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Juventude, trabalho e instituições filantrópicas

Youth, work and philanthropic institutions

Resumos

A restrição de postos de trabalho e a desqualificação dos saberes profissionais fundados na experiência cotidiana e na reflexão de ensinamentos transferidos entre gerações de trabalhadores têm constrangido pais e filhos quanto à elaboração de projetos de inserção de novas gerações pelo trabalho. Agentes institucionais que se outorgam a colaboração nesta tarefa pouco conseguem apresentar alternativas, razão pela qual deslocam suas proposições para a defesa das atividades que caracterizam práticas culturais e lúdicas, quase sempre orientadas pela provisoriedade. A partir da análise da prática de três instituições filantrópicas voltadas para formação profissional de jovens advindos de camadas populares e de pesquisa sobre itinerários ocupacionais com este segmento populacional, proponho-me analisar alguns dos dilemas que os agentes em jogo enfrentam, sugerindo perspectivas facilitadoras da elaboração de propostas para a inserção de jovens no mercado de trabalho.

Juventude; Filantropia; Inserção geracional


Lack of employment and non-recognition of professional knowledge based on everyday experience and on the reflection of learning processes based on transfer through generations, have constrained parents and children in the elaboration of projects of inclusion of new generations through work. Institutional agents that could cooperate in this task cannot point alternatives, and, for this reason, almost always propose activities related to cultural or leisure practices, almost always temporary. Based on the analysis of three philanthropic institutions oriented towards education of youngsters from low income families, an analysis of some of the dilemmas faced by those actors is undertaken, suggesting facilitating perspectives for the making of proposals of youngster's inclusion in the work market.

Youth; Philanthropic; Generational Insertion


ARTIGOS

Juventude, Trabalho e Instituições Filantrópicas

Youth, Work and Philanthropic Institutions

Delma Pessanha Neves

Antropóloga, professora do Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense, bolsista do CNPq. E-mail: mdebes@provide.psi.br

RESUMO

A restrição de postos de trabalho e a desqualificação dos saberes profissionais fundados na experiência cotidiana e na reflexão de ensinamentos transferidos entre gerações de trabalhadores têm constrangido pais e filhos quanto à elaboração de projetos de inserção de novas gerações pelo trabalho. Agentes institucionais que se outorgam a colaboração nesta tarefa pouco conseguem apresentar alternativas, razão pela qual deslocam suas proposições para a defesa das atividades que caracterizam práticas culturais e lúdicas, quase sempre orientadas pela provisoriedade. A partir da análise da prática de três instituições filantrópicas voltadas para formação profissional de jovens advindos de camadas populares e de pesquisa sobre itinerários ocupacionais com este segmento populacional, proponho-me analisar alguns dos dilemas que os agentes em jogo enfrentam, sugerindo perspectivas facilitadoras da elaboração de propostas para a inserção de jovens no mercado de trabalho.

Palavras-chave: Juventude; Filantropia; Inserção geracional.

ABSTRACT

Lack of employment and non-recognition of professional knowledge based on everyday experience and on the reflection of learning processes based on transfer through generations, have constrained parents and children in the elaboration of projects of inclusion of new generations through work. Institutional agents that could cooperate in this task cannot point alternatives, and, for this reason, almost always propose activities related to cultural or leisure practices, almost always temporary. Based on the analysis of three philanthropic institutions oriented towards education of youngsters from low income families, an analysis of some of the dilemmas faced by those actors is undertaken, suggesting facilitating perspectives for the making of proposals of youngster's inclusion in the work market.

Keywords: Youth; Philanthropic; Generational Insertion.

Sobre o segmento de classe de idade reconhecido como juventude foram construídas imagens que a tomavam como vetor de mudança social, tanto pelos que, segundo esta pressuposição, desejavam manter a ordem, como pelos que dela esperavam a construção de rupturas nos princípios de reprodução social. Estes ideários foram reproduzidos em consonância a conteúdos diversos, mesmo se a prática não confirmasse essas predisposições. Tais atributos confirmam, todavia, o empreendimento social na constituição de grupos e categorias sociais.

Para além das ambigüidades, da historicidade e da diversidade dos critérios que definem o que é ser jovem, isto é, as fronteiras entre a infância e a idade adulta, momentos do ciclo de vida do qual ela é parte inerente para também demarcar e articular, o importante é se entender as perguntas que se podem dirigir à sociedade em cada contexto, explicitadoras das disputas quanto ao monopólio do discurso que visa à delimitação e à diferenciação de atributos. Enfim, para efeitos de análise, o que se torna importante é entender como emerge a construção dos atributos comportamentais que segmentam os ciclos de vida: A que significados contextuais correspondem esses atributos? Que tipos de passagens eles problematizam? Que instituições são chamadas ao reconhecimento dessa passagem?

Categorizações e Intervenções Sociais

A contextual questão dos reconhecidos jovens pobres manifesta-se politicamente tutelada pelos receios socialmente exorcizados das reações daqueles que habitam na rua ou se afiliam aos grupos dedicados aos atos ilícitos do assalto e do tráfico de drogas. Como antiexemplos, também se configuram como referência fundamental para elaboração de programas de ação estatal. Em conseqüência, aparecem como pressupostos para o afloramento de uma problemática vista como constitutiva do mundo doméstico e acentuam a violência interpessoal. Tais jovens, aos olhos dos agentes de intercessão, trazem então à tona os efeitos da impotência contextual da família como agência de controle.

O concerto em relação ao reconhecimento dos problemas dos jovens pobres e das resoluções assim recomendadas é internacional, abarcando representantes de ONGs, ONU e UNICEF. Se algumas medidas propostas são disciplinares e outras promocionais, destaca-se mesmo a celebrada e inalcançada projeção para o futuro por meio da profissionalização. No entanto, as soluções nesse último aspecto são quase sempre transferidas à filantropia e exercidas sob pontualidades e casualidades, incorporam, como parte inerente das proposições em jogo, a parcialidade ou a incapacidade do Estado enquanto instituição reguladora das condições de integração sob diferenciação, isto é, portadora de meios de objetivação de formas de controle das exacerbadas desigualdades socioeconômicas.

Para efeitos de demonstração, citam-se alguns exemplos dessas argumentações:

Esta é a interpretação apresentada na paradigmática crônica "Educação, recreação e trabalho", editada no Jornal do Brasil, (Educação..., 2003 p. A14). O autor exalta o papel do Círculo dos Amigos do Menino Patrulheiro, entidade que acumula 40 anos de existência e de prestação de serviços. O papel institucional é reconhecido pela inserção em redes de prestação de serviços, que incluem o Juizado da Infância e da Juventude, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho Estadual de Educação. A clientela da instituição é definida como "jovens que resistem aos tentadores convites do narcotráfico, da prostituição e das atividades ilícitas correlatas. Os jovens do bem que não optaram pelas falanges criminosas e sim por atividades que oportunizem seu desenvolvimento e integração social".

A instituição, entretanto, tem suas vulnerabilidades e funcionalidades estampadas publicamente, já que, dotada ou não de recursos financeiros suficientes, vem operando sob a adesão do trabalho voluntário: "trata se de um projeto desenvolvido por abnegadas pessoas voluntárias que se dedicam à causa da juventude e se vêem agora coagidas e desmotivadas com essa ameaça" (encerramento das atividades por falta de recursos financeiros). Tanto pelo trabalho voluntário, como pelo pagamento de salários ínfimos, fatores anunciados mas relativizados pelo autor, a transferência de atribuições tão fundamentais a instituições que se reproduzem de pires na mão, é legitimada pela valorização dos "fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento".

A proposição de salvar ou reconhecer a salvação de jovens, cuja inserção valorizada aparece como exceção, também nutre os discursos políticos de governantes estatais. Todos conclamam a população a salvar jovens da situação de risco, tentam engajar voluntários na tarefa salvadora e justificam os programas projetados, que aglutinam investimentos na melhoria do sistema escolar, de recreação e de profissionalização.

'Estou disputando cada menino com o tráfico'

Benedita (governadora do estado do Rio de Janeiro) diz que polícia "será uma só" atendendo igualmente a ricos e pobres

(...)

(...) Para ela, por exemplo, a luta contra o crime jamais será vencida sem uma intensa ação social, que garanta escola, emprego e oportunidades. "Educação é a maior obra do pobre. Saber não ocupa lugar; se você tem o conhecimento, ninguém lhe segura", argumenta. "Sou resultado disso aí. Por isso, sou muito radical com questão de educação, é questão ideológica ..." ("Estou disputando cada menino com o tráfico" _ Estou..., 2002, p. A8)

Tais proposições provocam debates em torno da definição da ação social: quanto aos conteúdos há consenso, mas quanto à prática há promessas e transferências para as ações precárias de boa parte das instituições filantrópicas. Estas, de qualquer modo, são predominantemente responsáveis por essa redefinição de oportunidades para os jovens. Por ineficácia para objetivos tão estruturantes, gestores dos modos de definição da inserção de indivíduos reconhecidos como juventude pobre relembram e defendem a ação policial.

'A tolerância zero desembarca na praia'

"Ação social não combate violência"

(...)

Segurança pública

"Virou uma repetição equivocada o diagnóstico de que a questão da segurança do Rio se resolve através de políticas sociais. Esse é o discurso de anos e anos. Como se política social fosse capaz de enfrentar a violência. Não é. Política social é prevenção à violência, tem que ser feita sempre, com foco, continuidade, objetivo e metas. Beira o ridículo dizer que ação social é fazer uma fila para as pessoas tirarem carteira de identidade ou cortar cabelo e isso ser uma ação cantada e decantada pelas autoridades. A ação social tem que ser feita sempre, seja violenta ou não. Basta ela ter as características das necessidades da intervenção do poder público.

Creche, posto de saúde, oportunidade para os jovens, vilas olímpicas integradoras da juventude, ações de capacitação, de treinamento para o jovem, criação de oportunidade para o jovem, detecção de famílias de risco, ajuda a mães que são chefes de família. Isso é política social contínua, prevenção ao crime.

(...)

Política social é aquela que liberta, não é aquela que mantém as pessoas na exclusão, através de um auxílio social qualquer. O Estado tem algumas funções como criador e incentivador de empregos. Primeiro, a saúde financeira, que investe, que cria emprego, que cria frente de trabalho, que transforma vala negra em emprego e qualidade de vida. ("A tolerância zero desembarca na praia" – A tolerância..., p. A8-9).

Os efeitos deletérios da extrema desigualdade socioeconômica são também evocados para explicar o comportamento e a orientação dos jovens em outros domínios de projeção profissional. O debate se desloca então para a contraposição entre exclusão do acesso a oportunidades diferenciadas para os jovens pobres e a gestão de recursos fragmentados, mas considerados válidos para inclusão social.

Entre as proposições, há um consagrado acordo sobre a importância da aquisição de um saber profissional e sobre os meios de comunicação informatizados, encapsulados pela rubrica inclusão digital.

"Os caminhos da inclusão digital

Apesar da falta de verbas, criatividade pauta programas de treinamento em informática para jovens carentes

O Rio de janeiro é uma das cidades que mais poderiam se beneficiar dos projetos de inclusão digital, mas um número relativamente pequeno de projetos estão em andamento. A falta de dinheiro é um problema, mas exemplos mostram que a criatividade pode ser mais importante.

No cidade do Rio de Janeiro, a prefeitura oferece cursos profissionalizantes, inclusive de informática, em seis favelas atendidas pelo programa favela bairro. 0 governo do estado tem um programa de ressocialização e cursos profissionalizantes de menores infratores internos do Degase, e monta laboratórios por tempo limitado em comunidades carentes. Outros projetos estão sendo desenvolvidos pelo Proderj, mas esbarram na falta de recursos (...). ("Os caminhos da inclusão digital" – Os Caminhos..., 2003, p. 1).

Se os recursos apontados como necessários são facilmente elencados, qualquer indicação aparece acompanhada dos limites dessa eficácia interventora pela ausência de recursos financeiros e institucionais para tanto.

No caso em apreço neste artigo, por meio da pesquisa O legado da pobreza e a inserção geracional, colocada em prática pela equipe que coordeno1 1 A pesquisa está sendo desenvolvida por afiliação ao Departamento de Antropologia da Universidade Federal Fluminense e com apoio financeiro do CNPq, por meio de bolsas de produtividade, de apoio técnico e de iniciação científica, de cujo exercício de trabalho de campo boa parte dos dados aqui apresentados se nutre (Felix, 2004a, 2004b; Santos, 2004a, 2004b; Ramos, 2004; Tornentino, 2004a, 2004b). , considero o investimento dos representantes das instituições assistencialistas e filantrópicas que se encarregam de gerir a transposição da passagem dos jovens do domínio familiar para novas inserções. O engajamento desses agentes se referencia ao empreendimento necessário para a salvação de uma juventude sob situação de risco. Para tanto, eles põem em jogo o prolongamento da passagem da infância à vida adulta, numa sociedade fechada à recepção produtiva da nova geração, porque desprovida de postos de trabalho para os que devem se ver como reprodutores do valor trabalho. E, inclusive, nesta etapa da vida, os que devem internalizar os controles de comportamentos que são articulados à reprodução do trabalhador. Considero então as atividades – e suas respectivas referências – postas em prática por um conjunto de agentes institucionais voltados para gerir ou salvar alguns dos jovens percebidos como em situação de risco, qualidade que se sustenta no fato, pressuposto limite, de serem – pobres residirem em favela ou na rua. Tendo em vista essa designação social, os representantes institucionais definem os investimentos, admitindo como problemática a passagem de jovens das classes trabalhadoras do domínio da família para um desejado e fugidio mundo do trabalho; ou a passagem entre infância e vida adulta. A gestão desses problemas, pela perspectiva dos agentes institucionais, ancora-se na profissionalização, mas no caso entendida como incorporação abstrata dos valores do trabalho, pois que a formação prática é secundarizada ou eliminada, dada a ausência necessária de recursos financeiros. A base fundamental é a ampliação da escolarização, acrescida da internalização de valores constitutivos do desejado trabalhador.

Como a concepção de juventude é historicamente situada, os atributos colocam em questão as condições de reprodução da sociedade. Eles problematizam a função básica da integração e as condições de transmissão de valores para novas gerações. A questão com que os gestores dessa passagem se defrontam pode ser assim formulada: - O que transmitir numa sociedade onde a projeção do futuro desorienta esta própria gestão? O que vai ser perdido nesse processo, dada a descontextualização dos universos correspondentes? Como colocar em prática processos de socialização em que determinados valores considerados básicos não podem ser transmitidos, porque não podem ser positivamente interiorizados? Como redefinir alguns dos sentidos mais importantes para uma sociedade, já que nada mais foi inventado para substituir a legitimidade da atividade e do valor trabalho no que tange às camadas populares?

A sociedade aparece assim como empreendimento pouco viável e, portanto, ela própria sob situação de risco. Ora, estando interrompida a comunicação na constituição do ser trabalhador, como enfrentar a perda de plausibilidade desses próprios valores? A resposta poderá advir de um cristianismo missionário e de uma inversão de sentido, a potencialidade do mal assim esperado se convertendo em potencialidade do bem, da solidariedade e da reciprocidade em abstrato?

Denúncias e Permutações: a contribuição dos antropólogos

Os investimentos na inserção da juventude como problema em si devem ser entendidos como forma de denúncia de problemas sociais, mesmo que formulados às avessas. Esse processo de denúncia visa produzir o fenômeno social ou fazer reconhecer uma construção humana, de modo que ela, sendo assim reconhecida, atinja a objetividade necessária para ser identificada como portadora de significação e referência para as ações práticas de socialização desses jovens.

Tomando essa questão para pensar algumas das formas de produção de gêneros de antropologia no atual contexto das sociedades complexas, seria bom lembrar que a antropologia se constituiu advogando a capacidade de produzir conhecimentos fundados em jogo de permutações; de operar com a desconstrução de associações dominantes para tornar compreensíveis as conexões com que cada grupo se constitui e se objetiva frente aos demais. Desconstruir associações, tal como valorizou o relativismo cultural, é operar na produção da denúncia ou da indignidade da dominação simbólica; é desnaturalizar as associações no campo do adversário; ou deslegitimar o sistema de pensamento pretendente à encapsulação. Os antropólogos reafirmam assim o princípio de que é pensando e refletindo sobre os outros que melhor os grupos constroem sua identidade, especificamente se colocados (impositivamente) em situação de invisibilidade social de seu modo de existir. Assim produzindo conhecimento, isto é, redefinindo as condições de enunciação dos modos de categorização e reconhecimento de direitos e acessos a recursos materiais e sociais, os antropólogos permitem que um sistema cultural possa se exprimir em outros universos de significação e de articulação de relações de poder. Fundamentando-se neste postulado da abertura de um para outros universos culturais, os antropólogos advogam a interculturalidade como objeto de estudo, ao mesmo tempo em que trazem à tona ou colaboram na multiplicação de alguns dos confrontos e afrontamentos. São então participantes do processo de luta por novas condições de reconhecimento social de grupos politicamente subalternos.

Os termos da desqualificação de tais jovens reconhecidos por atributos renegados mas constitutivos da identidade instrumental que, desse jogo, emerge como recurso de reinserção social – transitam assim em campos mais amplos de significados e de realinhamento político. Nestes espaços, os agentes interventores tomam a cargo a construção de um quadro próprio para politizar as questões. Portanto, ao produzirem a denúncia, atores e pesquisadores se vêem diante da apresentação de um segmento na relação com um conjunto englobante, colaborando para que possa haver reação às definições desabonadoras e instrumentalizadas que sobre ele recaem.

Portanto, diante das formas atuais de expressão da conflitualidade social, a publicização da falta tem se apresentado como parte do investimento, visando ultrapassar as posições desfavoráveis e almejando a constituição de organizações capazes de assegurar sentido e existência social às categorias que buscam reconhecimento (sem domicílio, sem terra, remanescentes de quilombos). Participando de processos de reflexão pública, os antropólogos, engajando-se no exercício político de favorecer a existência social ou dar visibilidade aos movimentos de luta pelos direitos cívicos, inscrevem-se em campos de luta e de reordenação sociais. E assim, também fundamentam a emergência de identidades modernas, que se definem pela falta, isto é, pela exclusão para alcançar a inclusão. A falta e a carência tomam então sentido positivo, permitindo que os integrantes, de forma grupal, se constituam pela denúncia do que consideram fatores de sua destruição social.

Menos que exercícios de eufemização ou teleogização, está em jogo a necessidade de compreensão dos desdobramentos dos processos de constituição desses novos sujeitos sociais. Essa condição melhor se objetiva se os agentes interventores puderem estar dotados de uma perspectiva de compreensão capaz de revelar que a inserção de uns provoca novas diferenciações e deslocamentos desqualificantes. As operações políticas em jogo devem resolver antecipadamente ou na própria luta a questão de quais serão os integrados. Como as questões devem então ser definidas a partir desta criação, os grupos que aderem a esse embate precisam estar dotados de formas de percepção e de certa previsão dos efeitos desejados e indesejados. Estando os desdobramentos e os efeitos perversos quase sempre fora da capacidade de compreensão por atores que se orientam por sistemas de pensamento organizados em termos do saber tradicional ou local, a transposição desejada depende de intermediações que assegurem a relativização do sistema de posições. Ora, como tal exercício político invoca operações prévias, os antropólogos podem por meio dele colaborar para redefinição de posições sociais, tendo em vista sua própria tradição de pensar sua cultura a partir de outras.

Por tudo isso, os membros da equipe de pesquisa que coordeno advogam então: os antropólogos podem contribuir para o entendimento do modo como tais representantes institucionais operam recategorizações, como elas emergem e quais as condições de existência e reprodução das instituições. Valorizando esse conhecimento como saber coletivo, pensamos poder colaborar para que os agentes institucionais venham a compreender que a percepção de si e dos outros é ato cultural que se exprime por relações de poder; que as diferenças ao mesmo tempo unem e criam novos segmentos, revalorizando a alteridade. Colaborando no enfrentamento de interpretações hegemônicas que individualizam as causas e os efeitos dos problemas sociais, podemos questionar a atribuição de responsabilidade aos pobres por sua pobreza ou situação de pobreza. Podemos então colaborar para fazer aparecer as conexões que definem as condições de afiliação e que se exprimem por novas formas de exclusão do acesso a recursos fundamentais.

É nesse exercício que os membros da equipe de pesquisa por mim coordenada integram-se como parte da rede que articula as instituições analisadas e apontam ainda para as condições recentes de desengajamento do Estado no enfrentamento dos problemas sociais. Nos termos em que, escrevendo este artigo como produto do trabalho da equipe, coloco em relevo o papel dos antropólogos no estudo das condições institucionais de produção de categorias sociais valorativas da alteridade, tanto as dotadasç de atributos positivos, quanto, no caso em apreço, as de negativos, tentarei então explicitar as condições socioculturais em que essas formas de saber-poder são produzidas. Tentarei relevar os modos de afiliação a ideologias de urgente salvação, que terminam por reafirmar ou reificar o que pressupõem combater.

A inserção Geracional em Sociedade de Risco

O desenvolvimento físico e social do indivíduo está articulado à educação na cultura da sociedade e na sucessão de gerações, por meio de sua incorporação na estrutura social de alternativas e oportunidades referenciadoras das condições de diferenciação dos segmentos sociais (cf. Fortes,s/d, p.1)2 2 FORTES, Meyer. O ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico. Textos de aula do curso de Antropologia da Universidade de Brasília . Em termos gerais, o processo de reprodução social inclui todos os mecanismos institucionais, bem como atividades e normas ditadas pelo costume (costumárias), que servem para manter, suprir e transmitir o capital social de geração a geração. As novas gerações devem receber o capital social a ser transmitido (Fortes, s/d, p.2)2 2 FORTES, Meyer. O ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico. Textos de aula do curso de Antropologia da Universidade de Brasília – corpo de conhecimento, costumes e instituições de uma sociedade e das utilidades que estão disponíveis para sustentar a vida de seus membros.

Nos termos em que o trabalho institucional se expressa, as mudanças de status dos jovens pressupõem mudanças de afiliação, devendo eles assim acumular recursos fora do campo doméstico. Como no atual contexto, as alternativas e as oportunidades reproduzem por vezes ampliadamente o legado da pobreza, os programas institucionais, por tais circunstâncias, advogam o investimento social mínimo de transmissão de atitudes, motivos e projetos de vida. As instituições assistenciais e filantrópicas tornam-se assim campos específicos de transmissão de capital social (no sentido adotado por Fortes) à geração consecutiva. Elas representam os investimentos públicos na construção de universos para preservação de significados sociais que devem ser preservados porque ameaçados. Dessas circunstâncias deriva a importância de se conhecer quais são os mecanismos institucionais de reprodução numa dada sociedade e como eles operam; quais as condições em que o grupo doméstico alcança perfazer todo o ciclo de reprodução socialmente definido.

A intervenção social sobre os indivíduos já havia se instituído por meio da escola, recurso pelo qual as crianças estariam marcadas por condição diferenciada, socializadas segundo controle do tempo e da disciplina fora da jurisdição doméstica (Groppo, 2000, p.57-78).3 3 Destaca Groppo: "Crianças e, por extensão, jovens foram vistos como propícios a contraírem toda espécie de males: doenças do corpo e da mente, perversão sexual, preguiça, delinqüência, uso de tóxicos etc. Esta concepção só veio a colaborar no incremento do isolamento, da vigilância e enquadrinhamento dos indivíduos durante sua infância e juventude" (Gropp, 2000, p.58). Após o enquadramento social das crianças mediante as tentativas de universalização da escola fundamental e pública, a juventude desse amplo segmento populacional foi alcançada no que tange à delimitação do momento de inserção no mundo do trabalho. A promulgação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – , em 1993, colocou em questão problemas vividos nessa reprodução e, diante de articulação institucional de ampla eficácia, constituiu os modos de interferência do campo jurídico sobre o campo doméstico. Nesse documento, foi instituída a construção social da juventude como categoria de classificação universal, mas não só: os direitos que lhe correspondem vêm sendo estendidos às massas trabalhadoras da sociedade brasileira, a partir dos investimentos políticos e das reafirmações jurídicas nele definidas.

O ECA emergiu num contexto em que boa parte da família dos segmentos da população trabalhadora demonstrava impossibilidade de arcar sozinha com a socialização de novas gerações, especialmente no que tange aos segmentos mais empobrecidos da sociedade. No atual contexto, os pais, no caso considerado, lidando com dificuldades para se reproduzir na posição e gerir constrangimentos enfrentados no mercado de trabalho, não se sentem capazes de pensar de outra maneira seu modo de viver e projetar futuro diferenciado para os filhos. Praticamente desprovidos do patrimônio sociocultural, porque renegando a maior parte de seus valores, muitos deles não julgam oportuno transmitir aos filhos o que vêem sob perda de sentido: o capital de seus conhecimentos. Contudo, incorporam os filhos ao trabalho em idade que os elimina da integração de outros conhecimentos para uma mediada transposição de condições socieconômicas.

Impedindo o trabalho até os 16 anos e só admitindo após os 14 a aprendizagem profissional, os agentes sociais que consolidaram essa missão anunciada no ECA fizeram, por efeito de suas ações, trazer à tona diversos problemas sociais inerentes, contextualmente, à condição de ser pobre. Revelaram ainda as expectativas de reprodução de potenciais trabalhadores sem função socialmente reconhecida como laborativa. As respostas que as famílias em segmentos populares vinham institucionalmente adotando foram negadas e proibidas (trabalho infantil, circulação de crianças para o emprego doméstico, por exemplo)4 4 Ver Fonseca, 1995 e Neves, 1999. . Muitos dos pais, longe de assim se sentirem referenciados, sentem-se perdidos diante da valoração de uma família impotente, que era potencializada exatamente pela antecipada intensificação de formação de habilidades e responsabilidades nos filhos, tão logo reconhecidos como ultrapassando a infância (no caso, 8 a 10 anos). Portanto, como a alocação de direitos às crianças e aos jovens não correspondeu ao exercício de encargos pelos pais, o Estatuto reinventou, em termos jurídicos, um peso com que aquela instituição também não podia arcar. Não obstante, pais e mães se viram vigiados, punidos e obrigados a uma recriação, por forma de uma imposição, sem que o reconhecimento do problema correspondesse à criação de um aparato institucional correspondente.

O processo pressupõe, entre outros aspectos, o controle social. Por isso, ao alargamento do tempo de maturação e de afastamento do trabalho correspondeu maior suspeita, percepção pela qual se constituíram atributos justificadores das intervenções sobre os considerados jovens: aptidão a desordens e transformações e a necessária canalização de energias para fins positivos.

A naturalização da suspeita e da definição da juventude como problema fundou-se na pressuposição de que ela é parte inerente desse tempo distintivo de maturação, desvinculando-a da causa social, isto é, da sociedade em crise de reprodução, e, por isso, prejudicando a própria alegada maturação das potencialidades da juventude. O papel socialmente outorgado à juventude e a orientação como os indivíduos aí situados podem praticá-lo tornam-se incongruentes para o segmento dos jovens pobres.

O empreendimento na constituição das diferenças etárias foi assim considerado um dos critérios importantes da inserção nas relações do mundo do trabalho, inclusive para definição dos contratos individuais. Além disso, a periodização do ciclo de vida reafirmou-se como fator importante na definição da relação entre faixa etária e formas articuladas de penalidades criminais.

Esses investimentos desconsideram as necessidades das famílias, para valorizar o papel das instituições reguladoras e das instituições supostamente potencializadoras (estatais ou privadas). Nesse vazio criado pela regulação, nesse reconhecimento dos limites da escola e do processo de profissionalização, evidencia-se a valorização do lazer e dos pobres como artistas potenciais.

A criação de aparato institucional para gerir a inserção dos jovens os diferencia e promove adesões e sistemas de classificação, para o caso em apreço, por discriminação. Se os direitos sociais conformam a noção de justiça, porque igualam os homens socialmente desiguais e diferenciados, se ela democratiza os acessos e os homogeneiza em categoria única, também objetiva discriminações valorizadas para justificar essa intervenção. Realça-se assim o papel do Estado, que deveria estar ao mesmo tempo dotado de meios para conferir critérios de homogeneização e de diferenciação social; de recursos para constituir instituições reguladoras e potencializadoras. O conjunto de instituições consideradas na pesquisa testemunha essa capenga resposta para as responsabilidades requeridas.

A ação fragmentada e descontínua do Estado e a perda de monopólio de professores promovem a concorrência de mediadores. Emerge, entre outros aspectos e fatores, o reconhecimento do papel complementar dos educadores sociais na produção de significados e valores que orientam não só a passagem para a vida adulta, mas também a dignidade do conformismo na posição possível. O jovem é assim integrado institucionalmente como matéria bruta a ser complementarmente moldada, segundo os sabores e dissabores de projetos e parcerias institucionais ou individuais, concepções elaboradas por preconceitos e repressões criados pelo mundo dos adultos. E os que aparecem como desviantes, porque se rebelam ao enquadramento burocrático e disciplinar, produzem dissonâncias e ressonâncias, contrapõem resistência ao conformismo, terminando por reafirmar as ações sociais sobre os conformados ou reconhecidos por essa modalidade de pertencimento.

O Quadro Institucional de Socialização dos Jovens Pobres

Se as proposições de gestão da inserção geracional da juventude reconhecida como carente se apresentam como universo aberto, na prática são o improviso, o acaso e o senso de oportunidades que regem as práticas institucionais. Considerando os resultados de pesquisa que apresento, destaca-se a explicitação das condições em que agentes institucionais se encarregam das funções consensualmente atribuídas às instituições paralelas e complementares à escola, vinculadas ao campo da filantropia.

A escolha das instituições analisadas obedeceu às condições de sua inserção na rede que apóia a atuação do Conselho Tutelar de Niterói (estado do Rio de Janeiro), entre as quais aquelas que oferecem alternativas de profissionalização associadas ao reforço escolar.

Instituições conveniadas ao Programa Trabalho Educativo da Fundação da Infância e do Adolescente (listagem elaborada até 07 de janeiro de 2004):

1) Fundação Evangélica de Assistência Social

2) Associação Assistencial Coração de Jesus

3) Sociedade Beneficente da Sagrada Família

4) Associação Fluminense de Reabilitação

5) Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais

6) Associação das Damas de Caridade São Vicente de Paula

7) Casa da Criança de Niterói

8) Casa da Família Resgate

9) Associação Metodista de Ação Social

l0) Comitê para a Democratização da Informática

11) Instituição das Irmãs Missionárias de Nossa Senhora de Fátima

12) Província Carmelitana de Santo Elias

13) Curso José de Anchieta

14) Grupo Espírita Bezerra de Menezes

15) Associação dos Centros Integrados de Assistência à Criança

l6) Reencontro Obras Sociais e Educacionais

17) Centro de Cooperação e Desenvolvimento da Infância e da Adolescência (CCDIA).

Como se pode observar, são instituições privadas, assistencialistas e filantrópicas, a maior parte delas referenciada ao cristianismo objetivado pela Igreja Católica. Dessa relação foram selecionadas para conhecimento, por um panorama geral, aquelas instituições às quais são atribuídos objetivos de orientação profissional. E dentre elas, algumas para estudo mais detalhado: Associação Metodista de Ação Social, Associação dos Centros Integrados de Assistência à Criança e Centro de Cooperação e Desenvolvimento da Infância e da Adolescência (CCDIA)5 5 Ver Félix, 2004a e 2004b; Gregório, 1999; Santos, 2004a e 2004b; e Tornentino, 2004a e 2004b. .

A maior parte das instituições analisadas pela equipe de pesquisa emergiu pela tomada de consciência de seus fundadores: os limites promocionais da redistribuição de alimentos ou da assistência imediata na rua. Os agentes filantrópicos, a partir dessa experiência, consideraram de fundamental importância o trabalho de orientação e a legitimidade da prática, quando organizadas em espaços institucionais delimitados, onde a ação pudesse adquirir um caráter formal.

No contexto, definem os objetivos institucionais como oferta de um conjunto de práticas para preservar as crianças, oferecendo-lhes dignidade, respeito, cidadania, justiça e paz. A prática orienta-se por um ideário que valoriza a promoção da criança e do adolescente como cidadão, isto é, dotados de direitos e deveres; recursos para enfrentamento dos efeitos das desigualdades socioeconômicas.

Enquanto objetivo imediato, os dirigentes institucionais visam orientar crianças que "vagam pelas ruas sem futuro" (sem projeção positiva), restando-lhes, em caso contrário, o mundo da rua e da favela. Enaltecem seu trabalho pela definição do atendimento das crianças de famílias carentes para não caírem na rua. Para realizar estes objetivos, qualificam a oferta de serviços pela educação e profissionalização.

Entre as atividades oferecidas têm destaque: reforço escolar, cursos de informática e inglês, arte-educação (flauta, violão, teclado, bateria, dança e teatro). Ao lado dessas atividades, oferecem iniciação profissional pela valorização da disciplina inerente ao mundo do trabalho. Os agentes institucionais orientam sua prática por objetivos imediatos atribuídos à instituição: complementaridade entre concórdia social e reforço escolar, tendo em vista melhorar a educação pública e ampliar a escolarização.

Essas instituições são interdependentes e afiliadas a uma mesma rede social, cujos agentes tomam como questão de debate fundamental a existência de criança de rua e os limites de atuação do Estado. Segundo os representantes institucionais, nem sempre as entidades estatais conseguem, pelo menos, ser instância reguladora. Por meio de um sistema de cooperação mútua, os agentes institucionais trocam serviços visando ao atendimento.

Na análise da pedagogia das ações complementares para salvação de crianças e jovens em situação de risco ressalta-se o exemplo pessoal. Cada fundador de instituição oferece-se como modelo exemplar, tendo em vista os caminhos percorridos para ultrapassar precariedades materiais e universo cultural de reprodução da pobreza. Seu exemplo é apresentado como modelar para construção de identidades positivas pelos jovens, comprovando assim ser possível contornar a situação de risco, tudo dependendo de uma abnegada decisão pela adesão aos valores reconhecidos como positivos pela sociedade.

Como esses comportamentos são também esperados como produto da ação escolar e dessa instituição não se pode reclamar o atendimento de todas as demandas necessárias à formação do ethos do trabalhador, os representantes das instituições assistencialistas e filantrópicas concorrem na ação complementar à escola. Seus porta-vozes assumem esse papel por meio do reforço à escolarização e da inclusão dos jovens em atividades artísticas e culturais, no intuito de, valorizando positivamente a requerida auto-estima, limitar os alegados fatores que constituem a pressuposta ou potencial situação de risco. Também ampliam o raio de ação escolar, pela constituição de indivíduos capazes de emocional e socialmente suportar o desprestígio e a desqualificação social, visto que não conseguem a desejada autonomia pelo acesso a um posto de trabalho. Por isso, à juventude considerada em situação de risco, porque reconhecidamente carente de recursos materiais e alternativas de inserção valorativa no mercado de trabalho, as instituições filantrópicas respondem com atividades e demonstração de valores que venham a internalizar a importância que os jovens devem a si mesmos atribuir, ainda que constatando o fraco reconhecimento social ou existencial.

Está-se assim diante de uma equação de aplicação complexa. Ao risco atribuído à juventude, diante da percepção coletiva da desqualificada recepção pela sociedade, da carência material, mas principalmente institucional, o enquadramento dos jovens pobres, isto é, a incorporação dessa questão por agentes institucionais, baseia-se numa desqualificação que sobre tais jovens incide. Eles são objeto de atenção porque são portadores de potencialidades indesejadas pela sociedade e, dessa posição, submetem-se a exercícios para que se vejam auto-valorizados e, assim, positivamente integrados.

A análise das formas de inserção institucional dos jovens e dos modelos de posições que lhes são acenados pelos fundadores institucionais e pelos agentes sociais que neste campo e para este campo se especializam – os educadores sociais – revela histórias de vida constituídas em liminaridade. Dirigentes institucionais e educadores sociais, salvos da situação de risco, são então exemplos exemplares. Suas histórias de vida apresentam-se como manual de auto e hetero- salvação.

Tais histórias são importantes para se entender os significados institucionais que estão preservados e os que estão ameaçados. Trazem à tona as angústias de jovens que devem autonomamente se integrar numa acenada sociedade do desemprego. Enfim, permitem considerar as regras de transmissão de direitos sobre recursos que produtivamente não se realizam, não podendo ser assim transmitidos de acordo com as normas correspondentes. Refletem então as condições como os direitos são alocados em gerações consecutivas e algumas das formas como o domínio doméstico vem sendo associado ao político e ao jurídico.

A sistematização de princípios e referências é secundária diante da apresentação do caso exemplar como recurso pedagógico. Essa salvação é enobrecida porque, além de superar dificuldades de acesso a uma prolongada instrução formal e obter maior instrução e autonomia por meio do trabalho, eles se completam pelo trabalho de cooptação de agentes voluntários que operem como militantes.

Entre os usuários, nem todos estão preparados ou apresentam as potencialidades para a valorizada adesão. Apenas aqueles que foram capazes de internalizar os atributos conferidos pelo fundador exemplar são os escolhidos entre os muitos chamados.

A capacidade de gerir e se reproduzir mediante situações financeiramente adversas, se por um lado traduz a fragilidade da reprodução institucional, quando dedicada à população carente, também se constitui em pedagogia viva, cujos princípios devem ser incorporados pelos assistidos. O controle da precariedade é enfatizado como saber, ethos e estilo de vida. Todavia, o controle da precariedade institucional depende da capacidade de seu fundador constituir uma rede de apoiadores que assegurem a transferência regular de recursos financeiros. A precariedade no acesso aos recursos faz com que a gestão da instituição opere frente a várias dificuldades, que resultam, na maior parte das vezes, em descumprimento de regras e objetivos contratados. Frente a tal precariedade, cada vez mais se torna difícil a obtenção de recursos e donativos regulares.

Tendo negado à sua prática o exercício da previsibilidade, diante do atraso em repasse de verbas, os fundadores destacam essa imprevisibilidade e seu solitário empenho para manter a instituição. Seu solitário empenho é compensado pelo fato de, segundo a expressão de um dos fundadores, evitar que quarenta meninos sigam para assaltar. Nas situações de vida mínima, o fundador da instituição valoriza seu objetivo pelo controle do tempo do jovem, chamando atenção para a concepção de que o ócio é negativamente contagioso. Em contraposição, desfila seus assistidos exemplares. Tanto num caso como no outro, o suposto é o do talento inato, para o bem ou para o mal.

A constituição dessas instituições exige então um saber especial na gestão de recursos raros, condição impositivamente contínua, cujo constrangimento limita a reprodução social delas. Muitos desses gerentes consideram que sua ação fundamental é a de multiplicar os peixes, isto é, gerenciar o pouco para dele obter eficácia. Por isso, essa ação prática recorrentemente se orienta por um evangelismo cooperativo, constituído de um núcleo centralizado de responsabilidade e da produção de adesões perenes. E reafirma uma ética fundadora da dignidade da reprodução social sob precariedade, fundada na dotação de conhecimentos de gestão de uma contabilidade incontabilizável.6 6 Sobre as condições de funcionamento do campo institucional da filantropia, consultar Neves, 2001 e 2003.

Todas as instituições valem-se fundamentalmente da contribuição, mesmo que indesejada ou forçada, de empresas de ônibus que, conforme regulamento, acatam o passe-livre de estudantes do ensino fundamental, quando uniformizados. Este é recurso fundamental para dotação de meios para participação de crianças e jovens usuários das instituições que oferecem atividades lúdicas e culturais e/ou cursos profissionalizantes.

Como as instituições se encontram em condições de carência ou de impossibilidade de pagamento de pessoal, todos os seus gestores valorizam e bem acolhem o trabalho voluntário ou apresentam-no como condição fundamental a qualquer participação no espaço institucional. Esse fato ocorreu em todas as situações de pesquisa. Um dos pesquisadores foi impedido de continuar o trabalho diante da apressada avaliação de que nada teria a oferecer como troca. A posição de voluntário se apresentou como a contrapartida: dois bolsistas tiveram que transferir trabalho para se valer das alternativas abertas de realização da pesquisa. Ao pesquisador não cabe posição neutra, ele deve adotar, na prática, os princípios que orientam a vida institucional.

Ora, diante da precariedade da reprodução institucional e da impossibilidade de negá-la, as duas posições devem ser necessariamente atribuídas ao pesquisador: ou ele, reconhecendo as dificuldades, valoriza os serviços oferecidos em tais condições e se engaja pela prestação de serviço voluntário; ou ele, testemunha das dificuldades e distanciado das alternativas de melhoria das condições, coloca-se sob suspeita, como indesejado, porque se constitui um olheiro ou, quem sabe, um fiscal vinculado a instituições externas, principalmente aquelas que transferem recursos financeiros. Nesse caso, como a autoridade central na instituição é a do fundador, que tudo avalia e baliza, se ele não consegue a adesão do pesquisador, ele impede a pesquisa.7 7 Para uma análise mais detalhada dessa condição de impossibilidade da pesquisa, ver Felix, 2004a.

Os que se aproximam na condição de pesquisador ou visitante são ainda bem-vindos se puderem criar alternativas de indicação de jovens ao mercado de trabalho. Professores e fundadores institucionais geralmente avaliam os usuários pelo desinteresse e contrapõem as dificuldades a serem por esses vividas à sorte de, na instituição, estarem inscritos. Como os jovens aí estão em busca de indicação para o trabalho, eles podem se empenhar de modo insuficiente, segundo a avaliação da direção institucional, especialmente no que diz respeito à aprendizagem, mas se colocam em estado de disponibilidade para o convite de afiliação ao mercado de ocupações. Essa mesma oportunidade é valorizada pelos professores que também acenam com a possibilidade de o visitante gozar de alguma alternativa de indicação para o mercado de trabalho. Nesses termos, a questão do emprego se ampara na apresentação pessoal, na indicação e na inserção em redes pessoais

Como nesse quadro de reciprocidade para realização da pesquisa a condição do trabalho voluntário se revela, nele deter-me-ei um pouco mais. Ele é pré-requisito para a posterior seleção para inclusão profissionalizada e/ou remunerada. Dos funcionários contratados, quase todos já se submeteram a esse trabalho voluntário. De tal forma os dirigentes institucionais incorporam essa condição de trabalho como princípio de recrutamento, que eles se previnem de demanda trabalhista pela imposição da assinatura do contrato de trabalho voluntário. Por esse recurso, caracterizam a inexistência do direito, nos moldes estabelecidos pela lei do voluntariado.

Este é o caso do CCDIA - Centro de Cooperação e Desenvolvimento da Infância e Adolescência. Criado em 1974, por inspiração religiosa, mantém-se referenciado à máxima de que amar a Deus é amar ao pobre. Seu fundador considera que a verdadeira opção divina é pelo pobre. Tendo iniciado a ação caritativa pela redistribuição de alimentos aos moradores de rua, caminhou no sentido da fixação da atividade prática e da construção de um imóvel para abrigar a instituição (1988/89).

Os agentes dessa instituição oferecem aos usuários, jovens pertencentes a famílias pobres residentes nas favelas próximas, reforço escolar, teatro e educação física, alfabetização para classe especial e adultos, informática para crianças e adultos e luthieria. Esse programa acena para um leque geral de opções. Na verdade, ele é colocado em prática conforme a adesão de voluntários capazes de, em período determinado, realizar as atividades. Tendo em vista a ação complementar à escola, os usuários, além de residirem nas proximidades da instituição, devem estar matriculados em escolas da rede municipal. Alguns deles são encaminhados para reforço escolar pela direção da escola ou encaminhados pelos representantes do Conselho Tutelar de Niterói.

No CCDIA, ao lado dos 11 voluntários que são integrados pela pessoal capacidade de transferência de saberes e competências, agregam-se 9 bolsistas da Universidade Federal Fluminense, que aí realizam estágio. Mas há também investimentos na manutenção de um quadro de funcionários, que abarca a coordenação pedagógica, a secretaria, a contabilidade, professores e faxineiros. A instituição é mantida por doadores e mantenedores, bem como por comitês de funcionários e de empresários, que transferem recursos financeiros.

A AMAS foi criada em 1984, por meio de ação missionária metodista. Define-se como instituição complementar da educação escolar. Atende a crianças e jovens em regime de residência e/ou meio expediente semanal.8 8 Esta mesma instituição foi incluída entre as pesquisadas entre 1997 e 1999. Ver Gregório, 2002.

Reconhecem os diretores que essa instituição incide sobre 3 situações problemáticas: crianças de rua, crianças sob risco e crianças faveladas. Para elas, os agentes institucionais oferecem aulas de inglês, informática, música e teatro. Integram-nas a uma atividade de profissionalização, a partir de um debate semanal sobre informações referentes ao mercado de trabalho e reflexões sobre a disciplina exigida pelo contratador de mão-de-obra. Limitando-se a esses aspectos, os internos, em grande maioria, permanecem na instituição, especialmente na expectativa de que aí sejam integrados como funcionários.

A opção de saída da instituição é mais viável para as jovens que, conforme alegam os dirigentes institucionais, dispõem de facilidades para obtenção de autonomia. Essa avaliação resulta do fato de as moças se agregarem para aluguel de casa em comum ou conseguirem emprego mediante associação de trabalho e moradia, na condição de empregadas domésticas. Além disso, os jovens conseguem desfrutar de mais autonomia para saídas programadas da instituição, alternativa que é negada às jovens, dado o controle de risco da prática sexual e da conseqüente gravidez.

A AMAS se mantém com auxílios financeiros dos religiosos e doações inespecíficas de diversas pessoas. A instituição também conta com o trabalho voluntário de estagiários e universitários, em busca de credenciais para demanda de trabalho. Contudo, há investimentos no sentido de manter um corpo fixo: assistente social, psicólogo, nutricionista e auxiliares de enfermagem. Em duas casas, os internos são recebidos sob a tutela de um pai e uma mãe sociais, remunerados para essa função.

A ação dos voluntários se apresenta fundamental na intermediação para obtenção de empregos para os jovens. Os usuários consideram que a instituição é mais eficaz na oferta de lazer e menos na criação de pressupostos necessários ao exercício laborativo. Dotados de baixa instrução, os usuários não conseguem se beneficiar dos serviços públicos que vêm sendo oferecidos. Por exemplo, do PNPE – Programa Nacional Primeiro Emprego –, cujas vagas estão abertas através do SINE, para jovens entre 16 e 24 anos, mas que dispuserem de, no mínimo, o ensino médio.

A precariedade de empregos pressupõe essa mesma adesão a redes asseguradoras da circulação de referências e informações. No caso da AMAS e do CCDIA, os fundadores, como estão vinculados a sistemas de crenças religiosas, conseguem assegurar regularidade no acesso mínimo a recursos. Outros dirigentes institucionais enfrentam dificuldades, tendo em vista a posição desfavorável do fundador nesse campo institucional do assistencialismo. No caso, dependem exclusivamente da transferência de recursos advindos do Estado, cujos porta-vozes associam a aceitação de parceria e convênio, segundo propostas de trabalho. Essas propostas não se originam de um plano de continuidade e aprofundamento das atividades dos prestadores de serviço. Pelo contrário, excetuando o fundador, todos os funcionários passam a exercer, em precariedade, as funções mínimas, por vezes à custa de atrasos no pagamento por meses consecutivos. Vivendo e sobrevivendo da contratação descontínua e de interrupções ou realização mínima do exercício de projetos, os dirigentes reconhecem que a reprodução institucional torna-se por vezes inviável.

A ACIAC, Associação dos Centros Integrados de Assistência à Criança, por exemplo, apresenta-se como uma instituição filantrópica destinada a atender jovens em situação de risco e destinados ao enfrentamento do desemprego e da exacerbação da desigualdade social. Possuía 4 unidades, mas hoje só mantém uma delas. É definida como em situação de decadência, porque antes obtinha mais apoios. Seu fundador gere situação de instabilidade e dificuldades para a reprodução, mesmo que precária. Essa precariedade é também avaliada pela apresentação da instituição ideal, um padrão que não se realiza, em virtude das descontinuidades da ação e da fiscalização estatais. Contudo, além de serviço de creche, oferece cursos profissionalizantes para jovens entre 14 e 17 anos, no decorrer de 6 meses: panificação e confeitaria, costura industrial, lancheria (doces e salgados), eletricista instalador, office-boy.

Os fundadores emitem facilmente opiniões sobre o modo de gestão de funcionários estatais vinculados à transferência de recursos financeiros por contrato. Desfilam as represálias que eles lhes impingem diante de exigências extravagantes, bem como alteração de rota, uma vez que a instituição só se reproduz se estiver a serviço dos interesses e das mentalidades dos políticos que, no contexto, estiverem na liderança governamental.

O Quadro Institucional de Gestão Intergeracional

A despeito de todas as precariedades descritas, essas instituições desempenham papel fundamental diante da desacumulação de patrimônio sociocultural, em face da perda do saber dos pais. Os limites devem ser compreendidos pela capacidade de encontrar soluções específicas ao campo da filantropia nesse empreendimento educativo, paralelo e complementar ao papel do Estado. E revelam outros limites, os dos próprios usuários, para construírem alternativas de inserção diferenciada dos filhos, em virtude da falta de informações e da expropriação dos instrumentos que facilitem o deslocamento da posição social em que se encontram.

Os limites a partir dos quais as instituições filantrópicas operam falam menos delas próprias e muito mais da redefinição do papel do Estado diante do projeto educativo para recepção de novas gerações. De seus porta-vozes têm partido as campanhas e as glorificações do trabalho voluntário e cidadão. Ancorados nessa redistribuição de responsabilidades (ou irresponsabilidades) e nessa demissão do papel de articulador de mobilizações no sentido da definição de projetos, isto é, de princípios, valores e meios que tornem explícitas as tendências desejadas para organização social, os agentes estatais revelam o quanto ainda podem se valer e dissimular suas funções pela produção dessas adesões e parcerias. Glorificando o sistema de parcerias institucionais, os convênios fazem circular migalhas, improvisos e atabalhoamentos só valorizados porque definidos como salvacionistas.

Não se pode ou se deve reivindicar do Estado uma função totalizadora, especialmente no que tange à educação e à inserção das novas gerações. Não se pode prescindir da co-participação institucionalizada dos vários sentidos sociais em disputa, diversidade sempre enriquecedora em termos de alternativas coletivas e pessoais. Contudo, também não se pode deixar de reconhecer que, aos porta-vozes do Estado, no que tange às questões aqui consideradas, cabem, no mínimo, a organização do concerto e o estabelecimento coletivo de metas e princípios filosóficos, norteadores das formas de sociedade no contexto desejadas (legitimadas e/ou legalizadas). Diante de tamanha indefinição, os próprios porta-vozes do Estado impedem que os agentes filantrópicos possam criar melhores condições de desempenho institucional e, por tanto e pelos objetivos reivindicados, e possam ser objetivamente responsabilizados.

O amplo engajamento já é um fato. Pela referência aos valores morais e às vantagens materiais do ideário da responsabilidade social (em alguns casos com certa invisibilidade), vê-se aportar ao campo da educação um conjunto impensável de instituições públicas e privadas. Para além daquelas já reconhecidas pela competência jurídica e pelo papel articulador – Juizado de Menores, Conselhos Tutelares, fundações estaduais e municipais de assistência à infância e à juventude, todas orientadas pelos princípios definidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, aderem: Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Associações Profissionais e de Serviços, Sindicatos de Trabalhadores, Clubes sociais e esportistas. Também beneméritos pessoais, muitos deles esportistas ativos ou inativos, gerindo recursos financeiros aplicados à legitimidade dos altos salários ou à sua retirada do mundo do espetáculo. E ainda: as tradicionais ou recém-criadas instituições assistenciais e filantrópicas, casas comerciais, especialmente supermercados, rede bancária, universidades públicas e privadas etc. Impositivamente, as empresas de transporte urbano, por meio do passe-livre. Essa sedutora e alvissareira agregação, todavia, opera num balcão ou leilão de ofertas, cada um buscando a inventividade correspondente à glória desejada e reconhecida por tão nobre participação.

Novo quadro de agentes voltados para a educação assim vai se constituindo, diferenciado por formas de vínculo institucional: voluntários, estagiários, prestadores de serviços, educadores sociais, professores, amadores etc. Essa amplitude coloca em xeque as definições anteriores de formação de experts ou de profissionais, para legitimar o voluntarismo e a capacidade de comunicação interclasses sociais. As proposições casuais e pessoais se expressam na facilidade como se cria uma miríade de projetos ou mesmo pela impositiva valorização de significados atribuídos ao termo projeto: proposições relativamente sistematizadas e de realização pontual e provisória, que agregam esforços pessoais ou de um missionário em busca de adesões materiais e sociais.

Ideários Salvacionistas, Falta de Vagas e Vulnerabilidades da Reprodução Social

A análise das instituições traz também à tona a pergunta de resposta calada: – o que se tem feito diante da insistente, recorrente e até mesmo obstinada procura dos jovens em relação à realização de cursos profissionalizantes, recursos por meio dos quais realizam sua parte nos investimentos para inserção no mercado de trabalho? A que riscos sociais corresponde essa dissimulação coletiva? Que conseqüências podem ser vislumbradas, nesse contexto de pressuposição da vida sob risco e, por isso mesmo, nesse contexto de celebrações de rituais coletivos de exorcização da temida potencialidade do mal, quando a preparação dos jovens se funda numa criatividade cotidiana do aqui e agora, na fé em que o pouco com Deus é muito? Em certos casos, as perdas de oportunidades nesse ciclo de vida podem ser de conseqüências irretorquíveis ou de efeitos maléficos, dadas as difíceis reversões, como é o caso da baixa escolaridade.

Ao tentarmos (coordenadora e pesquisadores deste projeto) colaborar para a discussão sobre os modos contextuais de inserção da juventude pertencente às camadas populares pela denúncia do acordo quanto à perenidade do improviso, do futuro projetado pela estratégia do acaso e do atabalhoamento, queremos apenas assentar o que consideramos fundamental: a gestão da inserção geracional é projeto coletivo e como tal deve ser encarado. Os agentes institucionais que se colocam no campo pela colaboração aos pais de tais crianças e jovens não podem aí se agregar para adotar a mesma lógica da reprodução precária que os pais e os jovens sabem melhor operar do que nós. A orientação complementar ao capenga sistema educacional público não pode seguir a sabedoria do acréscimo das puxadas dos barracos que sempre acolhem mais um ou as novas gerações. As boas intenções e a generosidade não podem ser os únicos aportes para a construção da tomada de consciência dos riscos da precariedade de recepção das novas gerações. As soluções mais duradouras que se apresentam não podem advogar ou se contentar com o status de objetos de vitrine, que acenam para o maravilhoso e cobiçado, mas que se estancam aos nossos olhos exatamente para a admiração; ou se interrompem pelos fortificados vidros que delimitam os espaços da exibição e do desejo.

Seguindo os ideários salvacionistas, a inserção da juventude das camadas populares não pode ser oficializada pelos amalerados avisos ou cartazes que se perenizam à frente das instituições, assegurando que muitos são os chamados e poucos os escolhidos: "NÃO HÁ MAIS VAGA".

A essa diferenciação, os pesquisadores, demonstrativamente, acrescentam outras: para seguir se apoiando na criação de parcerias asseguradoras da transferência de recursos financeiros e no cotidiano investimento da demonstração da visibilidade e da legitimidade das práticas institucionais, todos os dirigentes devem fixar as sedes nos espaços de concentração institucional e de população dotada de patamares mais elevados de rendimentos financeiros, no centro ou nos bairros mais valorizados das cidades; enfim, devem minimizar a fixação dos espaços de atendimento direto junto aos bairros onde reside a população qualificada como carente. Dessa forma, apenas a redistribuição do passe-livre propicia a disputa pelo acesso às raras e espacialmente concentradas vagas. Por isso, as instituições aqui em foco, a despeito do esforço de seus dirigentes no sentido da criação de filiais, realinham os pobres preferenciais ao exercício do laboratório das boas intenções.

Entretanto, se limites há, é preciso se reconhecer que as atividades que se exercem nas instituições filantrópicas constituem o principal serviço prestado aos jovens pertencentes às camadas populares. E, portanto, estão, corretamente, colocando em prática a prestação de serviços salvacionistas. A enorme procura com que cada instituição é cotejada é demonstração da importância que os serviços representam para esse beneficiário.

Recebido em: 09/05/2005

Aprovado em: 21/06/2006

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  • TORNENTINO, Alessandra Benevides. Reforço escolar ou disciplinar?: um estudo de caso. Relatório técnico de pesquisa sob vinculação ao projeto 'O legado da pobreza e a inserção geracional', coordenado pela professora Delma Pessanha Neves, afiliado ao Departamento de Antropologia da UFF e ao CNPq. Fevereiro de 2004a.
  • TORNENTINO, Alessandra Benevides. Voluntariado, juventude e situação de risco Trabalho apresentado no GT do Seminário Juventude e Reprodução social: dilemas e alternativas, realizado no ICHF, sob organização dos pesquisadores do GT Transmissão de Patrimônios Culturais, 18 e 19 de novembro de 2004b.
  • 1
    A pesquisa está sendo desenvolvida por afiliação ao Departamento de Antropologia da Universidade Federal Fluminense e com apoio financeiro do CNPq, por meio de bolsas de produtividade, de apoio técnico e de iniciação científica, de cujo exercício de trabalho de campo boa parte dos dados aqui apresentados se nutre (Felix, 2004a, 2004b; Santos, 2004a, 2004b; Ramos, 2004; Tornentino, 2004a, 2004b).
  • 2
    FORTES, Meyer. O ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico. Textos de aula do curso de Antropologia da Universidade de Brasília
  • 3
    Destaca Groppo: "Crianças e, por extensão, jovens foram vistos como propícios a contraírem toda espécie de males: doenças do corpo e da mente, perversão sexual, preguiça, delinqüência, uso de tóxicos etc. Esta concepção só veio a colaborar no incremento do isolamento, da vigilância e enquadrinhamento dos indivíduos durante sua infância e juventude" (Gropp, 2000, p.58).
  • 4
    Ver Fonseca, 1995 e Neves, 1999.
  • 5
    Ver Félix, 2004a e 2004b; Gregório, 1999; Santos, 2004a e 2004b; e Tornentino, 2004a e 2004b.
  • 6
    Sobre as condições de funcionamento do campo institucional da filantropia, consultar Neves, 2001 e 2003.
  • 7
    Para uma análise mais detalhada dessa condição de impossibilidade da pesquisa, ver Felix, 2004a.
  • 8
    Esta mesma instituição foi incluída entre as pesquisadas entre 1997 e 1999. Ver Gregório, 2002.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      21 Jun 2006
    • Recebido
      09 Maio 2005
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