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Cuidador familiar de paciente com afecção neurológica

Family care providers of neurologically affected patients

Resumos

Pesquisa qualitativa, exploratória que teve como objetivo identificar e conhecer o significado de ser cuidador familiar de paciente com afecção neurológica. Foram entrevistados vinte e um cuidadores familiares, de ambos os gêneros, no Hospital das Clínicas da Universidade do Vale do Sapucaí em seus respectivos domicílios. A coleta de dados foi realizada mediante entrevista semiestruturada, gravada e transcrita literalmente. As diretrizes metodológicas do Discurso do Sujeito Coletivo foram utilizadas para a seleção das ideias centrais e das expressões-chave correspondentes, a partir das quais foram extraídos os discursos dos cuidadores. Identificaram-se as seguintes representações sobre o evento ser cuidador: "cuidar", "carinho e responsabilidade", "ato de amor", "missão e vocação", "obrigação" e "dificuldade". Confirmam-se neste estudo os sentimentos positivos e negativos inerentes às tarefas do cuidador familiar.

Cuidadores; Assistência ao paciente; Doenças do sistema nervoso


This is a qualitative exploratory research that aimed to identify and learn the meaning of being a family care provider of a neurologically affected patient. Twenty-one family care providers of both sexes were interviewed at the clinical hospital of University Vale do Sapucaí and at their homes. Data collection was carried out through semi-structured interviews, which were recorded and transcribed. The methodological guidelines of the Collective Subject Discourse were used to select the central ideas and corresponding key expressions, from which the care providers' discourses were extracted. The following representations were identified about the event of being a care provider: "to provide care", "affection and responsibility", "act of love", "mission and vocation", "obligation" and "difficulty". In this study, the positive and negative senses inherent in the task of family care provider were confirmed.

Care Providers; Patient Care; Nervous System Diseases


PARTE I - ARTIGOS

Taylor Brandão SchnaiderI; José Vitor da SilvaII; Maria Aparecida dos Reis PereiraIII

IMédico e Professor Titular Doutor da Universidade do Vale do Sapucaí.Endereço: Av. Francisca Ricardina de Paula, 289, Medicina, CEP 37550-000, Pouso Alegre, MG, Brasil. E-mail: sormanti@uai.com.br

IIEnfermeiro e Professor Titular Doutor da Universidade do Vale do Sapucaí. Endereço: Av. Pref. Tuany Toledo, 470, Fátima I, CEP 37550-000, Pouso Alegre, MG, Brasil. E-mail: teky@sulminas.com.br

IIIEnfermeira e Mestre em Bioética pela Universidade do Vale do Sapucaí. Endereço: Av. São Francisco, 670, Primavera, CEP 37550-000, Pouso Alegre, MG, Brasil. E-mail: massaispereira@uol.com.br

RESUMO

Pesquisa qualitativa, exploratória que teve como objetivo identificar e conhecer o significado de ser cuidador familiar de paciente com afecção neurológica. Foram entrevistados vinte e um cuidadores familiares, de ambos os gêneros, no Hospital das Clínicas da Universidade do Vale do Sapucaí em seus respectivos domicílios. A coleta de dados foi realizada mediante entrevista semiestruturada, gravada e transcrita literalmente. As diretrizes metodológicas do Discurso do Sujeito Coletivo foram utilizadas para a seleção das ideias centrais e das expressões-chave correspondentes, a partir das quais foram extraídos os discursos dos cuidadores. Identificaram-se as seguintes representações sobre o evento ser cuidador: "cuidar", "carinho e responsabilidade", "ato de amor", "missão e vocação", "obrigação" e "dificuldade". Confirmam-se neste estudo os sentimentos positivos e negativos inerentes às tarefas do cuidador familiar.

Palavras-chave: Cuidadores; Assistência ao paciente; Doenças do sistema nervoso.

ABSTRACT

This is a qualitative exploratory research that aimed to identify and learn the meaning of being a family care provider of a neurologically affected patient. Twenty-one family care providers of both sexes were interviewed at the clinical hospital of University Vale do Sapucaí and at their homes. Data collection was carried out through semi-structured interviews, which were recorded and transcribed. The methodological guidelines of the Collective Subject Discourse were used to select the central ideas and corresponding key expressions, from which the care providers' discourses were extracted. The following representations were identified about the event of being a care provider: "to provide care", "affection and responsibility", "act of love", "mission and vocation", "obligation" and "difficulty". In this study, the positive and negative senses inherent in the task of family care provider were confirmed.

Keywords: Care Providers; Patient Care; Nervous System Diseases.

Introdução

O cuidador familiar revelou-se como ator social principal na dinâmica dos cuidados sociais necessários às atividades de vida diária dos portadores de lesões, que têm sua independência comprometida. Na maioria das vezes, os cuidadores prestam todos os cuidados necessários ao seu familiar sem nenhum tipo de ajuda.

O cuidador familiar geralmente reside na mesma casa e incumbe-se de prestar a ajuda necessária ao exercício das atividades diárias do ser cuidado dependente, como higiene pessoal, medicação de rotina, acompanhamento aos serviços de saúde e a outros serviços requeridos, como, por exemplo, bancos ou farmácias (Yuaso, 2007).

O cuidador familiar é de fundamental importância na concretização de um Programa de Assistência Domiciliar, pois representa o elo entre o ser cuidado, a família e a equipe multiprofissional (Diogo e Duarte, 2005). Geralmente a função de cuidador é assumida por uma única pessoa, denominada cuidador principal, seja por instinto, vontade, disponibilidade ou capacidade (Menezes, 1994).

A arte de cuidar

Existem algumas atitudes sobre ser cuidador que valem a pena ser lembradas (Silva, 2000):

• Aprender a escutar; buscar entender o que o outro quer transmitir; não interrompê-lo quando ele quiser falar; esperar que ele conclua seu raciocínio;

• Esforçar-se para aceitar o outro como ele é, já que a vida se apresenta de diferentes formas;

• Dispor-se a aprender com todos, sabendo também receber carinho, atenção e feedback. Comunicação e comunhão são termos que possuem a mesma raiz;

• Pôr-se a serviço das necessidades do outro sem se descuidar das próprias; lembrar o provérbio que diz que ninguém dá o que não tem; não descuidar da alimentação, da reflexão, do lazer e da meditação;

• Acompanhar as mudanças e o movimento da vida em si próprio e nos outros;

• Partilhar o aprendizado das experiências, para que os outros também possam aprender com elas; permitir que as pessoas vivam suas próprias experiências;

• Ter em mente que a integridade é mais importante que a perfeição e que ela é um instrumento disponível em qualquer atendimento;

• Aprender a lavar não só as mãos a cada paciente, mas também as mágoas do próprio coração;

• Ser coerente, pois a comunicação vai além das palavras, é composta também de gestos, atitudes, expressões faciais, tom de voz, e até de silêncio;

• Evitar rotular as pessoas, pois elas são únicas; crer que cada um está fazendo o melhor de si;

• O tempo é precioso para o cuidador, assim como para os pacientes, por isso é necessário aprender a atender prontamente a campainha ou justificar a demora no atendimento;

• Aprender a sorrir e a mostrar alegria e gratidão por estar cuidando;

• A humildade e o sentimento genuíno de querer aprender com os outros são muito eficientes para criar harmonia. O oposto é imaginar que se está aqui para ensiná-los.

Cuidador é o indivíduo que assume os cuidados no contexto domiciliar e, nessa função, representa o elo entre o paciente, a família e a equipe multiprofissional. Em nosso meio, até recentemente, utilizava-se a denominação cuidador informal e formal. O cuidador informal era o elemento da família, ou agregado a ela, que assumia as funções do cuidado em domicílio e o cuidador formal era o indivíduo contratado pela família para substituir o cuidador informal em suas funções, podendo ser ou não um profissional ligado à área de enfermagem (Duarte e Diogo, 2005).

Em muitas famílias, trabalhadores domésticos mais próximos aos idosos, ou que desenvolvem alguma afinidade por eles, com frequência passam a assumir as funções de cuidadores sem ao menos ser habilitados para essas funções. As polêmicas geradas nas discussões quanto à figura do cuidador culminam com a tentativa de homogeneização de conceitos em nosso meio (Duarte e Diogo, 2005).

Uma proposta ligada ao Programa Nacional do Idoso define cuidador como familiar, leigo e profissional (Duarte e Diogo, 2005).

Menezes (1994) afirma que os cuidadores podem assumir essa função por instinto, vontade, capacidade ou conjuntura. Este último item parece ser o mais frequentemente encontrado em nosso meio. Quando pertencente ao contexto familiar, o cuidador assume funções para as quais não foi preparado e as executa muitas vezes sem interrupções ou substituições. É o grande depositário das orientações da equipe multiprofissional, responsável pelo atendimento domiciliário.

Pensar na família é um desafio para os profissionais de saúde, sobretudo num contexto em que o cuidado está orientado a atender as necessidades do indivíduo e não da unidade familiar, indo além de orientar e esperar a colaboração da família no desempenho de ações de cuidado em prol do familiar doente; é tomar a família como perspectiva, tendo como principal desafio tentar viver como parte de uma família, sem ser daquela família (Angelo, 1997).

O cuidador informal e sua relação com o paciente

O cuidador informal, ao prestar cuidados ao ser cuidado dependente, pode apresentar alguns sentimentos positivos ou negativos. A sobrecarga do cuidador pode ser um exemplo de elemento negativo no cuidado informal, enquanto o seu grau de satisfação pode ser elemento positivo. Sendo ambos componentes independentes, eles poderão se converter em potenciais preditores de qualidade de vida do cuidador informal (Martín e Roncon, 2000).

Diante disso, deve-se pensar na sobrecarga que significa a existência de uma única pessoa para cuidar de um ser com distúrbios neurológicos, extremamente dependente (quadro frequentemente encontrado na prática clínica). Muitas vezes, uma só pessoa fica encarregada de realizar todos os cuidados do paciente. Os cuidados são mais exigentes quanto mais acentuado for o grau de dependência. Quando se lida com doenças consideradas agudas, o período de necessidade de cuidar é limitado, restringindo-se a alguns dias, na maioria das vezes, até que possa ser observada a recuperação da saúde e do ritmo de vida da pessoa. Quem auxilia o outro a se recuperar de, por exemplo, uma cirurgia simples, passa por uma mudança na rotina, mas pode retomar suas atividades após o restabelecimento do paciente. Quando, porém, as doenças ou os agravos à saúde são crônicos, particularmente as de natureza sequelar ou degenerativas, não há previsão de encerramento da administração dos cuidados, que muitas vezes só aumentam.

O fato de os pacientes com afecção neurológica apresentarem esse tipo de situação ou enfermidade faz com que os cuidadores não possam contar com um período de férias dos cuidados, a menos que a família tenha uma organização que permita isso. A raridade dessa última condição faz pressupor cuidadores que devem merecer maior atenção. O cuidador estressado corre o risco de transferir sua insatisfação para o paciente, chegando, muitas vezes, a ser agressivo e intolerante. É necessário que o cuidador consiga descansar após curtos espaços de tempo, já que o cansaço é cumulativo,

A necessidade de prestar os cuidados sistematicamente e a tensão provocada pela complexidade que envolve sua administração podem fazer com que os cuidadores se tornem pacientes em potencial. Muitas vezes eles se esquecem de cuidar de si próprios, da própria saúde, para prestar atendimento aos pacientes, relegando-se a um segundo plano, tendo que cumprir obrigações de uma rotina estafante. Não raro se observa o adoecimento do cuidador durante o exercício do seu papel.

A equipe de saúde deve orientar esses cuidadores a providenciarem uma divisão dos cuidados, em que várias pessoas se responsabilizem pelo tratamento, não havendo, assim, sobrecarga para ninguém. Na realidade, isso tem se revelado uma tarefa muito complexa. Uma vez que a obrigação de cuidar não é de uma pessoa apenas, é comum que os cuidadores principais esperem que outros se ofereçam para ajudar. O auxílio costuma aparecer no início da instalação da doença, porém, com o passar do tempo, a tendência é que os coadjuvantes se afastem deixando o cuidador principal responsável pelos cuidados.

Embora alguns cuidadores necessitem de ajuda de outras pessoas, muitas vezes percebem-se impedidos de solicitá-la, pois sentem a divisão de cuidados como um atestado de que não conseguem se desvencilhar das tarefas sem a ajuda de terceiros, não demonstrando, com seu comportamento, precisar de auxílio. Não é raro que o cuidador principal negue aceitar ajuda, sentindo-se onipotente, acreditando que pode cuidar de tudo sozinho. Essa atitude gera, muitas vezes, uma acomodação por parte de outros familiares. Alguns acreditam que apenas eles próprios são capazes de cuidar do paciente, não delegando tarefas para os outros. Geralmente, eles reclamam da falta de ajuda, porém afastam as pessoas que poderiam tomar esse tipo de iniciativa. Alguns cuidadores chegam a apresentar quadros depressivos após a decepção de ter de se deparar com a impotência diante da debilidade da saúde do paciente e os limites de sua atuação.

As repercussões familiares da situação de doença e cuidados podem contribuir para o quadro de estresse do cuidador. Familiares que só aparecem de vez em quando para criticar o trabalho de quem está prestando os cuidados mais amiúde, bem como aqueles que se afastam justamente nos momentos de maior tensão e necessidade de ajuda são exemplos disso.

Uma vez que se consiga dividir a tarefa, é necessário que o cuidador tenha momentos de lazer, faça algo que lhe dê prazer para repor a energia gasta com os cuidados. O lazer aqui referido não precisa ser uma grande viagem, pode ser uma simples caminhada diária pelo quarteirão ou uma conversa com amigos. Isso não deve ser considerado um luxo, mas parte parte do tratamento, pois quanto mais descansado e tranquilo estiver o cuidador melhor será seu desempenho com o paciente. Sem essa percepção, o fato de desfrutar de momentos de lazer pode fazer com que o cuidador se sinta culpado, já que o paciente tem limitações e não pode acompanhá-lo.

A culpa pode aparecer também quando o cuidador experimenta sentimentos negativos em relação ao paciente, como raiva, pena e sensação de não saber o que fazer diante de algumas situações. Embora esses sentimentos façam parte da condição do ser humano, muitas vezes os cuidadores têm formação pessoal, familiar e religiosa que os impede de reclamar em situações como desse tipo.

O cuidador vai perceber os cuidados levando em conta a qualidade da relação que havia estabelecido anteriormente com a pessoa portadora da afecção neurológica. A forma como o relacionamento entre as duas partes - paciente e cuidador - for se constituindo influenciará diretamente o convívio entre elas, podendo significar melhor ou pior qualidade na prestação de cuidados. A tendência é que os cuidados sejam mais bem administrados quando o cuidador traz em sua história de vida um bom relacionamento com o paciente, empenhando-se para que tudo ocorra da melhor forma possível. Quando há, porém, muita hostilidade nessa relação, os cuidados podem ser prestados sem a devida atenção ou até de forma hostil não ocasionais. Assim como a insatisfação do cuidador pode ser transferida para o paciente, este também pode descarregar na pessoa que cuida dele raiva, insatisfação ou vergonha pela situação de dependência que vive. Um comportamento assim pode magoar o cuidador. Contudo, por vezes, essa pode ser a forma de o paciente extravasar sua angústia. Às vezes, a limitação do paciente é tão severa que o único comportamento ativo que ele pode ter é reclamar, exercendo, assim, o direito de decidir algo sobre sua vida.

Por vezes, o paciente pode regredir na sua condição de saúde, necessitando de maior atenção. Diante desse quadro, o cuidador tende a superproteger o paciente fazendo todas as atividades por ele. É necessário que o cuidador imponha limites às vontades do paciente, deixando que ele faça tudo o que puder sozinho, mesmo que em muitas ocasiões seja difícil distinguir um pedido real de ajuda de um comportamento exclusivo para chamar atenção. Quanto mais descansado estiver o cuidador, melhor ele realizará seu papel, tendo condições de discernir entre uma solicitação pertinente e um excesso. Essa diferenciação vai guiar as atuações do cuidador para com o paciente.

Na observação do dia a dia, características da relação paciente-cuidador revelam-se: enquanto os cuidadores acreditam que os pacientes estão cada vez mais incapacitados para as atividades da vida diária, não conseguem perceber o que os eles podem fazer sozinhos, numa manifestação de protecionismo exagerado, enquanto os pacientes podem se sentir um peso para os cuidadores.

A revisão de literatura tem mostrado um despertar crescente em relação aos cuidadores. Os estudiosos desse assunto não têm medido esforços no sentido de evidenciar que uma das estratégias do cuidado com qualidade é proporcionar apoio e atenção ao cuidador (Duarte e Diogo, 2000; Diogo e Duarte, 2005; Yuaso, 2007).

Esse trabalho tem como objetivo identificar os significados do cuidador de pacientes com afecção neurológica, tendo como cenário a Unidade de Neurologia do Hospital das Clínicas Samuel Libânio e o domicílio dos pacientes, na cidade de Pouso Alegre, MG.

Métodos

Um trabalho de abordagem qualitativa e do tipo exploratório foi realizado na Unidade de Neurologia do Hospital das Clínicas Samuel Libânio e no domicílio dos pacientes com afecção neurológica e de seus cuidadores familiares. A casuística foi constituída por vinte e uma pessoas chamadas de cuidadores familiares, que estavam cuidando de pacientes neurológicos, tanto no âmbito hospitalar quanto no domiciliar, sendo o tipo de amostragem intencional ou racional.

Os critérios de elegibilidade foram: ser cuidador familiar com capacidade de comunicação verbal, de ambos os gêneros, com idade a partir de 18 anos, que estivessem cuidando de paciente neurológico no âmbito hospitalar ou domiciliar. Os critérios de exclusão limitaram-se à recusa em participar do estudo e ao não preenchimento dos requisitos de inclusão.

Para a realização das entrevistas tanto no Hospital como no domicílio, os cuidadores tiveram conhecimento do objetivo da pesquisa e da sua relevância científica e social. Foram orientados quanto à entrevista, liberdade de participar ou não do estudo, ao anonimato, ao sigilo em relação aos dados obtidos, assim como foram esclarecidas todas as suas dúvidas. Após a anuência, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Após agendamento, as entrevistas foram realizadas em local adequado. Seu conteúdo foi transcrito integralmente e as fitas foram posteriormente destruídas.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, formada por questão relacionada com o significado de ser cuidador familiar de paciente com afecção neurológica.

Os preceitos éticos foram respeitados, segundo a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, no que diz respeito à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição onde o estudo foi realizado.

As estratégias de análise dos dados basearam-se nas diretrizes metodológicas do Discurso do Sujeito Coletivo (Lefèvre e Lefèvre, 2005). Foram adotadas neste estudo três figuras metodológicas: expressões-chave, ideia central e o discurso do sujeito coletivo.

• Expressões-chave (ECH): são partes ou todo o conteúdo das transcrições literais do discurso de cada sujeito, que devem ser identificados e destacados (sublinhados, coloridos ou iluminados) pelo pesquisador; revelam a essência do discurso ou a teoria subjacente.

• Ideias Centrais (IC): é um nome ou expressão linguística que revela e descreve de maneira sintética, precisa e fidedigna o sentido de cada um dos discursos analisados e de cada conjunto homogêneo de ECH, que posteriormente vai dar origem ao Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). É importante assinalar que as IC não são uma interpretação, mas uma descrição do sentido do depoimento ou de um conjunto de depoimentos. As IC podem ser resgatadas por meio de descrições diretas do sentido do depoimento, revelando "o que foi dito", ou por meio de descrições indiretas ou mediatas que revelam o tema do depoimento ou "sobre o que" o sujeito enunciador está falando. Nesse último caso, será preciso, após a identificação do tema, reconhecer as IC correspondentes.

• Discurso do Sujeito Coletivo (DSC): é um discurso redigido na primeira pessoa do singular e composto pelas ECH que têm as mesmas IC.

Para o tratamento e a análise dos dados, obedeceu-se rigorosamente a seguinte ordem:

Antes do início da transcrição dos dados, as respostas foram lidas várias vezes, para que se tivesse uma ideia panorâmica e melhor compreensão dos textos. Dando continuidade, foram cumpridas seis etapas:

• Copiar integralmente o conteúdo de todas as respostas referentes ao questionamento, no Instrumento de Análise de Discurso 1.

• Identificar e colocar em itálico, em cada uma das respostas, as expressões-chave das ideias centrais.

• Identificar as ideias centrais e colocá-las nas caselas correspondentes.

• Identificar e agrupar as ideias centrais de mesmo sentido, de sentido equivalente ou de sentido complementar.

• Criar uma ideia central que expresse, da melhor maneira possível, todas as ideias centrais de mesmo sentido, de sentido equivalente ou de sentido complementar.

• Construir o Discurso do Sujeito Coletivo para cada grupo identificado na etapa anterior, utilizando o Instrumento de Análise de Discurso 2.

Resultados

Os DSCs emergentes do tema referente aos significados de cuidador familiar foram os seguintes:

Primeira Ideia Central: Cuidar

"É cuidar, por não ter outra pessoa para cuidar, por não ter outro recurso, é uma obrigação que a gente não quer, tem que cuidar. É cuidar da minha mãe. Eu acho que aprendi muito cuidando dela. Adoro cuidar dela. Sofri cuidando dela. Eu me senti na obrigação de estar cuidando porque ele é meu pai. É arregaçar as mangas e cuidar. É uma área que eu gosto, porque a gente gosta de cuidar."

Segunda Ideia Central: Carinho e responsabilidade

"Cuidador familiar para mim é o carinho que eu tenho por ela, um ato de muita responsabilidade. É uma pessoa que eu me sinto responsável, sou o único filho que mora com ela, eu mesmo quero cuidar. É uma responsabilidade muito grande. É um gesto de carinho, um problema que vem para você e você tem que fazer."

Terceira Ideia Central: Ato de amor

"É tomar conta da pessoa, lidar com carinho e participar do sofrimento e do melhor momento. É ajudar, ter carinho, paciência, dar atenção e amor. Logo sinto o maior prazer em cuidar dele. É ao mesmo tempo um ato de amor que leva a ver tudo na figura de Cristo."

Quarta Ideia Central: Missão e Vocação

"É uma missão e uma vocação que a gente recebe."

Quinta Ideia Central: Obrigação

"Acho que para mim é uma obrigação."

Sexta Ideia Central: Dificuldade

"É uma dificuldade porque a vida da gente muda tudo."

Discussão

Ao analisar os significados de "ser cuidador familiar", observaram-se diversas as ideias centrais, que podem ser divididas em dois blocos distintos, estando o primeiro relacionado aos aspectos positivos do ato de ser cuidador ("cuidar"; "carinho e responsabilidade"; "ato de amor"; "missão e vocação"). O segundo bloco está relacionado aos sentimentos negativos dessa função, representados por "obrigação" e "dificuldade". Esses resultados coincidem com o que diz Diogo e Duarte (2005), quando afirmam que a tarefa de cuidar pode trazer benefícios ou resultados positivos, como satisfação, melhora no senso de realização pessoal, aumento do sentimento de orgulho por ser cuidador, habilidade de enfrentar novos desafios e melhora no relacionamento com o ser cuidado, assim como retribuição por benefícios recebidos e outros. Entretanto, o que prevalece é a sobrecarga ou ônus advindo do estresse emocional, desgaste físico, problemas de saúde, limitações para as atividades de trabalho e lazer, além de conflitos familiares, incerteza e insegurança quanto ao trabalho realizado. Campos (2005) alerta que essa diversificação de sentimentos divide os cuidados em dois grandes polos que podem ser denominados de positivos e negativos.

Não há cuidador absoluto. O cuidador também precisa ser cuidado. Ele precisa de alguém que lhe dê suporte, que o substitua em suas funções, que seja para ele um provedor, que lhe ofereça proteção e apoio, facilitando o seu desempenho, compartilhando de algum modo sua tarefa.

O primeiro significado de ser cuidador familiar foi evidenciado pela palavra "cuidar". Segundo Boff (2003), cuidar é mais que um ato, é uma atitude que gera muitos outros atos. O ato de cuidar está na raiz do ser humano, na sua constituição e na sua essência.

De acordo com Waldow (1998), o cuidado humano é uma forma ética e estética de viver, que tem início pelo amor à natureza e passa pela apreciação do belo; consiste no respeito à dignidade humana, na sensibilidade para com o sofrimento e aceitação do inevitável.

Leininger (1984) engloba a ideia de cuidar/cuidado em suas diferenças nas diversas similaridades e culturas do Universo, daí a denominação cultural do cuidado. Identificou diferenças nas formas de as pessoas se expressarem e se comportarem em relação ao cuidar/cuidado. Essas diferenças parecem estar ligadas a padrões culturais. O cuidado humano está embutido em valores, os quais independentemente do enfoque, priorizam a paz, a liberdade, o respeito e o amor, entre outros aspectos.

Lindenbaum e Look (1993) afirmam que o cuidado está vinculado a valores humanitários, atitude de compaixão e empatia. Segundo Boff (2003), Cuidar é especial e precisa de sentimento e os cuidadores precisam acreditar nisso e fazer com o coração; isso faz a diferença, pois o grande desafio para o ser humano é combinar trabalho com cuidado.

"Carinho e responsabilidade", "ato de amor", "missão e vocação" são sentimentos que estão presentes de maneira constante na vida do cuidador, como se fossem latentes no ser humano, bastando apenas ativá-los para que entrem em ação. De acordo com Silva (2000), cuidar é na verdade aspergir amor, esbanjar carinho e felicidade a quem precisa. O ato de cuidar está inerente à condição humana (Campos, 2005).

Fica evidente a necessidade de alguém, em especial dos profissionais de saúde, de observar como os cuidadores de pessoas com afecção neurológica estão se comportando diante dos ser cuidado e estabelecerem estratégias, juntamente com a família, no sentido de compartilhar suas tarefas com os demais membros da família.

Conclusões

Os significados de "ser cuidador familiar", na perspectiva dos cuidadores familiares, foram: "cuidar por não ter outra pessoa", "uma obrigação que a gente não quer", "arregaçar as mangas e cuidar", "um gesto de carinho", "uma responsabilidade muito grande", "tomar conta da pessoa, lidar com carinho e participar do sofrimento e dos melhores momentos", "ao mesmo tempo um ato de amor que leva a ver tudo na figura de Cristo".

Os resultados desse trabalho coincidem com outros estudos já realizados sobre o tema e sugerem que os profissionais de saúde, diante de situações que demandem cuidadores, despertem para as necessidades destes, ou seja, é necessário que eles possam considerar as duas faces do processo cuidativo: o paciente e o cuidador.

É imprescindível orientar o familiar que vai assumir a tarefa de cuidador, assim como os membros familiares, sobre a necessidade e a importância da rede de apoio familiar que deve existir entre ele e a família, para que o cuidador possa desempenhar bem suas tarefas. As relações nesse contexto requerem um aprendizado que tem por base delicadeza, atenção, dedicação e respeito.

Recebido em: 10/04/2008

Reapresentado em: 26/05/2008

Aprovado em: 24/07/2008

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  • Cuidador familiar de paciente com afecção neurológica

    Family care providers of neurologically affected patients
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      24 Jul 2008
    • Revisado
      26 Maio 2008
    • Recebido
      10 Abr 2008
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