Acessibilidade / Reportar erro

O lugar da pesquisa na reorganização curricular em odontologia: desafios de origem para um debate atual

Research and curricular reform in dentistry undergraduate courses: origin challenges to current problems

Resumos

O presente estudo tem por objeto a caracterização do lugar da pesquisa na organização curricular em instituições de ensino superior de Odontologia na cidade de São Paulo, com vistas à identificação de tendências de reformulações no contexto imediato à aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais. A partir da análise de documentos e entrevistas com os responsáveis pelos respectivos cursos, a investigação focaliza a institucionalização da pesquisa no desenvolvimento da estrutura curricular, referenciadas às perspectivas de mudanças no ensino. As instituições contemplam a instrução científica na graduação e os alunos são estimulados a se envolver em projetos de pesquisa no âmbito do programa de iniciação científica, no espaço extracurricular. Ao lado dos limites institucionais relacionados à prática da pesquisa nas instituições (públicas e privadas), estas disposições atestam movimentos de revisão curricular em atenção às recomendações legais, sem alcançar, entretanto, a estruturação de um currículo fundamentado no ensino pela pesquisa.

Pesquisa; Reforma curricular; Currículo de Odontologia


The study aims to characterize the space of research in curricular organization and to identify curricular reform trends in Dentistry schools in the city of São Paulo. METHODS: from the analysis of documents and interviews with professionals who are responsible for the undergraduate courses of the investigated institutions, the study describes the development of the curricular structure and the institutionalization of research; characterizes the didactic program involving the instruction of scientific methodology; and identifies the trends and perspectives of change in curricular organization. RESULTS: valuing the space of research, as recommended by Brazil's Curricular Guidelines, the institutions provide scientific instruction in the Dentistry undergraduate program and students are stimulated to get involved with research projects in the scope of the scientific initiation program, in the extra-curricular space. These measures attest efforts of curricular revision, in view of the legal recommendations, without reaching, however, the structuring of the curriculum based on teaching through research.

Research; Curricular Reform; Dentistry Curriculum


PARTE I - ARTIGOS

Luciana Ávila MaltagliatiI; Paulete GoldenbergII

IMestre em Ensino em Ciências da Saúde. Coordenadora do curso de Especialização em Periodontia do Centro de Aperfeiçoamento Profissional e Especialização do Sindicato dos Odontologistas de São Paulo. Endereço: Rua Salete 200, 4º andar, conj. 42, Santana, CEP 02016-001, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: lumaltagliati@uol.com.br

IIDoutor em Saúde Pública. Docente do Programa de Ensino em Ciências da Saúde (Cedess), da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina. Endereço: Rua São Giusto, 99, Jardim Lusitânia, CEP 04030-030, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: p.goldenberg@unifesp.br

RESUMO

O presente estudo tem por objeto a caracterização do lugar da pesquisa na organização curricular em instituições de ensino superior de Odontologia na cidade de São Paulo, com vistas à identificação de tendências de reformulações no contexto imediato à aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais. A partir da análise de documentos e entrevistas com os responsáveis pelos respectivos cursos, a investigação focaliza a institucionalização da pesquisa no desenvolvimento da estrutura curricular, referenciadas às perspectivas de mudanças no ensino. As instituições contemplam a instrução científica na graduação e os alunos são estimulados a se envolver em projetos de pesquisa no âmbito do programa de iniciação científica, no espaço extracurricular. Ao lado dos limites institucionais relacionados à prática da pesquisa nas instituições (públicas e privadas), estas disposições atestam movimentos de revisão curricular em atenção às recomendações legais, sem alcançar, entretanto, a estruturação de um currículo fundamentado no ensino pela pesquisa.

Palavras-chave: Pesquisa; Reforma curricular; Currículo de Odontologia.

ABSTRACT

The study aims to characterize the space of research in curricular organization and to identify curricular reform trends in Dentistry schools in the city of São Paulo.

METHODS: from the analysis of documents and interviews with professionals who are responsible for the undergraduate courses of the investigated institutions, the study describes the development of the curricular structure and the institutionalization of research; characterizes the didactic program involving the instruction of scientific methodology; and identifies the trends and perspectives of change in curricular organization.

RESULTS: valuing the space of research, as recommended by Brazil's Curricular Guidelines, the institutions provide scientific instruction in the Dentistry undergraduate program and students are stimulated to get involved with research projects in the scope of the scientific initiation program, in the extra-curricular space. These measures attest efforts of curricular revision, in view of the legal recommendations, without reaching, however, the structuring of the curriculum based on teaching through research.

Keywords: Research; Curricular Reform; Dentistry Curriculum.

Introdução

No contexto da economia informacional, sob os imperativos da aplicação da ciência e da tecnologia junto ao desenvolvimento das comunicações, estruturam-se novas exigências profissionais (Castells, 1992, p. 5-6). Neste cenário emergem questionamentos sobre o processo de ensino-aprendizagem fundamentado no tradicional modelo do ensino transmissivo, centrado na figura do professor. Como contraponto, na linha do construtivismo, passa a ser considerado o ensino centrado no aluno sendo o professor um mediador. Ressalta-se, nesse movimento, a função essencial da pesquisa no sistema de educação superior (Demo, 2005, p. 78) e a procura por novos projetos pedagógicos que estimulem a autonomia intelectual, a criatividade e a formação de um profissional crítico e reflexivo.

A relevância da pesquisa e sua estruturação institucional são reiteradas diante da necessidade de avançar no desenvolvimento científico. Segundo Ashley e colaboradores (2006, p. 18), a reflexão, um poderoso instrumento do processo ensino-aprendizagem, é subutilizada no curso de Odontologia. Stashenko e colaboradores (2002, p. 927) propõem que todas as escolas de Odontologia desenvolvam pesquisa, introduzindo linhas de investigações compatíveis com suas possibilidades.

Buscando o desenvolvimento das práticas investigativas no âmbito da graduação, Edmunds (2005, p. 863) propõem a ampliação do tempo reservado às experiências em pesquisa, a partir de uma melhor estruturação das ciências básicas, nos dois primeiros anos do curso, no sentido de diminuir conteúdos redundantes. Iacopino e colaboradores (2004, p. 45), por sua vez, preconizam um novo modelo curricular, numa estrutura modular, multi e interdisciplinar, integrando as ciências básicas e clínicas. Nesse sentido, Batista e colaboradores (2005, p. 232) identificam duas propostas na dimensão problematizadora do processo ensino-aprendizagem: de um lado, a vertente da Pedagogia da Problematização e, de outro, a Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL - Problem Based Learning), envolvendo formatação específica da organização curricular como um todo.

Embora permaneçam dúvidas, segundo Sursala e colaboradores (2004, p. 1009), quanto à efetividade do currículo PBL no sentido da produção científica dos estudantes, também é certo que a formação de homens e mulheres da ciência, de acordo com Bertolami (2002, p. 921), vai além da instrução científica envolvendo o desenvolvimento, junto aos alunos, da curiosidade investigativa e da compreensão do que é ou não é uma evidência científica válida. Em meio a estas "ambivalências" delineia-se a indagação sobre a abrangência da pesquisa no ensino em nosso meio.

Recuperando a história do ensino superior de Odontologia na capital de São Paulo, Maltagliati e Goldenberg (2007, p. 1336) destacam o percurso da implantação da pesquisa no país, tendo a pós-graduação como espaço privilegiado de produção de conhecimento, a partir da Reforma Universitária. Na sequência destas disposições registra-se a preocupação com a instrução científica no âmbito da graduação.

No contexto do avanço da economia informacional, ecoando o movimento de valorização da pesquisa no ensino (Conferencia Mundial Sobre La Educacion Superior da Unesco, 1998, p. 6), institucionaliza-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394 (Brasil, 1996). Reforçando o vínculo entre ensino, pesquisa e extensão, a lei preconiza a formação de profissionais mais engajados com a ciência e com os problemas sociais. Normatizando estas novas proposições para os cursos de Odontologia, as Diretrizes Curriculares (Brasil, 2002, p. 26) especificam um conjunto de requerimentos, dentre os quais o "ensino pela pesquisa".

Garantida a flexibilidade de reorganização curricular, abre-se o espaço para diferentes encaminhamentos, recolocando-se, a propósito, o significado e o alcance da articulação da pesquisa com o ensino. Diante destas preocupações emergem indagações sobre o movimento de incorporação das disposições legais vinculadas à relação ensino e pesquisa nas faculdades de Odontologia - decorridas dois anos da aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2002). Nesse sentido delineia-se o propósito de caracterizar o lugar da pesquisa na organização curricular em instituições do município de São Paulo, com vistas à identificação de tendências de reformulações curriculares, em suas origens.

Metodologia

Focalizamos no espaço da cidade de São Paulo, por uma questão operacional, o universo das instituições do setor público e privado que tinham cursos de pós-graduação, como indicativo do desenvolvimento de pesquisa institucional. Nestas condições identificamos as universidades uniA, uniB e uniC.

Levando em conta que a pesquisa emerge no bojo de um quadro institucional, em injunções históricas singulares, privilegiamos, ao lado da organização formal do currículo, o plano processual das disposições políticas subjacentes à sua configuração e desdobramentos, conforme preconiza Lucarelli (2002, p. 192). Sob esta perspectiva ampliada do currículo, nosso estudo comportou três direcionamentos empíricos.

No primeiro compreendemos a identificação da trajetória das instituições no tocante à implementação do curso, instalação de reformas e políticas relativas à implantação de pesquisa, desenvolvimento da estrutura curricular e da implementação da pesquisa. No segundo, consideramos a caracterização do currículo odontológico, destacando-se a participação ativa dos alunos na realização de pesquisa prevista no conteúdo programático das disciplinas, ao lado do ensino de metodologia científica, propriamente dito. No terceiro, levamos em conta as tendências e perspectivas de mudanças relativas à pesquisa na organização curricular e no ensino.

O levantamento de dados se fez a partir da análise documental e de entrevistas com os responsáveis pelo curso de graduação ou que respondiam por eles. Procuramos identificar, nas entrevistas, concepções, conhecimentos, perspectivas e a viabilidade das propostas do currículo odontológico, conforme os seguintes eixos temáticos: 1 - Pesquisa e organização curricular; 2 - A pesquisa no ensino; 3 - Propostas e perspectivas de revisão curricular.

Dentre os documentos foram consultadas publicações sobre a história das faculdades investigadas, projetos pedagógicos, estatutos e informações disponibilizadas on line, ao lado de dados eventuais obtidos junto às secretarias dos cursos1 1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Odontologia. Departamentos. São Paulo, 2004a. Disponível em: < http://www.fo.usp.br/departamentos/index.html>. Acesso em: 11 jan. 2004. , 2 2 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Odontologia. Comissão de Pesquisa. São Paulo, 2004b. Disponível em: < http://www.fo.usp.br/comissoes/pesquisa/index.html>. Acesso em: 23 nov. 2004. , 3 3 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Odontologia. 1934-1974. São Paulo, 1987. , 4 4 UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO. Ensino-Iniciação Científica. São Paulo, 2005a. Disponível em: < http://www. unicid.br/ensino/ini_cient.htm> Acesso em: 18 jan. 2005. , 5 5 UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO. Pós- graduação e pesquisa: grupos de pesquisa. 2005b. Disponível em: < http://www.cidadesp.edu.br/pos_graduacao/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=4513>. Acesso em: 18 jan. 2005. , 6 6 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Núcleo de Apoio aos Estudos de Graduação -NAEG-InfoUSP. Estatuto da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004c. Disponível em: < http://naeg.prg.usp.br/infousp/usp/estatuto.phtml>. Acesso em: 23 nov. 2004. , 7 7 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Núcleo de Apoio aos Estudos de Graduação - NAEG-InfoUSP. Brasil anos 30: a educação e a criação da USP. São Paulo, 2004d. Disponível em: < http://www.sampa.art.br/historia/usp/>. Acesso em: 23 nov. 2004. , 8 8 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Odontologia. Serviço de Documentação Odontológica. Programas de ensino. São Paulo, 2003b. , 9 9 UNIVERSIDADE PAULISTA. Pesquisas. São Paulo, 2005. Disponível em: < http://www.unip.br/pesquisa/formularios/iniciacao_cientifica/frminiciacaosp.doc>. Acesso em: 18 jan. 2005. .

As entrevistas foram gravadas e transcritas recorrendo-se, para efeito de apresentação de dados, a análise de conteúdo (Minayo, 1999). Distinguidas as unidades de sentido, os conteúdos foram reportados ao contexto social que circunscreve a questão de investigação, apoiado na perspectiva teórica adotada.

Aprovado o projeto pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), contamos com a anuência das instituições investigadas, na pessoa da direção, para o acesso aos documentos e concessão de entrevista.

Resultados e Discussão

Instituições e organização curricular

Na uniA, a instalação da Faculdade de Odontologia ocorre no momento de sua institucionalização em 1934, com a incorporação da Escola Livre de Farmácia e Odontologia (fundada em 1899). Diante do compromisso com a pesquisa, o curso, que era de dois anos, voltado para a profissionalização dos práticos, passa para três anos, incluindo as ciências básicas, sob influência do Relatório Dental Education in US and Canadá (Gies, 1926).

Em meio à retomada do crescimento econômico do pós-guerra, sob o estado desenvolvimentista, configuram-se as bases da infraestrutura financeira para o incentivo à pesquisa. Vislumbrando a formação de recursos humanos para o desenvolvimento do país, instala-se, em 1951, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com o objetivo de promover e financiar pesquisa. Em 1952 é criada a Coordenação de Aperfeiçoamento Profissional de Pessoal de Ensino Superior (Capes), com vistas à regulamentação dos cursos de pós-graduação - organizando, segundo Araujo e Oliveira (1985, p. 60), os passos para o desenvolvimento da pesquisa no país e de sua institucionalização na uniA, em particular.

Amparada pela Constituição democrática de 1946, formula-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que estabelece, pela primeira vez, uma política nacional de ensino. Aprovada em 1961, a lei oficializa, no âmbito do ensino universitário, o currículo mínimo composto pelo ciclo básico e profissionalizante, com duração de quatro anos. Ao lado da crescente organização da categoria, com a criação de entidades representativas, ressalta-se, por sua vez, a separação dos cursos de Farmácia e Odontologia, em 19623 3 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Odontologia. 1934-1974. São Paulo, 1987. .

Diante de uma política de ciência e tecnologia em estruturação, instala-se, em 1968, a Reforma Universitária. Tais disposições implicariam modificações na composição administrativa da uniA, em nome da eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e formação de recursos humanos de alto nível para o desenvolvimento do país, no dizer do coordenador do curso. Segundo os novos estatutos, propostos e aprovados em 1969, a universidade passou a comportar grandes unidades ou institutos ao lado das faculdades. A organização em departamentos e a substituição da "cátedra" vitalícia pela carreira do magistério comportariam maior autonomia didática, constituindo espaços de desenvolvimento da pós-graduação e, com ela, da pesquisa, condizentes com a valorização das especialidades disciplinares.

Delineia-se, na sequência, a preocupação com a instrução científica no âmbito da graduação, ao lado da introdução às Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e Psicologia), com vistas à instrumentalização de um ensino voltado para a realidade nacional. Estas mudanças, porém, só foram incorporadas no currículo em 1982, segundo o entrevistado da uniA. A introdução dessas disciplinas, dentre as quais, a de Metodologia Científica, constituiu um processo de adição a um conjunto disciplinar altamente estruturado. O aluno, nesta configuração, é bem formado nas especialidades, mas, infelizmente, não faz conexão entre as disciplinas, no dizer do entrevistado.

A trajetória desta instituição evidenciando o compromisso com o desenvolvimento da pesquisa institucional e a preocupação com a instrução científica do aluno marca um diferencial em relação às escolas de fundação mais recente, levando em conta o "timing" e a complexidade do desenvolvimento da pesquisa institucional, a despeito da possibilidade de estabelecimento de linhas compatíveis conforme sugere Stashenko e colaboradores (2002).

As universidades B e C foram criadas nos anos 1970, diante da abertura ao ensino superior privado propiciado pela Reforma Universitária de 1968. Os respectivos cursos de graduação em Odontologia, por sua vez, são instalados somente na década de 1980, já no contexto de desenvolvimento das especializações e da ampliação, correspondente, da demanda por profissionalização universitária. Segundo o entrevistado da uniB, a instituição tinha por objetivo criar cursos de qualidade, visando formar profissionais aptos para enfrentar o mercado de trabalho que, na ocasião, exigia o profissional especialista.

O movimento de especialização contrastaria com a consolidação da Reforma Sanitária em curso, no contexto da redemocratização do país, que culminaria com a institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS). Sob a expansão da Odontologia Social no âmbito do SUS, ressalta-se a relevância do ensino voltado para a formação da prática integrada ao contexto dos Programas de Saúde, implicando um redirecionamento curricular, no contrafluxo da fragmentação disciplinar, que acompanha os avanços da especialização.

Tendo a uniA como referência, quanto à estrutura da organização curricular, as universidades B e C reafirmam a vertente da aproximação com os serviços de assistência. À superposição dos movimentos de instalação da Reforma Sanitária e da pesquisa institucional, acrescentam-se as exigências de renovações curriculares diante da institucionalização da Lei de Diretrizes e Bases. Viabiliza-se, neste contexto, a precedência, em primeira instância, da formação generalista.

Preconizando a revisão de metodologias de ensino/aprendizagem, as Diretrizes Curriculares (Brasil, 2002) explicitam o requerimento da participação ativa dos alunos, a instituição de programas de iniciação científica, colocando-se a pesquisa como método de aprendizagem, junto à preocupação com a integração de conhecimentos. A pesquisa ou o ensino pela pesquisa - envolvendo a reorganização do currículo (Iacopino e col., 2004 e Batista e col., 2005) constituiria, entretanto, um item mais complexo no equacionamento das reformulações tanto na uniA, diante da cristalização de uma estrutura tradicional de ensino, como na uniB e uniC, que emergem no contexto das discussões da nova LDB, instituída em 1996.

Na uniC, por ocasião de sua constituição em universidade, priorizou, no primeiro quinquênio (1993-1997), a implantação do ensino de graduação e no segundo (1998-2002), a pesquisa como uma de suas prioridades10 10 UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO. 30 anos fazendo história. São Paulo, 2002. . Conforme ressalta o entrevistado, entretanto, o projeto de reestruturação a partir de 2000 está mais voltado para a comunidade, para ir transformando paulatinamente a filosofia de ensino e preparar profissionais para o trabalho com a comunidade.

Na uniB, reportando as mudanças em curso, o entrevistado refere que: [...] a universidade visa a formação do generalista, o dentista da família. [...] A escola não mudou, evoluiu. A visão é muito mais de um projeto comunitário. O Governo se preocupa com o Programa de Saúde da Família e nós temos que girar em torno deste programa. [...] o aluno precisa ter um pouco de visão de clínica médica, mas a Odontologia continua com seu ranço tecnicista.

Com relação à pesquisa, especificamente, a universidade, segundo projeto político-pedagógico (artigo 53), incentiva, no plano formal, o cultivo à atividade científica investindo em serviços de apoio (biblioteca, documentação e divulgação científica). Ao lado da instalação de cursos de pós-graduação, a instituição propõe políticas de estabelecimento de linhas prioritárias de investigação a médio e longo prazos.

Diante da singularidade das trajetórias e cenários de institucionalização dos cursos nas três universidades investigadas, descortina-se a caracterização dos espaços da pesquisa no âmbito da graduação.

Pesquisa no currículo odontológico

O currículo, de acordo com o Projeto Político Pedagógico da uniA, é constituído de disciplinas que se distribuem entre as ciências básicas, nos primeiros anos, seguidas pelo ciclo pré-clínico/laboratorial, finalizando com a prática clínica profissionalizante. Trazendo as marcas do modelo tradicional, recortado pela estrutura departamental, o currículo comporta disciplinas obrigatórias e optativas, semestrais ou anuais. O curso diurno, em regime integral, tem duração de nove semestres e o noturno, em tempo parcial, incluem 12 semestres, ambos com carga horária de 5265 horas11 11 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Odontologia. Projeto pedagógico. São Paulo, 2003a. .

De acordo com o Programa de Ensino, a disciplina de Metodologia Científica (obrigatória), propõe a iniciação do aluno nas práticas científicas, a partir de quatro módulos: conceitos (História da Ciência e das Universidades etc.), pesquisa bibliográfica, bioestatística e informática. Apontando para as diferentes fases constitutivas de uma pesquisa, o curso contempla conteúdos sobre revisão bibliográfica, formulação de problema e de hipóteses, planejamento e tipos de pesquisa, coleta e análise de dados, redação e apresentação de um trabalho. De forma complementar, a ementa de Ciências Sociais em Saúde explicita a operacionalização de conceitos, a partir de discussão de pesquisas sociais em saúde, relacionados a referenciais teórico-metodológicos envolvidos na interpretação de dados.

Dentre as mudanças curriculares mais recentes, registra-se a introdução da disciplina de Epidemiologia em Saúde Bucal, reformulando-se o ensino da disciplina de Metodologia Científica, que passou a ser ministrada no primeiro semestre do primeiro ano. De acordo com o entrevistado, na uniA, os alunos recebem (assim) forte informação sobre pesquisa, desde o início do curso. Já se fala em iniciação científica na semana de calouros e algumas disciplinas aceitam, com muita facilidade, já no primeiro ano, os alunos que queiram fazer pesquisa. Os alunos, segundo o entrevistado, têm interesse em pesquisa, básica e clínica.

Sem alcançar a organização de um ensino pela pesquisa, o peso atribuído à formação científica desde o início do curso é reveladora de uma disposição que condiz com as recomendações de Edmunds (2005) relativas à reorganização das ciências básicas, nos dois primeiros anos do curso, tendo em vista ampliar o tempo reservado à pesquisa.

O currículo da uniB, bem como o da uniC, de acordo com as informações disponibilizadas nos respectivos projetos político-pedagógicos mantém a estrutura convencional, estabelecida desde a sua fundação. Os cursos passaram de anuais para semestrais, com algumas alterações de carga horária, extinção de algumas disciplinas e incorporação de outras, fazendo parte do elenco de disciplinas o ensino de Metodologia Científica.

Aventando uma proposta integradora a uniC desenvolve módulos interdisciplinares. Com temas comuns, os módulos contam com a participação dos professores de diferentes especialidades, representando um esforço de comunicação entre as disciplinas12 Ementas disciplinares. 12 UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO. São Paulo, 2003. . Na uniB não se explicita tal preocupação, a não ser pela disciplina de Endodontia I, cujo conteúdo programático prevê interação entre as ciências biológicas e clínicas, bem como atuação conjunta com as demais disciplinas do curso13 13 UNIVERSIDADE PAULISTA. Instituto de Ciências da Saúde. Curso de Odontologia. Projeto político pedagógico. São Paulo, 2003a. .

Na uniB, o curso de Metodologia Científica I é dado na disciplina de Odontologia Social (Ética), com carga horária semanal de 2h/aula no 5º semestre. De acordo com a ementa, o curso propõe dar fundamentação teórica para o desenvolvimento de trabalhos científicos, capacitar o aluno para falar a linguagem científica, bem como ler e escrever um trabalho de pesquisa e dar ao aluno condições de análise crítica de um trabalho de pesquisa. Mostrar a importância da pesquisa para o engrandecimento da profissão e da sociedade.

Um curso de Metodologia Científica II é oferecido na disciplina de Odontologia Social (Ética), no 6º semestre, com carga horária semanal de 2h/aula. O conteúdo programático envolve temas como Ciência: teoria e fato, natureza do conhecimento científico, método científico, pesquisa - noções gerais, fases de uma pesquisa, elaboração de um relatório de pesquisa.

A ementa de Odontologia Preventiva I dispõe sobre conhecimentos de epidemiologia e bioestatística, tendo em vista capacitar o aluno a identificar e quantificar os principais problemas odontológicos que afetam a comunidade, bem como a utilização de métodos de prevenção. O conteúdo programático da disciplina inclui: Introdução à bioestatística descritiva, Apresentação tabelar e gráfica, Medidas de tendência central, Medidas de variabilidade, Intervalo de confiança, Correlação estatística, Regressão linear, Introdução à inferência estatística14 14 UNIVERSIDADE PAULISTA. Instituto de Ciências da Saúde. Curso de Odontologia. Conteúdo programático. São Paulo, 2003b. .

Na Odontologia Social e Ética o curso comporta poucas especificações de conteúdo com relação à metodologia, evidenciando maior preocupação com medidas de identificação de problemas odontológicos do que com a iniciação científica dos alunos. As ementas apontam para a inexistência de uma formatação disciplinar autônoma, não havendo indicações formais de que o ensino seja ministrado nas demais disciplinas que compõem o currículo.

Nas ementas do curso da uniC, a Metodologia Científica é ministrada em Odontologia Legal, incluindo os tópicos A pesquisa científica, Conceitos, Limites e legislação específica sobre pesquisa.

Tangenciando a valorização da pesquisa, a disciplina de Odontologia Legal explicita a distribuição do trabalho anual de pesquisa para a avaliação do aluno. Em Patologia Geral e Bucal encontramos a programação de um tema para pesquisa: a contribuição para o estudo do grau de conhecimento da população quanto ao câncer bucal. Em Prótese Parcial Removível, o conteúdo programático contempla levantamentos bibliográficos para seminários e elaborações de trabalhos escritos (monografias, relatos de casos clínicos e pesquisas de iniciação científica)12 Ementas disciplinares. 12 UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO. São Paulo, 2003. .

Diante do exposto fica evidenciado que o ensino de Metodologia Científica está presente nas três instituições, o que condiz, formalmente, com as disposições legais (Brasil, 2002). Ela aparece com presença e inserção diferenciadas nos currículos, independentemente de constituir disciplina autônoma ou não. Nesse sentido expressam distintas ordens de valorização da pesquisa.

As informações sinalizaram, de forma geral, a realização de seminários, discussões de casos clínicos, levantamento bibliográfico, estudo dirigido, discussões e dinâmicas de grupo. Tais atividades sugerem uma finalidade mais avaliativa do que estratégica, sob o ponto de vista do processo ensino-aprendizagem, observando-se a ausência de interação no decorrer do processo do planejamento e execução do trabalho. Assim, a despeito dos movimentos assinalados de reorganização curricular, evidencia-se que o processo de ensino-aprendizagem não está ancorado na busca ativa, mantendo-se, salvo situações pontuais, o modelo transmissivo. Nestas condições o ensino de Metodologia Científica, com graus diferenciados de desenvolvimento, soma-se à estrutura tradicional de ensino, de caráter disciplinar.

Pesquisa na reformulação curricular: perspectivas e desafios

Segundo o entrevistado, a uniA é uma universidade de pesquisa que avança à medida que evoluem a tecnologia, as condições financeiras, a infraestrutura - isso vem naturalmente, na medida da obtenção de recursos das entidades de fomento Fapesp, CNPq... e de recursos externos. Resguardando a pesquisa institucional, a universidade dispõe de uma Comissão de Pesquisa à qual compete traçar diretrizes para orientar ações no campo da pesquisa e estimular sua produção e qualidade. A iniciação científica se situa na esfera desta comissão. Constituindo uma das atribuições a serem desenvolvidas na graduação, o aluno deve conhecer o universo da pesquisa, no sentido de despertar o interesse, evitando trazer para pesquisa gente que não tem vocação para isso, segundo o coordenador.

Cristalizando a separação entre a esfera do ensino e da pesquisa e entre a graduação e pós-graduação, que se expressa na organização político-administrativa da universidade, estas disposições se sobrepõem à dualidade original entre a formação básica e profissionalizante. Reafirmando a formação profissional que estrutura, originalmente, os propósitos do currículo odontológico, de acordo com o entrevistado:

A pesquisa não pode ser tornar o principal; não no curso de Odontologia. O indicador da graduação, numa faculdade de Odontologia, profissionalizante, tem que ser melhor do que o indicador de pesquisa. Mesmo porque os estudantes que procuram pelo curso de graduação não vêm aqui com o objetivo primário de fazer pesquisa... Sou um professor que faz pesquisa, não um pesquisador que dá aula.

Sem traçar equivalência em termos de tradição em pesquisa institucional, o representante da uniB expressa a mesma linha de pensamento que traz implícita a negação da possibilidade de pensar o ensino pela pesquisa. Diante desta concepção prevalente, é sugestiva a afirmação:

Pesquisador é uma coisa, professor é outra. Não que o professor não possa fazer pesquisa e que o pesquisador não possa dar aula. Mas ser muito bom nas duas coisas, eu acho difícil. [...] é necessário fazer pesquisa senão você fica um professor mofado, um professor com bolor. Entretanto, é o mestrado e o doutorado que estimulam a pesquisa. A universidade é um tripé que se estrutura em torno da pesquisa, do ensino e da extensão.

Argumentando, por outro lado, em nome da importância da pesquisa no aprimoramento profissional, o entrevistado da uniC refere que a universidade sempre exigiu pesquisa. Você só podia ascender, galgar novos postos dentro da universidade através de tese e de trabalhos originais. A pesquisa amadurece o profissional, evitando que ele se torne muito repetitivo, sem horizontes. Além disso, o entrevistado comenta que não se pode isolar: mestrado é pesquisa, graduação não. Essa ideia de conjunto é que dá o verdadeiro sentido de universalidade à escola. Ao relativizar a dicotomia entre graduação e pós-graduação, entretanto, o depoimento não comporta a negação da concepção prevalente.

Dimensionando caminhos e tendências relativas à incorporação da pesquisa no ensino, conforme as Diretrizes Curriculares, o entrevistado da uniA refere que o desafio é fazer as coisas de forma sutil, com tolerância e respeito em relação ao modo de ensinar de cada disciplina. A questão que se coloca é a formação do professor não havendo, para isso, necessidade de mudanças bruscas ou rupturas na estrutura curricular. O importante é que o curso seja de regime integral, para que o aluno aproveite todas as potencialidades que a universidade oferece, sob o aspecto cultural e de pesquisa também.

Numa projeção de futuro, não se dimensiona mudanças no sentido do envolvimento do aluno com a construção de conhecimento para além do espaço da iniciação científica. Acrescentada às atividades curriculares, envolvendo, em última instância, a mobilização opcional do estudante, a iniciação científica, como um "plus" corre paralelamente à organização curricular.

A despeito da sensibilização para uma prática cientificamente consubstanciada, a formação do cirurgião-dentista pode prescindir, nesta perspectiva, do envolvimento na participação direta da construção de conhecimento.

Se estas disposições podem ser compatibilizadas com a concepção de Bertolami (2002, p. 921), relativa à importância da pesquisa, no sentido da formação de profissionais, enquanto homens e mulheres da ciência, o mesmo não se pode dizer em relação à concepção de Iacopino e colaboradores (2004, p. 47), referenciada à constituição da organização de um modelo curricular norteado pela pesquisa. Tais apreciações se aplicam igualmente às demais instituições investigadas, resguardadas as singularidades de suas trajetórias, delimitadas não só pelo tempo de sua existência, mas, também, pela natureza jurídica das mesmas.

Reportando as perspectivas e desafios de desenvolvimento da pesquisa no ensino, o diretor da uniB refere que ensinar a pesquisa na graduação é bastante interessante... e ao mesmo tempo complexo. Pressupõe que o professor desenvolva trabalho de pesquisa e, num outro plano, que o aluno seja envolvido nesse processo. Não é fácil para os nossos alunos de hoje interpretar um texto - o que compromete seu envolvimento com a pesquisa. De acordo com o entrevistado:

A disciplina de Metodologia Científica, onde o aluno aprende as técnicas de como elaborar um trabalho científico, é obrigatória para desenvolver o intelecto dele. É preciso, entretanto, desenvolver um exercício para que o aluno passe a gostar realmente de pesquisa. A legislação exige e ao mesmo tempo não exige, mas recomenda e estimula. De que maneira? Através da monitoria, iniciação científica, entendeu? Sem obrigar, mas estimular.

Diante destas considerações, o entrevistado refere que na incorporação da pesquisa no ensino:

[...] a questão curricular é a grande dificuldade. Uma coisa é você ensinar a profissão, outra coisa é você desenvolver ou estimular o aluno à pesquisa. Sabe como as duas coisas viriam juntas? Eu teria meu laboratório, cinco ou dez alunos que passariam o dia comigo, pesquisando... porque o aluno só vive a pesquisa no momento que começa a fazer pesquisa.

Reiterando a separação (de base) entre ensino e pesquisa, o depoimento aponta para dificuldades de recomposição curricular relacionada com a implantação da pesquisa no ensino - não se trata, certamente, do ensino pela pesquisa, como é explicitado nas Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2002).

A valorização do papel da pesquisa no ensino, por referência à formação do aluno, é aventada no depoimento do entrevistado da uniC, contingenciada pela dificuldade de sua concretização na prática institucional. No dizer do entrevistado:

[...] a pesquisa estimula o aluno a desenvolver raciocínio lógico, comportamento ético, integração com a sociedade. Colocá-lo em contato direto com a realidade nacional abre espaço para o desenvolvimento da pesquisa. É impressionante como se consegue transformar um aluno desatento num aluno bom, através da pesquisa, como ele se interessa pela técnica, pela escola, como ele vive o problema... O aluno tem, nesta idade, um potencial criativo muito grande que pode ser explorado. Porém, enquanto não se prestigiar (a pesquisa), remunerando bem os professores, nós não teremos uma boa pesquisa e nem interesse do professor pela pesquisa. A legislação exige iniciação em pesquisa na graduação, mas fica a cargo do professor definir o que é iniciação.

Em meio às dificuldades concretas de implantação da pesquisa no ensino, a reformulação do currículo é secundária, em nenhum momento há remissão aos modelos problematizadores de ensino (Batista e col., 2005), ressaltando-se que, por vezes, as reformas são reduzidas à aplicação de avanços tecnológicos

Nas projeções de futuro do ensino da Odontologia, o entrevistado da uniB vê o ensino como consequência do mercado de trabalho; é ele que vai balizar, que vai nortear a formação do profissional. Em relação ao modo de ensinar, estamos caminhando a passos largos para o ensino a distância. Para o entrevistado:

o arranjo curricular é secundário... não há necessidade (de alteração do currículo). A necessidade é o aluno chegar mais preparado. O grande desafio é o recebimento dos alunos com embasamento colegial, cursos de graduação com tempo integral (que permitam) viver a pesquisa.

Nesta linha de argumentação, o entrevistado da uniC ressalta que:

O principal desafio é... conseguir verbas para estas modificações. Precisa haver um aporte financeiro, neste momento, próprio para a modificação no ensino (ferramentas mais modernas: parte da informática, alunos trabalhando no computador, quadros de ensino eletrônico, transportar o avanço tecnológico para o ensino), caso contrário, nós vamos ficar no arremedo do ensino, isso exigirá mudanças grandes nas universidades.

Certamente, a mudança de currículo está no horizonte do depoente, particularmente associada à incorporação dos avanços tecnológicos de ensino, circunstanciada pela preservação da organização curricular de caráter tradicional. Segundo ele:

Muito provavelmente, o futuro do ensino vai estar na mão daquelas universidades que investiram e acreditaram no ensino de excelência. É necessário mudar o ensino, o componente pedagógico e ético das universidades juntamente com a formação dos professores. Cada vez mais temos que nos dedicar à pesquisa.

Para tanto, eu acho que estamos com currículos muito tradicionais - nós temos que mudar no sentido da integração. O grande segredo do ensino está na integralidade.

E, ainda, mudar o currículo no sentido de agregar maior interesse do aluno, até pela pesquisa... acho que isso é que daria um grande avanço (no desenvolvimento) da responsabilidade do aluno. O ensino tem que ser dinâmico.

Os depoimentos contemplam de alguma maneira, os requisitos apontados por Stashenko e colaboradores (2002, p. 927) a propósito da necessidade de estruturação institucional da pesquisa, envolvendo a constituição de massa crítica, ao lado de políticas de gestão e infraestrutura. Não se dimensiona, porém, nos cenários (futuros) apresentados, o envolvimento do aluno com a pesquisa para além dos programas de iniciação científica, enquanto atividade extracurricular. A instrução científica é contemplada de uma forma ou de outra, porém não se trata da estruturação do ensino fundamentado na pesquisa, como propõe Cunha (1997, p. 84). Segundo o autor, o mínimo que temos de fazer, quando se trata de falar em ensino pela pesquisa, é oferecer as condições básicas para o aluno produzir, isto é, ler, refletir, observar, catalogar, classificar, perguntar, enfim, ações básicas de quem investiga... o que é impossível com a lógica presente na (tradicional) estrutura curricular.

A formação em pesquisa constitui um pilar da reforma educacional, contribuindo para o enriquecimento profissional, pessoal e intelectual dos estudantes. Pensar o ensino pela pesquisa, conforme Cunha (1997), remete-nos, entretanto, a alterações complexas que ainda estão por ser perseguidas. A propósito deste percurso cabem as considerações de Schwartzman (2004, p. 502). No dizer do autor, estamos apenas iniciando a etapa mais decisiva e final das reformas educacionais, as reformas de terceira geração, que exigem um reexame profundo dos pressupostos culturais, institucionais e pedagógicos que presidem o funcionamento das nossas instituições de ensino.

Considerações Finais

O estudo evidenciou a valorização da pesquisa no espaço das reformas curriculares, em atenção às Diretrizes Curriculares (Brasil, 2002). Não se alcança, entretanto, o "ensino pela pesquisa", no sentido da reformulação do modelo pedagógico tradicional e/ou da própria organização curricular - salvo experiências pontuais, ensaiadas até o momento da realização da presente investigação.

Considerando as trajetórias de emergência e desenvolvimento da pesquisa institucional, as escolas investigadas contemplam, de uma forma ou de outra, a instrução científica, em disciplina autônoma ou não. Os alunos são estimulados a se envolverem com projetos de pesquisa no âmbito do programa de iniciação científica durante a graduação, no espaço extracurricular.

Resguardada a estrutura disciplinar, associada ao tradicional formato transmissivo de ensino, inexiste, entretanto, espaço para modelos problematizadores, fundamentado na participação ativa do aluno envolvendo rearranjos curriculares, compatíveis com a proposta do "ensino pela pesquisa".

Na singularidade de uma das vertentes desta tendência de reformulação, trata-se de resguardar a formação profissional e a preparação de pesquisadores a serem iniciados no complexo da pesquisa institucional, construído ao longo dos anos, sem "rupturas bruscas" no modelo curricular.

Em outra, na perspectiva de projeções futuras, foram aventadas dificuldades de ampliação do espaço da pesquisa. Quanto aos docentes foi apontada a questão da capacitação acadêmica comprometida com a realização de pesquisa, contingenciada pelos limites financeiros de sua disponibilização, dada a natureza jurídica destas instituições. Em relação aos alunos, foi apontada a deficiente formação pregressa. Em meio a estes entraves, a implantação de projetos de reformulação curricular coloca em relevo o imperativo das exigências do mercado de trabalho, ao lado do empenho na incorporação de modernos recursos tecnológicos de informação no esforço de reverter os tradicionais arranjos curriculares.

Diante do desafio da busca de novos caminhos de reformulação ficam subentendidos os contornos de uma estrutura político-administrativa que separa formalmente o ensino da pesquisa, que se sobrepõe à distinção entre graduação e pós-graduação e à divisão original entre a formação básica e profissionalizante.

Permanece, nestas circunstâncias, a indagação sobre o papel da pesquisa na formação em Odontologia. Formar homens e mulheres da ciência, no dizer de Bertolami (2002), requer necessariamente a mudança do modelo pedagógico atrelado ao formato específico de currículo? A mudança de formatação, por sua vez, garante o envolvimento dos alunos com pesquisa e sua preparação como pesquisadores? Ou, ainda, compete ao curso de graduação a formação de pesquisadores? É no espaço dessas ambivalências que transitam os rumos das reformas do currículo das faculdades de Odontologia das universidades estudadas, em atenção às Diretrizes Curriculares (Brasil, 2002).

Recebido em: 01/01/2010

Reapresentado em: 25/11/2010

Aprovado em: 06/12/2010

  • ARAUJO E OLIVEIRA, J. B. Ilhas de competência: carreiras científicas no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • ASHLEY, F. A. et al. Undergraduate and postgraduate dental student's "reflection on learning": a qualitative study. European Journal of Dental Education, Copenhagen, v. 10, n. 1, p. 10-19, 2006.
  • BATISTA, N. et al. Enfoque problematizador na formação de profissionais da saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 2, p. 231-237, 2005.
  • BERTOLAMI, C. N. The role and importance of research and scholarship in dental education and practice. Journal of Dental Education, Washington, DC, v. 66, n. 8, p. 918-924, 2002.
  • BRASIL. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Seção V.
  • BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Odontologia. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 mar. 2002. Seção 1, p. 10.
  • CASTELLS, E. A economia informacional, a nova divisão internacional do trabalho e o projeto socialista. Cadernos CRH, São Paulo, v. 5, n. 17, p. 5-34, 1992.
  • CONFERENCIA MUNDIAL SOBRE LA EDUCACION SUPERIOR DA UNESCO. 1998, Paris. La educación superior en el siglo XXI: visión y acción. Paris: UNESCO. 1998. Disponível em: <http://www.unesco.org/education/educprog/wche/declaration_spa.htm>. Acesso em: 29 out. 2001.
  • CUNHA, M. I. Aula universitária: inovação e pesquisa. In: LEITE, D. B. C.; MOROSINI, M. Universidade futurante: produção do ensino e inovação. 2. ed. Campinas: Papirus, 1997. p. 79-93.
  • DEMO, P. Saber pensar. Revista da ABENO, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 75-79, 2005.
  • EDMUNDS, R. K. Strategies for making research more accessible to dental students. Journal of Dental Education, Washington, DC, v. 69, n. 8, p. 861-863, 2005.
  • GIES, W. J. Dental education in the United States and Canada. Stanford: Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, 1926.
  • IACOPINO, A. M.; LYNCH, D. P.; TAFT, T. Preserving the Pipeline: a model dental curriculum for research non-intensive institutions. Journal of Dental Education, Washington, DC, v. 68. n. 1, p. 44-49, 2004.
  • LUCARELLI, E. Currículo. In: FAZENDA, I. C. A. Dicionário em construção: interdisciplinaridade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 191-196.
  • MALTAGLIATI, L. A.; GOLDENBER G. P. Curriculum reform and research in dentistry at the undergraduate level: history under construction. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 1329-1340, 2007.
  • MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 6. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1999.
  • SCHWARTZMAN, S. Educação: a nova geração de reformas. In: GIAMBIAGI, F.; REIS, J. G.; URANI, A. (Org.). Reformas no Brasil: balanço e agenda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. p. 502-510.
  • STASHENKO, P.; NIEDERMAN, R.; DePAOLA, D. Basic and clinical research: issues of cost, manpower needs, and infraestructure. Journal of Dental Education, Washington, DC, v. 66, n. 8, p. 927-933, 2002.
  • SURSALA, S. M. et al. Problem-based learning and research at the Harvard School of Dental Medicine: a ten-year follow-up. Journal of Dental Education, Washington, DC, v. 67, n. 9, p. 1003-1010, 2004.
  • O Lugar da Pesquisa na Reorganização Curricular em Odontologia: desafios de origem para um debate atual

    Research and Curricular Reform in Dentistry Undergraduate Courses: origin challenges to current problems
  • 1
    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Odontologia.
    Departamentos. São Paulo, 2004a. Disponível em: <
  • 2
    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Odontologia.
    Comissão de Pesquisa. São Paulo, 2004b. Disponível em: <
  • 3
    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Odontologia. 1934-1974. São Paulo, 1987.
  • 4
    UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO.
    Ensino-Iniciação Científica. São Paulo, 2005a. Disponível em: <
    http://www. unicid.br/ensino/ini_cient.htm> Acesso em: 18 jan. 2005.
  • 5
    UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO.
    Pós- graduação e pesquisa: grupos de pesquisa. 2005b. Disponível em: <
  • 6
    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Núcleo de Apoio aos Estudos de Graduação -NAEG-InfoUSP.
    Estatuto da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004c. Disponível em: <
  • 7
    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Núcleo de Apoio aos Estudos de Graduação - NAEG-InfoUSP.
    Brasil anos 30: a educação e a criação da USP. São Paulo, 2004d. Disponível em: <
    http://www.sampa.art.br/historia/usp/>. Acesso em: 23 nov. 2004.
  • 8
    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Odontologia. Serviço de Documentação Odontológica.
    Programas de ensino. São Paulo, 2003b.
  • 9
    UNIVERSIDADE PAULISTA.
    Pesquisas. São Paulo, 2005. Disponível em: <
  • 10
    UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO.
    30 anos fazendo história. São Paulo, 2002.
  • 11
    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Odontologia.
    Projeto pedagógico. São Paulo, 2003a.
  • Ementas disciplinares.

    12 UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO. São Paulo, 2003.
  • 13
    UNIVERSIDADE PAULISTA. Instituto de Ciências da Saúde. Curso de Odontologia.
    Projeto político pedagógico. São Paulo, 2003a.
  • 14
    UNIVERSIDADE PAULISTA. Instituto de Ciências da Saúde. Curso de Odontologia.
    Conteúdo programático. São Paulo, 2003b.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Revisado
      25 Nov 2010
    • Recebido
      01 Jan 2010
    • Aceito
      06 Dez 2010
    Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. Av. dr. Arnaldo, 715, Prédio da Biblioteca, 2º andar sala 2, 01246-904 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: +55 11 3061-7880 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: saudesoc@usp.br