar e interpretar os relatórios de prestação de contas, bem como, debaterem e recomendarem melhorias por meio de seus pareceres.
Nesse sentido, com relação à variável participação do Conselho nas decisões da SES, que indica uma possível influência do contexto sociopolítico nas atuações dos Conselhos, verifica-se que, nos Estados pesquisados na região Sul, há uma melhor atuação diante da constatação de recomendações em seus pareceres, como foi o caso do Rio Grande do Sul em 2008 e Santa Catarina em 2009. Contudo, ainda há um caminho a ser percorrido a ponto de os relatórios evidenciarem os aspectos que foram objeto de melhorias a partir das recomendações dos pareceres elaborados.
Além disso, a pesquisa demonstrou que não há uniformidade nos critérios de divulgação de tais informações pelas Secretarias Estaduais de Saúde analisadas, o que ocasionou a diversidade de resultados. A especificação da fonte dos recursos financeiros foi a única variável divulgada amplamente em todos os relatórios dos Estados pesquisados. Por outro lado, apresentaram evidenciações restritas em todos os documentos as variáveis reserva de recursos financeiros diante de eventos incertos e eventuais e periodicidade de disponibilização dos relatórios.
Além das variáveis citadas, há aspectos que merecem melhorias na divulgação como a definição de prioridades na destinação de recursos e estabelecimento de metas e objetivos que, além de não fazerem parte da maioria dos relatórios estaduais, traz como repercussão a impossibilidade da avaliação das ações do gestor público em face dos compromissos assumidos no planejamento plurianual.
Em razão do que foi exposto, a evidenciação da informação de natureza econômico-financeira para o exercício do controle social na Administração Pública brasileira em seus diversos setores de atuação apresenta lacunas que precisam ser exploradas no sentido de possibilitar uma melhoria nas condições do exercício do controle social, concretizando-se os valores sociais fundamentais inerentes aos cidadãos e aos ideais democráticos valorados pela sociedade brasileira como a base estruturante do Estado.
Além disso, poder-se-á não somente atribuir a responsabilidade pela análise e interpretação das informações dessa natureza aos conselheiros de saúde, dada a possibilidade de serem criados apoios de natureza técnica, de forma a traduzir tais informações. Isto de modo a facilitar a atuação dos conselheiros e ainda ser útil à análise destes em relação aos atos de gestão.
Sugere-se para pesquisas futuras analisar se a amplitude de participação social nos Conselhos de Saúde no Brasil é fator que influencia na melhoria da qualidade dos relatórios de prestação de contas elaborados pelas Secretarias de Saúde.
Recebido em: 12/06/2012
Reapresentado em: 15/11/2012
Aprovado em: 05/03/2013
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Jan 2014 -
Data do Fascículo
Dez 2013
Histórico
-
Recebido
12 Jun 2012 -
Aceito
05 Mar 2013 -
Revisado
15 Nov 2012