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Saúde mental na atenção básica: possibilidades para uma prática voltada para a ampliação e integralidade da saúde mental

Mental health in primary care: possibilities for a practice focused on the expansion and integrality of mental health

Resumos

O presente estudo buscou conhecer como vem se configurando as práticas em saúde mental na atenção básica, através de uma equipe de Estratégia Saúde da Família (ESF), a fim de que novas reflexões sejam despertadas acerca da temática. A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas e individuais, com dez profissionais da equipe de ESF, esses tinham entre 20 e 50 anos de idade, sendo todas mulheres. A partir da análise dos dados foram identificadas as seguintes práticas: atendimento diferencial, os grupos e visitas domiciliares, a responsabilização da família e a medicalização. Estas práticas foram articuladas com as concepções de saúde mental referidas pela equipe. Os resultados indicam que as práticas assistenciais refletem a concepção de saúde mental como doença/transtorno mental; poucas vezes houve referência a práticas de caráter promocional e preventivo à saúde mental. Com isso pode-se constatar que os princípios da integralidade e de um fazer para a clínica ampliada ainda não estão presentes na referida equipe de ESF. Para a concretização de uma clínica ampliada e integral se faz necessário equipes de ESF dispostas a assumir seu papel estruturante na rede de cuidados, construindo novas concepções e práticas, pautadas nas necessidades e subjetividades que envolvem os usuários que buscam o serviço, primando por articular a rede de serviços e as práticas promocionais e preventivas da saúde mental.

Saúde mental; Atenção primária à saúde; Atenção integral à saúde


This study investigates practices in mental health at primary healthcare by a Family Health Strategy (ESF- Estratégia Saúde da Família) team, in order to prompt reflection on the subject. The survey was conducted through semi-structured and individual interviews with ten staff members of the ESF team, aged between 20 and 50 years, all women. Healthcare practices were described as "differential treatment", "groups and home visits", "accountability of the family", and "over-emphasis on medical interventions". The results indicate that the interviewees' concepts reflect practices that are heavily geared towards mental health as mental disease/disorder, which is the main focus of the team practices; these only rarely focus on health promotion and preventive mental care. Thus, it was seen that the principles of comprehensiveness and a wider clinical practice are still not present in the ESF team studied. For the implementation of a comprehensive and expanded healthcare practice, the ESF teams need to be willing to assume a pivotal role in structuring the healthcare network, building new concepts and practices that are governed by the needs and subjectivities of the users who seek the service, and striving to implement, within the network of services, practices aimed at promotion and prevention in mental healthcare.

Mental Health; Primary Care Health; Comprehensive Health Care


Saúde mental na atenção básica: possibilidades para uma prática voltada para a ampliação e integralidade da saúde mental1 1 Artigo realizado com base na dissertação de mestrado do programa de Saúde e Gestão do Trabalho da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

Mental health in primary care: possibilities for a practice focused on the expansion and integrality of mental health

Juliane de MolinerI; Stella Maris Brum LopesII

IMestre em Saúde e Gestão do Trabalho. Endereço: Rua Simeão Moritz, 155, Apto. 22, CEP 88502-125, Lages, SC, Brasil. E-mail: jumoliner@yahoo.com.br

IIProfessora Doutora do Programa de Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho, Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Endereço: Rua Uruguai, 458, CEP 88302-202, Itajaí, SC, Brasil. E-mail: stella@univali.br

RESUMO

O presente estudo buscou conhecer como vem se configurando as práticas em saúde mental na atenção básica, através de uma equipe de Estratégia Saúde da Família (ESF), a fim de que novas reflexões sejam despertadas acerca da temática. A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas e individuais, com dez profissionais da equipe de ESF, esses tinham entre 20 e 50 anos de idade, sendo todas mulheres. A partir da análise dos dados foram identificadas as seguintes práticas: atendimento diferencial, os grupos e visitas domiciliares, a responsabilização da família e a medicalização. Estas práticas foram articuladas com as concepções de saúde mental referidas pela equipe. Os resultados indicam que as práticas assistenciais refletem a concepção de saúde mental como doença/transtorno mental; poucas vezes houve referência a práticas de caráter promocional e preventivo à saúde mental. Com isso pode-se constatar que os princípios da integralidade e de um fazer para a clínica ampliada ainda não estão presentes na referida equipe de ESF. Para a concretização de uma clínica ampliada e integral se faz necessário equipes de ESF dispostas a assumir seu papel estruturante na rede de cuidados, construindo novas concepções e práticas, pautadas nas necessidades e subjetividades que envolvem os usuários que buscam o serviço, primando por articular a rede de serviços e as práticas promocionais e preventivas da saúde mental.

Palavras-chave: Saúde mental; Atenção primária à saúde; Atenção integral à saúde.

ABSTRACT

This study investigates practices in mental health at primary healthcare by a Family Health Strategy (ESF- Estratégia Saúde da Família) team, in order to prompt reflection on the subject. The survey was conducted through semi-structured and individual interviews with ten staff members of the ESF team, aged between 20 and 50 years, all women. Healthcare practices were described as "differential treatment", "groups and home visits", "accountability of the family", and "over-emphasis on medical interventions". The results indicate that the interviewees' concepts reflect practices that are heavily geared towards mental health as mental disease/disorder, which is the main focus of the team practices; these only rarely focus on health promotion and preventive mental care. Thus, it was seen that the principles of comprehensiveness and a wider clinical practice are still not present in the ESF team studied. For the implementation of a comprehensive and expanded healthcare practice, the ESF teams need to be willing to assume a pivotal role in structuring the healthcare network, building new concepts and practices that are governed by the needs and subjectivities of the users who seek the service, and striving to implement, within the network of services, practices aimed at promotion and prevention in mental healthcare.

Keywords: Mental Health; Primary Care Health; Comprehensive Health Care.

Introdução

Este artigo é resultante de uma pesquisa na rede de atenção básica de um município de Santa Catarina, que buscou identificar as práticas e concepções dos profissionais da atenção básica acerca da saúde mental e dos usuários de saúde mental, tendo como entendimento ser na atenção básica que ocorrem as práticas em vigilância da saúde2 2 Este texto assume vigilância da saúde como colocado pelo Ministério da Saúde, a partir da legislação do SUS, como o modelo de atenção. no modelo de atenção preconizado pela legislação do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo exercida pela Estratégia Saúde da Família (ESF).

O desafio que vem sendo enfrentado pelos profissionais da atenção básica é a articulação entre saúde mental e atenção básica. Pois a atenção básica através da ESF vem sendo postulada como o campo de práticas e produção de novos modos de cuidado em saúde mental, sendo exigido dessas melhorias da assistência e ampliação do acesso.

Mas a lógica que está instalada nas práticas de saúde, assim como no âmbito da saúde mental, ainda está voltada para a atenção biomédica bem como da verticalização da assistência, privilegiando a técnica e o curativo sem olhar para o sujeito e para as relações que podem ser construídas entre profissional e usuário. Algumas das rupturas presentes nos saberes e práticas que começam a ser pautados a partir do campo psicossocial, privilegia além das causas orgânicas as causas sujeito e ambiente, pois acredita-se que dessas relações, o olhar e o conhecer acerca da subjetividade dos usuários se faça possível (Carvalho e col., 2008).

No Brasil a saúde mental historicamente foi se configurando através da especificação de pessoas acometidas por doenças/transtornos mentais, sendo essas simplesmente internadas em hospitais psiquiátricos e excluídas da sociedade.

O processo de mudança da prática começou a ser discutida com a Reforma Psiquiátrica, na década de 1980, com a substituição dos atendimentos referenciados apenas na internação, para outros tipos de atendimentos extra-hospitalares e não excludentes Mas foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com a criação do SUS que as políticas de saúde mental começaram a ser formuladas de fato.

O modelo de atenção às pessoas com doença/transtorno mental, previsto pelo Ministério da Saúde para o SUS busca garantir os direitos conferidos pela Lei nº 10.216/2001, pela Política Nacional de Saúde Mental3 3 Disponível em: http://portal.saude.gov.br . Tem como objetivo reduzir progressivamente os leitos psiquiátricos e qualificar, expandir e fortalecer a rede extra-hospitalar, através dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e das Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais (UPHG); como também incluindo ações da saúde mental na atenção básica, buscando ainda implementar uma política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas, e implantar o programa "De Volta Para Casa", e ainda manter um programa permanente de formação e de recursos humanos para reforma psiquiátrica, promover direitos de usuários e familiares incentivando a participação no cuidado, que garanta tratamento digno e de qualidade ao usuário4 4 O termo usuário foi introduzido pelas leis 8.080/90 e 8.142/90 (Legislação do SUS), com o objetivo de que esses passassem de pacientes a protagonistas sociais, utilizando dos recursos públicos (Amarante, 2007). de saúde mental e ainda buscando avaliar continuamente os hospitais psiquiátricos por meio do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares - PNASH/ Psiquiatria (Brasil, 2009). Já esta nas referencias

Muitos ainda são os desafios para solidificar as políticas de saúde mental. Para que isso aconteça é necessário consolidar e ampliar a rede de atenção básica, com preceitos de base comunitária e territorial, e ainda, é necessário que o entendimento dos profissionais que atuam na atenção básica esteja voltado para a ideia de saúde, pois se entende que as concepções definem as práticas. Ainda se prevê que nos casos já instalados da doença/transtorno mental, a atenção básica busque reintegrar na comunidade as pessoas acometidas, que essas não sofram mais com a exclusão e com a violência social.

O atendimento da saúde mental no nível primário de atenção possibilita um acesso mais fácil e mais rápido aos serviços quando necessário, pois através da proximidade da comunidade com os profissionais da saúde, estes se deparam frequentemente com as problemáticas dos sujeitos e da comunidade (Delfini e Reis, 2012). Podendo assim pensar no desenvolvimento das ações do tipo preventivas e promocional de saúde mental, no nível primário de atenção básica de maneira mais efetiva.

Para que o atendimento à saúde mental aconteça em nível primário da atenção básica, é necessário que os profissionais sejam preparados a ouvirem e reconhecerem que a demanda em saúde mental vai além da doença/transtorno mental instalado, como também requer um pensar e agir pautado na atenção psicossocial, e de uma comunicação efetiva entre os profissionais de saúde com os serviços de saúde mental.

Segundo o Ministério da Saúde (Brasil, 2003) os princípios de atuação da atenção básica na saúde mental são: a noção de território, a organização da atenção à saúde mental em rede, a intersetoralidade, a reabilitação psicossocial, a multiprofissionalidade/interdisciplinar, a desistitucionalização, a promoção da cidadania dos usuários e a construção de autonomia possível de usuários e familiares.

A saúde mental na atenção básica foi se responsabilizando pela assistência de certas demandas, inicialmente identificadas nos transtornos leves e nos transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Porém, atualmente outras demandas já se apresentam na saúde mental na atenção básica, a saber: de sofrimento psíquico subjetivo relacionado a outros problemas de saúde, ou também, de adoecimentos relacionados a situações socioeconômicas e de desigualdade, entre outros, como fatores resultantes de sofrimento (Marçal, 2007).

Desde 2003, o Ministério da Saúde, através do documento "Saúde Mental e Atenção Básica: o vínculo e diálogo necessários" prioriza o apoio matricial como a forma de organização das ações de saúde mental junto à atenção básica.

Entretanto a necessidade e demanda nas unidades de atenção básica pela comunidade necessita de uma articulação eficaz no cuidado à saúde mental e territorial. Para isso a perspectiva que vem se apresentando como uma forma de melhor atendimento e abrangência é a dos Núcleos de Atenção à Saúde da Família (NASF)5 5 Antes de se configurar o NASF, pela Portaria no 154/2008, a perspectiva do matriciamento foi trazida como um arranjo institucional pelo Programa Paidéia de Campinas (SP) em 2001, dentro da organização em equipes de referência para famílias, como uma possibilidade de ampliar a clínica, na realização de projetos Terapêuticos, facilitando então a vinculação e a responsabilização das equipes, evitando-se a lógica do encaminhamento (Gomes e col., 2006). , que tem como objetivo ampliar a abrangência das ações de atenção básica, bem como sua resolubilidade. Tal vinculação ocorre na integração das equipes de saúde da família e atenção psicossocial para acompanhamento das pessoas com problemas psíquicos leves (Nunes e col., 2007).

Diante disso, este trabalho pretende reunir subsídios que contribuam para a prática da saúde mental na atenção básica, pois acredita-se que conhecer as práticas dos profissionais em relação à saúde mental neste nível de atenção e articular com as concepções de saúde mental e atenção psicossocial, permitirá que ações e práticas se tornem mais viáveis na perspectiva apresentada à atenção básica da promoção e prevenção da saúde mental.

Método

A pesquisa buscou compreender a visão dos profissionais, entendendo que esta pode ser constituída de vários pontos de vista, e estes pontos levarão a práticas diferenciadas. Neste sentido é fundamental conhecer a realidade através de uma perspectiva que valorize a visão dos sujeitos que vivem e constroem esta realidade. Como colocam Bosi e Mercado (2004), a abordagem qualitativa tem interesse no microssocial, procurando apreender a dimensão subjetiva, através da valorização da comunicação entre os atores envolvidos; assim privilegiou-se a entrevista e a observação como técnicas de pesquisa.

A pesquisa foi realizada em um município do Estado de Santa Catarina, tendo como cenário uma Unidade de Saúde da Família (USF) onde atuam duas equipes multidisciplinares, conforme Portaria GM/648/2006, sendo que apenas uma das equipes estava com seu quadro completo de profissionais. Esse estudo foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), com parecer favorável (Protocolo nº 457/09) conforme as diretrizes da Resolução 196/96 e suas complementares, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Quanto à faixa etária, os profissionais que compuseram a amostra têm entre 20 (vinte) e 50 (cinquenta) anos. Todos eles são do sexo feminino. Sobre a escolaridade, cinco possuem curso superior completo e cinco, o ensino médio. Quanto ao tempo de atuação na equipe de ESF, seis profissionais responderam que atuam há um mês, um profissional há nove meses e três afirmaram atuar entre três a sete anos. A maioria dos profissionais está há pouco tempo atuando na equipe de ESF. Esse fato pode ser justificado pela realização da coleta de dados ter acontecido quando o processo de entrada de novos profissionais ocorria devido ao concurso público, realizado em novembro de 2009.

A coleta de dados foi efetuada por meio de duas técnicas: observação de campo e entrevista semiestruturada. As entrevistas foram gravadas e transcritas. Para participar da pesquisa, os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), documento que garante a condução ética do estudo.

Os dados coletados na observação de campo foram utilizados para a caracterização do local de pesquisa, e esse foi um aspecto central no processo de coleta, análise e interpretação dos dados.

Antes da entrevista, foi realizado um processo de aproximação com o campo por meio de visitas à comunidade e à unidade de saúde. Nessas visitas realizou-se observação indireta para registrar a dinâmica da comunidade e da USF, viabilizando uma maior interação do pesquisador com o campo.

Os dados foram analisados observando o seguinte percurso: inicialmente as entrevistas foram transcritas, sendo realizada uma leitura flutuante que permitisse a apreensão das práticas. Num segundo momento, foram assinaladas palavras e expressões que poderiam dar significado a estas práticas. O terceiro momento caracterizou-se pela análise inferencial na qual se procurou articular as práticas às concepções dos profissionais em relação à saúde mental e ao usuário da saúde mental (Bogdan e Biklen, 1994; Minayo, 2010; Triviños, 1987; Lüdke e André, 1986).

Resultados e discussão

Práticas em saúde mental que permeiam o dia a dia dos profissionais da ESF: atendimento diferencial, os grupos e visitas domiciliares, a responsabilização da família e a medicalização

A rede de atenção à saúde mental vem tentando consolidar a integralidade do cuidado. Contudo as linhas de cuidado foram apresentadas de forma fragmentada. Tal como aparece à perspectiva do atendimento diferencial como uma de suas práticas, quando esses identificam demandas em saúde mental.

Mas como eu te falei quando chegam essas pessoas a gente atende de uma maneira não seria mais eficaz, mas mais diferenciada. (Entrevistado 5)

O acolhimento aqui, mesmo para as pessoas "ditas não normais" que a gente acha que são mais normais que a gente, é bem atendida, dão prioridade para essas pessoas. (Entrevistado 1)

Este usuário segundo os profissionais necessitaria de um atendimento diferenciado por ser uma pessoa não normal, existindo vários elementos que marcariam esta diferença desde a necessidade de medicamento ou atendimento no CAPS, até um comportamento diferenciado ao chegar à unidade.

Assim, o usuário de saúde mental seria o usuário que faz uso de medicação contínua indicada pelo médico, como aparece na representação das falas dos Entrevistados 1 e 7.

Para mim é essa a forma que eu te falei, a pessoa que realmente precisa estar fazendo o uso de certas medicações que venha periodicamente no psiquiatra. (Entrevistado 1)

Os que fazem uso de medicamento controlado, psicotrópico, que têm suas crises, que têm seus problemas são um monte. (Entrevistado 7)

Estes usuários já estariam condicionados ao uso contínuo de psicotrópicos, muitas vezes relacionados à necessidade de medicamentos para as tristezas e angústias que afligem suas vidas diárias, acreditando no medicamento como a possibilidade única de melhora e de ajuda. Como apresentado nas falas dos Entrevistados 8 e 6.

Eles vêm atrás de um psiquiatra, como um cardíaco vem atrás do cardiologista, ele vem atrás dos remédios dele né, para a síndrome dele que ele usa, do mesmo jeito que o hipertenso vem atrás, então eu não tenho muita diferença. (Entrevistado 8)

E já vem quando estão com alguma dificuldade ou tristeza já vem condicionando necessidade de remédio, já fazendo o pedido e achando que isso é o mais importante e tendo aquela ansiedade que a gente vê. (Entrevistado 6)

E o que a gente lida mais assim dona de casa, aposentado, pessoas que já saíram do mercado de trabalho que nunca tiveram, procuram muita medicação, sempre estão com uma dor que nunca cura, uma angústia que nunca cura, com insônia que não tem remédio. (Entrevistado 8)

O usuário confuso e que gera confusão é identificado pelos entrevistados como sendo o usuário de saúde mental. Segundo os Entrevistados 5 e 8, esses usuários são confusos muita vezes diante da procura pela USF e perante suas queixas, ou seja, não sabem o motivo que os levaram até o serviço; não corresponde à busca desses o que o profissional identifica.

São pessoas que não têm noção do que dizem, eles vêm no posto fazer alguma coisa, mas quando chegam aqui não sabem mais o querem, não sabem se vieram pegar receita, eles falam uma coisa, mas na mesma hora mudam. (Entrevistado 5)

Outro dia as dores não se relacionam, mas eles dizem o que eles estão sentindo, mas não se encaixa no contexto da conversa do que você está vendo. (Entrevistado 8)

Diante das falas apresentadas como sendo identificados os usuários de saúde mental, nos moldes que se assemelham aos sintomas dos portadores de doença/transtornos mentais, percebe-se como o olhar para aquele rotulado como "diferente" está ainda muito enraizada no discurso dos profissionais de saúde. Carvalho e colaboradores (2008) trazem reflexões pertinentes acerca de a saúde não ser mais concebida de maneira isolada e estanque, é necessário o reconhecimento de sua estreita vinculação com o contexto social, mas também para o individual do usuário, que irá permitir conhecer os limites e as possibilidades deste diante da demanda que o faz procurar pela unidade.

O usuário de saúde mental é identificado: como o confuso, o que expressa suas emoções e o portador de doença/transtorno mental

Na identificação do usuário de saúde mental como aquele confuso, também é destacado pelos entrevistados a confusão que esses usuários fazem quando lhe é explicada ou repassada alguma informação pelos profissionais, sendo pontuado pelo Entrevistado 8 a dificuldade que isso gera, mas também não o impedindo de receber e "acolher" esse usuário.

A gente tem um pouco mais de dificuldade de explicar, fazer eles entenderem o que a gente quer dizer, mas no fundo, no grosso da coisa eles são atendimentos no acolhimento igual a todos. (Entrevistado 8)

Você conversa com ele, ele não te dá muita atenção, ele te responde, ele me identifica, me conhece, mas assim tem coisas assim. (Entrevistado 4)

Também aparece nas falas dos entrevistados como identificando o usuário de saúde mental aquele que expressa suas emoções de forma a ser rotulado como "barraqueiro" como aparece nas falas dos Entrevistados 6 e 9, e ainda como sendo usuários que brigam e usam de xingamentos como o Entrevistado 5.

O cliente que a gente chama de algo chato, barraqueiro, poliqueixoso é o paciente que tem problema mental e não está sendo tratado e ninguém briga e faz escândalos porque acha bonito, mas porque tá com algum transtorno mental não tratado e acaba criando situações de estresse e faz confusões. (Entrevistado 6)

[...] de repente assim pessoas sem paciência, que às vezes tem pessoas que já chegam para fazer o maior barraco, daí você tem que ir com calma porque se você se alterar também a pessoa vai dar pulo de três metros de altura. (Entrevistado 9)

[...] eles vêm aqui me xingam me brigam, mas eu gosto deles amo eles. (Entrevistado 5)

Os entrevistados descrevem como o usuário de saúde mental, aquele portador da doença/transtorno mental, o que relatado pelo Entrevistado 6, pode já estar diagnosticado ou não, como também estando em tratamento ou não. Ressaltando o número elevado de pessoas que podem ser portadores da doença/transtorno mental e que não foram diagnosticadas e não recebem tratamento.

Na comunidade tem muito, tem vários pacientes que têm doença mental, diagnosticada que estão em tratamento, vários doentes mentais diagnosticados sem tratamento, e certamente devem ter pessoas com doença mental sem ser diagnosticadas e sem tratamento, isso tem muito, acho que tem uma quantidade que talvez não tenha noção do quanto. (Entrevistado 6)

Assim, aparece na equipe uma demanda em relação ao processo de diagnóstico deste paciente com doença mental. As falas que são apresentadas abaixo, os Entrevistados 9, 10 e 6 relatam o número elevado de pacientes portadores da doença/transtornos mentais, tais como depressão, transtorno bipolar, ansiedade e esquizofrenia, na ideia de esses já terem sido diagnosticados com as doenças/transtornos mentais correspondentes.

Com depressão tem vários, às vezes você pergunta um monte de coisa de doença, só depressão, e a maioria dos depressivos. (Entrevistado 9)

[...] tem, tem uma que é bipolar, fora os depressivos que tem bastante. (Entrevistado 10)

Quantos têm esquizofrenia aqui, quantos têm transtorno bipolar, podemos pegar os transtornos maiores, até depressão, ansiedade, esquizofrenia, bipolar, não sei. (Entrevistado 6)

Muitos estudos têm trazido à alta frequência dos transtornos mentais nos usuários das Unidades de Saúde da Família (USF), tendo o predomínio dos quadros depressivos e ansiosos, sendo esses muitas vezes de intensidade leve a moderada; para muitos dos estudiosos, esses poderiam vir a ser cuidados através de intervenções não medicamentosas (Fortes e col., 2008).

Para Saraceno e colaboradores (2001), os sintomas que mais têm caracterizado os transtornos mentais são os sintomas ansiosos que passam a ter papéis diferentes conforme a enfermidade, e o de insônia, que se configura como um sintoma comumente apresentado pelos usuários que procuram pelo atendimento nas USFs.

Os transtornos ansiosos e depressivos têm recebido um destaque muito grande na mídia, por terem se popularizado diante de seus sintomas, comumente encontrados em algum momento da vida dos indivíduos, o que pode, de alguma forma, vir a contribuir para diagnósticos prematuros e pontuais diante de queixa apresentada.

O CAPS como o cuidador da saúde mental

A existência do diagnóstico implicaria na visão da equipe no encaminhamento deste usuário para o CAPS onde estariam os profissionais habilitados ao cuidado. Segundo os Entrevistados 8 e 7.

Porque quem já tem um diagnóstico de doença mental já são todas, vão para os CAPS assim [...]. (Entrevistado 8)

Os pacientes de saúde mental aqui todos eles vão na rede, vão para os CAPS, tem profissionais mais capacitado para isso. (Entrevistado 7)

Ainda segundo Saraceno e colaboradores (2001), o diagnóstico tem papel fundamental na história e no presente da medicina assim como na psiquiatria, mas segundo eles, o diagnóstico não é decisivo no estabelecimento de uma estratégia de intervenção como também para o desenvolvimento da doença.

Ainda se verifica nos dias de hoje a grande importância dada pelo diagnóstico, ou seja, pela definição de uma doença a partir dos sintomas relatados, isso tanto tem se mostrado como uma necessidade dos profissionais da saúde como dos usuários que buscam pelo sistema de saúde, pois ainda permeiam a ideia do buscar o sistema de saúde quando o status de doente já está instalado.

Também se destaca através dos estudos citados pelos autores acima, que nos casos que envolvem a saúde mental, a hora do diagnóstico deve ser cuidadosa e não apenas focada no usuário que ali busca, mas também deve se primar o olhar e conhecer o meio familiar que esse vive, pois a variável família fornece muitas informações sobre estratégias de intervenção e o como a doença/transtorno mental se desenvolveu.

Já nas falas que se seguem abaixo, é relatada pelos entrevistados a dúvida sobre ser o CAPS uma rede de atenção a esses usuários, desconhecendo outras possibilidades de inserção desses usuários, mas identificando-os como sendo esses a serem atendidos no CAPS. Essa visão apresentada pelos entrevistados, no relato de suas falas, nos remete a relembrar a linha tênue que envolve o movimento pela saúde mental, sendo essa inicialmente conhecida nos moldes da doença e atendidas pelos hospitais, e para apenas em meados da década de 90 no Brasil iniciar movimentos em prol dos cuidados dignos e de respeito a esses usuários, sendo então eles encaminhados para a rede de atenção conhecida como CAPS.

[...] não, tem uma ali que tem problema que eu acho que vai no CAPS. (Entrevistado 9)

Tinha pessoas que eram atendidas no CAPS, mas seria assim, não sei se tem outro tratamento?. (Entrevistado 4)

O CAPS tem assumido, no cenário das novas práticas em saúde mental, o dispositivo estratégico para a reversão do modelo hospitalar. Segundo o Ministério da Saúde, o CAPS assume o papel de articulador de uma lógica de rede calcada em várias instâncias, como dos cuidados na atenção básica, ambulatoriais, leitos de hospitais gerais e iniciativas de suporte e reabilitação psicossocial dos Serviços Residenciais Terapêuticos. Mas segundo Marçal (2007), essas funções destinadas ao CAPS como organizador da rede local de saúde mental ainda é algo inatingível em plano nacional sendo ainda conhecido apenas como o local a atender a doença/transtorno mental.

Segundo Carvalho e colaboradores (2008), a atuação em saúde mental nas USFs requer uma revisão do modo de estar a serviço do outro, dos pressupostos tradicionais, da abertura ética, primando por uma nova atitude diante os usuários que buscam ajuda. Sendo assim, o profissional de saúde da USF é um ator crítico no desenvolvimento e nas práticas em saúde. Dimenstein e colaboradores (2005) apontam que muitos ainda são os entraves para a acessibilidade dos usuários de saúde mental nas USFs, que vem respondendo por menos de 10% da demanda, quando deveria ser o local privilegiado de acolhimento dos usuários, evitando que tanto os hospitais psiquiátricos como os CAPS assumam o papel de porta de entrada em saúde mental.

Ainda nos dias de hoje se nota a tendência hospitalocêntrica e das especialidades quando se trata de saúde mental, fato esse relatado nas falas dos entrevistados quando se refere que os usuários de saúde mental seja atendido pelo CAPS, não sendo então de responsabilidade da USF.

O atender a saúde mental na ESF através: do acolher diferenciado, dos grupos, da família e da medicalização

Neste contexto, a proposta de acolhimento diferenciado limita-se à agilidade do encaminhamento e à atenção para evitar o evitar "confusões". Percebe-se então que, ao atender o usuário, ainda não se tem o acolhimento, na perspectiva de acolher a subjetividade e as questões que permeiam o usuário; ainda se tem, na prática, o atender à demanda que se torna explícita e emergencial.

O acolher entra em uma das diretrizes do SUS o da integralidade, que busca atender a todos os cidadãos que busquem os serviços de saúde, e que seja garantido a eles a acessibilidade de forma universal e igualitária.

Para Franco e colaboradores (1999), o trabalho entre o profissional da saúde e o usuário deve visar à produção de relações de escuta e de responsabilização, sendo articuladas com o estabelecimento de vínculos e do compromisso no projeto de intervenção. Buscando a produção de algo que possa representar a conquista do controle do sofrimento ou da produção de saúde.

Em relação às possibilidades de atuação com este grupo, identificadas pelos profissionais, aparecem como práticas não voltadas à medicalização ou encaminhamento às atividades em grupo e à visita domiciliar.

Essas práticas foram assinaladas e relacionadas reflexivamente como práticas advindas para um fazer na atenção básica, mas que quando trazidas para atuação acabam sendo distorcidas, por um modelo que ainda permeia as concepções e práticas de profissionais e gestores de saúde.

Os grupos apresentam-se segmentados como grupos de hipertenso, de gestantes, de diabetes, entre outros. Estando a saúde mental incluída nos grupos realizados com as famílias, e ainda pouco apropriado pelos profissionais em sua atuação.

Tem né, são feito os grupos né, tem feito grupos, grupos separados, agora o doente mental, entra no da família mesmo, tem o de gestante, de idoso, tudo separado e o doente mental vai no da família, que é geral né, tem reunião com esse grupo. (Entrevistado 3)

Já a visita domiciliar é referida para os casos de usuários que não buscam a USF, sendo assim necessário o profissional, mais especificamente do médico, realizar a visita ao domicílio.

Porque tem uns que são doente mental, mas não vêm até aqui, a médica vai na casa deles. (Entrevistado 1)

[...] ela não vem muito aqui, mas a médica vai lá ver ela. (Entrevistado 2)

A visita domiciliar e os grupos podem ser usados como um instrumento facilitador tanto no que tange à abordagem ao usuário como a sua dinâmica familiar (Martins e col., 2012). Pois no âmbito da saúde mental, a família é compreendida como um dos pontos-chaves a serem trabalhados. Mas para isso, se faz necessário que a proposta a essas atividades vão além de uma compreensão do individual e busquem compreender a dinâmica que envolve os usuários e a família.

Contudo para os profissionais aqui pesquisados, a família é envolvida nas práticas quando se encontra a necessidade de sua responsabilização diante dos cuidados e das dificuldades, as quais os profissionais não incluem como sendo de sua competência.

Quando os problemas envolvem a esfera do mental, as sensações de impotência e incapacidade tornam inviáveis as construções de alternativas para o cotidiano e para o manejo delas, diante dos eventos do dia a dia. Severo e colaboradores (2007) observara que a ausência e os bloqueios da família passam a ser reforçados pelos profissionais que atendem o membro doente, e indiretamente a família.

Quando são pacientes que precisam de um responsável, daí sim, a gente vai atrás do responsável, não tem como entregar uma medicação para eles. (Entrevistado 5)

Quando tem algum problema com o paciente e não consegue resolver, a gente chama a família, chama o responsável para ajudar [...]. (Entrevistado 7)

Podemos relacionar esse papel definido às famílias, relembrando os momentos históricos que foram definindo o lugar da família em saúde mental. Constatou-se que por um longo período de negociações a família foi sendo rediscutida, para que uma nova relação fosse firmada no convívio do usuário de saúde mental junto a ela. Pois se constatou a importância de considerar a família não apenas como responsável pelo membro doente, mas como também a ser cuidada, pois quando um dos seus membros está doente, seja física seja mentalmente, no sistema familiar apresenta-se uma atmosfera de tensão.

Outro modelo de prática exercido pela equipe de ESF é a medicalização. Suas práticas entram no acompanhamento e controle para que o uso do medicamento seja feito de forma correta e contínua.

A gente só procura saber informações sobre remédio, se ele tá tomando remédio, que remédio eles estão tomando, a Dra. N. passa o fichário dos remédios que eles estão tomando até para saber. (Entrevistado 5)

Tudo que eles precisam a gente faz, se precisa buscar o remédio a gente vai, fazem visitas, as pessoas vão lá e veem se tá tomando remédio, faz injeção, vacina né, ele é bem cuidado né. (Entrevistado 2)

A medicamentalização é relatada pelos profissionais como sendo a prática principal e mais importante realizada por esses quando se identificam as demandas em saúde mental. Esse enfoque, que acaba sendo privilegiado, muitas vezes irá impedir que o profissional olhe e cuide das outras questões que permeiam os sujeitos e seus sintomas.

Mas em contrapartida de um processo que se instalou como medicalizante, aparece a reflexão acerca do papel que as equipes de ESF vêm exercendo como estratégia. Elas se percebem cumprindo o pedido do usuário, cuidando assim apenas do medicamento, refletindo sobre a existência da medicalização do sofrimento, ou seja, não se escuta, não se acolhe, não se tenta buscar uma resolução para os problemas, apenas se medicaliza.

Vem aqui e pede o remédio, e a gente dá o remédio, esse que é o pior problema, porque se fala em medicalização do sofrimento a gente já está na medicalização do conflito. (Entrevistado 6)

Percebe-se o quanto a medicalização permeia os dois vieses citados tanto nas concepções como nas práticas em saúde mental, pois esses são apresentados como a prática mais recorrente e de maior demanda aos profissionais. Contudo alguns desses conseguem perceber, que o medicar, por mais que seja um pedido do usuário e que se apresenta talvez como a prática mais imediata e resolutiva, pode estar gerando o efeito que tem sido apresentado como a única possibilidade em saúde mental na atenção básica.

O que leva a perceber o quanto ainda se faz necessário que os profissionais sejam preparados e apresentados a outras modalidades que envolvem terapêuticas que não só permeiam o curativo, mas que primem pela humanização, podendo oferecer a todo usuário um acolhimento e um vínculo seguro entre esse e a USF, assim com certeza se e estar construindo uma clínica ampliada e em prol da saúde mental.

Considerações finais

O desafio que vem sendo enfrentado pelos profissionais da atenção básica é a articulação entre saúde mental e atenção básica. Pois esta, através da Estratégia Saúde da Família (ESF), vem sendo postulada como o campo de práticas e produção de novos modos de cuidado em saúde mental. Nesta pesquisa se identificou que concepção de saúde mental perpassa o conceito de saúde igual à doença, sendo esse ainda um conceito biologista e objetivo, sem olhar para as questões subjetivas e a dimensão social que envolve os usuários, e além da concepção é necessária a prática que responda a esse novo olhar.

A concepção saúde mental igual à doença mental se apresenta através de uma prática de atendimento diferenciada pelos profissionais, que a definem através da tecnologia do acolher e priorizando o então reconhecido usuário de saúde mental, contudo o acolhimento deve ser uma ferramenta usada de forma igualitária e a fim de constituir uma relação entre profissional e usuário.

O acolher na atenção básica, se bem realizado nas práticas de saúde assim como sugere Franco e Merhy (2003), vai atender e olhar para as questões que permeiam a saúde mental, pois se buscará no acolhimento produzir ferramentas para o controle do sofrimento junto do usuário.

É imprescindível ainda que o enfoque da saúde mental não venha apenas ligado à doença mental, pois assim só se cuidará da saúde mental quando existir a doença/transtorno mental instalado, não pensando nos sofrimentos que permeiam antes da doença/transtorno mental ou instalação da doença biológica.

Para uma nova concepção e consequentemente uma nova prática, se faz necessário que a temática saúde mental tenha um novo enfoque, tanto em termos de formação dos profissionais como também dos programas de saúde, que por vezes enfocam a saúde mental apenas na prática assistencial da doença/transtorno mental. Sabe-se que a atenção básica deve atender tanto as ações de assistência como de promoção e prevenção da saúde mental, devendo essas ser articuladas, e para que isso se faça possível é necessária a ampliação do olhar para a saúde do usuário.

A medicalização também se apresenta como uma prática recorrente que remete às concepções que permeiam a saúde como doença. Pois essa se apresenta como uma das práticas mais referidas no âmbito da atenção básica em saúde mental; novamente o olhar da atenção básica se volta para a assistência até mesmo do sofrimento. Pois se assiste o sofrer através do medicamento.

As concepções inevitavelmente irão conduzir as práticas dos profissionais de saúde. Por isso falar de concepção é remeter à prática, assim como se apresentou nos resultados dessa pesquisa, pois por vezes os discursos primam para uma organização que tem no seu princípio a integralidade, porém nas suas práticas se apresentam limitadas e pouco efetivas.

Tal como a resolução dos problemas e as ferramentas para lidar com as questões vulneráveis, também aparecem ligadas à concepção saúde mental, no sentido de serem necessários aos usuários essas características para que assim se faça possível gozar de uma boa saúde mental. Porém essas características podem e devem ser também trazidas nas relações profissional da saúde e usuários, através de suas práticas pautadas no princípio da integralidade e da construção da clínica ampliada.

A prática que envolve a realização de grupos e visitas domiciliares aparece ainda pouco apropriada e estruturada pela equipe de ESF, para uma ação efetiva na atenção básica. Os grupos seguem ainda a lógica segmentada e as visitas domiciliares são apropriadas apenas nos casos de maior dificuldade. Contudo a saúde mental na atenção básica pode usar das propostas de práticas que envolvam os grupos, podendo tanto ser esses terapêuticos como operativos, pois esses dois modelos no seu desenvolvimento trazem questões relacionadas à subjetividade dos usuários e potencialização de suas ferramentas pessoais, para lidarem com as situações adversas e vulneráveis.

Outra possibilidade são as visitas domiciliares, que quando bem empregadas e realizadas pelos profissionais da saúde, pode resultar no conhecer acerca também da subjetividade bem como do sistema do qual esses fazem parte, envolvendo não apenas o olhar para o sujeito, mas para toda a sua família. Não apenas responsabilizando-a pelos cuidados, mas também cuidando dela para que o cuidado seja mais efetivo.

Tanto os grupos como as visitas se configuram como uma das possibilidades para um novo fazer em saúde mental na atenção básica, sendo necessário para a sua concretização, um olhar integral e ampliado acerca da clínica e das práticas que concernem a ela.

Agora como se pode organizar e que ferramentas podem ser usadas para possibilitar um novo fazer em saúde mental na atenção básica? Os autores deste estudo pensam que além do que já vem sendo discutido ao longo do trabalho, a prática pautada nos princípios da integralidade e da clínica ampliada,os Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF) é possibilidade de ampliação, abrangência e resolubilidade, as práticas das equipes de ESF, através do apoio matricial

Porém a trajetória que vem delimitando as práticas em saúde permeiam a doença, e até mesmo a equipe do NASF está em risco de perpetuar essa concepção, quando a Portaria nº 154 define, em suas ações para com a saúde mental, que envolvem ações tanto no âmbito da assistência da doença/transtorno mental como da promoção e instrumentalização das equipes de ESF em lidarem com a saúde mental.

Assim se apresenta nessa nova configuração de serviço o NASF, a possibilidade para um novo fazer e a possibilidade de se reforçar através das especialidades a lógica da doença e do encaminhamento; sendo assim, se faz necessário que novas pesquisas discutam a viabilidade de atuação do NASF no que permeia o seu ideal e o que tem se apresentado viável em saúde mental, partindo de uma nova concepção.

Recebido em: 16/02/2012

Reapresentado em: 14/02/2013

Aprovado em: 17/04/2013

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  • 1
    Artigo realizado com base na dissertação de mestrado do programa de Saúde e Gestão do Trabalho da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
  • 2
    Este texto assume vigilância da saúde como colocado pelo Ministério da Saúde, a partir da legislação do SUS, como o modelo de atenção.
  • 3
    Disponível em:
  • 4
    O termo usuário foi introduzido pelas leis 8.080/90 e 8.142/90 (Legislação do SUS), com o objetivo de que esses passassem de pacientes a protagonistas sociais, utilizando dos recursos públicos (Amarante, 2007).
  • 5
    Antes de se configurar o NASF, pela Portaria no 154/2008, a perspectiva do matriciamento foi trazida como um arranjo institucional pelo Programa Paidéia de Campinas (SP) em 2001, dentro da organização em equipes de referência para famílias, como uma possibilidade de ampliar a clínica, na realização de projetos Terapêuticos, facilitando então a vinculação e a responsabilização das equipes, evitando-se a lógica do encaminhamento (Gomes e col., 2006).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      16 Fev 2012
    • Aceito
      17 Abr 2012
    • Revisado
      14 Mar 2012
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