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O fundo público e os impasses do financiamento da saúde universal brasileira

Resumos

Este artigo objetiva rever a sistematização teórica sobre o fundo público e seu papel no âmbito do capitalismo contemporâneo com a finalidade de contribuir para uma análise aprofundada sobre os impasses do financiamento da seguridade social e da saúde. A primeira parte discute os conceitos do fundo público e sua relação com o financiamento das políticas sociais, identificando a visão a respeito do fundo público como “antivalor”, bem como aborda a crítica mais presente na literatura recente sobre sua abordagem. Com base nessa análise, indaga-se, no contexto do capitalismo contemporâneo financeirizado e da atual crise do capital, quais são as fragilidades que o conceito de antivalor do fundo público para as políticas de direitos sociais vem enfrentando. A segunda parte, à luz da primeira, trata da trajetória do financiamento da seguridade social e do Sistema Único de Saúde (SUS) nos anos 1990 e 2000, com destaque para as dificuldades enfrentadas.

Fundo Público; Capitalismo Financeirizado; Financiamento da Seguridade Social; Financiamento do SUS


The objective of this article is to review the theoretical approach about Francisco de Oliveira’s (1998b) public fund, in order to contribute to a deep analysis on health and social security financing constraints. The first part discusses the concepts of public fund and its relation to social policies financing, identifying this author’s view in respect to public fund as anti-value, and also deals with the present critics in recent literature about his studies, by Behring (2009). In accordance with this analysis, it argues, in the context of financing contemporary capitalism and in the present capital crisis, about the fragilities that the concept of public fund anti-value has been facing. The second part, inspired by the first, deals with the process of Social Security and SUS financing institutionalization in the years of 1990’s and 2000’s, with particular interest to its facing constraints.

Public Fund; Financial Capitalism; Social Security Financing


Introdução

Com a fase atual do capitalismo contemporâneo, sob a dominância financeira, os interesses do capital portador de juros intensificam-se nas disputas pelos recursos do fundo público brasileiro, forçando de modo específico o incremento das despesas com juros da dívida pública no orçamento federal1 1 No Orçamento Geral da União de 2012, referente a um total de R$ 1,712 trilhão, Juros e Amortização da Dívida corresponderam a 43,98% (informação disponível em www.divida-auditoriacidada.org.br/). Particularmente, para se ter uma ideia da força soberana do capital financeiro no Brasil, em 2012 foram gastos R$ 163,5 bilhões com o pagamento específico dos juros da dívida pública, o que significa 2,0 vezes o gasto do Ministério da Saúde com ações e serviços públicos de saúde, nesse mesmo ano. . Nessas circunstâncias, em geral, o capital portador de juros, por meio de suas formas assumidas, utiliza o fundo público sob a apropriação de parte da receita pública, remunerando os títulos públicos emitidos pelo governo federal e negociados no sistema financeiro brasileiro2 2 Tais títulos compõem destacada fonte de rendimentos para os investidores institucionais, isto é, os rentistas, pois constituem mercadorias que podem ser vendidas e, portanto, reconvertidas em capital-dinheiro, contribuindo para o processo de valorização do capital. .

Na realidade, o país vive, há tempos, intensos conflitos por recursos financeiros para assegurar uma política pública universal da saúde. Esse período é marcado pelo problema do financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) que se alonga desde sua criação, pela Constituição de 1988, até o início da década de 2010. Esse período específico é justamente aquele no qual o capital portador de juros (também conhecido como capital financeiro) manteve-se soberano no movimento de valorização do capital (Marx, 1987aMARX, K. El Capital: crítica de la economía política. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1987a. v. 2.; 1987bMARX, K. El Capital: crítica de la economía política. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1987b. v. 3.; Chesnais, 2005CHESNAIS, F. (Org.). O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In: Brunhoff, S. et al. A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 35-67.)3 3 É no capítulo XXI do Livro III de O capital que Marx introduz sua análise sobre o capital portador de juros. Toda a quinta seção do Livro III de O capital (Marx, 1987b) trata do estudo do capital portador de juros. A partir desse estudo, Marx analisa algumas possibilidades de seu curso e de suas formas assumidas, levando esse capital ao desempenho de capital fictício. Além disso, em trabalho de precisão teórica sobre o conceito de capital de Marx, passando pelos conceitos de capital industrial, formas de função e suas autonomias e capital fictício, ver o capítulo 1 de Mendes (2012). . A rigor, sua forma de atuação vem, entre várias ações, marcando presença destrutiva nos orçamentos do fundo público, apropriando-se de recursos antes utilizados, provocando, assim, fragilidade na capacidade dos Estados-nação, sobretudo aqueles que construíram um Estado de bem-estar social ou mesmo os que introduziram um tipo de proteção social universal. O Brasil inclui-se nos últimos casos, por meio do estabelecimento de novos direitos, tendo por via de instituição a seguridade social (previdência, saúde e assistência social). Mais particularmente a saúde, que se pautou pelo acesso universal indicado na Constituição e viu-se constrangida no âmbito da nova fase do capitalismo contemporâneo, sob a dominância financeira.

Nessa perspectiva, a esse movimento de apropriação não escapam os recursos das políticas sociais de direitos, especialmente os da seguridade social no país, uma vez que compõem um fundo público específico de recursos federais, conforme a Constituição de 1988 e o Orçamento da Seguridade Social (OSS). O mecanismo típico dessa apropriação ficou conhecido como Desvinculação das Receitas da União (DRU), criado em 1994, sob outro nome, e que segue em vigor até 2015; ele retira 20% dos recursos desse orçamento para proporcionar a manutenção do superávit primário, assegurando o pagamento dos juros da dívida pública4 4 Esse mecanismo resultou em perda de recursos para a seguridade social, cerca de R$ 578 bilhões, entre 1995 e 2012 (Anfip, 2013). .

No desenvolvimento do Estado de bem-estar social nos países centrais do capitalismo, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, o fundo público foi o fundamento das políticas macroeconômicas, tornando-se um mecanismo-chave no processo de acumulação capitalista, assegurando, inclusive, a fortificação de uma política anticíclica, por meio do reforço da capacidade de financiamento das políticas sociais. A rigor, até hoje, o fundo público tem exercido importante função para a manutenção da expansão do capitalismo e a garantia de seu contrato social.

No Brasil, o fundo público assumiu configuração limitada, seja no padrão de financiamento do Estado em geral, seja na contribuição para a ampliação dos gastos das políticas sociais. O padrão de dominação, acumulação e distribuição capitalista brasileiro ao longo do século XX difere completamente daquele dos países capitalistas centrais, realizando-se por meio de trajetória histórica de concentração de renda. Segundo Oliveira (1989)OLIVEIRA, F. A. A economia da dependência imperfeita. 5. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989., a intervenção econômica do Estado, financiando a reprodução do capital, não se fez presente da mesma forma na reprodução da força de trabalho, mantendo um quadro de ausência de direitos sociais5 5 Nessa obra de Oliveira (1989), A economia da dependência imperfeita, e em Crítica à razão dualista, de 1975, relançada em 2003, acrescido de “O ornitorrinco” (Oliveira, 2003), o autor faz uma interpretação utilizando conceitos marxistas, muito original, da dinâmica econômica brasileira, entre o início da República até o começo da segunda metade dos anos 1970. Para uma visão sintética do pensamento de Francisco de Oliveira sobre a especificação do capitalismo brasileiro, ver Bello (2006). . Para o autor, não se trata de excluir a forte imbricação entre os fundos públicos e os capitais privados no padrão de desenvolvimento econômico brasileiro, mas apenas apontar que ele ocorreu de maneiras diferentes das dinâmicas capitalistas de países avançados. Contudo, apenas em 1988, com a atual Constituição Federal, houve a possibilidade de alteração significativa desse padrão de financiamento, particularmente na área social, com a criação do fundo público, materializado no OSS. Nessa oportunidade, Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). divulga um artigo, inspirado nas mudanças instituídas na Constituição para a garantia de direitos sociais, no qual destaca a importância do fundo público no financiamento da reprodução da força de trabalho, articulado com as políticas sociais, como aspecto estrutural do capitalismo6 6 Na realidade, o artigo “Surgimento do antivalor”, de Oliveira (1998b), foi editado primeiramente em 1988, em Novos Estudos Cebrap, n. 22, e posteriormente reeditado como primeiro capítulo em seu livro Os direitos do antivalor, de 1998. Para nossa análise nesta seção, utiliza-se sempre a referência Oliveira (1998b). . Tal fundo público é levado a se comportar como um anticapital, isto é, um antivalor, não que o sistema capitalista deixe de produzir valor, mas no sentido de que a produção do excedente social assume novas formas necessárias à sua lógica de expansão.

Bem, no contexto do capitalismo financeiro mundial e da crise estrutural do capitalismo, a intensa apropriação dos recursos do fundo público pelo capital portador de juros, particularmente do OSS, parece fazer com que esse orçamento vá perdendo grande parte de sua característica de “antivalor”, como tratado por Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda).. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é rever essa sistematização teórica sobre o fundo público do referido autor, a fim de contribuir para uma análise aprofundada sobre os impasses do financiamento da seguridade social e da saúde.

O artigo está estruturado em duas partes. A primeira parte discute os conceitos do fundo público e sua relação com o financiamento das políticas sociais, identificando a visão de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). a respeito do fundo público como antivalor, bem como é acrescentada a crítica mais presente na literatura recente sobre sua abordagem, de Behring (2009)BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63.. Além disso, com base nessa análise, indaga-se, no contexto do capitalismo contemporâneo financeirizado e da atual crise do capital, quais são as fragilidades que o conceito de antivalor do fundo público para as políticas de direitos sociais – o OSS – vem enfrentando. A segunda parte problematiza a trajetória do financiamento da seguridade social e do SUS nos anos 1990 e 2000, com destaque para as dificuldades enfrentadas na definição de seu orçamento e o comprometimento do ente federal em seu financiamento.

O fundo público e o financiamento das políticas sociais

O fundo público tem importante responsabilidade para a concretização das políticas sociais, especialmente com o advento do Estado de Bem-Estar Social – Welfare State (WS) – nos países do capitalismo central e para sua relação com o padrão de acumulação capitalista, assumido após a Segunda Guerra Mundial e mantido até meados dos anos 1970. É claro que o mundo nesse período, os famosos trinta anos gloriosos do capitalismo, propiciou alta capacidade de financiamento aos Estados e às suas políticas públicas sociais em geral, e à saúde, em particular. Dessa forma, observa-se que durante o período de consolidação do WS foi concertada uma relação peculiar entre capital e trabalho. Na empresa, o acordo estabelecido contava, de um lado, com a garantia de emprego e aumentos reais de salário e, de outro, com altos índices de produção, que se tornaram possíveis pela instituição da organização científica do trabalho. No plano social, faziam parte desse concerto a generalização e o aprofundamento da cobertura da proteção social universal pelo fundo público do Estado7 7 Para um melhor conhecimento da articulação entre o Welfare State e o padrão de acumulação capitalista, ver Marques e Mendes (2007) e Behring e Boschetti (2006). .

A presença significativa do WS, por meio de políticas anticíclicas de matriz keynesiana, marcou novo padrão de financiamento público da economia capitalista, fazendo com que a esfera pública passasse a utilizar o fundo público, conforme observação de Oliveira (1998bOLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., p. 19-20), como “pressuposto do financiamento da acumulação de capital, de um lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos sociais”.

Segundo a interpretação mais geral de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., o surgimento do capitalismo não teria sido possível sem o apoio incondicional dos recursos do Estado, ao assegurar o processo de acumulação primitiva do capital8 8 Trata-se do desenvolvimento de longo trajeto histórico, expresso por extenso processo de violência a partir dos séculos XV e XVI, como apresenta Marx no capítulo XXIV de O capital, Livro I, denominado “A assim chamada acumulação primitiva”. . Já no período do capitalismo de concorrência9 9 A fase do capitalismo de concorrência diz respeito ao período da história do capitalismo, entre 1830 a 1890, no qual a dinâmica capitalista foi marcada pela posição hegemônica do capital industrial inglês, ao se estabelecer o regime de livre-concorrência. Para um conhecimento sintético das principais características dessa fase, ver o capítulo 5 do livro de Carlos Alonso Barbosa de Oliveira intitulado Processo de industrialização: do capitalismo originário ao atrasado (Oliveira, C. A. B., 2003). , percebe-se, sob a forma considerada, que o fundo público exerce sua função ex post das condições de reprodução de cada capital particular. Contudo, Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). alerta que é justamente com o período do capitalismo monopolista de Estado – pós-Segunda Guerra Mundial –, que tem como mecanismo-chave de acumulação o WS, ao dirigir a formação da taxa de lucro para o interior do fundo público, que este assume força ex ante no financiamento da reprodução do capital e da força de trabalho.

De modo geral, nesse novo contexto, Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). afirma que o fundo público “implodiu” o valor como regra geral da reprodução ampliada do capital, retirando-o como fonte da atividade econômica e das condições de vida social capitalista. Desse modo, o autor tenta enfatizar o novo caráter que assume o fundo público, pois, mesmo fazendo parte da essência do processo de valorização do capital, assume característica contraditória, a de um anticapital. Nas palavras do autor, tem-se nova situação do fundo público:

[...] trata-se de uma relação ad hoc entre o fundo público e cada capital em particular. Essa relação ad hoc leva o fundo público a comportar-se como um anticapital num sentido muito importante: essa contradição entre um fundo público que não é valor e sua função de sustentação do capital destrói o caráter auto-reflexivo do valor, central na constituição do sistema capitalista enquanto sistema de valorização do valor. O valor, não somente enquanto categoria central, mas práxis do sistema, não pode, agora, reportar-se apenas a si mesmo: ele tem que necessariamente reportar-se a outros componentes; no caso, o fundo público, sem o que ele perde a capacidade de proceder à sua própria valorização (Oliveira, 1998bOLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., p. 29, grifo do autor).

O que se pode depreender desse momento é que a configuração do fundo público no período de consolidação do WS impõe novos elementos à natureza do padrão de financiamento público, com uma particularidade distinta que não é somente a valorização da reprodução do capital, mas, também, a reprodução da força de trabalho. Segundo Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., nesse período de forte intervenção estatal na economia capitalista, o conceito de fundo público deve ser concebido muito mais como um mecanismo que assume à frente do período anterior do capitalismo sob autorregulação. Nessa linha, Oliveira (1998aOLIVEIRA, F. A. A economia política da social-democracia. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 49-61. (Coleção Zero à Esquerda)., p. 53) assinala, claramente, a dimensão contraditória desse conceito:

[...] Ele não é, portanto, a expressão apenas de recursos estatais destinados a sustentar ou financiar a acumulação de capital; ele é um mix que se forma dialieticamente e representa na mesma unidade, contém na mesma unidade, no mesmo movimento, a razão do Estado, que é sociopolítica, ou pública, se quisermos, e a razão dos capitais, que é privada. O fundo público, portanto, busca explicar a constituição, a formação de uma nova sustentação da produção e da reprodução do valor, introduzindo, mixando, na mesma unidade, a forma valor e o antivalor, isto é, um valor que busca a mais-valia e o lucro, e uma outra fração, que chamo antivalor, que por não buscar valorizar-se per se, pois não é capital, ao juntar-se ao capital, sustenta o processo de valorização do valor.

Nessa forma de conceituação, Oliveira (1998a)OLIVEIRA, F. A. A economia política da social-democracia. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 49-61. (Coleção Zero à Esquerda). trata de forma precisa a particularidade que esse novo padrão de financiamento público assume como fundo público na produção de valor, no processo de reprodução do capital. Trata-se de um desempenho contraditório no qual o fundo público se desenvolve como agente do antivalor, a um tempo em que mantém sua forma valor. Parece, sim, inovadora, essa forma de apresentação acerca do conceito de fundo público na fase de acumulação capitalista em articulação com o WS. Melhor ainda, entendemos que o autor busca uma precisão teórica para a nova configuração do fundo público, sua especificação naquele período. A forma de ação do fundo público como antivalor acaba por constituir “antimercadorias sociais, pois sua finalidade não é a de gerar lucros, nem mediante sua ação dá-se a extração da mais-valia” (Oliveira, 1998bOLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., p. 29). Essa função dialética do fundo público revela uma tendência à desmercantilização da força de trabalho, uma vez que os fatores para sua reprodução, representados pela ampliação do salário indireto, são antimercadorias sociais, de acordo com o autor. Ao promover a indexação dos benefícios sociais ao salário, conduz para que este, então, assuma a função de parâmetro básico da produção de bens e serviços sociais, em um processo oposto à extração da mais-valia.

É importante ressaltar que o raciocínio de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). não desconsidera em momento algum a ideia de que o fundo público no capitalismo monopolista de Estado, com as transformações operadas pelo WS, deixa de exercer a função de articulador para a produção do valor, necessário à acumulação capitalista, e, assim, da mais-valia. A produção de mercadoria é, basicamente, a produção de mais-valia, lembrando que o trabalhador produz não para si, mas para o capital, servindo à sua autovalorização. O que, na realidade, torna-se diferente é o peso que o salário indireto do trabalhador, constituído por benefícios sociais, assume nessa fase da acumulação capitalista, fazendo com que o fundo público funcione como pressuposto geral de cada capital em particular, convertendo a fórmula do capital em anti-D – D – M – D’(-D), uma vez que o último dado da expressão volta a se colocar no início dela como anti-D, ou seja, uma quantidade de moeda que não se põe como valor. Trata-se de reconhecer que a taxa de mais-valia diminui pela presença das “antimercadorias sociais”, que passam a funcionar como substitutos do capital variável na composição da mercadoria, transformando sua equação c + v + m em -c + c + v (-v) + m.

Nas palavras de Oliveira (1998bOLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., p. 35), a característica sintética e contraditória do fundo público torna-se evidente:

[...] é o anti-valor, menos no sentido de que o sistema não mais produz valor, e mais no sentido de que os pressupostos da reprodução do valor contêm, em si mesmos, os elementos mais fundamentais de sua negação. Afinal, o que se vislumbra com a emergência do antivalor é a capacidade de passar-se a outra fase, em que a produção do valor, ou de seu substituto, a produção do excedente social, toma novas formas, E essas novas formas, para relembrar a asserção clássica, aparecem não como desvios do sistema capitalista, mas como necessidade de sua lógica interna de expansão.

O autor vai além em sua reflexão sobre a força contraditória do fundo público como antivalor, chegando ao limite de contestar o caráter, inclusive, de seu desdobramento como mecanismo de anulação do fetiche da mercadoria. Isso porque a remuneração da força de trabalho tem, evidentemente, por prioridade os itens sociais, como resultado de uma tensão política entre o capital e o trabalho, abertamente exposta. É com esse sentido que Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). expõe sua ideia geral de que o trabalho não pago, peça-chave da mais-valia, diminui socialmente. Porém, com tudo isso, o autor admite que seria uma ironia dizer que o mundo contemporâneo dos trinta anos gloriosos fosse totalmente desfetichizado, uma vez que a sociedade de massas, e nós acrescentaríamos, na linha dos adeptos da teoria social crítica – a Escola de Frankfurt –, a sociedade da razão de instrumento, pudesse ser concebida sem sua excessiva fetichização.

Oliveira (1998bOLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., p. 35-36), ainda a respeito dessa indagação sobre a potência do fetiche da mercadoria, observa que:

Pode-se, apenas, sugerir que no lugar do fetiche da mercadoria colocou-se um fetiche do Estado, que é finalmente o lugar onde se opera a viabilidade da continuação da exploração da força de trabalho, por um lado, e de sua des-mercantilização, por outro, escondendo agora o fato de que o capital é completamente social.

Com base na perspectiva a respeito do caráter transformador que o fundo público assume no desenvolvimento do Welfare State, comentado por Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., não se pode afirmar categoricamente que a mercadoria não tenha inclusive valor e até perdido sua fetichização. De certo modo, na perspectiva dialética de Marx, em que Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). apoia-se fielmente, torna-se importante sublinhar o movimento contraditório dessa mercadoria, no qual, por meio do fundo público, “revolucionam-se” as condições de distribuição e consumo pelo lado da força de trabalho e as condições de circulação pelo lado do capital. Nesse sentido, pode-se indagar o caráter da mercadoria nesse período, a ponto de entendermos que o fundo público abre a possibilidade de declarar que a mercadoria, sendo valor, não é, e que não sendo valor, é.

Interessante, aqui, é reconhecer, em caráter geral, que Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). desenvolve essa análise como um pano de fundo mais amplo para o entendimento da particularidade do novo quadro institucional brasileiro, sob a égide da Constituição Federal de 1998. Essa Constituição fez avançar na consagração de novos direitos sociais e princípios de organização da política social, os quais, pelo menos quanto às suas definições, modificaram alguns pilares básicos do sistema anterior de proteção social. A Constituição procurou garantir direitos básicos e universais de cidadania, estabelecendo o direito à saúde, assistência social e previdência em capítulo específico, o da seguridade social. Além disso, ficou assegurado que essas políticas sociais universais fossem financiadas por um fundo público específico, o OSS. Ainda que Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). não se refira à situação brasileira, restringindo-se em especial ao novo momento de desenvolvimento do WS e à sua economia política sob o domínio da social-democracia, contribui de modo relevante para o entendimento do novo período de acumulação capitalista no país, no qual também reforça o fundo público com esse sentido de “antivalor”, por meio da instituição do OSS.

Behring (2009)BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63. também insiste na fecundidade do pensamento de Francisco de Oliveira sobre o fundo público, principalmente sobre a importância que possui como mecanismo de financiamento para a reprodução do capitalismo. Behring (2009)BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63., inclusive, destaca a ideia geral de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). de que há uma incompatibilidade entre o padrão de financiamento público e o internacionalismo produtivo e financeiro, ao romper com o círculo virtuoso do período do Estado de bem-estar social, uma vez que os recursos públicos – antes dirigidos a investimentos nacionais – passam a ser orientados a outros países, no mesmo momento em que cada Estado-nação continua mantendo os gastos públicos para a reprodução de sua força de trabalho e do capital.

Contudo, Behring (2009)BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63. critica a tese de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). no tocante à ideia de antivalor ou, especificamente, a relação entre antivalor e não extração da mais-valia10 10 Destaca-se, aqui, a análise crítica de Behring (2009) a respeito do trabalho de Oliveira (1998b) sobre o fundo público. Isso porque a autora, por meio de texto específico, oferece sistematização dos argumentos principais de Oliveira (1998b) e apresenta as principais críticas, com as quais muitos outros autores acabam por concordar. Entre esses autores, ver, particularmente, os trabalhos de Behring e Boschetti (2006) e Salvador (2010a). Este último apresenta, ainda, outras críticas ao trabalho de Oliveira (1998b). . A questão colocada pela autora é que a tese de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). é polêmica, especialmente quanto ao raciocínio desenvolvido por ele do sentido amplo da função do fundo público. A autora argumenta que essa visão passa a ser contraditória em relação àquilo que ele sustenta, pois o fundo público constitui mecanismo estruturado para a geração de valor, de um lado, e, de outro, que o capital não se utiliza dele para a reprodução. Isso porque não se pode desconsiderar que o desempenho que o fundo público fornece para a reprodução geral do capital, por meio de subsídios, de negócios de títulos públicos, de garantias de financiamento e reprodução da força de trabalho acaba por centralizar sua responsabilidade na fonte de criação de valor. Ainda que o fundo público não gere diretamente mais-valia, Behring (2009)BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63. permanece com o argumento de que isso já acontece quando o Estado participa diretamente como produtor. A autora reconhece que essa situação não é a mais defendida pelo capital, configurando-se como exceção, pois há infraestrutura produtiva, preços subsidiados de matérias-primas e energia e outras situações conjunturais. Ela assinala que é inadmissível pensar o fundo público desvencilhado de sua atuação na produção da mais-valia, uma vez que participa do ciclo da produção. Em suas palavras:

[...] o fundo público, tencionado pela contradição entre a socialização da produção e a apropriação privada do produto do trabalho social, atua realizando uma punção de parcela da mais-valia socialmente produzida para sustentar, num processo dialético, a reprodução da força de trabalho e do capital, socializando custos da produção e agilizando os processos de realização da mais-valia, base da taxa de lucros. Talvez aqui tenhamos a necessidade, não da revisão da lei do valor em Marx, como sugere Oliveira, mas de analisar detidamente os mecanismos de transformação da mais-valia em salários, juros, lucros e renda da terra, e o lugar do fundo público no capitalismo contemporâneo que opera transferências de valor, transmutando-as nessas formas e favorecendo forças hegemônicas quanto à apropriação privada da mais-valia socialmente produzida, ou participando diretamente da reprodução do capital e do trabalho por meio das mais variadas configurações da intervenção estatal, ainda que em tempos de suposta retomada do liberalismo (Behring, 2009BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63., p. 55, grifo nosso).

As palavras de Behring (2009)BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63. são importantes, em primeiro lugar, em relação a reforçar o papel do fundo público em uma economia capitalista, fortificando seu caráter contraditório como um mecanismo constituído por tensões. Porém, em nenhum momento parece, como a autora apresenta, que Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). descarta o elemento da “contraditoriedade” do fundo público no caminho desenvolvido pelo sistema capitalista, mesmo com as transformações produzidas pelo WS. Ele, inclusive, reconhece o caráter desse tipo de Estado quando comenta: “o Estado de bem-estar não deixou, por isso, de ser um Estado classista, isto é, um instrumento poderoso para a dominação de classe” (Oliveira, 1998bOLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., p. 38), e, assim, é um Estado que se põe a serviço do grande capital. O autor ressalta, sim, o caráter conflitivo do fundo público nesse contexto, à medida que faz uma mistura, na mesma unidade, da forma valor que busca a mais-valia e o lucro e da outra fração antivalor, que não busca valorizar-se, porque não é capital. Entretanto, é claro, ao “juntar-se ao capital” (Oliveira, 1998bOLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., p. 53), apoia o processo de valorização.

O que, na realidade, torna-se interessante na análise de Behring (2009)BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63. é a segunda parte de sua crítica, na citação anterior mencionada, isto é, quando se refere ao “lugar do fundo público no capitalismo contemporâneo” (p.55). Os aspectos levantados por Behring (2009)BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63. nessa fase atual do capitalismo, de domínio do poder da finança, indicam análise mais criteriosa da manutenção do fundo público como antivalor. Isso porque esse domínio do capital financeiro vem implicando pressão sobre a política social, especialmente as instituições da seguridade social, no caso do Brasil.

É certo reconhecer que, mesmo depois da Constituição de 1988, isto é, ao longo de vigência do novo período das finanças mundiais, intensificam-se os ataques aos recursos do fundo público, para manter presente a apropriação privada do capital portador de juros sobre o orçamento estatal. Nesse sentido, aponta Salvador (2010b)SALVADOR, E. Fundo público e seguridade social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010b., que o fundo público se faz presente no capitalismo contemporâneo, em um plano geral, na forma de subsídios, de desonerações tributárias, de incentivos fiscais, de diminuição da base tributária da renda do capital como suporte de financiamento dos meios de produção, assegurando a reprodução do capital. É certo que grande parte dos recursos dos Estados tem sido direcionada a manter a lógica de valorização desse capital portador de juros.

Desde que a crise do capital se manifestou firmemente, em 2008, e não foi interrompida nos anos subsequentes, esse comportamento do fundo público vem ganhando proporções mais acentuadas de apropriação por parte do capital privado rentista. Na União Europeia, por exemplo, tem havido um contínuo fluxo de recursos públicos orientado à salvação dos bancos, que enfrentam situações dramáticas de crise. Isso tem sido acoplado a políticas de austeridade dos Estados, de caráter muito drástico em alguns países, significando cortes no orçamento estatal, em especial pela redução dos direitos sociais.

Chesnais (2011)CHESNAIS, F. Les dettes illégitimes: quand les banques font main basse sur les politiques publiques. Paris: Raison D’agir; 2011., ao analisar a situação das dívidas públicas europeias, identifica que uma engrenagem de um mecanismo acumulativo de redução dos salários, de queda da demanda e, por consequência, de rebaixamento da produção e do emprego, está em processo acentuado naqueles países. E, nessa perspectiva, o agravamento do peso da dívida em relação ao produto interno bruto (PIB) e aos orçamentos dos Estados. Para uma noção da dimensão do novo papel dos fundos públicos europeus, Chesnais (2011)CHESNAIS, F. Les dettes illégitimes: quand les banques font main basse sur les politiques publiques. Paris: Raison D’agir; 2011. chama a atenção para algumas informações nos casos da Grécia e Espanha. Em 2011, o governo grego “negociou” algumas medidas com a União Europeia (UE), o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), entre elas: congelamento dos salários e das aposentadorias da função pública durante 5 anos e a supressão do equivalente a 2 meses de salário dos servidores; aumento da idade legal da aposentadoria; o número de contribuições para ter direito à aposentadoria plena foi ampliado de 37 anos para 40 anos em 2015 e seu montante calculado sobre o salário médio da totalidade dos anos trabalhados; corte de 1,5 bilhão de euros das despesas de funcionamento do Estado, especialmente a saúde e a educação.

Na Espanha, em 2010, os salários dos funcionários públicos foram reduzidos em 5%, houve diminuição das aposentadorias e dos impostos, por decreto, e foi adotada uma reforma do direito de trabalho que comporta, como na Grécia, a ampliação da flexibilidade do trabalho e uma forte redução das indenizações decorrentes de demissão (Chesnais, 2011CHESNAIS, F. Les dettes illégitimes: quand les banques font main basse sur les politiques publiques. Paris: Raison D’agir; 2011.).

Como enfatizado por Chesnais (2011)CHESNAIS, F. Les dettes illégitimes: quand les banques font main basse sur les politiques publiques. Paris: Raison D’agir; 2011., essa crise estrutural do capital, entendida como crise de superacumulação, vem provocando situações em que significativos volumes de capitais não conseguem encontrar caminhos de valorização, ainda que o tentem de forma descontrolada, direcionando-se, então, a outros espaços. Tais lugares, antes não tão mercantilizados, referem-se aos fundos públicos das áreas de políticas sociais, como a educação e saúde11 11 Para detalhamento da apropriação dos fundos públicos europeus e das reformas que vêm promovendo sua utilização para intenções da reprodução do capital, nesse período recente de crise econômica, ver Chesnais (2011) e Lesfrene e Sauviat (2011). .

No Brasil, a repercussão da crise sobre o fundo público também pode ser percebida. No pior ano da crise, em 2009, o fundo público, por meio da política monetária, liberou recursos para as instituições financeiras, sem contrapartidas de manutenção ou ampliação de postos de trabalho e de políticas de direitos sociais. No âmbito da política fiscal, fizeram-se presentes as medidas de desoneração tributária, afetando inclusive o financiamento da seguridade social. Dados da Secretaria da Receita Federal (apud Salvador, 2010aSALVADOR, E. Crise do capital e o socorro do fundo público. In: BOSCHETTI, I. et al. Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010a. p. 35-63.) mostram que, durante 2009, a arrecadação tributária diminuiu 3,05%, sendo que os tributos que contribuíram para essa diminuição foram a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a contribuição para o Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) – sendo a primeira fonte importante no financiamento da seguridade social e a segunda no seguro-desemprego. A um só tempo, outros fatores prejudicaram o desempenho da arrecadação tributária, a saber: o fraco desempenho da produção industrial, do lucro das empresas e a diminuição do volume geral de vendas no varejo (Salvador, 2010aSALVADOR, E. Crise do capital e o socorro do fundo público. In: BOSCHETTI, I. et al. Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010a. p. 35-63.).

Além disso, várias medidas provisórias de desoneração tributária, que reduziram a arrecadação de fontes do financiamento da seguridade social, em especial a Cofins, foram adotadas pelo governo federal, ainda que tenham se convertido em leis. Tais medidas abrangem desde a concessão de subvenção econômica ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para estimular linhas de crédito ao setor produtor de bens de capital, passando por tratamentos tributários especiais para empresas construtoras associadas ao programa federal habitacional Minha Casa, Minha Vida, até o afrouxamento de regularidade fiscal nas operações de crédito com instituições financeiras (Salvador, 2010aSALVADOR, E. Crise do capital e o socorro do fundo público. In: BOSCHETTI, I. et al. Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010a. p. 35-63.)12 12 Mais recentemente, por iniciativa da presidente Dilma, a partir de 14 de dezembro de 2011, segundo a Lei n. 12.546, teve início o processo de desoneração da folha de pagamento de setores da economia brasileira. Essa desoneração, que prejudicando o Orçamento da Seguridade Social, implica a eliminação da atual contribuição previdenciária dos empregadores – 20% sobre a massa salarial – e sua substituição por uma nova contribuição sobre a receita bruta das empresas descontadas as receitas de exportação. Para essa discussão detalhada, ver Marques e Mendes (2013). .

Em dimensão específica, o fundo público tem sido responsável por uma transferência de recursos sob a forma de juros, encargos e amortização da dívida pública para os rentistas. Cabe mencionar que o comprometimento do orçamento federal com o pagamento de juros da dívida foi crescente, entre 2009 a 2012, atingindo cerca de 1/4 do seu total, reforçando o movimento de ampliação do capital portador de juros. Nesse sentido, os efeitos da necessidade de pagamento de juros da dívida têm levado à constante manutenção de superávit primário, tendo como fonte principal a DRU, obtida por meio dos recursos do OSS, como mencionado na introdução deste artigo.

Também é importante que se diga que, especialmente desde 1995, o país tem passado por uma tensão no âmbito da execução das políticas sociais, com respeito à manutenção dos elevados superávits primários. No âmbito da previdência, da seguridade e da saúde, responsáveis por grandes despesas, a orientação dos governos tem sido reduzir os direitos, de forma a diminuir o peso do Estado na gerência da aposentadoria e dos cuidados com a saúde e a assegurar o florescimento dos fundos de pensão e dos planos de saúde13 13 Para conhecimento dessas contrarreformas, ver: Marques, Mendes e Ugino (2010). . O movimento que se desenvolve nesse período vem se tornando mais agudo a partir da crise de 2008.

Retomemos a reflexão de Behring (2009)BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63. sobre o lugar do fundo público na atual fase do capitalismo contemporâneo. A autora, em artigo recente sobre a crise do capital e do fundo público, volta a afirmar que o fundo público se forma com uma punção compulsória da mais-valia socialmente produzida, por meio de impostos, contribuições e taxas. Trata-se, então, de parte do trabalho excedente que se transformou em lucro, juro ou renda da terra e que é apropriado pelo Estado para o desenvolvimento da reprodução do capital e da força de trabalho (Behring, 2010BEHRING, E. R. Crise do capital, fundo público e valor. In: BOSCHETTI, I. et al. Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010. p. 13-34.). Desse modo, assinala que o principal instrumento de punção refere-se ao sistema tributário, em que boa parte do fundo público, a depender da relação de forças entre as classes, é apoiada pelos salários14 14 No Brasil, a tributação pesa de modo mais significativo sobre o trabalho, mais de 50%. Isso porque os trabalhadores e os mais pobres são os que mais pagam impostos, comparados com os 1% ou 5% mais ricos. Segundo dados de 2008, a carga tributária atingiu 34% do PIB, sendo distribuída com maior intensidade nos tributos indiretos regressivos, a saber: imposto sobre a renda (7,1%); imposto sobre salários (na fonte) (8,3%); imposto sobre a propriedade (1,0%); imposto sobre bens e serviços (16,8%); imposto sobre transações financeiras (0,7%); outros encargos (0,4%). Para uma discussão sobre o caráter regressivo da tributação brasileira, ver Oliveira (2010), especialmente o capítulo 4. . Nessa linha, então, Behring (2010)BEHRING, E. R. Crise do capital, fundo público e valor. In: BOSCHETTI, I. et al. Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010. p. 13-34. ressalta que o fundo público não decorre apenas do trabalho excedente convertido em mais-valia, mas, também, do trabalho necessário.

Nessas circunstâncias, Behring (2010)BEHRING, E. R. Crise do capital, fundo público e valor. In: BOSCHETTI, I. et al. Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010. p. 13-34. contribui para o entendimento sintético dos efeitos da crise sobre o fundo público. De um lado, destaca sua utilização por meio de ajustes tributários regressivos, com instrumentos de renúncia fiscal, uma vez que o fundo público passa a desempenhar mecanismo de política anticíclica para enfrentar a crise. De outro, assinala o aspecto de sua destinação. O fundo público passa a adquirir ativos das empresas prejudicadas pela crise, de modo a proteger o emprego, apropriando-se de recursos de reprodução do trabalho. Dessa forma, o fundo público interfere diretamente nos processos de movimento do capital, propiciando sua valorização. Sem dúvida, com esses movimentos, concordamos com Behring (2010)BEHRING, E. R. Crise do capital, fundo público e valor. In: BOSCHETTI, I. et al. Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010. p. 13-34. quando enfatiza que o fundo público tem papel estruturado na produção do valor, evitando enfrentar a tendência à queda das taxas de lucro do movimento do capital em crise.

Na realidade, essa interpretação integra as preocupações de Oliveira (1998aOLIVEIRA, F. A. A economia política da social-democracia. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 49-61. (Coleção Zero à Esquerda).; 1998bOLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda).). Lembremos que, para o autor, o fundo público busca apoiar a formação de nova sustentação da produção e da reprodução do valor, assegurando a forma valor apoiada na mais-valia e no lucro (Oliveira, 1998aOLIVEIRA, F. A. A economia política da social-democracia. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 49-61. (Coleção Zero à Esquerda).). De outro lado, essa sua ideia sobre o papel do fundo público no período de vigência do Estado de bem-estar social também admite o processo contraditório. Isso porque o fundo público busca, ainda, introduzir na mesma medida a forma antivalor, na qual a produção do excedente social adquire formas específicas, sem desviá-las do sistema capitalista, integradas à lógica interna de sua expansão (Oliveira, 1998bOLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., p. 35). A título de ressalva, admitamos que o fundo público social, por meio do OSS, mesmo com parte de seus recursos comprometidos com a manutenção de superávits primários para pagamento de juros da dívida, não foi completamente abandonado em seus propósitos de financiar as políticas de previdência, saúde e assistência social. Decerto, o financiamento da seguridade social foi reduzido, mas não eliminado, em seus 25 anos de aplicação. O próprio capital não foi categórico em seu desaparecimento, ainda que tenha tentado esse feito na reforma tributária do governo Lula de 2008, paralisada no Congresso15 15 Os efeitos perversos da Reforma Tributária de 2008, do Governo Lula, serão mencionados no item 2 deste artigo, de forma específica, particularmente na ameaça dos recursos para a seguridade social e do SUS. .

É interessante, agora, sintetizar nosso argumento. Não resta dúvida de que concordamos com Behring (2010)BEHRING, E. R. Crise do capital, fundo público e valor. In: BOSCHETTI, I. et al. Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010. p. 13-34. e, na realidade com o próprio Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., que o fundo público participa, de modo indireto, da reprodução geral do capital, fazendo-se presente em subsídios, negócios de títulos e contribuições em forma de financiamento dos investimentos do capital e, também, como instrumento importante na reprodução da força de trabalho. Compreendamos a questão. A abordagem de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). não nega, em momento algum, a teoria do valor de Marx, pois o autor enfatiza que o fundo público assume um papel mais ativo de provedor de direitos sociais, na noção mencionada de “antimercadorias sociais”, assegurando a forma de valorização do capital em momento específico da história do capitalismo, sua fase monopolista de Estado – pós-Segunda Guerra Mundial. De certo modo, o fundo público gera valor e, simultaneamente, colabora com medidas de ordem social, constituindo mecanismo-chave, importantíssimo, para a acumulação capitalista nessa fase. Não há qualquer margem de dúvida. O fundo público passa a ser antivalor, porém, também não o é, sendo valor. Daí seu caráter conflitivo.

Por tudo apresentado, pensamos ser correto falar a respeito do fundo público como antivalor no período do WS e, principalmente, em seu papel delineado institucionalmente na Constituição de 1988 e por meio da consagração dos direitos sociais, especialmente da seguridade social e seu orçamento específico. Distinta, evidentemente, é a situação que a nova fase do capitalismo, com a dominação do capital portador de juros, veio provocando ao fundo público e que, com a crise mais recente, foi se acentuando. Trata-se, sim, de assinalar que o comportamento do fundo público como antivalor vem perdendo muita força e talvez mereça um aperfeiçoamento de seu papel no mundo contemporâneo sob domínio do capital financeiro.

É possível propor que seu caráter de antivalor deva ser mais bem investigado em análise de caráter estruturado, de longo prazo, na qual se possa examinar se os direitos sociais universais, introduzidos na Constituição Federal, vêm apresentando grande risco. Particularmente, interessa-nos a dimensão da saúde universal e seu financiamento. Sabe-se que não tem sido fácil, nos 25 anos de existência do SUS, a manutenção de recursos suficientes e definidos para toda a seguridade social e, especificamente, para o financiamento da política de saúde universal. Os embates têm proliferado. Essa análise é o tema realçado no próximo item.

A trajetória problemática do financiamento do SUS

Os problemas do financiamento do SUS transcorreram sobre um longo processo de conflitos e embates. Para começar a entender as diversas tensões nos caminhos institucionais do SUS, é fundamental identificar o contorno mais amplo de sua discussão, a partir da existência de duplo movimento em seu caminho. De um lado, o “princípio da construção da universalidade”, que se expressa pelo direito de cidadania às ações e aos serviços de saúde, permitindo o acesso de todos, por meio da defesa permanente de recursos financeiros seguros. De outro lado, o “princípio da contenção de gasto”, uma reação defensiva que se articula em torno da defesa da racionalidade econômica, na qual a diminuição das despesas públicas constitui instrumento-chave para combater o déficit público, propiciado por uma política fiscal contracionista, e a manutenção de alto superávit primário em todas as esferas de atuação estatal. Há a compreensão de que esse “princípio” está diretamente associado à política econômica desenvolvida pelo governo federal durante as décadas de 1990 e 2000. Desse modo, decorre a ausência de prioridade ao SUS, com redução de seu gasto, e, em consequência, indaga-se qual deveria ser a extensão da cobertura dos serviços realizados pelo SUS.

Os conflitos entre esses dois princípios não permitiram assegurar uma política de direito universal da saúde. Salienta-se que, entre 1989 e 1993, os embates já eram intensos. Além da não consideração por parte do governo federal dos 30% da seguridade social – contribuição empregado e empregador, Cofins e contribuição do lucro líquido (CSLL) – que deveriam ser destinados à saúde, conforme o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), houve certa especialidade dessas fontes. O orçamento federal passou a destinar a maior parte dos recursos da Cofins para a saúde, da CSLL para a assistência social e das contribuições de empregados e empregadores para a previdência social, que, na realidade, contou com exclusividade com estas últimas fontes a partir de 1993. Essa maneira de utilização das fontes rompia com o conceito de um orçamento único para as três áreas dela integrantes, desrespeitando a ideia que inspirou sua criação na Constituição de 1988: a visão de lidar com os riscos sociais de modo integrado.

Entre 1994 e 2000, ano de criação da Emenda Constitucional (EC) n. 29, mostrou-se que as tensões no financiamento do SUS ganharam proporções ainda mais amplas. Vários constrangimentos merecem ser comentados ao longo desses anos.

Em primeiro lugar, chama atenção a criação do Fundo Social de Emergência (FSE), que posteriormente denominou-se Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), e, a partir de 2000, intitulou-se DRU (denominação mantida até o momento) – como já tratado no item 1 deste artigo –, definindo, entre outros aspectos, que 20% da arrecadação das contribuições sociais seriam desvinculadas de sua finalidade e estariam disponíveis para uso do governo federal, longe de seu objeto de vinculação: a seguridade social. Como mencionado no item 1, a “financeirização” torna-se parte do Estado, seu fundo público, e este um instrumento para sua difusão e valorização do capital portador de juros, reduzindo drasticamente os gastos na área da saúde.

Embora o país atravesse um período de transtornos econômicos, essa situação não tem provocado repercussão negativa nas contas da seguridade social ao longo dos anos 2000. Logo após o penoso quadro financeiro da década de 1990, caso fosse respeitado pelo governo federal o conceito de seguridade social definido na Constituição de 1988, e não fosse utilizado o mecanismo da DRU, o orçamento da seguridade contaria com superávits significativos, atingindo R$ 78,1 bilhões em 2012 (Anfip, 2013ANFIP - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Análise da seguridade social em 2012. 13. ed. Brasília, DF: Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social, 2013. Disponível em: < http://www.anfip.org.br/publicacoes/20130619071325_Analise-da-Seguridade-Social-2012_19-06-2013_Analise-Seguridade-2012-20130613-16h.pdf>. Acesso em: 27 out. 2013.
http://www.anfip.org.br/publicacoes/2013...
). Por sua vez, os recursos excedentes foram alocados para o pagamento de gastos fiscais ou contabilizados diretamente no cálculo do superávit primário. A DRU, que seria transitória, tornou-se permanente e está em vigor há 19 anos, quase a mesma idade do SUS. Porém, como se conseguiu aprovar sua continuidade até 2015, completará, então, 24 anos. Cumpre ressaltar que a defesa do modelo constitucional de financiamento da seguridade social também passa pela discussão e pelo enfrentamento da incidência da DRU.

Como uma segunda restrição ao financiamento do SUS, ressalta-se a aprovação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF), em 1997, como fonte exclusiva para a saúde. Porém, sua criação significou a retirada de parte das outras fontes desse setor, não contribuindo, assim, para o acréscimo de recursos que se esperava. Essa fonte permaneceu por dez anos, até 2007, quando foi rejeitada pelo Congresso Nacional.

Em terceiro lugar, destaca-se a tensão provocada pela aprovação da EC n. 29, em 2000. Ainda que essa emenda tenha vinculado recursos para a saúde, permaneceram indefinições acerca de quais despesas deveriam ser consideradas ações e serviços de saúde e o que não poderia ser enquadrado nesse âmbito. Além disso, a EC n. 29 dispôs sobre método conflitante de cálculo para aplicação dos recursos da União, isto é, o valor apurado no ano anterior corrigido pela variação nominal do PIB e, ainda, não esclareceu a origem dos recursos no tocante à seguridade social, ignorando o intenso embate relativo a eles.

Como um quarto grande conflito no financiamento do SUS, destacam-se as permanentes investidas da equipe econômica do governo federal contra a vinculação de recursos para a saúde, ao procurar introduzir itens de despesa não considerados gastos em saúde no orçamento do Ministério da Saúde, como o pagamento de juros e da aposentadoria de ex-funcionários desse ministério, além de outros ao longo dos anos 2000.

Em quinto lugar, como um embate significativo, ressaltamos a pendência de regulamentação da EC n. 29 durante oito anos no Congresso (entre 2003 e 2011), provocando perdas de recursos para o SUS e o enfraquecimento do consenso obtido quando de sua aprovação. Segundo o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops), a diferença entre o valor mínimo previsto e o valor efetivamente aplicado pela União, entre 2000 e 2009, atinge cerca de R$ 6 bilhões (Servo e col., 2011SERVO, L. M. S. et al. Financiamento e gasto público de saúde: histórico e tendências. In: MELAMED, C.; PIOLA, S. F. (Org.). Políticas públicas e financiamento federal do Sistema Ùnico de Saúde. Brasília, DF: IPEA, 2011. p. 87-111.).

Em sexto lugar, merece menção a ameaça da proposta de reforma tributária do governo Lula, em 2008, prejudicando o financiamento da seguridade social. Isso porque estabelecia a extinção das contribuições sociais, tornando todas as fontes agregadas por somente três impostos: Imposto de Renda (IR), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto do Valor Adicionado Federal (IVA), impedindo a vinculação de recursos para a seguridade social.

Em sétimo lugar, na história dos conflitos existentes no financiamento do SUS, vale lembrar a permanência das incertezas com o estabelecimento da regulamentação da EC n. 29, por meio da Lei Complementar (LC) n. 141, de 2012. Essa lei não conseguiu resolver o problema da insuficiência de recursos da saúde por parte do governo federal, mantendo o método de cálculo conflitante para aplicação de seus recursos – o valor apurado no ano anterior corrigido pela variação nominal do PIB. Rejeitou-se a regulamentação proposta pelo Projeto de Lei do Senado n. 127, de 2007, que definia uma aplicação da União de 10%, no mínimo, da receita corrente bruta (RCB).

Nesse cenário de constrangimentos, as tensões no financiamento do SUS não foram poucas, na realidade mantiveram-se constantes e cada vez com maior intensidade no âmbito do governo federal. Constatou-se que as disputas por recursos estiveram presentes antes e após o estabelecimento da EC n. 29, isto é, durante as resistências dos governos Fernando Henrique Cardoso (FHC), nos anos 1990, por assegurar recursos compatíveis à universalidade e a ausência dos governos Lula, entre 2003 a 2010, em elevar a saúde pública à condição de política prioritária. Ressalta-se que, em 1995, foram gastos pelo governo federal, na proporção do PIB, cerca de 1,75% com ações e serviços de saúde. Passados 15 anos (2011), essa proporção praticamente se manteve, ou seja, os governos Lula pouco fizeram para modificá-la. Na realidade, o crescimento do gasto público com saúde em relação ao PIB, após a EC n. 29, atingindo 3,8% do PIB, em 2011, mas ainda insuficiente para ser universal e para garantir a integralidade do atendimento, somente foi possível pelo esforço dos governos estaduais e municipais. No entanto, o gasto público brasileiro é baixo em relação ao dos demais países que têm um sistema público universal, isso porque, para atingir a escala desses países, o Brasil precisaria dobrar a participação do SUS em relação ao PIB, a fim de equiparar-se à média dos países europeus com sistemas universais, isto é, 8,3% (Mendes, 2012MENDES, A. Tempos turbulentos na saúde pública brasileira: os impasses do financiamento no capitalismo financeirizado. São Paulo: Hucitec, 2012.). Nesse sentido, o governo federal deveria alterar seu investimento histórico.

Esse quadro de ausência de prioridade da saúde no orçamento permanece com o governo Dilma. Em 2013, mesmo com a proposta do Projeto de Iniciativa Popular, conhecido como Saúde +10, que passou a tramitar no Congresso nesse ano, assinado por mais de 2 milhões de brasileiros, não encontrou sensibilidade dos parlamentares aliados ao governo. Tal projeto retoma a defesa histórica na área da saúde por ampliação dos recursos públicos por parte da União, indicando que esse nível de governo aplicasse 10%, no mínimo, de sua RCB, o correspondente a R$ 40 bilhões em 2013. Contudo, o governo federal explicita sua posição contrária a essa base de cálculo, argumentando pela mudança para a receita corrente líquida (RCL) e com percentual que corresponda a um menor volume de recursos apresentado pelo Saúde +10. A justificativa apoia-se na ideia de que o governo não possui uma fonte específica para tanto. Embora seja de conhecimento público que o orçamento da seguridade social vem, há anos, evidenciando superávits, como já mencionado neste item do artigo.

Considerações finais

No contexto do capitalismo contemporâneo financeirizado e na atual crise do capital, indagou-se, no item 1 deste artigo, quais são as fragilidades que o fundo público social, ou melhor, da seguridade social e da saúde, vêm sofrendo. Até que ponto o tratamento atribuído por Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). ao conceito de “antivalor” do fundo público vem perdendo força, pois tem sido recorrente a apropriação de recursos, do fundo público OSS, com a permanência da DRU há mais de 19 anos?

Depois de ampla análise da interpretação de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., bem como de uma autora que se insere entre seus críticos mais diretos quanto à ideia de antivalor do fundo público, isto é, Behring (2009)BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63., ressaltamos o seguinte aspecto: pode-se entender o fundo público como “antivalor” no período de vigência do Estado de bem-estar social nos países do capitalismo avançado, à medida que são asseguradas políticas sociais universais aos trabalhadores e, também, principalmente, pelo delineamento da Constituição de 1988, ao instituir direitos sociais, especialmente pela seguridade social e seu orçamento específico. Muito diferente é a situação que se configura com a nova fase do capitalismo, sob o poder dominante do capital portador de juros, e a expressão da crise atual. Nesse cenário, o fundo público social, mais especificamente o OSS, vem sofrendo pressões por ceder intensamente seus recursos para a valorização do capital, via DRU. Daí a pergunta que fica: É possível ressaltar a atualidade do caráter de “antivalor” do fundo público? Sugerimos que a ideia de antivalor, nesse contexto recente, seja mais bem analisada, pois percebemos que os direitos sociais têm sido colocados em risco no país, especialmente a saúde universal.

Nessa perspectiva de perdas para a saúde, passou-se a analisar os diversos embates políticos e econômicos nos tensos caminhos trilhados pelo processo institucional do financiamento do SUS, após a Constituição de 1988 até o momento. Na realidade, na época em que os constituintes redigiam a Constituição, o país já sentia os efeitos dos constrangimentos causados pelo capital portador de juros, especialmente na apropriação dos recursos do fundo público do Estado já há algum tempo, intensificando-se nas décadas de 1990 e 2000, até a aprovação da regulamentação da EC n. 29, em dezembro de 2011, e permanecendo nos anos de governo da presidente Dilma. Ao mesmo tempo que se vai desenvolvendo uma saúde universal, sustentada no movimento que denominamos “princípio da construção da universalidade”, agravam-se as finanças do Estado, o que cria limites para o aporte de recursos para o fundo público da saúde.

Referências

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  • 1
    No Orçamento Geral da União de 2012, referente a um total de R$ 1,712 trilhão, Juros e Amortização da Dívida corresponderam a 43,98% (informação disponível em www.divida-auditoriacidada.org.br/). Particularmente, para se ter uma ideia da força soberana do capital financeiro no Brasil, em 2012 foram gastos R$ 163,5 bilhões com o pagamento específico dos juros da dívida pública, o que significa 2,0 vezes o gasto do Ministério da Saúde com ações e serviços públicos de saúde, nesse mesmo ano.
  • 2
    Tais títulos compõem destacada fonte de rendimentos para os investidores institucionais, isto é, os rentistas, pois constituem mercadorias que podem ser vendidas e, portanto, reconvertidas em capital-dinheiro, contribuindo para o processo de valorização do capital.
  • 3
    É no capítulo XXI do Livro III de O capital que Marx introduz sua análise sobre o capital portador de juros. Toda a quinta seção do Livro III de O capital (Marx, 1987bMARX, K. El Capital: crítica de la economía política. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1987b. v. 3.) trata do estudo do capital portador de juros. A partir desse estudo, Marx analisa algumas possibilidades de seu curso e de suas formas assumidas, levando esse capital ao desempenho de capital fictício. Além disso, em trabalho de precisão teórica sobre o conceito de capital de Marx, passando pelos conceitos de capital industrial, formas de função e suas autonomias e capital fictício, ver o capítulo 1 de Mendes (2012)MENDES, A. Tempos turbulentos na saúde pública brasileira: os impasses do financiamento no capitalismo financeirizado. São Paulo: Hucitec, 2012..
  • 4
    Esse mecanismo resultou em perda de recursos para a seguridade social, cerca de R$ 578 bilhões, entre 1995 e 2012 (Anfip, 2013ANFIP - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Análise da seguridade social em 2012. 13. ed. Brasília, DF: Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social, 2013. Disponível em: < http://www.anfip.org.br/publicacoes/20130619071325_Analise-da-Seguridade-Social-2012_19-06-2013_Analise-Seguridade-2012-20130613-16h.pdf>. Acesso em: 27 out. 2013.
    http://www.anfip.org.br/publicacoes/2013...
    ).
  • 5
    Nessa obra de Oliveira (1989)OLIVEIRA, F. A. A economia da dependência imperfeita. 5. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989., A economia da dependência imperfeita, e em Crítica à razão dualista, de 1975, relançada em 2003, acrescido de “O ornitorrinco” (Oliveira, 2003OLIVEIRA, C. A. B. Processo de industrialização: do capitalismo originário ao atrasado. São Paulo: FEU, 2003.), o autor faz uma interpretação utilizando conceitos marxistas, muito original, da dinâmica econômica brasileira, entre o início da República até o começo da segunda metade dos anos 1970. Para uma visão sintética do pensamento de Francisco de Oliveira sobre a especificação do capitalismo brasileiro, ver Bello (2006)BELLO, C. A. A originalidade da economia política de Francisco de Oliveira. Pesquisa & Debate, São Paulo, v.17, n. 1, p. 67-78, 2006..
  • 6
    Na realidade, o artigo “Surgimento do antivalor”, de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)., foi editado primeiramente em 1988, em Novos Estudos Cebrap, n. 22, e posteriormente reeditado como primeiro capítulo em seu livro Os direitos do antivalor, de 1998. Para nossa análise nesta seção, utiliza-se sempre a referência Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)..
  • 7
    Para um melhor conhecimento da articulação entre o Welfare State e o padrão de acumulação capitalista, ver Marques e Mendes (2007)MARQUES, R. M.; MENDES, A. Democracia, saúde pública e universalidade: o difícil caminhar. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 16, n. 3, p. 35-51, 2007. e Behring e Boschetti (2006)BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2006. (Coleção Biblioteca Básica de Serviço Social, 2)..
  • 8
    Trata-se do desenvolvimento de longo trajeto histórico, expresso por extenso processo de violência a partir dos séculos XV e XVI, como apresenta Marx no capítulo XXIV de O capital, Livro I, denominado “A assim chamada acumulação primitiva”.
  • 9
    A fase do capitalismo de concorrência diz respeito ao período da história do capitalismo, entre 1830 a 1890, no qual a dinâmica capitalista foi marcada pela posição hegemônica do capital industrial inglês, ao se estabelecer o regime de livre-concorrência. Para um conhecimento sintético das principais características dessa fase, ver o capítulo 5 do livro de Carlos Alonso Barbosa de Oliveira intitulado Processo de industrialização: do capitalismo originário ao atrasado (Oliveira, C. A. B., 2003OLIVEIRA, F. A. Crítica à razão dualista / O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003a.).
  • 10
    Destaca-se, aqui, a análise crítica de Behring (2009)BEHRING, E. R. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: BOSCHETTI, I. et al. Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 44-63. a respeito do trabalho de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). sobre o fundo público. Isso porque a autora, por meio de texto específico, oferece sistematização dos argumentos principais de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda). e apresenta as principais críticas, com as quais muitos outros autores acabam por concordar. Entre esses autores, ver, particularmente, os trabalhos de Behring e Boschetti (2006)BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2006. (Coleção Biblioteca Básica de Serviço Social, 2). e Salvador (2010a)SALVADOR, E. Crise do capital e o socorro do fundo público. In: BOSCHETTI, I. et al. Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010a. p. 35-63.. Este último apresenta, ainda, outras críticas ao trabalho de Oliveira (1998b)OLIVEIRA, F. A. O surgimento do antivalor: capital, fora de trabalho e fundo público. In: OLIVEIRA, F. A.. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 19-48. (Coleção Zero à Esquerda)..
  • 11
    Para detalhamento da apropriação dos fundos públicos europeus e das reformas que vêm promovendo sua utilização para intenções da reprodução do capital, nesse período recente de crise econômica, ver Chesnais (2011)CHESNAIS, F. Les dettes illégitimes: quand les banques font main basse sur les politiques publiques. Paris: Raison D’agir; 2011. e Lesfrene e Sauviat (2011).
  • 12
    Mais recentemente, por iniciativa da presidente Dilma, a partir de 14 de dezembro de 2011, segundo a Lei n. 12.546, teve início o processo de desoneração da folha de pagamento de setores da economia brasileira. Essa desoneração, que prejudicando o Orçamento da Seguridade Social, implica a eliminação da atual contribuição previdenciária dos empregadores – 20% sobre a massa salarial – e sua substituição por uma nova contribuição sobre a receita bruta das empresas descontadas as receitas de exportação. Para essa discussão detalhada, ver Marques e Mendes (2013)MARQUES, R. M.; MENDES, A. A proteção social no capitalismo contemporâneo em crise. Argumentum, Vitória, v. 5, n. 1, p. 135-163, 2013..
  • 13
    Para conhecimento dessas contrarreformas, ver: Marques, Mendes e Ugino (2010)MARQUES, R. M.; MENDES, A.; UGINO, C. K. A previdência social em pauta: notas para reflexão. Argumentum, Vitória, v. 2, n. 1, p. 5-19, 2010..
  • 14
    No Brasil, a tributação pesa de modo mais significativo sobre o trabalho, mais de 50%. Isso porque os trabalhadores e os mais pobres são os que mais pagam impostos, comparados com os 1% ou 5% mais ricos. Segundo dados de 2008, a carga tributária atingiu 34% do PIB, sendo distribuída com maior intensidade nos tributos indiretos regressivos, a saber: imposto sobre a renda (7,1%); imposto sobre salários (na fonte) (8,3%); imposto sobre a propriedade (1,0%); imposto sobre bens e serviços (16,8%); imposto sobre transações financeiras (0,7%); outros encargos (0,4%). Para uma discussão sobre o caráter regressivo da tributação brasileira, ver Oliveira (2010)OLIVEIRA, F. A. Economia e política das finanças públicas no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2010., especialmente o capítulo 4.
  • 15
    Os efeitos perversos da Reforma Tributária de 2008, do Governo Lula, serão mencionados no item 2 deste artigo, de forma específica, particularmente na ameaça dos recursos para a seguridade social e do SUS.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2013
  • Aceito
    13 Maio 2014
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