Acessibilidade / Reportar erro

Pesquisa-intervenção como mediadora de transformação das condições de saúde dos teleoperadores de Pernambuco

Resumo

Com o processo de globalização e as transformações no setor de telecomunicações, provenientes da reestruturação produtiva, os últimos 10 anos foram marcados pelo crescimento significativo do número de empresas terceirizadas na prestação de serviços de teleatendimento no Brasil. Este artigo objetivou descrever o processo metodológico da pesquisa-intervenção sobre perfil das condições de vida, de trabalho e de adoecimento dos teleoperadores do estado de Pernambuco. Esta é uma análise descritiva de pesquisa, ancorada na Abordagem Ecossistêmica em Saúde, centralizada na compreensão integrada da saúde humana, na construção do conhecimento direcionado para a ação. O projeto desenvolvido permitiu realizar um diagnóstico e iniciar o planejamento de intervenções a serem implementadas conjuntamente. A abordagem participativa permitiu a aplicação do diálogo sobre o conhecimento, que fortalece o desenvolvimento de ações na perspectiva da promoção da saúde, mas também de uma ciência cidadã baseada em pesquisa participativa.

Palavras-Chave:
Saúde do Trabalhador; Vigilância em Saúde do Trabalhador; Riscos Ocupacionais; Promoção da Saúde; Pesquisa Participativa

Abstract

In the wake of the globalization process and the transformations in the telecommunications sector, resulting from the productive restructuring, the last ten years in Brazil were marked by the significant increase in the number of telemarketing services being provided by outsourced companies. This article describes the methodological process of research-intervention on the profile of living, working and illness conditions of telemarketers in the state of Pernambuco. Its descriptive analysis is based on the Ecosystem Health, approach centered on the integrated understanding of human health for constructing action-oriented knowledge. The project developed allowed us to propose a diagnosis and start planning interventions to be implemented jointly. Its participatory approach favored a knowledge based on dialogue, practice that strengthens the development of health promoting actions and of a citizen science based on participatory research.

Keywords:
Occupational Health; Worker health surveillance; Occupational risks; Health promotion; Participatory Research

Introdução

O processo de precarização do trabalho tem repercussão direta na vida dos trabalhadores, principalmente em relação à sua saúde (Fernandes; Pace; Passos, 2002FERNANDES, S. R. P.; PACE, D. M. T.; PASSOS, M. F. D.. Organização e condições de trabalho em telemarketing: repercussões na saúde psíquica dos trabalhadores. In: JAQUES, M.; GODO, W. (Org.). Saúde mental & trabalhos-leitura. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 247-270.). Os trabalhadores do setor de telecomunicações estão entre os mais afetados, pois atuam com sistemas de informação e comunicação mais sofisticados, como ocorre nos serviços de call centers ou centrais de atendimento. Nestas centrais, os teleoperadores são expostos à intensificação do trabalho e submetidos a mecanismos de gestão baseados na pressão psicológica, características que contribuem para o aparecimento de morbidades relacionadas ao trabalho (Antunes; Praun, 2015ANTUNES, R.; PRAUN, L. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 123, p. 407-427, 2015. DOI: 10.1590/0101-6628.030
https://doi.org/10.1590/0101-6628.030...
; Braga, 2012BRAGA, R. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo , 2012.).

Essa indústria da informação resulta da massificação da “globalização” da produção e das relações interpessoais e é caracterizada pelo dinamismo e velocidade com que propaga informações (Alves, 2007ALVES, G. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Bauru: Editora Praxis, 2007.). Conjuntamente a este processo, as políticas econômicas neoliberais e a revolução técnico-industrial estabeleceram um conjunto de mudanças na esfera do trabalho, tendo como um processo dinâmico predominante a precarização das relações sociais de trabalho (Cordeiro, 2011CORDEIRO, B. K. O trabalho em call center: a saúde do trabalhador e sua relação com a atividade. 2011. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Niterói, 2011.; Druck, 2011DRUCK, G. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. especial, p. 37-57, 2011. DOI: 10.1590/S0103-49792011000400004
https://doi.org/10.1590/S0103-4979201100...
). O baixo nível dos salários, a alta rotatividade e as poucas possibilidades de ascensão interna nas empresas são características da precarização que controlam, de forma considerável, os trabalhadores (Cordeiro, 2011CORDEIRO, B. K. O trabalho em call center: a saúde do trabalhador e sua relação com a atividade. 2011. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Niterói, 2011.).

Esse processo decorre do contexto da reestruturação produtiva do capital (Peliano, 1997PELIANO, J. C. Reestruturação produtiva e qualificação para o trabalho. Educação e Tecnologia, Curitiba, n. 3, p. 1-14, 1997.), resultado de um padrão de acumulação flexível instituído para responder à crise capitalista da década de 1970 (Harvey, 2012HARVEY, D. A condição pós-moderna. 23. ed. São Paulo: Loyola, 2012.), que introduziu novas formas de exploração da força de trabalho para garantir a manutenção de acumulação de riquezas pelo capital. O processo envolveu a desregulamentação e abertura de mercados, a financeirização da economia, a flexibilização e precarização das relações e condições de trabalho e a fragmentação, além da desterritorialização de processos produtivos.

O setor de telecomunicações tem introduzido inovações tecnológicas com a incorporação das tecnologias da informação e comunicação, que têm ocupado lugar privilegiado na cadeia produtiva mundial e levaram a um crescimento significativo de empresas nos últimos 10 anos (Mocelin; Silva, 2008MOCELIN, D. G.; SILVA, L. F. S. C. O telemarketing e o perfil sócio-ocupacional dos empregados em call centers. Caderno CRH , Salvador, v. 21, n. 53, p. 361-383. DOI: 10.1590/S0103-49792008000200012
https://doi.org/10.1590/S0103-4979200800...
). No Brasil, este setor movimentou em torno de US$ 38 bilhões no ano de 2016, empregando aproximadamente 550 mil pessoas, o que resultou no crescimento significativo do número de empresas de telecomunicações especializadas em teleatendimento, como os call centers (Nogueira, 2011NOGUEIRA, C. M. O trabalho duplicado: a divisão sexual no trabalho e na reprodução um estudo das trabalhadoras do telemarketing. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.). Os call centers brasileiros são caracterizados por serem controlados por grandes grupos empresariais que concentram a maior parte dos trabalhadores empregados nos serviços (Braga, 2012BRAGA, R. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo , 2012.).

Esses trabalhadores sofrem diretamente com a alta competitividade do mercado, a rotina exaustiva, o ritmo acelerado de trabalho, a alta rotatividade no setor caracterizado por altos índices de insatisfação e absenteísmo (Batt; Doellgast; Kwon, 2005BATT, R.; DOELLGAST, V.; KWON, H. US Call Center Industry Report 2004: national benchmarking report strategy, HR practices and performance. Ithaca: Cornell University, 2005.; Cordeiro, 2011CORDEIRO, B. K. O trabalho em call center: a saúde do trabalhador e sua relação com a atividade. 2011. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Niterói, 2011.; Nogueira, 2011NOGUEIRA, C. M. O trabalho duplicado: a divisão sexual no trabalho e na reprodução um estudo das trabalhadoras do telemarketing. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.; Silva, 2010SILVA, F. P. M. Trabalho e emprego no setor de telemarketing. 2009. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.). Aproximadamente 70% da força de trabalho existente é feminina e 45% é constituída de jovens entre 18 e 25 anos, sendo uma das portas de entrada da jovem trabalhadora no mercado de trabalho (Nogueira, 2011NOGUEIRA, C. M. O trabalho duplicado: a divisão sexual no trabalho e na reprodução um estudo das trabalhadoras do telemarketing. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.).

Os problemas de saúde mais frequentes nestes trabalhadores são Lesões por Esforços Repetitivos, Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (LER/Dort) e Perda Auditiva Induzida pelo Ruído (PAIR). Os transtornos mentais relacionados à atividade também são comuns e se apresentam como alcoolismo, depressões relacionadas com o trabalho, estresse, fadiga, neurose profissional, entre outras (Braga, 2012BRAGA, R. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo , 2012.; Nogueira, 2011NOGUEIRA, C. M. O trabalho duplicado: a divisão sexual no trabalho e na reprodução um estudo das trabalhadoras do telemarketing. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.). Tais acometimentos são resultantes da falta de autonomia do trabalhador, altas cargas de trabalho tanto físicas como psíquicas pela exigência de execução acelerada das atividades, além de auditoria constante sobre o trabalho (Braga, 2012BRAGA, R. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo , 2012.; Fernandes; Pace; Passos, 2002FERNANDES, S. R. P.; PACE, D. M. T.; PASSOS, M. F. D.. Organização e condições de trabalho em telemarketing: repercussões na saúde psíquica dos trabalhadores. In: JAQUES, M.; GODO, W. (Org.). Saúde mental & trabalhos-leitura. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 247-270.; Ogido; Costa; Machado, 2009OGIDO, R.; COSTA, E. A.; MACHADO, H. C. Prevalência de sintomas auditivos e vestibulares em trabalhadores expostos a ruído ocupacional. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 43, n. 2, p. 377-380, 2009. DOI: 10.1590/S0034-89102009000200021
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200900...
; Santos, 2006SANTOS, A. O. R. O trabalho do atendente de call center: adoecimento por LER/DORT e descartabilidade. 2006. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006.).

Assim, a compreensão da saúde do trabalhador, através da análise do processo histórico-social no qual estão inseridos, é necessária para fundamentar ações voltadas para a vigilância e promoção da saúde destes trabalhadores. A partir da compreensão das inter-relações produção, trabalho, ambiente e saúde, pode-se entender as condições de vida, o perfil de adoecimento e morte das pessoas, além de construir alternativas de mudanças capazes de garantir vida e saúde para o ambiente e a população (Cordeiro, 2011CORDEIRO, B. K. O trabalho em call center: a saúde do trabalhador e sua relação com a atividade. 2011. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Niterói, 2011.; Gomez; Vasconcellos; Machado, 2018GOMEZ, C. M.; VASCONCELLOS, L. C. F.; MACHADO, J. M. H. Saúde do trabalhador: aspectos históricos, avanços e desafios no Sistema Único de Saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 6, p. 1963-1970, 2018. DOI: 10.1590/1413-81232018236.04922018
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
).

A Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) confere ao Sistema Único de Saúde (SUS) a responsabilidade de promover ações de saúde do trabalhador, com ênfase na vigilância, visando a promoção, proteção, cuidado e reabilitação da saúde dos trabalhadores e a redução da morbimortalidade decorrente dos modelos de desenvolvimento e dos processos produtivos, sem distinção de vínculo e com priorização dos grupos mais vulneráveis (Brasil, 2012).

Entre os objetivos da PNSTT, destacam-se a compreensão das atividades produtivas e das situações de risco à saúde dos trabalhadores, identificando suas necessidades, demandas e problemas de saúde. Quando há situações de risco à saúde do trabalhador, deve ocorrer o estabelecimento e adoção de parâmetros protetores nos ambientes e processos de trabalho, com intervenções tanto nos ambientes e processos de trabalho, como em seu entorno (Brasil, 2012).

Como linha orientadora para estratégia de ação, a PNSTT considera primordial a participação dos trabalhadores e suas diferentes organizações no planejamento e execução das ações de saúde, em especial em ações específicas da Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat) (Brasil, 2014BRASIL. Diretrizes de implantação da Vigilância em Saúde do Trabalhador no SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014.).

A Visat tem como um de seus princípios o direito do trabalhador ao conhecimento dos problemas que o afetam e/ou podem afetá-lo e à participação nos processos de identificação das situações de risco e perigo presentes nos ambientes de trabalho e das repercussões sobre a sua saúde, bem como na formulação, no planejamento, acompanhamento e avaliação das intervenções sobre as condições geradoras de riscos e agravos relacionados ao trabalho (Brasil, 2014BRASIL. Diretrizes de implantação da Vigilância em Saúde do Trabalhador no SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014.).

Esse artigo apresenta uma análise descritiva do processo de pesquisa-intervenção sobre as condições de vida, trabalho e saúde dos teleoperadores do estado de Pernambuco. Esta abordagem contra-hegemônica do processo de construção de saberes relacionados à saúde dos trabalhadores de call center se fez de forma participativa, interdisciplinar e interinstitucional, envolvendo instituição de pesquisa (academia), sindicato (trabalhadores) e gestão em saúde do trabalhador do SUS (saúde).

Método

Trata-se de uma análise descritiva do processo metodológico da pesquisa-intervenção, ancorada na Abordagem Ecossistêmica em Saúde (AES), cujo enfoque objetiva a compreensão integrada da saúde humana, levando em consideração relações entre os condicionantes que compõem a determinação do processo saúde-doença para construção do conhecimento voltado para ação (Augusto; Mertens, 2018AUGUSTO, L. G. S.; MERTENS, F. Abordagens ecossistêmicas em saúde, ambiente e sustentabilidade: avanços e perspectivas. Sustentabilidade em Debate, Brasília, DF, v. 9, n. 1, p. 16-22, 2018. DOI: 10.18472/SustDeb.v9n1.2018.29743
https://doi.org/10.18472/SustDeb.v9n1.20...
).

A pesquisa-intervenção rompe com a lógica da ciência positivista, desconhecendo a contraposição entre sujeito e objeto, social e biológico. Não nos detemos apenas à coleta de informações, mas propomos construir caminhos de transformação da realidade, inaugurando um novo olhar sobre a participação ativa dos sujeitos, valorizando seus saberes e subjetividades na construção do conhecimento. Além disso, estabelecemos a implicação do pesquisador na perspectiva crítica da realidade posta em toda a dinâmica da pesquisa e intervenção, assim, os objetos e produtos são identificados e definidos no decorrer do processo, contando com a participação ativa de todos os envolvidos (Chassot; Silva, 2018CHASSOT, C. S.; SILVA, R. A. N. A pesquisa-intervenção participativa como estratégia metodológica: relato de uma pesquisa em associação. Psicologia & Sociedade, Recife, v. 30, e181737, 2018. DOI: 10.1590/1807-0310/2018v30181737
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2018v3...
).

A AES considera a identificação das relações entre as condições de saúde e seus processos de determinação social, cultural, ambiental, econômico nos ecossistemas modificados pela intervenção humana fundamental para a investigação e ação (Betancourt; Mertens; Parra, 2016BETANCOURT, Ó.; MERTENS, F.; PARRA, M. Enfoques ecosistémicos en salud y ambiente. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2016.; Lawinsky; Mertens; Passos, 2012LAWINSKY, M. L. J.; MERTENS, F.; PASSOS, C. J. S. et al. Enfoque ecosistémico en salud humana: la integración del trabajo y el medio ambiente. Medicina Social, Montevideo, v. 7, n. 1, p. 37-48, 2012.). Essa perspectiva metodológica possibilita estudos de maior completude e intervenções participativas para a resolução/intervenção de problemas ao reconhecer a interação entre os diferentes componentes do ecossistema e focar na promoção da saúde humana, ao mesmo tempo que incentiva a aproximação da sociedade com os tomadores de decisão e de políticas sociais, como destacado também na PNSTT, que preconiza metodologias participativas envolvendo os trabalhadores (Gomez; Vasconcellos; Machado, 2018GOMEZ, C. M.; VASCONCELLOS, L. C. F.; MACHADO, J. M. H. Saúde do trabalhador: aspectos históricos, avanços e desafios no Sistema Único de Saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 6, p. 1963-1970, 2018. DOI: 10.1590/1413-81232018236.04922018
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
).

A ideia desta pesquisa surgiu a partir de demandas da representação dos trabalhadores sobre a necessidade de se obter informações acerca da saúde dos teleoperadores e, a partir destas, articular junto aos tomadores de decisão de políticas de saúde e ações de Visat, conforme preconiza os princípios de democracia participativa do SUS (Gomez; Vasconcellos; Machado, 2018GOMEZ, C. M.; VASCONCELLOS, L. C. F.; MACHADO, J. M. H. Saúde do trabalhador: aspectos históricos, avanços e desafios no Sistema Único de Saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 6, p. 1963-1970, 2018. DOI: 10.1590/1413-81232018236.04922018
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
).

Por meio de uma abordagem mista, com técnicas qualitativas e quantitativas, a construção de dados tomou como base a observação participante, diário de campo, a realização de oficinas para planejamento de ações e um seminário para discutir sobre a saúde dos teleoperadores e a aplicação de questionário estruturado com os trabalhadores.

A pesquisa foi realizada nos anos de 2017 e 2018, com uma equipe constituída por representantes da academia, da gestão estadual de saúde e representação sindical dos trabalhadores.

Esta pesquisa-intervenção foi organizada em duas fases (Quadro 1):

  • Construção do diagnóstico para a realização de análise crítica de todo o processo de construção coletiva da pesquisa, abordando a concepção do projeto, revisão de literatura, definição metodológica e objetivos, coleta e análise dos dados e resultados. Nesta primeira fase do projeto, se construiu o diagnóstico das condições de vida, saúde e trabalho dos trabalhadores das telecomunicações de Pernambuco. Foram realizadas oficinas problematizadoras, com os sujeitos envolvidos na pesquisa-intervenção, para a identificação das principais demandas e construção do diagnóstico;

  • Construção de intervenções para a descrição e aplicação dos passos para planejamento e produtos das intervenções. Nesta segunda fase do projeto, voltada para a definição de ações de promoção à saúde no ambiente e processo de trabalho, realizou-se atividades para a construção de estratégias participativas que proporcionaram reflexões voltadas para a intervenção em saúde. Foram organizadas oficinas de planejamento de ações e um seminário para apresentação e discussão dos resultados obtidos no diagnóstico inicial.

Quadro 1
Descrição das etapas do processo de construção da pesquisa-intervenção

O sindicato da categoria realizou um processo de mobilização dos trabalhadores e suas lideranças (diretores do sindicato e delegados de base) para participarem das atividades da pesquisa intervenção, com a finalidade de definição de todo o processo. Foram realizados encontros sistemáticos com formatos e objetivos diferentes: oficinas, reuniões, grupos de estudo e discussão, para delineamento e execução do projeto de pesquisa desde seu referencial teórico, revisão de literatura, construção metodológica, objetivos da pesquisa, trabalho de campo, análise de dados, consolidação dos resultados e construção de ações de intervenção e promoção da saúde. Todo o processo da pesquisa-intervenção foi executado coletivamente pelos sujeitos envolvidos.

Resultados e discussão

Os resultados e discussão foram sistematizados e apresentados nos tópicos “construindo saberes para diagnóstico em saúde do trabalhador” e “transformando os saberes construídos em ações de promoção da saúde do trabalhador”.

Construindo saberes para diagnóstico em saúde do trabalhador

A partir da realização das oficinas, os teleoperadores identificaram quatro demandas principais: construir perfil sociodemográfico dos trabalhadores; descrever a organização e relações do trabalho; identificar condições de saúde referida pelos trabalhadores; identificar a predisposição para transtorno mental em relação ao trabalho (Quadro 2)

Quadro 2
Identificação de demandas dos trabalhadores e resultados do diagnóstico de condições de vida, trabalho e saúde dos teleoperadores em Pernambuco

Para atender à demanda de elaboração de um diagnóstico do perfil sociodemográfico dos teleoperadores de Pernambuco, foi construído um questionário por meio de duas oficinas realizadas com a representação dos trabalhadores, tomando como referência a enquete operária (Alves; Jackson Filho, 2017ALVES, J. C. L.; JACKSON FILHO, J. M. Trabalho, saúde e formação política na enquete operária de Marx. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 13-31, 2017. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00044
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol000...
), contendo 65 questões categorizadas em três eixos: (1) características sociodemográficas, (2) aspectos do trabalho e (3) aspectos de saúde, incluindo um instrumento autoaplicado (SRQ-20) para aferir a ocorrência de Transtornos Mentais Comuns entre os trabalhadores (Mari; Williams, 1986).

O questionário foi aplicado aos teleoperadores de duas empresas de telemarketing, localizadas nos municípios de Jaboatão dos Guararapes e Recife, no momento do encerramento dos quatro turnos de trabalho. A equipe de pesquisa se posicionou na entrada das empresas e foi realizada coleta piloto com 80 indivíduos para delineamento do plano amostral e definição final do conteúdo do questionário. A amostra final ficou definida em 355 indivíduos.

Os resultados apontam que os trabalhadores se caracterizam como jovens entre 18 e 25 anos, a maioria do sexo feminino (66,9%), cisgênero (84,3%), dados semelhantes aos evidenciados por Nogueira (2011NOGUEIRA, C. M. O trabalho duplicado: a divisão sexual no trabalho e na reprodução um estudo das trabalhadoras do telemarketing. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.). Mais de 70% dos entrevistados identificaram-se na raça parda ou preta. Em relação ao estado civil, a maioria é solteiro e não possui filhos. Esta força de trabalho é marcada por jovens que concluíram o ensino médio (51,2%) e que desenvolvem outras atividades além do trabalho como estudar. Esta inserção prematura no mercado de trabalho oportuniza condições de financiar os próprios estudos, pois observou-se que, entre os que estão estudando, 86,1% estão em instituições privadas, questão que, como assinala Cavaignac (2011CAVAIGNAC, M. D. Precarização do trabalho e operadores de telemarketing. Perspectivas, São Paulo, v. 39, p. 47-74, 2011.), reflete a falta de investimento público na educação.

A segunda demanda foi para descrever a organização e relações do trabalho. Quase metade (46%) dos teleoperadores relatou estar em seu primeiro emprego; trabalhar na empresa de 1 a 2 anos, com uma jornada de trabalho entre 6 e 7 horas, com intervalos de tempo para descanso e refeição entre 10 e 20 minutos e levar entre 1 e 2 horas no trajeto casa-trabalho-casa, o que gera cansaço recorrente. Grande parte dos entrevistados realiza outras atividades além do trabalho no call center, resultado da baixa remuneração. A gestão por resultados impulsiona, na rotina laboral, aumento do ritmo e intensidade de trabalho, controle tecnológico e humano rigoroso, o que é refletido pelos 63,6% dos entrevistados que afirmaram que algo do trabalho prejudica a sua saúde, sendo que 32,3% destes relatam a gestão como causadora dos prejuízos à saúde.

Devido à precarização do trabalho nessas empresas, os funcionários não conseguem permanecer por muito tempo no emprego, o que faz com que haja uma rotatividade grande e ela esteja sempre no processo de contratação, unindo-se à dificuldade de conseguir o primeiro emprego, principalmente entre as mulheres, o que faz com que os jovens sejam sua maior força de trabalho. Essa configuração do mundo do trabalho tem se expandido em diferentes áreas com as chamadas “novas” formas de contratação, como as relações de trabalhos temporários, parciais, terceirizados, intermitentes, autônomos, consideradas na acumulação flexível como “modernas”, mas que têm em sua essência a marca da precarização do trabalho (Antunes, 2018ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.).

A baixa adesão da categoria ao sindicato revelou fragilidades relacionadas às novas estratégias de dominação do capital, que resultam na perda de vínculos e da perspectiva de identidade coletiva, cenário já anunciado por Druck (2011DRUCK, G. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. especial, p. 37-57, 2011. DOI: 10.1590/S0103-49792011000400004
https://doi.org/10.1590/S0103-4979201100...
) e que impacta em toda a classe trabalhadora, apesar de suas particularidades.

A terceira demanda diz respeito à identificação de condições de saúde referidas pelos trabalhadores. Relatou-se a presença de doenças relacionadas ao trabalho, como perda auditiva (58,8%), tendinite (21,7%), problemas psicológicos (12,3%). Os principais motivos de afastamento do trabalho estão relacionados aos esforços repetitivos durante o longo período de trabalho, como dor em punho, cotovelo e ombro, justificados pela necessidade de produzir para alcançar as metas, a fim de evitar a perda do emprego. Quase 33% dos trabalhadores entrevistados sofreram acidente(s) relacionado(s) ao trabalho.

Este quadro se relaciona ao processo e organização do trabalho, que impõe o cumprimento de metas, jornada de trabalho exaustiva com pouco tempo para descanso, o que faz com que fiquem muito tempo em determinada posição ocasionando LER/Dort e o uso constante do headset, que faz com que desenvolvam problemas auditivos (representado por 58,8% dos entrevistados), quadro semelhante ao exposto por outros estudos (Braga, 2012BRAGA, R. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo , 2012.; Nogueira, 2011NOGUEIRA, C. M. O trabalho duplicado: a divisão sexual no trabalho e na reprodução um estudo das trabalhadoras do telemarketing. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.).

A maioria dos trabalhadores (64%) relaciona o seu quadro de adoecimento à organização do trabalho e às pressões para alcançar metas. Tal fato reflete as influências que a organização de trabalho exerce sobre o trabalhador, fazendo com que este se veja obrigado a responder de forma rápida e eficaz às demandas do mercado, sofrendo, assim, severas consequências para sua saúde. Além disso, a insegurança que permeia as relações cotidianas de trabalho impõe uma vigilância constante para a manutenção do emprego (Druck, 2011DRUCK, G. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. especial, p. 37-57, 2011. DOI: 10.1590/S0103-49792011000400004
https://doi.org/10.1590/S0103-4979201100...
).

A quarta demanda se refere à identificação de predisposição elevada no processo de adoecimento mental dos teleoperadores. Resultado da intensa pressão pelo cumprimento de metas, em que muitas vezes lhe é colocada a opção de horas extras sem remuneração para que essas metas sejam alcançadas. A depressão é uma das principais causas de adoecimento relacionado ao trabalho (12,3%) e o assédio moral ou sexual, no caso das trabalhadoras, é alvo constante de constrangimentos advindos de gerentes e supervisores.

As condições relacionadas à organização do trabalho como os baixos salários e o acúmulo de atividades são determinações importantes a serem consideradas no processo adoecedor da saúde mental destes trabalhadores. Segundo Vilela e Assunção (2004VILELA, L. V. O.; ASSUNÇÃO, A. A. Os mecanismos de controle da atividade no setor de teleatendimento e as queixas de cansaço e esgotamento dos trabalhadores. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 4, p. 1069-1078, 2004. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000400022
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200400...
), o desgaste mental dos trabalhadores é útil para impor um comportamento condicionado favorável à produção.

Tais acometimentos são resultantes da falta de autonomia do trabalhador, altas cargas de trabalho físicas e psíquicas pela exigência de execução acelerada das atividades, além de auditoria constante sobre o trabalho (Braga, 2012BRAGA, R. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo , 2012.; Fernandes; Pace; Passos, 2002FERNANDES, S. R. P.; PACE, D. M. T.; PASSOS, M. F. D.. Organização e condições de trabalho em telemarketing: repercussões na saúde psíquica dos trabalhadores. In: JAQUES, M.; GODO, W. (Org.). Saúde mental & trabalhos-leitura. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 247-270.; Ogido; Costa; Machado, 2009OGIDO, R.; COSTA, E. A.; MACHADO, H. C. Prevalência de sintomas auditivos e vestibulares em trabalhadores expostos a ruído ocupacional. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 43, n. 2, p. 377-380, 2009. DOI: 10.1590/S0034-89102009000200021
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200900...
; Santos, 2006SANTOS, A. O. R. O trabalho do atendente de call center: adoecimento por LER/DORT e descartabilidade. 2006. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006.).

Transformando saberes construídos em ações de promoção da saúde do trabalhador

Transformar os saberes apreendidos no diagnóstico sobre o processo saúde-doença dos teleoperadores em ações de vigilância e promoção da saúde é um dos grandes desafios para atuação da saúde do trabalhador, ainda mais quando se pretende realizar ações inter e intrasetoriais, de forma participativa, envolvendo diferentes instituições, com aspectos organizativos, administrativos e dinâmicas particulares. Esse esforço advém da necessidade de aglutinação de diversos saberes e práticas em torno de finalidades em comum, considerando a diversidade de ações, nesse caso, à saber, para intervenção no processo saúde-doença dos teleoperadores (Mendes; Pezzato; Sacardo, 2016MENDES, R.; PEZZATO, L. M.; SACARDO, D. P. Pesquisa-intervenção em promoção da saúde: desafios metodológicos de pesquisar “com”. Ciência e Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 21, n. 6, p. 1737-1746, 2016. DOI: 10.1590/1413-81232015216.07392016.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015216...
).

A abordagem nessa perspectiva visa propor intervenções no âmbito da transformação positiva da realidade dos sujeitos e fornecer subsídios para que eles possam ser sujeitos de reflexão e transformação de suas condições de vida. Na abordagem ecossistêmica, o processo de intervenção em uma realidade deve ser feito com a participação de representantes de todos os atores envolvidos: todos devem estar conscientes da problemática em questão e devem ter suas ideias de como resolvê-las respeitadas e levadas em consideração (Lawinsky; Mertens; Passos, 2012LAWINSKY, M. L. J.; MERTENS, F.; PASSOS, C. J. S. et al. Enfoque ecosistémico en salud humana: la integración del trabajo y el medio ambiente. Medicina Social, Montevideo, v. 7, n. 1, p. 37-48, 2012.).

As propostas de intervenção para responder aos problemas identificados no diagnóstico foram definidas em oficinas envolvendo os sujeitos e estão sistematizadas no Quadro 3.

Quadro 3
Identificação de propostas para construção de ações em saúde do trabalhador para os teleoperadores em Pernambuco

A realização do seminário “Precarização do trabalho e saúde dos trabalhadores: desgaste e adoecimento dos(as) teleoperadores(as)” teve o intuito de discutir os resultados obtidos no diagnóstico com a categoria e trabalhadores da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador de Pernambuco (Renast-PE). A mobilização dos trabalhadores foi realizada a partir da divulgação, panfletagem nas entradas das empresas, apresentando alguns resultados pontuais do diagnóstico e convidando para o seminário (Figura 1), cartaz e card de divulgação em meio impresso e digital (Figura 2).

Figura 1
Panfleto de divulgação dos resultados da pesquisa distribuído na porta das empresas

Figura 2
Cartaz de Divulgação do I Seminário “Precarização do trabalho e saúde dos trabalhadores: desgaste e adoecimento dos (as) teleoperadores (as)”.

O seminário teve a participação de 96 pessoas, entre elas: teleoperadores, dirigentes do sindicato desta e de outras categorias, representantes de instituições de pesquisa e ensino e dos Cerest, estudantes de graduação, entre outros. O seminário ocorreu em dois turnos, o primeiro contou com a realização de três mesas de debate relacionadas à temática. O segundo foi realizado à tarde, contendo a oficina de vigilância popular em saúde do trabalhador para construção de planejamento de elementos protetores da saúde dos trabalhadores. Além disso, o seminário tomou como referência para a sua organização o Método Altadir de Planejamento Popular (MAPP), que é uma ferramenta de planejamento estratégico prática e integradora voltada à participação de atores envolvidos nos processos de elaboração e execução das ações (Pereira et al., 2018).

Embora o MAPP proponha a realização de 15 passos, foi feito adaptação para 5, são eles:

  • Passo 1 (momento explicativo) - Seleção dos problemas do Plano: a partir do levantamento das diversas problemáticas observadas pelos atores, foi selecionada aquela com maior relevância;

  • Passo 2 (momento explicativo) - Explicação do Problema - árvore explicativa/árvore de problemas: nesta etapa, a situação-problema foi descrita quanto às suas causas e consequências para maior clareza no planejamento das ações para intervir sobre as causas apontadas (nó crítico);

  • Passo 3 (momento explicativo) - Identificação e seleção dos nós críticos: consistiu na identificação entre as causas que explicam o problema aquelas que, quando modificadas, por si só promovem a alteração de outra ou de uma série de causas;

  • Passo 4 (momento normativo) - Desenho das operações de demandas de operações: estabeleceu-se os objetivos para sua superação por meio de ações (definidas com seus respectivos responsáveis, prazos de execução e recursos necessários);

  • Passo 5 (momento estratégico) - Análise de vulnerabilidade do plano: por último, foram analisadas cada operação e colocada em evidência a condição que a torna vulnerável, os riscos do não cumprimento dos objetivos para identificar medidas corretivas e garantir a execução do plano.

Esse método apresentou aplicabilidade por possibilitar a reflexão sobre as situações-problema no processo de trabalho dos teleoperadores e a construção de um plano de ação de forma coletiva e com corresponsabilização entre os envolvidos. A oficina foi realizada tomando como ponto de partida os principais resultados do diagnóstico do estudo para construção de ações de promoção e prevenção da saúde relacionadas às condições de trabalho nos call centers, bem como a continuação da pesquisa com outro perfil de trabalhadores das telecomunicações (técnicos em telecomunicações responsáveis pela instalação e manutenção de redes).

As ações planejadas pelos participantes foram organizadas em 4 eixos:

  1. Atividades de formação: cursos intersetoriais e/ou organizados pelos próprios trabalhadores, oficinas e lanches temáticos como a proposta do “café com ideias”; formações com os gestores para tratar aspectos relacionados à legislação trabalhista, saúde do trabalhador e assédio moral;

  2. Organização de material educativo: elaboração e divulgação de cartilha sobre saúde do trabalhador;

  3. Realização de reuniões: reunir as empresas para discussão de metas abusivas e aspectos relacionados à organização do trabalho, como a flexibilização dos horários das pausas sem prejuízo na meta de aderência;

  4. Mobilização e comunicação: mobilização dos atores envolvidos no processo e organização do trabalho para execução de um planejamento participativo; fortalecimento dos dirigentes sindicais para mobilização geral da categoria; divulgação das informações sobre assédio moral nas telas iniciais dos computadores para alertar os trabalhadores; uso de mídias rápidas para informar acerca do assédio moral.

Algumas ações propostas seguem em curso e precisam ser encaminhadas e viabilizadas: (1) a divulgação científica do diagnóstico construído através de publicação em revistas científicas e apresentações em eventos de cunho científicos; (2) elaboração de estratégias de comunicação para promoção da saúde dos trabalhadores teleoperadores; (3) desenvolvimento de ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador de forma articulada e participativa; e (4) construção de matriciamento com a Renast do estado de Pernambuco. Para dar conta dessa ação, serão necessárias reuniões entre as instituições participantes dessa pesquisa, aberta aos trabalhadores e profissionais de saúde.

Como apontam Machado, Martins e Souza (2018MACHADO, J. M. H.; MARTINS, W. J.; SOUZA, M; S. et al. Territórios saudáveis e sustentáveis: contribuição para saúde coletiva, desenvolvimento sustentável e governança territorial. Comunicação em Ciências da Saúde, Brasília, DF, v. 28, n. 2, p. 243-249, 2018. DOI: 10.51723/ccs.v28i02.245
https://doi.org/10.51723/ccs.v28i02.245...
), “diante das situações cotidianas cada vez mais complexas, é primordial promover a articulação da teoria e da prática para se elaborarem soluções adequadas aos territórios específicos” (p. 247). Nesta pesquisa-intervenção, além das ações de intervenção identificadas e executadas, esse processo possibilitou uma construção crítica das relações sociais para os sujeitos e territórios envolvidos.

Cabe ressaltar que o processo de construção e a definição de ações, sobretudo em saúde do trabalhador, é permeada pela contradição capital/trabalho. Os processos particulares estudados são determinados socialmente e apresentam relação com o processo de trabalho e as condições de vida e saúde dos trabalhadores.

Por se tratar de uma pesquisa-intervenção, é necessário enfatizar que a construção do conhecimento para a ação e tomada de decisão é um pilar que perpassa todo o processo, inclusive a própria intervenção, utilizando diálogo entre diferentes campos, científicos e não científicos, que ultrapassa fronteiras disciplinares para construção de novos saberes, metodologias e ações, abordagem alinhada com o campo da saúde do trabalhador e contribuem para conhecimento dos agravos e proposição de mudança das práticas nocivas à saúde no ambiente ou trabalho (Betancourt; Mertens; Parra, 2016BETANCOURT, Ó.; MERTENS, F.; PARRA, M. Enfoques ecosistémicos en salud y ambiente. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2016.; Chassot; Silva, 2018CHASSOT, C. S.; SILVA, R. A. N. A pesquisa-intervenção participativa como estratégia metodológica: relato de uma pesquisa em associação. Psicologia & Sociedade, Recife, v. 30, e181737, 2018. DOI: 10.1590/1807-0310/2018v30181737
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2018v3...
).

Considerações finais

Os desafios contemporâneos nos processos de investigação necessitam de abertura para modelos que possibilitem o diálogo com campos distintos de forma interdisciplinar e a abordagem ecossistêmica em saúde tem se constituído como parte de um campo inovador para analisar de forma integradora e participativa os impactos multifatoriais e dinâmicos que afetam a saúde. Ao romper com a separação entre os seres humanos e os ecossistemas, essa abordagem possibilita responder a desafios de saúde pública persistentes com soluções adaptativas.

A complexidade com que as novas formas de trabalho se apresentam, com a precarização das condições de trabalho, retirada de direitos, enfraquecimento das organizações sindicais, somados ao desemprego estrutural, pressiona os sujeitos a aceitarem “qualquer” condição imposta, exprimindo a necessidade de um olhar mais sensível dos gestores da saúde e instituições competentes com uma vigilância mais ativa e participativa em relação à saúde desses trabalhadores.

Esta pesquisa-intervenção possibilitou o conhecimento acerca do processo de trabalho e adoecimento dos teleoperadores de Pernambuco, apontando para a necessidade de construção de intervenções articuladas com diversas instituições e os próprios trabalhadores no sentido de transformar a realidade no processo saúde-doença, relacionada ao trabalho, dessa categoria de trabalhadores. Porém, ainda se encontra como maior desafio a transformação da realidade encontrada através da concretização das ações planejadas.

A abordagem metodológica empregada traz a necessidade do diálogo interinstitucional e com trabalhadores como uma importante ferramenta para construção de boas práticas de promoção e vigilância à saúde. Especificamente, este artigo servirá como modelo para desenvolvimento de outras investigações-ações com o intuito de alcançar as demandas apresentadas por diversas categorias de trabalhadores acerca dos agravos, perigos e riscos à sua saúde.

Os resultados apresentados indicam que os desafios são inúmeros e complexos para a transformação da realidade do mundo do trabalho. Nesse sentido, a vigilância em saúde do trabalhador pode orientar as ações dos serviços e a análise da relação da saúde com o processo de trabalho.

A pesquisa-intervenção possibilitou uma reflexão crítica com os trabalhadores sobre seus processos de adoecimento e organização do trabalho e a definição de encaminhamentos para serem executados por sindicato, gestão da saúde e trabalhadores. Os resultados da pesquisa, alinhados a essas atividades, constroem ferramentas entre a academia, os serviços de saúde, as representações sociais e os próprios trabalhadores que possam consolidar informações e estratégias mediante as situações de vulnerabilidade em saúde.

Esta forma de pesquisar se mostrou importante para o processo de formação dos atores envolvidos, ao mesmo tempo em que apresenta subsídios para a tomada de decisão das diferentes instituições no sentido de implementar ações de promoção e vigilância em saúde do trabalhador no SUS. Assim, a experiência desta pesquisa-intervenção contribui para o fortalecimento do campo da saúde coletiva, ao mesmo tempo em que introduz esta forma de fazer uma ciência crítica, comprometida com a saúde da classe trabalhadora.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio do Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador/SES/PE e Sindicato dos Trabalhadores das Telecomunicações/PE.

Referências

  • ALVES, G. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Bauru: Editora Praxis, 2007.
  • ALVES, J. C. L.; JACKSON FILHO, J. M. Trabalho, saúde e formação política na enquete operária de Marx. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 13-31, 2017. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00044
    » https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00044
  • ANTUNES, R.; PRAUN, L. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 123, p. 407-427, 2015. DOI: 10.1590/0101-6628.030
    » https://doi.org/10.1590/0101-6628.030
  • ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
  • AUGUSTO, L. G. S.; MERTENS, F. Abordagens ecossistêmicas em saúde, ambiente e sustentabilidade: avanços e perspectivas. Sustentabilidade em Debate, Brasília, DF, v. 9, n. 1, p. 16-22, 2018. DOI: 10.18472/SustDeb.v9n1.2018.29743
    » https://doi.org/10.18472/SustDeb.v9n1.2018.29743
  • BATT, R.; DOELLGAST, V.; KWON, H. US Call Center Industry Report 2004: national benchmarking report strategy, HR practices and performance. Ithaca: Cornell University, 2005.
  • BETANCOURT, Ó.; MERTENS, F.; PARRA, M. Enfoques ecosistémicos en salud y ambiente. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2016.
  • BRAGA, R. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo , 2012.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Consolidação nº 2 de 28 de setembro de 2017. Capítulo I, seção III, Art. 4º, VIII, Anexo XV. Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 3 out. 2017.
  • BRASIL. Diretrizes de implantação da Vigilância em Saúde do Trabalhador no SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014.
  • CAVAIGNAC, M. D. Precarização do trabalho e operadores de telemarketing. Perspectivas, São Paulo, v. 39, p. 47-74, 2011.
  • CHASSOT, C. S.; SILVA, R. A. N. A pesquisa-intervenção participativa como estratégia metodológica: relato de uma pesquisa em associação. Psicologia & Sociedade, Recife, v. 30, e181737, 2018. DOI: 10.1590/1807-0310/2018v30181737
    » https://doi.org/10.1590/1807-0310/2018v30181737
  • CORDEIRO, B. K. O trabalho em call center: a saúde do trabalhador e sua relação com a atividade. 2011. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Niterói, 2011.
  • DRUCK, G. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. especial, p. 37-57, 2011. DOI: 10.1590/S0103-49792011000400004
    » https://doi.org/10.1590/S0103-49792011000400004
  • FERNANDES, S. R. P.; PACE, D. M. T.; PASSOS, M. F. D.. Organização e condições de trabalho em telemarketing: repercussões na saúde psíquica dos trabalhadores. In: JAQUES, M.; GODO, W. (Org.). Saúde mental & trabalhos-leitura. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 247-270.
  • GOMEZ, C. M.; VASCONCELLOS, L. C. F.; MACHADO, J. M. H. Saúde do trabalhador: aspectos históricos, avanços e desafios no Sistema Único de Saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 6, p. 1963-1970, 2018. DOI: 10.1590/1413-81232018236.04922018
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.04922018
  • HARVEY, D. A condição pós-moderna. 23. ed. São Paulo: Loyola, 2012.
  • LAWINSKY, M. L. J.; MERTENS, F.; PASSOS, C. J. S. et al. Enfoque ecosistémico en salud humana: la integración del trabajo y el medio ambiente. Medicina Social, Montevideo, v. 7, n. 1, p. 37-48, 2012.
  • MACHADO, J. M. H.; MARTINS, W. J.; SOUZA, M; S. et al. Territórios saudáveis e sustentáveis: contribuição para saúde coletiva, desenvolvimento sustentável e governança territorial. Comunicação em Ciências da Saúde, Brasília, DF, v. 28, n. 2, p. 243-249, 2018. DOI: 10.51723/ccs.v28i02.245
    » https://doi.org/10.51723/ccs.v28i02.245
  • MENDES, R.; PEZZATO, L. M.; SACARDO, D. P. Pesquisa-intervenção em promoção da saúde: desafios metodológicos de pesquisar “com”. Ciência e Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 21, n. 6, p. 1737-1746, 2016. DOI: 10.1590/1413-81232015216.07392016.
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232015216.07392016.
  • MOCELIN, D. G.; SILVA, L. F. S. C. O telemarketing e o perfil sócio-ocupacional dos empregados em call centers. Caderno CRH , Salvador, v. 21, n. 53, p. 361-383. DOI: 10.1590/S0103-49792008000200012
    » https://doi.org/10.1590/S0103-49792008000200012
  • NOGUEIRA, C. M. O trabalho duplicado: a divisão sexual no trabalho e na reprodução um estudo das trabalhadoras do telemarketing. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
  • OGIDO, R.; COSTA, E. A.; MACHADO, H. C. Prevalência de sintomas auditivos e vestibulares em trabalhadores expostos a ruído ocupacional. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 43, n. 2, p. 377-380, 2009. DOI: 10.1590/S0034-89102009000200021
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102009000200021
  • PELIANO, J. C. Reestruturação produtiva e qualificação para o trabalho. Educação e Tecnologia, Curitiba, n. 3, p. 1-14, 1997.
  • PEREIRA, E. L. C.; ROMANINI, M. N. S.; LESSA R. I. et al. Método Altadir de planejamento popular experienciado no planejamento anual do Pet-enfermagem/Uem. Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR, Umuarama, v. 21, n. 3, p. 163-168, 2017.
  • SANTOS, A. O. R. O trabalho do atendente de call center: adoecimento por LER/DORT e descartabilidade. 2006. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006.
  • SILVA, F. P. M. Trabalho e emprego no setor de telemarketing. 2009. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
  • VILELA, L. V. O.; ASSUNÇÃO, A. A. Os mecanismos de controle da atividade no setor de teleatendimento e as queixas de cansaço e esgotamento dos trabalhadores. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 4, p. 1069-1078, 2004. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000400022
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2004000400022

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2021
  • Revisado
    02 Abr 2021
  • Aceito
    13 Maio 2021
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. Av. dr. Arnaldo, 715, Prédio da Biblioteca, 2º andar sala 2, 01246-904 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: +55 11 3061-7880 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br