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A "Fiel", a "Amante" e o "Jovem Macho Sedutor": sujeitos de gênero na periferia racializada

The "Faithful", the "Lover" and the "Charming Young Male": gender subjects in the racialized periphery

Resumos

Neste ensaio etnográfico procura-se, com base em investigação conduzida entre jovens moradores do grande loteamento popular na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, interrogar a experiência da modernização em ambientes periféricos e empobrecidos. Com atenção específica para os efeitos estruturantes dessa modernização sobre as práticas de raça e gênero. Busca-se com isso fornecer novos elementos tanto para o debate sobre a especificidade da modernização brasileira, quanto para a compreensão das relações raciais e de gênero em contextos de pobreza. A partir dos dados produzidos por esta pesquisa pretende-se representar o "ponto de vista" dos agentes e as condições objetivas para a reprodução das desigualdades, algo que parece crucial para a elaboração de políticas adequadas de saúde sexual e reprodutiva para juventude, respeitando-se as condições interseccionais de produção da desigualdade e da violência.

Raça; Gênero; Juventude; Periferia; Modernização


In this ethnographic essay the author, based on a research study carried out among young dwellers of a big popular settlement in the Rio de Janeiro Metropolitan area, intends to investigate the modernization experience in impoverished and peripheral social environments, with specific attention to structuring effects of this modernization over race and gender practices. The aim is to introduce new elements into the debate about the specificity of Brazilian modernization, as well as into the comprehension of the race and gender relations in contexts of poverty. Based on the data, the author intends to represent the subjects' "point of view" and the objective material conditions for the reproduction of inequalities, something that seems to be crucial for public policy elaboration in the field of reproductive and sexual health to young people, regarding at the same time the intersectional social conditions for production of violence and inequality.

Race; Gender; Youth; Periphery; Modernization


ARTIGOS

A "Fiel", a "Amante" e o "Jovem Macho Sedutor": sujeitos de gênero na periferia racializada

The "Faithful", the "Lover" and the "Charming Young Male": gender subjects in the racialized periphery

Osmundo Pinho

Doutor em Ciências Sociais (Unicamp). Bolsista de Pós-Doutorado (FAPESP) no Dep. de Antropologia da Unicamp. Endereço: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - Unicamp. Rua Cora Coralina, s/n, Barão Geraldo, cep 13081-970, Campinas, São Paulo, Brasil. E-mail: osmundopinho@uol.com.br

RESUMO

Neste ensaio etnográfico procura-se, com base em investigação conduzida entre jovens moradores do grande loteamento popular na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, interrogar a experiência da modernização em ambientes periféricos e empobrecidos. Com atenção específica para os efeitos estruturantes dessa modernização sobre as práticas de raça e gênero. Busca-se com isso fornecer novos elementos tanto para o debate sobre a especificidade da modernização brasileira, quanto para a compreensão das relações raciais e de gênero em contextos de pobreza. A partir dos dados produzidos por esta pesquisa pretende-se representar o "ponto de vista" dos agentes e as condições objetivas para a reprodução das desigualdades, algo que parece crucial para a elaboração de políticas adequadas de saúde sexual e reprodutiva para juventude, respeitando-se as condições interseccionais de produção da desigualdade e da violência.

Palavras-chave: Raça; Gênero; Juventude; Periferia; Modernização.

ABSTRACT

In this ethnographic essay the author, based on a research study carried out among young dwellers of a big popular settlement in the Rio de Janeiro Metropolitan area, intends to investigate the modernization experience in impoverished and peripheral social environments, with specific attention to structuring effects of this modernization over race and gender practices. The aim is to introduce new elements into the debate about the specificity of Brazilian modernization, as well as into the comprehension of the race and gender relations in contexts of poverty. Based on the data, the author intends to represent the subjects' "point of view" and the objective material conditions for the reproduction of inequalities, something that seems to be crucial for public policy elaboration in the field of reproductive and sexual health to young people, regarding at the same time the intersectional social conditions for production of violence and inequality.

Keywords: Race; Gender; Youth; Periphery; Modernization.

"Pois meu amor

o simples toque de suas mãos

acende minha paixão".

Maridos e Esposas - Banda Calypso

Introdução

Este ensaio, de caráter basicamente etnográfico, está baseado em trabalho de campo conduzido entre 2003 e 2004, em meio a jovens moradores do grande loteamento popular chamado Jardim Catarina, na cidade de São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro1 1 É claro que a atividade de investigação científica é eminentemente coletiva. Não seria diferente nesse caso. Carla dos Santos Mattos e Herculis Toledo tiveram papel fundamental no trabalho de campo. Do mesmo modo, toda a equipe do extinto CEAB (Centro de Estudos Afro-Brasileiros) da Universidade Candido Mendes Rosana Heringer, Joselina da Silva, Simone Freitas, Rosana Carvalho, André Guimarães e Maria da Consolação Lucinda colaborou de diversas formas. . Interessava-nos naquele momento interrogar sobre a experiência da modernização, localizando-a no ambiente periférico e empobrecido com o qual nos defrontávamos. Gostaríamos de poder conferir concretude e densidade à modernização realmente existente, e seus efeitos estruturantes sobre as práticas (performances) de raça e gênero, em suas dimensões interseccionais. Esperávamos com isso poder fornecer novos elementos tanto para o debate sobre a especificidade da modernização brasileira quanto para a compreensão das relações raciais e de gênero em contextos de pobreza. Nesse sentido, convivemos por aproximadamente 18 meses na localidade, realizamos quatro grupos focais e 34 entrevistas2 2 Consideramos como parte integrante de nossa metodologia o diálogo com os agentes no campo, nesse sentido, durante o trabalho de campo realizamos palestras e oficinas em duas escolas locais. Para maior detalhamento dos aspectos políticos e metodológicos do trabalho de campo consultar Pinho, 2003. .

Será a partir dos dados produzidos por essa pesquisa que colocaremos algumas questões sobre as condições sociológicas e culturais para o entendimento da dinâmica concreta que produz as intercessões de raça e gênero, em contextos materiais estruturados pela desigualdade e pelo racismo. Compreender o "ponto de vista" dos agentes e as condições objetivas para a reprodução das desigualdades parece-nos crucial para elaborar políticas adequadas para juventude, respeitando-se as condições interseccionais de produção da desigualdade e da violência e o próprio horizonte de sentido, significativo para os jovens, sem recurso ao culturalismo pré-fabricado que envenena tantas análises. Pretendemos apresentar o mundo dos gêneros no Jardim Catarina e como esse mundo é habitado, inventado, sustentado, interpretado e contestado pelos próprios agentes, caracterizando o que chamaríamos de verdadeira guerra dos sexos. A consideração desses dados, irremediavelmente ligados ao sítio de investigação, talvez permita lançar luz sobre outros contextos de modo que não obscureça as condições de opressão nem a agência dos sujeitos.

O Sujeito e as Estruturas de Raça e Gênero

O sistema dos gêneros operantes em meios populares tem sido descrito, sob determinada perspectiva, como mais "tradicional", residindo essa tradicionalidade na "cultura popular" ou das classes populares3 3 Parece bem estabelecida na literatura brasileira a realidade dessa diferença para a vivência dos gêneros entre os "pobres" e a "classe média". Heilborn, por exemplo, diz: "certos segmentos sociais estão mais expostos à lógica cultural da modernidade, enquanto outros, como as classes trabalhadoras, compartilham distintamente desses códigos hegemônicos" (1999, p. 41). . Preferimos, entretanto, explicar essa diferença, que aparece como diferença cultural irredutível, como determinado modo possível de engajamento em performances e práticas de gênero em contextos estruturados socialmente (e também racialmente), nos quais as condições materiais de existência têm aspecto determinante, o que já foi apontado, por exemplo, por Monteiro (2002).

Sob condições de modernidade, as regras da aplicação de categorias de raça e de gênero, assim como seus conteúdos representados presumidos, estão em constante alteração, mas parecem sempre mudar para tornarem-se os mesmos. A dimensão propriamente política das classificações de raça e gênero se revela em seu caráter problemático ou nos usos práticos circunstanciados que estas categorias assumem.

Para chegar à compreensão dos efeitos político e social de sistemas de classificação social, racial ou outros qualquer, o estudo a seu respeito deve levar em conta a maneira como o sistema determina as manipulações e aplicações permissíveis de suas unidades. É no plano da pragmática do jogo retórico que o poder se introduz na classificação. (Crapanzano, 2002, p. 446)

Nesse sentido, estamos considerando as categorias de raça e gênero, ou a raça e o gênero vividos praticamente pela atuação dos sujeitos, como categorias pragmáticas de reprodução de relações de poder e dominação e não como objetos estáveis. As estruturas práticas e as categorias sociais – simbólicas por definição são o modelo para a reprodução de padrões estruturais de desigualdade. Vividas individualmente ao nível da experiência, estruturas de raça e de gênero, na verdade, produzem literalmente os agentes como indivíduos racializados ou de gênero, ou interseccionalmente racializados e de gênero – e os seus corpos como corpos gendered e racializados. Essas estruturas são tanto materiais, ancoradas no mundo material e sobredeterminadas, como simbólicas. São, por fim, estruturas performadas, que conectam a estrutura social com o mecanismo vernáculo de sua reprodução e transformação, sem pressupor um sujeito pré-discursivo (Butler, 2003; Hall, 2002).

Podemos ver assim que a expressão particular dos idiomas de gênero e raça, necessariamente precisaria traduzir e guiar os agentes na navegação pelo entorno social, configurado pela pobreza e periferalidade (Pinho, 2006). No nosso caso, o sistema dos gêneros determina, com consistência, universos distintos de sentido para garotos e garotas. Ainda que, de certo modo, meninos e meninas estejam expostos e atualizem determinados padrões socioculturais comuns, operando, nesse sentido, expectativas semelhantes no que diz respeito, por exemplo, ao trabalho e ao consumo, as chances de realização dessas aspirações parecem ser muito diferentes, ou representadas como diferente para meninos e meninas.

O mundo dos gêneros no Jardim Catarina parece justamente inflamar-se todo o tempo em volta de acesas polêmicas sobre os modos concretos e práticos para a atuação qualificada – performances – de homens e mulheres, ou para a prática dos gêneros. Uma guerra dos sexos particular e localizada, mas que traz certamente traços em comum com a experiência dos gêneros em outros contextos sociais em que estão implicadas constantes definições e negociações4 4 Cf. p.ex. ARILHA, M.; UNBEHAUM, Sandra G. e MEDRADO, B. (orgs.), 2001 e BRUSCHINI, C. e PINTO, C. R. (orgs.), 2001. . As garotas têm consciência bastante clara das desigualdades e da opressão de gênero, e discutem com ardor e detalhe esse tema, assim como alguns garotos, que são capazes de compreender com clareza o aspecto assimétrico das relações de gênero, notadamente no que diz respeito ao exercício da sexualidade em seu aspecto transitivo de dominação e de certo modo de exploração do corpo das mulheres, e as práticas – inclusive sexuais – que produzem os gêneros e as assimetrias.

Conversando com rapazes de 19 a 24 anos em um dos grupos focais que realizamos, vimos que eles comentam sobre o modo como vêem as garotas e como se sentiriam se os "os rapazes do futuro" se comportassem do mesmo modo com suas irmãs ou eventuais futuras filhas:

L.: Eu vejo isso pela minha irmã, porque eu tenho duas irmãs. Minha mãe está passando uma fase com minha irmã que é até esquisito. Minha irmã saiu de casa essa semana, foi morar com o maluco dela. Eu acho que meu pai antes de namorar com minha mãe, ele zuava: panhava filha dos outros, então agora ele está passando tudo o que ele fez com os outros. Eu acho que quando eu tiver uma filha eu vou passar por isso. Eu acho que eu não vou gostar de neguinho panhar minha filha. Ser lanchinho da madrugada

O.: O pior é que a gente nunca vai saber.

L.: A gente nunca vai saber, mas os outros vão saber. Então eu acho que a gente só vai se arrepender disso quando a gente tiver uma filha, aí a gente vai ver "Pô, tudo que eu fiz com a filha dos outros, neguinho tá fazendo com a minha".. (Grupo Focal Homens, 1924 anos)

Se essa percepção com relação às filhas, que reflete a própria atitude dos garotos com as "meninas do presente", divididas, como veremos, entre "a fiel" e as "amantes" ou o "lanchinho da madrugada", coloca-se dessa forma, com relação aos filhos homens a expectativa é outra.

D.: O homem assim, quando faz essas merdas na vida: vai pra praia sem dinheiro... É mais pra ter sua história de vida. Sabe que amanhã ou depois ele pode ter um filho homem e, vamos supor, quando tiver com seus dez anos vai chegar e falar: 'Pô, pai o que você fez da vida?' O pai vai falar assim: 'Nada, era nerd, cdf, só ficava na escola. Nunca panhei mulher, nunca traí, nunca fiz nada'. Ou então fala assim: 'Quando eu era moleque já fiz várias coisas, já quebrei vidro de escola, já fui pra praia, já voltei sem dinheiro; já peguei várias mulé... Mas eu fiz isso tudo porque eu não tinha consciência, mas você não deve fazer isso porque é errado". (Grupo Focal Homens, 1924 anos)

Se as diferenças de gênero aparecem assim refletidas na consciência dos sujeitos, do ponto de vista do uso das raças, verificamos diferenças importantes, no modo com são invocadas no dia-a-dia, em relação a categorias de gênero.

Uma das primeiras experiências de campo que tivemos no Jardim Catarina foi a observação de uma aula de educação física de garotos e garotas da 5ª. série em um dos CIEP5 5 Centros Integrados de Educação Pública, propostos originalmente pelo antropólogo e ex-senador Darcy Ribeiro, como modelos de educação pública integral e aberta à comunidade. locais. O professor dividiu a turma e propôs jogos com bolas, no final tudo acabou em voleibol. Durante o jogo, e nas atividades paralelas a ele, na torcida das garotas, nos intervalos forçados, quando a bola escapava para fora dos perímetros artificiais do campo, as brincadeiras e as piadas intercaladas, em todos esses momentos, vez por outra, eram as tradicionais "brincadeiras" raciais. Se o garoto negro chutava a bola para fora, outro garoto um pouco mais claro logo dizia: "Ih, ó lá, só podia ser preto", ou ainda, "preto é um problema, preto é a desgraça". E assim por diante. Apesar de certo constrangimento, sutilmente esboçado pelo garoto mais escuro, tudo se passava como se aquilo de fato fosse uma brincadeira, que poderia ser dirigida a qualquer um, segundo sua característica, como a um garoto mais gordinho, ou a muito magro, ou a um nordestino, como se a reiteração discursiva do lugar da diferença racial, posto em evidência pelos aspectos "pragmáticos" da utilização de categorias raciais, revelasse apenas o espírito brincalhão e um tanto cruel dos adolescentes. De um jeito ou de outro, entretanto, era a diferença que se via ali marcada e, nesse caso, a diferença racial.

Não obstante, sabemos que os padrões assimétricos de reprodução social no Brasil têm produzido ao longo do século XX significativa desigualdade em termos de educação, renda, acesso a serviços de saúde, etc.6 6 Para dados recentes sobre desigualdade racial no Brasil ver Telles, 2003; Paixão, 2003; Hasenbalg & Silva, 2003. . Inclusive em São Gonçalo, onde mesmo entre os pobres, as diferenças raciais são importantes e implicam em condições de vida e, principalmente, em perspectivas de mobilidade social, diferentes para negros e brancos (Brandão, 2004).

Como explicar que categorias raciais vividas no cotidiano de maneira imprecisa e episódica, interpretadas muitas vezes como brincadeiras, apelidos inofensivos, considerações fortuitas ou traços sui generis do estilo de comportamento de determinadas pessoas, ou seja, como um elemento da esfera das interações corriqueiras do mundo da vida, estruturadas nas relações interpessoais face a face, tenham a prevalência sociológica que parecem ter? Como explicar que categorias raciais tão residuais, como parecem ser as que encontramos em nossa experiência de campo, possam articular-se de algum modo, produzindo no plano das estruturas sociais desigualdades que podem ser descritas em termos raciais?

De posse dos dados sobre as desigualdades raciais, prevalecentes com ênfase em São Gonçalo (Brandão, 2004) e diante de nossos dados produzidos pela observação direta, pelas entrevistas e pelos grupos focais, interrogávamos em que momento categorias ou práticas raciais entram no jogo das interações do dia-a-dia. Como as desigualdades raciais são vividas na experiência dos agentes? Como as raças interferem como práticas, como categorias, como constructos ideológicos, ou como princípios estruturais, na reprodução da desigualdade social? Perguntávamos, onde está a raça e quais os seus efeitos?

Essas questões parecem ainda mais óbvias na medida em que o sistema dos gêneros apresenta-se perfeitamente prevalecente e presente na consciência dos agentes, moldando de modo coerente e impressivo o cotidiano de moças e rapazes no bairro, definindo trajetórias sociais, operando como esquemas de interpretação da própria experiência biográfica.

A seguir discutiremos algo do material de pesquisa com nossos jovens em São Gonçalo. O que, porventura, fornecerá pistas para essas questões. Dividimos o material em Grupos Temáticos, que parecem agregar campos significativos específicos para alguns dos "temas" polêmicos da experiência dos gêneros e das raças, em suas diferenciações no Jardim Catarina.

A Guerra dos Sexos

De certo ponto de vista, parece evidente, em primeiro lugar, que os modelos sociais de homem e mulher são definidos de forma necessariamente relacional. Homens e mulheres, rapazes e moças, definem-se e desenvolvem comportamentos adequados uns diante dos outros. O elemento operador dessa relação, que marca o espaço de definição do masculino e do feminino, é, de um lado, a sexualidade, como modo prático de sinalizar as diferenças de gênero em execução cotidiana; de outro lado, o vínculo social do casamento, pensado como lugar de realização pessoal individual, ou seja, constituído sob a égide do individualismo moderno, mas também como o lugar de reprodução da vida social, como a reprodução biológica materializada nos filhos, e de maturação de projetos partilhados de futuro (Leal, 1998), ou seja, os agentes parecem divididos, ou estruturados de modo contraditório, entre a sexualidade e o compromisso com a reprodução social.

Para os rapazes e para as moças, por exemplo, tanto os cuidados com a contracepção, como o cuidado com os filhos, tem significados e espaços muito diferentes na vida. Quando a namorada ou esposa está grávida:

Eles continuam com o mesmo pensamento, que podem sair a hora que quiserem, não tem nada daquele compromisso que a mulher tem de ficar em casa com o maior barrigão. Pra eles é como se fosse uma outra qualquer ali. As mãe se tiver alguém pra socorrer, então ai é que eles deixam sozinha e saem, pra eles não muda nada (Grupo Focal Mulheres, 1924 anos)

O futebol, os amigos, o grupo da esquina, tudo parece ser mais importante, e os homens não parecem dispostos a alterar seu modo de vida, consolidado entre os pares na adolescência, em função da paternidade. Assim como não parecem se interessar, ou mesmo entender, sua responsabilidade com a contracepção. A mulher deve tomar o "remédio", e com relação à camisinha:

Não quer não, não gosta, pensa que é chupar bala com papel, inventa essa historinha de sempre. E quer que a gente se previna, vá tomar pílula, não querem saber se eles tiveram relação com outra mulher e tiveram alguma doença braba e se vai passar pra gente ou não, eles querem que a gente tome remédio, se vira. Quer dinheiro: toma e vai lá, mas agora isso é sua parte. Então eles querem que você se vire para não engravidar, a parte deles não é essa, a parte deles é só ir lá e (...) (risos) (Grupo Focal Mulheres, 1924 anos)

Esse aspecto, assim como outros que discutiremos a seguir, evidencia que se existe uma ênfase na "dominação masculina" e nos padrões assimétricos de relações de gênero, as mulheres não estão nem conformadas, nem passivas, nem alienadas com as próprias condições, mas submetidas às circunstâncias concretas, matérias e simbólicas, que formam o quadro para um conflito de gênero.

A Fiel e a Amante

Na cultura popular urbana do Rio de Janeiro, a música funk tem se consolidado como linguagem privilegiada para expressão e articulação de determinados significados, ligados à performance dos gêneros e sua interpretação. E mais, como uma verdadeira arena discursiva para a elaboração de significados socialmente partilhados para a sexualidade, o corpo, o desejo e os gêneros, inclusive com uma recente e candente formação de posições de sujeito femininas (Mattos, 20067 7 MATTOS, C. dos S. A cultura funk na periferia e no front-sexual etnográfico: considerações sobre territorialidades, raça e gênero em Jardim Catarina. 2006. ; Checetto e Farias, 2002).

Uma das polêmicas de gênero presentes no universo cultural do funk, mas também claramente presente no Jardim Catarina, tem a ver com disputa entre a fiel e a amante e o modo como os homens se posicionam entre essas duas personagens. Varias canções fazem referência à fiel, à amante e àquela chamada "lanchinho da madrugada". A garota que o rapaz "escolhe" no final da noite para fazer sexo ou apenas para dar uns "amassos" frívolos, sem conseqüências. Ocorre que existe alto investimento moral e valorativo nessas figuras. Se a fiel, ou a "mina de fé", é uma garota "de família", que não é muito "agitada", nem tem "muita amizade com homem", não fala palavrão, não veste roupas curtas e decotadas e eventualmente é mesmo virgem, a amante não tem moral nem merece respeito, porque é fácil e vai com qualquer um, apenas para satisfazer o prazer do outro e, eventualmente, o seu próprio. A lógica projetada de seu desempenho nas práticas sexuais é uma lógica da gratificação imediata, da desvinculação moral e afetiva, ou seja, um descompromisso com a reprodução social nos moldes normativos prevalecentes. Por isso, a amante jamais pode ser a esposa:

Você sabe que uma garota fácil nunca que ela vai ser a esposa ideal pra você. Principalmente, vamos supor, a Maria namora o João. Maria esta traindo João comigo, aí ela quer largar João pra ficar comigo, eu vou confiar nela como? Porque do mesmo jeito que traiu o ex-namorado dela vai me trair também. (D., 17 anos)

A tensão entre as "minas de fé" e as amantes não é apenas representada, mas também vivida pelos rapazes, que precisam administrar diferentes tipos de pressão para alcançar seus objetivos, que parecem ser: de um lado, garantir uma moça de família para namorar sério e casar, ou seja, constituir família, no que isso implica de formação de um lar e estabilidade emocional e doméstica, e de outro lado, garantir o status de macho e a satisfação do desejo sexual predatório com outras garotas, as amantes. Daí, que às vezes as amantes exigem se tornar as namoradas oficiais, o que certamente provoca conflitos:

Eu comecei a namorar um das melhores amigas de minha namorada, aí eu namorei, tipo assim, uns três meses, mais ou menos. Ela não sabia que eu tinha namorada, e toda vez que eu chegava pra namorar assim até determinada hora e vinha embora, falava que tava passando mal, para poder passar um tempinho com a outra. Só que teve um tempo que ela começou a me botar no paredão, pra eu largar minha namorada e ficar com ela (Grupo Focal Homens, 1924 anos, 30/10/2004)

Determinadas convenções morais parecem definir os limites das "minas de fé" em oposição às amantes, limites relacionados à a suposta sinceridade da afeição, que uma ou outra nutre pelos rapazes, em oposição a uma atitude interesseira ou oportunista, por parte das garotas "lanchinho". Ao mesmo tempo, o que vale para as "minas de fé", não vale para as amantes, em termos de compostura ou moral social. De certa forma, os rapazes desconfiam das mulheres que parecem, sob certa ótica, perigosas ou dissimuladas, potencialmente ameaçadoras para sua honra. Por isso as "minas de fé", "caseiras", são as melhores, por que seriam mais confiáveis tanto no plano sexual, como no plano dos valores, que regeriam a conduta ordinária da vida cotidiana:

Eu acho que uma "mina de fé" te conhece do jeito que você é: pobre e sem dinheiro. Ali é que é sua "mina de fé". Hoje em dia se eu ganhar na loto, jamais vou largar minha "mina de fé" porque ela me conheceu do jeito que eu sou. Não vai me chifrar, não vai fazer nada. Agora eu vou largar ela para panhar essas mulher aí? (L., 21 anos)

Tivemos a oportunidade de assistir diretamente ao desenrolar de determinados dramas sociais envolvendo amantes e fiéis. Certa vez, participávamos de um churrasco de aniversário de V., uma de nossas principais colaboradoras no campo. A festa transcorria normalmente no quintal da casa de seus pais no mesmo quintal em que V., (branca) mora em uma pequena casa com seu marido E. (negro). A festa seguia animadíssima com um DJ (branco) tocando para uma maioria de rapazes e moças (negros) dançarem. Pagode e funk eram os gêneros predominantes. Participava da festa um dos amigos do marido da aniversariante, acompanhado de uma bonita garota que depois soubemos ser a amante dele e não a esposa. Todas as garotas da festa estavam em polvorosa, condenando o rapaz em questão e por extensão todos os homens. Já os homens se divertiam com a situação e pareciam apoiar o marido infiel. A tensão ficou mais clara, quando o DJ pôs para tocar certo funk com o seguinte refrão: "tem que ter uma amante, ter que ter uma amante, todo homem de verdade tem que ter uma amante"8 8 A música é um funk do MC Mascote chamada exatamente Tem quem ter uma Amante. A letra diz: "E tem que ter/Tem que ter/Tem que ter uma amante/Tem que ter/Tem que ter. /No Pitinga, CDD, Rio das Pedras ou no Borel/Nós pegamos as amantes, mas não deixamos a fiel/Chapadão no fim da noite eu não quero saber de nada/O que seria de nós se não fossem as mamadas?" . O grupo de rapazes, colocado como uma parede viva, todos juntos, ao fundo do quintal, se divertia, ao tempo em que as garotas, circulando entre si e com as crianças pelo quintal e no quarto da aniversariante, se enfureciam com a provocação. Enquanto isso a amante presente parecia se divertir imune à tensão, desempenhando "tranqüilona" o tipo de papel indiferente e um pouco amoral que justamente se atribuí às amantes.

O tema traição, amantes, caráter moral dos relacionamentos parece dominante não apenas como representação, mas como experiência vivida, estruturando afetos e mesmo condições de vida. Organizando-se como um aspecto estruturante das performances e narrativas de gênero, produzindo a diferença de gêneros, no que isso diz respeito à formação da subjetividade e das desigualdades de exercício de poder de modo diferencial entre homens e mulheres.

Homossexuais

Porque os agentes são indivíduos modernos, imbuídos da ética da responsabilidade e da ideologia individualista prevalecente, a sexualidade parece definindo moralmente os indivíduos, atribuindo a homens e a mulheres lugares estruturais distintos, principalmente no que se refere ao modo correto de administrar o desejo e de exercer determinada performance pública, compatível com os valores sociais ligados ao gênero e a honradez pessoal. O controle sobre o corpo feminino se exerce em benefício de sua própria respeitabilidade, e de sua família, filhos, maridos ou namorados.

Os homens e as mulheres homossexuais introduzem determinada perturbação no modelo. Apresentando-se como um elemento presente, e mesmo familiar, o comportamento homossexual é avaliado, principalmente, quando negativamente de um ponto de vista moral ou individual, ou, positivamente, como uma "opção". Cercada de mistério, a origem da inclinação sexual, parecerá a muitos, independentemente do sexo, como algo normal, a bem dizer uma escolha, ou algo indesejado, um mau costume ou comportamento. Algo feio, desagradável ou repulsivo, ainda que não necessariamente desqualificante do indivíduo como pessoa. Sem viés forte de cunho naturalístico9 9 Não podemos esquecer, todavia, a influência e a importância das igrejas evangélicas neo-pentecostais, que difundem seus próprios valores morais com vigor e em profundidade no Jardim Catarina. .

S, 21 anos, aluno da 5ª. série, um dos agentes que entrevistamos, apresentou-se como ex-soldado do tráfico e foi um dos informantes com opiniões mais "liberais" neste aspecto, tendo pontos de vistas às vezes claramente afinados com os padrões de moralidade individualistas, tidos como modernos, no que diz respeito aos gêneros e a sexualidade. É dele uma das opiniões mais tolerantes:

[O que você acha das relações sexuais com pessoas do mesmo sexo?]

Acho uma coisa normal, porque se existe o amor, tanto faz entre dois homens ou duas mulheres, é normal, porque o homem e a mulher no caso podem ser felizes, porque dois homens e duas mulheres não podem ser felizes? Acho que tem certas cabeças que são super ignorantes e eu não tenho essa ignorância não. Na minha família tem homossexual, que é o meu tio e meu padrinho, e a gente se dá super bem, eles me respeitam e eu a eles. Conheço o rapaz que vive com ele e a gente se dá super bem (S., 21 anos)

Na verdade, a presença de homossexuais no campo não parece ser incomum. Tivemos diversas oportunidades de identificar a presença de homens e mulheres homossexuais. Na escola, no barzinho da esquina, em festas, etc. De certo ponto de vista, existe uma banalização do comportamento homossexual, associado a outras formas de comportamentos "desviantes". A familiaridade com a presença homossexual poderia de certa forma diluir o preconceito?

[E vocês têm algum amigo gay? Conhecem algum menino por aqui?]

Ih, um montão!

Conheço dois que moram lá na rua e um do colégio que tem o cabelo enroladinho 'ai gente'(imita o menino efeminado). (Grupo Focal Meninos, 1418 anos, 23/10/2004)

Talvez as coisas não sejam assim tão simples, seríamos levianos em afirmar decididamente algo nesse sentido. Porque existe claramente preconceito e rejeição, mesmo entre os agentes que convivem habitualmente com homossexuais.

[Você conhece alguém que seja homossexual? Como ele é? O que você acha deles?]

Se eu conheço? Conheço. É, ele é branquinho, muito viadinho, tem muito por aqui por perto. Eu acho uma coisa muito feia, uma vez ou outra quando passa na rua, assim, o viadinho fica olhando, sempre mexe também; às vezes da vontade de voltar e tentar da um soco; sacanagem, eu acho isso muito feio (R., 19 anos)

Na opinião de uma mulher:

[ O que vc acha da relação sexual entre pessoas do mesmo sexo?]

O que acho? Como assim? Viado com viado?

[Homem com homem, mulher com mulher... Você conhece? O que você acha disso?]

Ah, sei lá! Como disse eu não tenho preconceito, mas acho que isso não poderia existir não.

[Por quê?]

Porque não, se Deus fez o homem tem de ser homem, se fez a mulher tem de ser mulher. Não mulher gostar de mulher e homem gostar de homem. É muito feio. (C., 20 anos)

Esse trecho ressalta um aspecto muito importante e que reforça nossa impressão de que o exercício da sexualidade possui a propriedade pragmática de constituir o sujeito de sua atuação, ou seja, o que faz de alguém um homem de verdade é "gostar de mulher" e demonstrar isso na prática e não o inverso. Sua identidade essencial não prescinde de seu comportamento concreto, ou mesmo presumido, no campo da sexualidade, nesse sentido essa identidade tem de ser continuamente demonstrada e sustentada.

Mais adiante, a mesma informante, ao responder o que um homem não pode (deve) fazer, coloca: "acho que comer viado! Ele pode abri a boca e falar: eu sou homem... porque nunca comi!" Então parece ser corrente na localidade que alguns homens "comem"10 10 Tem sexo na condição de ativos ou insertores. veados. O que, por um lado, parece coerente com a literatura que indica o padrão assimétrico de relações sexuais marcadas pelos papeis de gênero, no Brasil e em outros contextos latino-americanos (Fry, 1982; Giraldo e Quílez, 2000), por outro lado, revela as complexidades da sexualidade masculina na periferia e o caráter instável da norma heterossexual. De um modo ou de outro, parece evidente que, primeiro, homossexuais homens e mulheres – não são seres estranhos à comunidade nem vivem necessariamente uma vida clandestina, ou apartada, tendo presença e visibilidade pública. Diante dessa visibilidade, em segundo lugar, as opiniões se dividem entre a franca aceitação e a dificuldade de compreensão, que se traduz em repulsa ou no sentimento: "porque eles existem?"

O Jovem Macho Sedutor e a Violência

Curiosamente, os homens aparecem no material de campo como seres subjugados por seus instintos, seres quase naturais, indomáveis, agressivos e sexualmente predatórios. As mulheres, e as famílias devem se proteger desse predador incansável e impiedoso, o jovem macho sedutor, sempre disposto a fazer valer suas prerrogativas de gênero no exercício da sexualidade.

Eles se sentem porque eles são homens e que pode fazer tudo, mas eu acho que poder não pode não, porque já é uma coisa de antepassado, mas o homem já se faz essa imagem de pegador. É igual a cachorro, sabe, pega as fêmeas todinha e ninguém pode falar nada porque animal é assim. (Grupo Focal Mulheres, 1924 anos)

Sempre se valendo do exercício dessa prerrogativa no campo da sexualidade para se afirmar socialmente, em outras esferas da interação social, entre os gêneros e intragênero. As mulheres, por sua vez, parecem concebidas como seres mais "maduros", capazes, ou obrigadas, a levar em consideração as conseqüências de seus atos, motivados pelo desejo ou pela paixão. Além disso, amadureceriam mais cedo, teriam maior consciência de suas responsabilidades, seriam, enfim mais "culturais" que os homens. Os homens parecem, então, definir-se pelo exercício da sexualidade. Do mesmo modo, o recurso à violência associa-se fortemente aos ideais normativos de masculinidade.

De um modo em geral, três modalidades de condutas violentas foram apontadas pelos jovens. A violência doméstica, e na verdade muitas vezes pública, contra a mulher. As rixas entre rapazes nos bailes funk e em outros espaços. As mortes ligadas a algum tipo de criminalidade.

Essas três modalidades não têm inter-relação aparente, mas todas contribuem para a percepção de que a violência, apesar de amplamente condenada por todas as pessoas, faz parte da vida, com um mal com o qual temos de conviver e contra o qual temos de nos precaver. Em todas as três modalidades os homens são apontados como os protagonistas usuais.

No que se refere à violência doméstica, as representações sobre o gênero são o pano de fundo para o entendimento e a contestação dessa violência. Nenhum dos agentes afirmou ter participado, ou vivenciado, ou sofrido, violência doméstica, com viés de gênero, mas muitos conhecem alguém envolvido nessa circunstância. Os relatos em alguns casos são pavorosos e revelam também uma segurança presumida por parte do agressor, que parece se crer imune.

Foi na hora que ele (o pai) deu um soco no olho da minha mãe! Só ouvi a mão dele assim. Bum... Dando um soco na minha mãe. Minha mãe olhou assim... Com um olho roxo. Aquilo ma apavorou demais. Eu fui e segurei a minha mãe, eu sempre mandava ela ficar quieta 'pô, mãe não fala mais nada não, para ele não falar nada'. Ele jogava panela pro alto. (C., 20 anos)

Nas agressões domésticas, os maridos, ou mesmo namorados, são os autores recorrentemente referidos. Mesmo em relações ainda recentes, de namoro, cenas de violência e ciúmes parecem corriqueiras e, se não são aprovadas unanimemente, parecem não encontrar resistência efetiva.

São também, os homens os principais envolvidos nos conflitos relativos a disputas por prestígio e honra, muito freqüentemente motivados por razões fúteis e mesmo aparentemente incompreensíveis para os que não estão diretamente envolvidos. Alguém passa por você no baile funk e fica "encarando"; alguém da parte "velha" do Jardim Catarina começa a procurar garotas na parte "nova"; um esbarrão no ônibus. Todos esses são motivos suficientes para, em determinada situação, desencadear uma briga, que pode ter conseqüências mais ou menos graves. Na lógica das masculinidades, se alguém lhe encarar fixamente é porque quer brigar, e de um convite para o conflito um homem de verdade não pode fugir: "Quando fica muito olhando pro outro, aí pensa que é viado ou quer briga. Um dos dois. Vai tomar satisfação com ele" (Grupo Focal Meninos, 14-18 anos, 23/10/2004)

Ou ainda:

V.: Por exemplo, eu tô passando assim, aí o cara chega pra mim cheio de marra e fala: qual é, meu irmão, tá olhando pra mim porque, eu tô de verde, alguma coisa?

E.: as vezes até esbarra em você e te dá um porradão no braço...

R.: Fica provocando. (Grupo Focal Meninos, 1418 anos, 23/10/2004)

Mais uma vez podemos ver que é a fragilidade, a instabilidade e as pressões normativas sobre as identidades masculinas que as tornam tão extrovertidas. Principalmente quando confrontadas ao ambiente de segregação, periferalização e racismo.

O sentimento de desvantagem, privação e injustiça, que não se exprime usualmente nos contextos de interação no bairro, no namoro ou nas festas, é mais evidente na relação com o mundo lá fora, e a isso os rapazes parecem bastantes sensíveis.

Os atores sabem que não podem consumir sem serem, em certo sentido muito concreto, consumidos como força de trabalho. Sabem também que o mundo do trabalho é o mundo da subordinação e onde sua subordinação social parece mais clara. R. 23 anos, comenta seu desconforto ao trabalhar numa barraca que vende comida na rua:

É porque a gente vê lá na rua, a gente passa e vê muitos jovens passando sabe, então, há uma certa discriminação por quem trabalha na rua, o pessoal fala pra caramba. Então a gente sofre de discriminação porque quando a gente arruma uma namorada: Pô, você trabalha de que? Pô, sou vendedor. Vendedor de quê? (risos). Entendeu? É uma dificuldade muito grande, com preconceito, com tudo; é bom a gente ter o trabalho da gente quando a gente terminou o segundo grau, a gente corre atrás também, mas só não tem retorno

Sexo e Raça

Em nosso registro de campo, o corpo é chamado a sustentar determinados princípios estruturais, sendo produzidos, nesse espaço, representações, discursos e práticas que põem junto, de modo articulado e complexo, os gêneros, as raças e a sexualidade, revelando determinada erotização das diferenças raciais. Um aspecto já apontado, por exemplo, por Laura Moutinho (2004) chama a atenção para como as cores/raças, que parecem dissimular sua prevalência em outras esferas da existência social, quando referidas ao desejo e aos corpos sexualizados ganham visibilidade e se incorporam ao léxico das categorias do desejo, do erótico e da sexualização.

Observamos assim o registro de interpretações sobre as diferenças sexuais que atribuem, por exemplo, maior "resistência" a pessoas "de cor".

D.: A minha namorada é branca, mas eu prefiro as morenas, bem morena mesmo, queimadinha de praia... Ai Jesus!

L.: As morenas agüentam mais carinho (Grupo Focal Homens, 1924 anos)

Também aparecem referências de cunho mais proximamente racista, que valorizam as conquistas sexuais de pessoas brancas11 11 Sobre a construção social da branquidade e temas correlatos Cf.p.ex. Ware, 2004. . Comentando suas aventuras os garotos do Grupo Focal discutem:

A.: Aquela preta com cabelo de plástico (..) bota creme, um creme cheiroso...

[O que é cabelo de plástico?]

O.1: É, aquelas trancinhas.

O.: Fulano tratou uma ontem.

O.1: A de ontem era branca e tinha o cabelo bom, rapá! (Grupo Focal Homens, 1924 anos)

C., 20 anos, comenta sobre seu namorado: [O que te chamou a atenção foi o corpo dele]? "Foi o visual dele, a fisionomia do rosto dele. Um preto maravilhoso, um moreno show! Falei: preto, esculacha!" (C., 20 anos). E mais adiante, a mesma informante declara: "Adoro negão, ninguém merece!"

Outra informante, autodeclarada branca, comenta com maiores detalhes sua preferência por homens negros.

[Qual o seu tipo de homem?]

Em que sentido?

[Moreno, louro...?]

O meu... para mim... eu prefiro preto, preto.

[ E se for pra ficar com branco?]

Se for pra ficar eu até fico, mas a minha preferência mesmo é mais escurinho, o mais pretinho!

[Por quê?]

Não tem motivo não... é de mim mesmo, gosto mesmo. Eu prefiro preto. Tem muita gente que fala que preto é mais quente. Mas, eu... não é nada disso não. (J., 18 anos).

É evidente que a racialização do desejo e do erótico não aparece somente com relação aos negros. Um informante, que se declarou racialmente da seguinte forma: "tem gente que diz que eu sou parda, porque eu era branca, mas agora eu me considero parda", diz:

[Você tem alguma preferência de homem, tipo: louro, negro, moreno, branco?]

Olha, eu até falava que tinha. Quando eu era pequena eu falava que eu tinha que namorar um menino que seja louro de olhos azuis, mas eu nunca fiquei com ninguém louro de olhos azuis. (C., 17 anos)

Seria, por fim, no campo da moral, sustentado pela ação de indivíduos moralmente orientados com relação a valores, que encontraríamos determinadas representações sobre as raças e o racismo. Essas representações operam num ambiente em que as contradições de classe são determinantes para a configuração do horizonte de sentido e interpretativo dos agentes, assim como são operativas da própria experiência matizada da racialização.

Meu pai é descendente de italiano, ele é branco de olho azul, agora ele tá mais coradinho. Então quando meu pai me viu com meu primeiro namorado, branco, o segundo, um branco, mas assim meio moreno, quando me viu com o terceiro namorado, quarto... Quando ele chegava no portão, que me via no portão, ele descia e me via agarrada, sempre que ele em via agarrada com um negão no portão, aí quando eu chegava e falava' esse aqui é fulano e esse é meu pai', quando chegava lá dentro – Ai meu Deus ele falou a primeira vez para minha mãe né? – 'A minha filha tá agarrada com um negão no portão'. Sabe aquele racismo mesmo, meu pai foi racista no começo, quando eu assumi o namoro com o irmão dela (referindo-se a outra garota do Grupo) eu assumi, é meu namorado, até meu pai aceitar o nosso namoro. Ele sempre batia naquela tecla que eu não estava escolhendo direito os meus namorados. (Grupo Focal Mulheres, 19–24 anos, 13/11/2004)

Muitas situações descritas com racismo pelos agentes se referem a preconceitos manifestados por terceiros, usualmente parentes, referidos a namorados ou namoradas. A despeito do sempre ressaltado caráter "policromático" do sistema de relações raciais brasileiro, ou da dificuldade de identificação racial, baseada no ideal da mistura, as categorias raciais, mais ou menos bipolares estão presentes no repertório dos agentes, e são usadas tanto para destacar aspectos positivos ligados aos brancos, como aspectos negativos ligados aos negros. Mesmo a ideologia da miscigenação é considerada em termos críticos.

Assim, tem muitos brancos que diz que brasileiro não existe branco, que brasileiro é tudo mestiço, é tudo misturado mesmo, só que tem uns que se dividem, se destacam. (Grupo Focal Mulheres, 1924 anos, 13/11/2004)

Nesse sentido, as diferenças raciais parecem mais disponíveis à consciência discursiva, quando pensamos nesse universo das escolhas tidas com preponderantemente pessoais, que é justamente o universo das eleições afetivas e sexuais.

O racismo ainda aparece identificado no discurso dos agentes com as brincadeiras e apelidos raciais. Alguns destes minimizam o fato de essas brincadeiras raciais terem, de fato um cunho racista, para outros, entretanto, as brincadeiras raciais são, de fato, racistas. A., 22 anos, que se autodeclarou pardo, se explica:

Brinco pra caramba na escola, eu brinco com isso: Preto é fogo! Não sei que lá'. Por isso que eu não gosto de preto! Pô, mas eu sou da cor, eu falo assim brincando, cara, brinco com todo mundo lá na escola. Mas a pessoa sabe quando é brincando e quando não é. Tem uma diferença. Porque se um branco for brincar assim, acho que aí a coisa fica mais séria, entendeu? Mas você sendo da cor a pessoa vê que tá brincando, mas tá brincando mesmo. (A., 22 anos)

Não registramos no campo, entretanto, nenhuma situação em que brincadeiras raciais eram dirigidas a pessoas brancas, ou fizessem referência à cor branca. Mas, ao contrário, registramos situações em que negros aparentemente apresentavam comportamento racista. "A minha tia ela é racista, ela é preta, mas ela não gosta de preto de jeito nenhum" (C., 20 anos).

A Ultra-Modernidade e suas Contradições

Contextos sociais modernos, como os descritos acima, são ambientes pós-tradicionais, em que a tradição tem sua efetividade reduzida. Giddens (1997) define a tradição como o exercício prático da memória social, no sentido de Hawlbachs12 12 É importante lembrar como Bastide apropriou-se do mesmo equipamento teórico para definir tradição afro-brasileira (Bastide, 1971). . Essa memória social, que possui seus guardiões vigilantes, deve ser encarada como um processo social ativo, posto em ação por práticas sociais, como rituais (ou performances). Sendo assim, essas práticas da memória social operam como um meio organizador da tradição, que é, nesse sentido, viva (Giddens, 1997, p. 82). A modernidade desfaz ou desafia a tradição e seus guardiões, ou usa da tradição para seus propósitos de transformação reflexiva. A ordem social pós-tradicional é, além do mais, uma ordem social globalizada, estruturada e conectada por mecanismos de desencaixe.

Sob certo ponto de vista, a modernização favoreceria projetos de individualização na exata medida de sua aproximação a um modo de vida de classes médias e elites intelectuais e econômicas. Como já dissemos anteriormente, o ambiente social, empobrecido e periferalizado do Jardim Catarina, nos parece plenamente moderno e permite, respeitados os limites de classe social, projetos individualizantes, de sujeitos sociais modernos, que são particulares, não por razões de apego tradicional, mas por fatores estruturantes, como a própria classe social e as estruturas de reprodução social desigual, como a raça e o gênero.

A despeito da precariedade das condições materiais de existência, as "transformações da intimidade" (Giddens, 1993) parecem ter seu lugar também no Jardim Catarina. As profundas mudanças estruturais na modernidade, que alteraram o lugar da mulher na força de trabalho, estruturaram as novas distinções entre público e privado, constituíram a esfera pública e "abriram" os contextos locais, dando lugar a mudanças na relação entre sexualidade, gênero e identidade. Na medida em que o projeto reflexivo do "eu" na modernidade se consolida em todos os sujeitos sociais modernos, que recontam sua própria narrativa subjetiva como forma de conquistar segurança ontológica e de criar rotinas num mundo pós-tradicional, em que as prescrições férreas da tradição, ou de Deus, ou da Natureza, perdem força para "escolhas" individuais, a sexualidade passa a ser uma "propriedade do indivíduo", e não uma característica de sua "natureza" ou lugar social. Além disso, a própria sexualidade é inventada como saber reflexivo sobre as práticas sexuais, e seu duplo vínculo com as estruturas sociais e o sujeito (Giddens, 1993; Bozon, 2004).

Entregues à própria sorte no mundo das regras sempre em mutação, os sujeitos sociais padecem vulneráveis aos próprios apetites. A ação reflexiva dos agentes tende então a substituir a tradição por rotinas orientadas pelos mecanismos básicos da modernidade. Estas rotinas são instáveis e sua instabilidade tem efeitos diferenciais segundo o gênero, afirma Giddens. A modernização das relações sociais e entre os gêneros, e o desenvolvimento de projetos reflexivos de si, potencialmente mais racionais e democráticos, não aboliu as diferenças de gênero, mas criou novas tensões entre homens e mulheres, além de tornar evidente que a sexualidade masculina nunca foi tão "não-problemática" como os próprios homens gostariam de imaginar (Giddens, 1993).

Neste mundo desmistificado, onde as relações sociais são crescentemente vistas como a "origem" do social, um mundo em revolução, onde:

Aquilo que costumava ser "natural" torna-se cada vez mais socializado, e em parte como um resultado direto dessa socialização, os domínios da atividade pessoal e da interação começam a ser fundamentalmente alterados. A sexualidade funciona como uma metáfora para essas mudanças e é o foco para a sua expressão, particularmente com relação ao projeto reflexivo do eu. (Giddens, 1993, p. 198).

Não parece ser assim casual que o sexo é o grande assunto da cultura popular juvenil contemporânea, e com maior ênfase para a música jovem preferida por negros e pobres em todo o mundo: funk e brega no Brasil, reggueton na América Latina, raggamuffin e gangsta rap nos Estados Unidos e Caribe, e assim por diante. Não seria, assim, por tradicionalismo que os jovens do Jardim Catarina parecem tão machistas e ao mesmo tempo obcecados em submeter sexualmente as garotas. Não seria porque estão presos ao passado, mas inversamente porque são ultra-modernos e porque estão vivenciando essa modernização de si como uma contradição em relação às estruturas sociais. Contradição dos ideais de igualdade e de individualização diante da estreiteza de suas oportunidades sociais e da desigualdade real, reproduzida diariamente por meio das diferenças de gênero, do racismo e da pobreza.

Políticas públicas de promoção de saúde sexual e reprodutiva deveriam considerar os sujeitos como imersos de modo diferencial em ambientes de modernidade, e como sujeitos modernos, no sentido preciso de pós-tradicionais, com a ênfase que vimos para a linguagem da sexualidade como um modo de elaborar a própria subjetividade e identidade social. As diferenças de raça e gênero, em meio popular, também são diferenças operativas das condições do exercício do poder. E é do poder, exercido em condições de modernidade e desigualdade, que efetivamente se trata.

Preferiríamos deixar, nesse momento, a proposição de políticas públicas específicas para especialistas. De nosso material de campo, de base etnográfica, ressaltam, contudo, alguns elementos, que indicariam: primeiro, que o racismo se apresenta usualmente para a consciência dos agentes de modos contextuais, e colados a outras estruturas de reprodução social, e que as raças, porque "localizadas" no corpo, aparecem associadas à sexualidade e ao desejo; segundo, que o sistema dos gêneros, longe de configurar mera dominação masculina, revela um campo conflitivo e tenso, basicamente enquadrado pelas condições materiais de existência, de tal forma, que as garotas não podem esquecer da pobreza ao combater a opressão masculina; por fim, que a atuação social dos rapazes, e a lógica das masculinidades, o que já sabemos de um modo mais enfaticamente teórico, são parte essencial e dinâmica das relações de gênero, e qualquer política deveria levá-los em conta como sujeitos de gênero, porque é como sujeitos de gênero na periferia racializada e empobrecida que eles são formados, uns diante dos outros, assim como vis-à-vis as mulheres. É exatamente como sujeitos de gênero que os homens jovens se encontram engajados em práticas sexuais e comportamentos violentos, com os efeitos problemáticos que descrevemos acima.

Recebido em: 11/12/2006

Aprovado em: 07/05/2007

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  • WARE,V. (Org.). Branquidade: identidade branca e multiculturalismo. Rio de Janeiro: Garamond: Centro de Estudos Afro-Brasileiros, 2004.
  • 1
    É claro que a atividade de investigação científica é eminentemente coletiva. Não seria diferente nesse caso. Carla dos Santos Mattos e Herculis Toledo tiveram papel fundamental no trabalho de campo. Do mesmo modo, toda a equipe do extinto CEAB (Centro de Estudos Afro-Brasileiros) da Universidade Candido Mendes Rosana Heringer, Joselina da Silva, Simone Freitas, Rosana Carvalho, André Guimarães e Maria da Consolação Lucinda colaborou de diversas formas.
  • 2
    Consideramos como parte integrante de nossa metodologia o diálogo com os agentes no campo, nesse sentido, durante o trabalho de campo realizamos palestras e oficinas em duas escolas locais. Para maior detalhamento dos aspectos políticos e metodológicos do trabalho de campo consultar Pinho, 2003.
  • 3
    Parece bem estabelecida na literatura brasileira a realidade dessa diferença para a vivência dos gêneros entre os "pobres" e a "classe média". Heilborn, por exemplo, diz: "certos segmentos sociais estão mais expostos à lógica cultural da modernidade, enquanto outros, como as classes trabalhadoras, compartilham distintamente desses códigos hegemônicos" (1999, p. 41).
  • 4
    Cf. p.ex. ARILHA, M.; UNBEHAUM, Sandra G. e MEDRADO, B. (orgs.), 2001 e BRUSCHINI, C. e PINTO, C. R. (orgs.), 2001.
  • 5
    Centros Integrados de Educação Pública, propostos originalmente pelo antropólogo e ex-senador Darcy Ribeiro, como modelos de educação pública integral e aberta à comunidade.
  • 6
    Para dados recentes sobre desigualdade racial no Brasil ver Telles, 2003; Paixão, 2003; Hasenbalg & Silva, 2003.
  • 7
    MATTOS, C. dos S.
    A cultura funk na periferia e no front-sexual etnográfico: considerações sobre territorialidades, raça e gênero em Jardim Catarina. 2006.
  • 8
    A música é um funk do MC Mascote chamada exatamente Tem quem ter uma Amante. A letra diz: "E tem que ter/Tem que ter/Tem que ter uma amante/Tem que ter/Tem que ter. /No Pitinga, CDD, Rio das Pedras ou no Borel/Nós pegamos as amantes, mas não deixamos a fiel/Chapadão no fim da noite eu não quero saber de nada/O que seria de nós se não fossem as mamadas?"
  • 9
    Não podemos esquecer, todavia, a influência e a importância das igrejas evangélicas neo-pentecostais, que difundem seus próprios valores morais com vigor e em profundidade no Jardim Catarina.
  • 10
    Tem sexo na condição de ativos ou insertores.
  • 11
    Sobre a construção social da branquidade e temas correlatos Cf.p.ex. Ware, 2004.
  • 12
    É importante lembrar como Bastide apropriou-se do mesmo equipamento teórico para definir tradição afro-brasileira (Bastide, 1971).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Recebido
      11 Dez 2006
    • Aceito
      07 Maio 2007
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