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Acesso equitativo a vacinas: lições aprendidas e perspectivas futuras

Resumo

A vacinação é um componente essencial da atenção primária à saúde e do enfrentamento de emergências em saúde. No entanto, apesar do progresso ocorrido nas últimas décadas, persistem importantes barreiras que resultam na queda de coberturas e disparidades entre os países no acesso a novas vacinas. Neste cenário, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou, em 2020, a Agenda de Imunização para o decênio 2021-2030 (AI2030). Este artigo tem o objetivo de debater os principais fatores que afetam o acesso às vacinas e as estratégias para promoção da equidade no acesso a elas a nível global e nacional. Tais fatores são multisetoriais e precisam ser considerados em ambos os níveis, destacando-se as barreiras financeiras e geográficas, os desafios de infraestrutura, fatores socioeconômicos e culturais, políticas públicas e governança. O texto aponta a necessidade de remodelação da arquitetura global das cadeias produtivas e dos centros de pesquisa e inovação, criando e/ou fortalecendo as existentes em países de baixa e média renda. Além disso, é necessário estabelecer novos mecanismos e modelos de produção e comercialização de vacinas. As estratégias adotadas para acesso a vacinas e outras tecnologias em saúde estão no centro do debate da agenda de saúde global.

Palavras-chave:
Equidade; Vacina; Acesso a fármacos essenciais e tecnologias de saúde; Saúde Global

Abstract

Vaccination is an essential component of primary health care and coping with health emergencies. However, despite the progress from the last decades, important barriers persist resulting in lower access and disparities between the countries in the access to new vaccines. In this scenario, the World Health Organization (WHO) launched, in 2020, the Immunization Agenda for the 2021-2030 decade (AI2030). This article aims to discuss the main factors that affect access to vaccines and strategies to promote equity in access to them at global and national levels. These factors are multi-sectoral and need to be considered in both levels, with emphasis on financial and geographic barriers, infrastructure challenges, socioeconomic and cultural factors, public policies, and governance. The text points the need to remodel the global architecture of production chains and research and innovation centers, creating and/or strengthening existing ones in low- and middle-income countries. In addition, establishing new mechanisms and models for the production and commercialization of vaccines is necessary. The strategies adopted for accessing vaccines and other health technologies are at the center of the global health agenda debate.

Keywords:
Equity; Vaccine; Access to essential medicines and health technologies; Global health

Introdução

As vacinas são consideradas uma das tecnologias em saúde mais custo-efetivas em saúde pública. Elas salvam milhões de vidas todos os anos e contribuem para reduzir o risco de infecções e agravamento de doenças imunopreveníveis (WHO, 2022b)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
. Constituem, também, componente essencial da atenção primária em saúde e um direito humano indiscutível, além de assumir papel fundamental em Emergências em Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), como a da covid-19, para o controle das doenças ou mitigação de seu impacto (Olliaro; Torreele, 2022OLLIARO, P.; TORREELE, E. Global challenges in preparedness and response to epidemic infectious diseases. Molecular Therapy, Cambridge, v. 30, n. 5, p. 1801-1809, 2022. DOI: 10.1016/j.ymthe.2022.02.022
https://doi.org/10.1016/j.ymthe.2022.02....
; van der Graaf; Browne; Baidjoe, 2022VAN DER GRAAF, R.; BROWNE, J. L.; BAIDJOE, A. Y.. Vaccine equity: past, present, and future. Cell Reports Medicine, Cambridge, v. 3, n. 3, 2022. DOI: 10.1016/j.xcrm.2022.100551
https://doi.org/10.1016/j.xcrm.2022.1005...
).

Apesar do imenso progresso ocorrido nas últimas décadas no desenvolvimento e na ampliação do acesso às novas vacinas, ainda existem importantes barreiras. Dentre elas, destacam-se: (1) a concentração da produção de vacinas e matérias-primas em poucos países; (2) problemas relacionados a logística e infraestrutura; (3) financiamento; (4) questões socioeconômicas e culturais; e (5) a falta de mecanismos de governança a níveis nacionais e globais. Entre as consequências de tais barreiras, estamos assistindo à queda das coberturas vacinais e disparidades, entre os países, no acesso a novas vacinas (Olliaro; Torreele, 2022OLLIARO, P.; TORREELE, E. Global challenges in preparedness and response to epidemic infectious diseases. Molecular Therapy, Cambridge, v. 30, n. 5, p. 1801-1809, 2022. DOI: 10.1016/j.ymthe.2022.02.022
https://doi.org/10.1016/j.ymthe.2022.02....
; van der Graaf; Browne; Baidjoe, 2022VAN DER GRAAF, R.; BROWNE, J. L.; BAIDJOE, A. Y.. Vaccine equity: past, present, and future. Cell Reports Medicine, Cambridge, v. 3, n. 3, 2022. DOI: 10.1016/j.xcrm.2022.100551
https://doi.org/10.1016/j.xcrm.2022.1005...
).

Considerando esse cenário complexo em relação a vacinas e a imunização, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou, em 2020, a Agenda de Imunização para o decênio 2021-2030 (AI2030), estabelecida na 73ª Assembleia Mundial da Saúde. Essa agenda possui como objetivos manter os ganhos duramente conquistados pelo Programa Ampliado de Imunizações em todo o globo, recuperar-se das interrupções causadas pela covid-19 e alcançar o objetivo - não deixar ninguém para trás - em qualquer situação ou em qualquer fase da vida. A AI2030 é composta de sete objetivos estratégicos, que cobrem temas relevantes e urgentes, como prevenção de doenças, construção de fortes programas nacionais de imunização e promoção da equidade no acesso a vacinas (WHO, 2022b)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
.

A pandemia de covid-19 e outras emergências em saúde pública deram visibilidade à dinâmica do mercado internacional de vacinas e demonstraram que alguns desafios ainda precisam ser superados para a garantia do acesso equitativo a elas, sendo relevante avaliar a maneira como esse cenário, normalmente complexo, é agravado em situações de emergência (Hotez et al., 2021HOTEZ, P. J. et al. Global public health security and justice for vaccines and therapeutics in the COVID-19 pandemic. EClinicalMedicine, London, v. 39, 2021. DOI: 10.1016/j.eclinm.2021.101053
https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2021.10...
).

Assim, considerando a relevância desse tema, este artigo tem o objetivo de debater os principais fatores que afetam o acesso a vacinas e as estratégias para promoção do acesso equitativo a vacinas a nível global e nacional.

Compreendendo o problema: a dinâmica do mercado de vacinas e a complexidade em cenários pandêmicos

O mercado global de vacinas apresentou importantes mudanças e avanços nas últimas duas décadas. Investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação resultaram na descoberta de novas vacinas para o controle de doenças de relevância em saúde pública, bem como na expansão da produção e do número de fabricantes. O estabelecimento e desenvolvimento de novos mecanismos e iniciativas com a finalidade de facilitar a aquisição de vacinas, como, por exemplo, o fundo rotatório da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), possibilitaram a ampliação no acesso para populações de países de baixa renda (WHO, 2023c)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global vaccine market report 2022: a shared understanding for equitable access to vaccines. Geneva, 2023c. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/global-vaccine-market-report-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...
.

O mercado de vacinas é extremamente lucrativo. Dados do último relatório sobre o mercado global de vacinas organizado pela OMS estimam que, em 2021, aproximadamente 16 bilhões de doses foram fornecidas (aumento de 5,8 bilhões em relação a 2019), somando o valor de 141 bilhões de dólares. Esta cifra abrange cerca de 10% do mercado farmacêutico mundial. Atualmente, cerca de 94 fabricantes de vacinas são listados no relatório como principais provedores para os Estados Membros da OMS (WHO, 2023c)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global vaccine market report 2022: a shared understanding for equitable access to vaccines. Geneva, 2023c. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/global-vaccine-market-report-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...
.

As regiões do Pacífico Ocidental e da Europa apresentam a maior concentração de fabricantes de vacinas, sendo a China (23 fabricantes) e a Índia (7 fabricantes) os principais países produtores, representando 31% de todos os fabricantes dessas regiões. A região das Américas, especialmente os Estados Unidos da América, e a Europa têm o maior número de fabricantes, se excluirmos os produtores de vacinas para a covid-19. Entre os maiores fabricantes, segundo valor de mercado destacados pelo relatório, se encontram grandes indústrias farmacêuticas, como a MSD, GSK, Sanofi e a Pfizer (WHO, 2023c)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global vaccine market report 2022: a shared understanding for equitable access to vaccines. Geneva, 2023c. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/global-vaccine-market-report-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
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.

O relatório também destaca a falta de equidade no acesso a vacinas. Apesar dos dados de 2021 terem apresentado melhora em relação a 2019, o acesso a várias vacinas de interesse em saúde pública ainda é insuficiente em países de baixa e média renda (PBMR), entre elas, as para prevenção do papilomavírus humano e a vacina pneumocócica conjugada. Em relação às vacinas para a covid-19, observou-se, durante a pandemia, grande disparidade no acesso entre os PBMR em comparação aos países de alta renda (PAR). O relatório reforça que essa disparidade no acesso pode ser compreendida justamente pelo fato de que os PAR concentram entre si os maiores produtores de vacina e o maior poder de compra neste mercado (WHO, 2023c)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global vaccine market report 2022: a shared understanding for equitable access to vaccines. Geneva, 2023c. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/global-vaccine-market-report-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...
.

O relatório traz importantes conclusões sobre a necessidade de medidas que promovam o acesso equitativo a vacinas, dentre elas a remodelação da arquitetura global das cadeias produtivas e dos centros de pesquisa e inovação, criando e/ou fortalecendo as existentes em PBMR. Reforça também que para a manutenção de um mercado global de vacinas que garanta, minimamente, a equidade em situações epidêmicas e em emergências em saúde pública, é preciso criar mecanismos e modelos de produção e comercialização, visto a possibilidade de aumento súbito na demanda e que o seu tamanho da real pode variar, dependendo do contexto de cada país (WHO, 2023c)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global vaccine market report 2022: a shared understanding for equitable access to vaccines. Geneva, 2023c. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/global-vaccine-market-report-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...
.

Esta última reflexão do relatório pode ser corroborada pela falta do acesso a vacinas vivenciada nas ESPII por Doença pelo Vírus Ebola, covid-19 e Mpox (Monkeypox). Na ESPII de ebola, o desenvolvimento de uma vacina foi acelerado principalmente quando a doença passou a ser uma ameaça à segurança sanitária dos PAR. Vacinas foram desenvolvidas por grandes indústrias farmacêuticas e registradas pelas agências reguladoras americana e europeia, mas, até o presente, poucos avanços foram feitos para a garantia de seu acesso e das suas tecnologias aos países africanos, onde, de fato, a doença é mais prevalente e epidemias continuam a emergir (Tusabe et al., 2022TUSABE, F. et al. Lessons learned from the ebola virus disease and COVID-19 preparedness to respond to the human monkeypox virus outbreak in low-and middle-income countries. Infection and Drug Resistance, London, v. 15, p. 6279-6286, 2022. DOI: 10.2147/IDR.S384348
https://doi.org/10.2147/IDR.S384348...
).

A falta de acesso equitativo a vacinas contra a covid-19 ainda é visível. Apesar da grande cooperação internacional para o desenvolvimento, em tempo recorde, de novas vacinas e tratamentos para a doença, que propiciou mudanças profundas das técnicas, conhecimentos e processos regulatórios e de pesquisa clínica que contribuirão para o desenvolvimento de novas vacinas, o mesmo esforço e solidariedade não ocorreu, na mesma intensidade, em relação ao acesso. Assim que as primeiras vacinas contra a doença foram liberadas para uso emergencial, os PAR controlaram a demanda de compra, criando um movimento de “nacionalismo” em relação a elas. Em resposta, algumas iniciativas globais como a COVAX facility foram implementadas, mas, ainda assim, não foram suficientes, como expressaram os dados do relatório previamente mencionado (Sparke; Levy, 2022SPARKE, M.; LEVY, O. Competing responses to global inequalities in access to COVID vaccines: vaccine diplomacy and vaccine charity versus vaccine liberty. Clinical Infectious Diseases, Oxford, v. 75, n. suppl. 1, p. S86-S92, 2022.)

A ampla epidemia de Mpox (monkeypox) foi a última ESPII declarada pela OMS, em 2022. Apesar de possuir registros de importantes surtos no continente africano nos últimos anos, a doença ganhou destaque no cenário global após o aumento expressivo de casos, com transmissão sustentada em outros continentes, associada a uma nova variante (clade IIb). Após esse fato, assistimos à aceleração no desenvolvimento de vacinas para a doença, derivadas daquela utilizada para a varíola humana. Atualmente há uma vacina disponível, desenvolvida pelo governo dos Estados Unidos da América, mas, assim como no caso do ebola, o acesso a ela foi concentrado pela demanda dos PAR e a capacidade produtiva do fabricante atual não é suficiente para suprir a demanda dos PBMR, onde a doença é endêmica (Tusabe et al., 2022TUSABE, F. et al. Lessons learned from the ebola virus disease and COVID-19 preparedness to respond to the human monkeypox virus outbreak in low-and middle-income countries. Infection and Drug Resistance, London, v. 15, p. 6279-6286, 2022. DOI: 10.2147/IDR.S384348
https://doi.org/10.2147/IDR.S384348...
)1 1 Documento no prelo: SCHAEFER, G. O. et al. Equitable global allocation of monkeypox vaccines. Vaccine, 2023. DOI: 10.1016/j.vaccine.2023.07.021 .

Os fatores que afetam o acesso a vacinas são multisetoriais e precisam ser considerados em nível nacional e global, destacando-se as barreiras financeiras e geográficas, os desafios de infraestrutura e fatores socioeconômicos e culturais (Figura 1) (WHO, 2022bWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
; van der Graaf, et al., 2022VAN DER GRAAF, R.; BROWNE, J. L.; BAIDJOE, A. Y.. Vaccine equity: past, present, and future. Cell Reports Medicine, Cambridge, v. 3, n. 3, 2022. DOI: 10.1016/j.xcrm.2022.100551
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).

Também devem ser lembradas as barreiras decorrentes da: (1) falta de mecanismos de governança, bem como de políticas nacionais e supranacionais com foco no fortalecimento da cooperação internacional para incentivar acordos de comercialização das vacinas e de insumos básicos de saúde; (2) carência de legislações e tratados que estabeleçam a regulamentação da propriedade intelectual, como o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS); e (3) insuficiente articulação entre políticas que fortaleçam um ecossistema sustentável de pesquisa, desenvolvimento e inovação em vacinas, em países de média e baixa renda (WHO, 2023cWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global vaccine market report 2022: a shared understanding for equitable access to vaccines. Geneva, 2023c. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/global-vaccine-market-report-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...
; Wilson; Thornton; Gandhi, 2023WILSON, P. A.; THORNTON, I.; GANDHI, G. Public health emergency archetypes: a framework to guide efforts to ensure equitable access to medical countermeasures. BMJ Global Health, London, v. 8, n. 5, 2023. DOI: 10.1136/bmjgh-2023-012436
https://doi.org/10.1136/bmjgh-2023-01243...
; van der Graaf, Browne, Baidjoe, 2022VAN DER GRAAF, R.; BROWNE, J. L.; BAIDJOE, A. Y.. Vaccine equity: past, present, and future. Cell Reports Medicine, Cambridge, v. 3, n. 3, 2022. DOI: 10.1016/j.xcrm.2022.100551
https://doi.org/10.1016/j.xcrm.2022.1005...
).

É indispensável, também, a garantia de mecanismos para o financiamento de infraestrutura para toda a cadeia de produção e comercialização de vacinas. Por exemplo, os mecanismos tradicionais existentes de aquisição relacionados a Global Vaccine Aliance, ao Fundo das Nações Unidas para a infância e ao Fundo rotatório da OPAS ainda estão vinculados aos maiores produtores de vacinas que compõe a denominada Big Pharma. Destaca-se, assim, a necessidade de incentivos e novas estratégias que facilitem e incentivem a compra entre fabricantes nacionais, de países de média e baixa renda e assegurem mecanismos de demanda e comercialização regionais (WHO, 2022bWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
, 2023cWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global vaccine market report 2022: a shared understanding for equitable access to vaccines. Geneva, 2023c. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/global-vaccine-market-report-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...
; van der Graaf; Browne; Baidjoe, 2022VAN DER GRAAF, R.; BROWNE, J. L.; BAIDJOE, A. Y.. Vaccine equity: past, present, and future. Cell Reports Medicine, Cambridge, v. 3, n. 3, 2022. DOI: 10.1016/j.xcrm.2022.100551
https://doi.org/10.1016/j.xcrm.2022.1005...
; Buss; Burger, 2023BUSS, P. M.; BURGER, P. Diplomacia da saúde: respostas globais à pandemia. Rio de Janeiro: Fiocruz., 2021 Disponível em: <Disponível em: https://portal.fiocruz.br/diplomacia-da-saude-respostas-globais-pandemia >. Acesso em: 4 jun. 2023.
https://portal.fiocruz.br/diplomacia-da-...
).

Por sua vez, os desafios de infraestrutura refletem, especialmente, na complexidade da logística da cadeia de produção de vacinas, que vai além da implantação de fábricas com maturidade de produção e que observem boas práticas de manufatura. As iniciativas que incentivem a pesquisa, desenvolvimento e inovação devem ser baseadas em uma agenda respaldada nas prioridades nacionais e que possam ser adaptadas (nacional ou regionalmente) para suprir as demandas globais, quando necessário, e para guiar a implantação de plataformas tecnológicas. Também são necessários recursos para o reforço das agências regulatórias e de centros de pesquisa clínica, para que se adaptem com facilidade ao dinamismo desse complexo processo (WHO, 2022aWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. 10 proposals to build a safer world together - Strengthening the Global Architecture for Health Emergency Preparedness, Response and Resilience: draft for consultation. Geneva, 2022a. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/10-proposals-to-build-a-safer-world-together---strengthening-the-global-architecture-for-health-emergency-preparedness--response-andresilience--white-paper-for-consultation--june-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...
, 2022bWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
; van der Graaf; Browne; Baidjoe, 2022VAN DER GRAAF, R.; BROWNE, J. L.; BAIDJOE, A. Y.. Vaccine equity: past, present, and future. Cell Reports Medicine, Cambridge, v. 3, n. 3, 2022. DOI: 10.1016/j.xcrm.2022.100551
https://doi.org/10.1016/j.xcrm.2022.1005...
; Buss; Burger, 2023BUSS, P. M.; BURGER, P. Diplomacia da saúde: respostas globais à pandemia. Rio de Janeiro: Fiocruz., 2021 Disponível em: <Disponível em: https://portal.fiocruz.br/diplomacia-da-saude-respostas-globais-pandemia >. Acesso em: 4 jun. 2023.
https://portal.fiocruz.br/diplomacia-da-...
; Wilson; Thornton; Gandhi, 2023WILSON, P. A.; THORNTON, I.; GANDHI, G. Public health emergency archetypes: a framework to guide efforts to ensure equitable access to medical countermeasures. BMJ Global Health, London, v. 8, n. 5, 2023. DOI: 10.1136/bmjgh-2023-012436
https://doi.org/10.1136/bmjgh-2023-01243...
).

As barreiras geográficas também precisam ser consideradas. São necessários investimentos em tecnologias para que as vacinas possam ser preservadas em cadeias de frio menos complexas, permitindo que cheguem em condições de uso em regiões de difícil acesso. Do ponto de vista global, são indispensáveis mecanismos de aquisição e produção de vacinas que potencializem o acesso a vacinas em PBMR (Peacocke, 2021PEACOCKE, E. F. et al. Global access to COVID-19 vaccines: a scoping review of factors that may influence equitable access for low and middle-income countries. BMJ Open, London, v. 11, n. 9, 2021. DOI: 10.1136/bmjopen-2021-049505
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-049...
; WHO, 2022aWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. 10 proposals to build a safer world together - Strengthening the Global Architecture for Health Emergency Preparedness, Response and Resilience: draft for consultation. Geneva, 2022a. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/10-proposals-to-build-a-safer-world-together---strengthening-the-global-architecture-for-health-emergency-preparedness--response-andresilience--white-paper-for-consultation--june-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...
, 2022bWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
).

Figura 1
fatores chaves que afetam o acesso equitativo a vacinas

Fatores socioeconômicos e culturais devem ser levados em conta na elaboração de estratégias de educação em saúde, as quais devem servir de instrumento de engajamento comunitário, oferecendo informação sobre o papel das vacinas e buscando alcançar ampla aceitação pela população. Tais estratégias devem fundamentar documentos que sirvam de instrumento para a formação e treinamento de recursos humanos que atuarão tanto na produção quanto no próprio sistema de saúde (Peacocke et al., 2021PEACOCKE, E. F. et al. Global access to COVID-19 vaccines: a scoping review of factors that may influence equitable access for low and middle-income countries. BMJ Open, London, v. 11, n. 9, 2021. DOI: 10.1136/bmjopen-2021-049505
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-049...
; WHO, 2022bWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
).

A adequada organização dos serviços de saúde também é relevante para a garantia do acesso. Ampliação dos horários de atendimento, políticas que incentivem as empresas a liberarem seus funcionários para a imunização e de seus dependentes, a utilização de sistemas de drive-thru pode ser uma iniciativa importante nesse sentido. É preciso também considerar as inequidades no acesso ocasionadas por questões de gênero que podem ser reforçadas por aspectos culturais e sociais de diferentes comunidades (Peacocke et al., 2021PEACOCKE, E. F. et al. Global access to COVID-19 vaccines: a scoping review of factors that may influence equitable access for low and middle-income countries. BMJ Open, London, v. 11, n. 9, 2021. DOI: 10.1136/bmjopen-2021-049505
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-049...
; WHO, 2022bWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
).

Todos esses fatores podem ampliar sua relevância em cenários de emergências em saúde pública. A dinâmica da evolução nesses casos, além de ocasionar o crescimento rápido da demanda, em todo o globo, por vacinas e insumos básicos de saúde e da competição por obtê-las, pode ocasionar situações de rupturas, com aumentos consideráveis de preços de produtos ou serviços vinculados a cadeia de produção e fornecimento de insumos básicos de saúde que comprometam ou limitem a produção nacional ou internacional. Nessas ocasiões, não são raras as imposições de barreiras comerciais e de circulação de bens e pessoas entre países. Por decorrência disso, temos a ampliação das disparidades entre os países e seus sistemas de saúde, em sua capacidade de enfrentar esses cenários (Peacocke et al., 2021PEACOCKE, E. F. et al. Global access to COVID-19 vaccines: a scoping review of factors that may influence equitable access for low and middle-income countries. BMJ Open, London, v. 11, n. 9, 2021. DOI: 10.1136/bmjopen-2021-049505
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-049...
; Hotez et al., 2021HOTEZ, P. J. et al. Global public health security and justice for vaccines and therapeutics in the COVID-19 pandemic. EClinicalMedicine, London, v. 39, 2021. DOI: 10.1016/j.eclinm.2021.101053
https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2021.10...
).

No Brasil, as barreiras para alcançarmos a equidade no acesso a vacinas ainda persistem, mesmo com os avanços obtidos pelo Programa Nacional de Imunização (PNI) desde sua criação, em 1973. O PNI é um dos maiores e mais bem sucedidos programas de imunização do mundo, mas sua complexidade impõe desafios que vão desde a logística para aquisição, distribuição e vacinação, passando pela falta de pessoal com treinamento adequado e dedicação exclusiva à atividade, até a dificuldade de implantação de um sistema de informações integrado, que permita a completa rastreabilidade das vacinas até o momento da vacinação (Buss; Burger, 2023BUSS, P. M.; BURGER, P. Diplomacia da saúde: respostas globais à pandemia. Rio de Janeiro: Fiocruz., 2021 Disponível em: <Disponível em: https://portal.fiocruz.br/diplomacia-da-saude-respostas-globais-pandemia >. Acesso em: 4 jun. 2023.
https://portal.fiocruz.br/diplomacia-da-...
; Gadelha, 2022GADELHA, C. A. G. Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema Único de Saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. suppl. 2, 2022. DOI: 10.1590/0102-311X00263321
https://doi.org/10.1590/0102-311X0026332...
; Castro-Nunes; Ribeiro, 2022CASTRO-NUNES, P.; RIBEIRO, G. R. Equidade e vulnerabilidade em saúde no acesso às vacinas contra a COVID-19. Rev Panamericana de Salud Publica, Washington DC, v. 46, 2022.).

O Brasil é um país de grande população, dimensões continentais e regiões de difícil acesso, fato que dificulta a criação e a manutenção da cadeia de frio e a de serviços de saúde organizados para as atividades de vacinação em regiões remotas. Esses fatores somam-se a complexas questões socioculturais em relação a questões de gênero existentes no território, que reforçam a necessidade de estratégias multisetoriais e multidisciplinares para promover a equidade no acesso a vacinas no país (Buss, Burger, 2023BUSS, P. M.; BURGER, P. Diplomacia da saúde: respostas globais à pandemia. Rio de Janeiro: Fiocruz., 2021 Disponível em: <Disponível em: https://portal.fiocruz.br/diplomacia-da-saude-respostas-globais-pandemia >. Acesso em: 4 jun. 2023.
https://portal.fiocruz.br/diplomacia-da-...
; Gadelha, 2022GADELHA, C. A. G. Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema Único de Saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. suppl. 2, 2022. DOI: 10.1590/0102-311X00263321
https://doi.org/10.1590/0102-311X0026332...
; Castro-Nunes; Ribeiro, 2022CASTRO-NUNES, P.; RIBEIRO, G. R. Equidade e vulnerabilidade em saúde no acesso às vacinas contra a COVID-19. Rev Panamericana de Salud Publica, Washington DC, v. 46, 2022.; Gauto, 2022GAUTO, M. (Coord.). Desigualdade no acesso a vacinas contra a Covid-19 no Brasil. São Paulo: Oxfam Brasil, 2022. Disponível em: <Disponível em: https://materiais.oxfam.org.br/relatorio-desigualdade-no-acesso-a-vacinas-contra-covid-19-no-brasil >. Acesso em: 24 jun. 2023
https://materiais.oxfam.org.br/relatorio...
).

Os resultados de um inquérito recente de cobertura vacinal patrocinado pelo Ministério da Saúde demonstraram que, para os anos de 2017 e 2018, menos de 1% das crianças não receberam a vacinação de rotina, segundo o calendário nacional de imunização. No entanto, as coberturas de esquema completo foram menores que 75% em todas as capitais do país e no Distrito Federal, apesar de possuírem boa cobertura da rede básica de serviços de saúde. As vacinas com mais de uma dose perderam a cobertura progressivamente e há diferenças significativas entre os estratos socioeconômicos - favoráveis aos mais altos em algumas cidades e aos mais baixos em outras (Barata et al., 2023BARATA, R. B. et al. Inquérito Nacional de Cobertura Vacinal 2020: métodos e aspectos operacionais. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 26, 2023. DOI: 10.1590/1980-549720230031.2
https://doi.org/10.1590/1980-54972023003...
)

O Brasil, apesar de possuir uma tradição na produção de vacinas, com a contribuição de importantes laboratórios públicos, ainda precisa avançar para atingir um ecossistema sustentável de pesquisa, desenvolvimento e inovação que permita deter a tecnologia necessária para uma autossuficiência sustentável na produção nacional de imunobiológicos e de insumos básicos de saúde. Apesar dos avanços nos últimos anos na governança e elaboração de políticas públicas voltadas à criação e ao fortalecimento do Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS), o país ainda apresenta desafios a serem superados (Gadelha, 2022GADELHA, C. A. G. Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema Único de Saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. suppl. 2, 2022. DOI: 10.1590/0102-311X00263321
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; Castro-Nunes; Ribeiro, 2022CASTRO-NUNES, P.; RIBEIRO, G. R. Equidade e vulnerabilidade em saúde no acesso às vacinas contra a COVID-19. Rev Panamericana de Salud Publica, Washington DC, v. 46, 2022.; Gauto, 2022GAUTO, M. (Coord.). Desigualdade no acesso a vacinas contra a Covid-19 no Brasil. São Paulo: Oxfam Brasil, 2022. Disponível em: <Disponível em: https://materiais.oxfam.org.br/relatorio-desigualdade-no-acesso-a-vacinas-contra-covid-19-no-brasil >. Acesso em: 24 jun. 2023
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).

No Brasil, a Política de Desenvolvimento Produtivo (2008) foi criada com o objetivo de buscar sinergia entre o desenvolvimento industrial tecnológico e o setor produtivo nacional, com foco na ampliação do acesso da população a medicamentos, vacinas e equipamentos (Gadelha, 2022GADELHA, C. A. G. Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema Único de Saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. suppl. 2, 2022. DOI: 10.1590/0102-311X00263321
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). No entanto, a própria dinâmica da implementação dessa política pública acabou por acentuar a dependência do país em relação ao mercado internacional, o que ficou evidente durante a emergência de covid-19 (Gadelha, 2022GADELHA, C. A. G. Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema Único de Saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. suppl. 2, 2022. DOI: 10.1590/0102-311X00263321
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; Castro-Nunes; Ribeiro, 2022CASTRO-NUNES, P.; RIBEIRO, G. R. Equidade e vulnerabilidade em saúde no acesso às vacinas contra a COVID-19. Rev Panamericana de Salud Publica, Washington DC, v. 46, 2022.; Gauto, 2022GAUTO, M. (Coord.). Desigualdade no acesso a vacinas contra a Covid-19 no Brasil. São Paulo: Oxfam Brasil, 2022. Disponível em: <Disponível em: https://materiais.oxfam.org.br/relatorio-desigualdade-no-acesso-a-vacinas-contra-covid-19-no-brasil >. Acesso em: 24 jun. 2023
https://materiais.oxfam.org.br/relatorio...
).

A emergência de covid-19 evidenciou a necessidade de adequação das agências regulatórias a situações de crise sanitária, assim como o estabelecimento de novos mecanismos de financiamento voltados não somente para o fortalecimento, no país, da pesquisa, desenvolvimento e inovação, mas também para a aquisição de vacinas e insumos em saúde (Gadelha, 2022GADELHA, C. A. G. Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema Único de Saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. suppl. 2, 2022. DOI: 10.1590/0102-311X00263321
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; Castro-Nunes; Ribeiro, 2022CASTRO-NUNES, P.; RIBEIRO, G. R. Equidade e vulnerabilidade em saúde no acesso às vacinas contra a COVID-19. Rev Panamericana de Salud Publica, Washington DC, v. 46, 2022.; Gauto, 2023GAUTO, M. (Coord.). Desigualdade no acesso a vacinas contra a Covid-19 no Brasil. São Paulo: Oxfam Brasil, 2022. Disponível em: <Disponível em: https://materiais.oxfam.org.br/relatorio-desigualdade-no-acesso-a-vacinas-contra-covid-19-no-brasil >. Acesso em: 24 jun. 2023
https://materiais.oxfam.org.br/relatorio...
).

Estratégias para o acesso equitativo a vacinas: colaboração e governança no centro do debate

As lições aprendidas nas últimas emergências sanitárias e a experiência acumulada pelos países e por organismos internacionais resultaram em iniciativas de caráter global, como o Plano de Ação Global de Vacinas (GVAP) e a AI2030, as quais reforçam a necessidade de implementação de estratégias que promovam a equidade no acesso a vacinas e a outras tecnologias em saúde (WHO, 2022b)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
.

Algumas dessas estratégias estão apresentadas pela própria organização dos sete objetivos da AI2030, sendo eles: (1) programas de imunização para atenção primária em saúde/ cobertura universal de saúde; (2) compromisso e demanda; (3) cobertura e equidade; (4) curso de vida e integração; (5) surtos e emergências; (6) fornecimento e sustentabilidade; e (7) pesquisa e inovação (WHO, 2022b)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
. As metas estabelecidas a partir desses objetivos se interrelacionam e permitem sua adequação para a realidade de cada país, independentemente do seu nível de renda, e visam reforçar a as condições dos países para o planejamento e implementação de programas de imunização sustentáveis e bem-sucedidos (WHO, 2022b)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
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.

A AI2030 ainda reforça que, para os objetivos listados serem cumpridos, é preciso fortalecer estratégias de governança e a cooperação a níveis nacionais e globais. Ela incentiva também a participação da sociedade civil na adaptação das metas traçadas pelos países através da utilização de estratégias de engajamento consultivo. Iniciativas regionais entre os países também podem ser utilizadas para troca de experiência e construção de novos mecanismos de cooperação e parcerias que permitam dar voz e foco a realidades específicas (WHO, 2022b)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
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.

A emergência de covid-19 promoveu uma maior atenção e um novo debate em relação a preparação e resposta dos países para futuras emergências de saúde pública. O acesso equitativo a vacinas e outras tecnologias em saúde constituem componente chave nesse debate vinculado a garantia da segurança sanitária dos países. Com isso, iniciativas como a reformulação do Regulamento Sanitário Internacional (RSI) e o desenvolvimento de um novo instrumento normativo entre os Estados Membros da OMS para prevenção, preparação e resposta a pandemias estão atualmente em debate na agenda sanitária global2 2 Informações podem ser encontradas em: World Health Organization. Intergovernmental Negotiating Body (INB). Disponível em: <https://inb.who.int/>. Acesso em: 26 jun. 2023 (WHO, 2023aWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Governments hold first detailed discussions on proposed amendments to the International Health Regulations (2005). Geneva, 2023a. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/news/item/25-02-2023-governments-hold-first-detailed-discussions-on-proposed-amendments-to-the-international-health-regulations-(2005) >. Acesso em: 26 jun. 2023.
https://www.who.int/news/item/25-02-2023...
, 2023bWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Zero draft of the WHO CA + for the consideration of the Intergovernmental Negotiating Body at its fourth meeting. Geneva, 2023b. Disponível em: <Disponível em: https://www.keionline.org/wp-content/uploads/WHO-zero-draft-pandemic-treaty-1Feb2023.pdf >. Acesso em: 25 jun. 2023.
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).

Com essa finalidade, foi criado um grupo de negociação intergovernamental, do qual o Brasil participa na qualidade de representante das Américas, por já trabalhar na construção do instrumento que será apresentado e votado pelos países na próxima assembleia mundial da saúde, em 2024 (WHO, 2023a)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Governments hold first detailed discussions on proposed amendments to the International Health Regulations (2005). Geneva, 2023a. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/news/item/25-02-2023-governments-hold-first-detailed-discussions-on-proposed-amendments-to-the-international-health-regulations-(2005) >. Acesso em: 26 jun. 2023.
https://www.who.int/news/item/25-02-2023...
. As discussões entre os representantes de países que desenvolvem esse novo instrumento normativo, chamado popularmente de “acordo global sobre pandemias” (WHO CA+), reforçam que atualmente o mundo não carece de pessoas capacitadas para enfrentar novos riscos de emergências de saúde pública, melhor do que a resposta dada a covid-19 (WHO, 2023b)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Zero draft of the WHO CA + for the consideration of the Intergovernmental Negotiating Body at its fourth meeting. Geneva, 2023b. Disponível em: <Disponível em: https://www.keionline.org/wp-content/uploads/WHO-zero-draft-pandemic-treaty-1Feb2023.pdf >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.keionline.org/wp-content/upl...
. Além disso, existem propostas, conhecimento científico, recursos tecnológicos, capacidades corporativas e da sociedade civil e mecanismos financeiros necessários.

É importante salientar que as futuras estratégias com foco na preparação e resposta a emergências em saúde pública devem buscar responsabilidade, governança e cooperação entre países e diferentes atores da agenda de saúde global, a fim de garantir que a implementação dessas estratégias se faça de forma equitativa, buscando solidariedade e ações a nível nacional e internacional e promovendo o multilateralismo (WHO, 2023aWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Governments hold first detailed discussions on proposed amendments to the International Health Regulations (2005). Geneva, 2023a. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/news/item/25-02-2023-governments-hold-first-detailed-discussions-on-proposed-amendments-to-the-international-health-regulations-(2005) >. Acesso em: 26 jun. 2023.
https://www.who.int/news/item/25-02-2023...
, 2023bWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Zero draft of the WHO CA + for the consideration of the Intergovernmental Negotiating Body at its fourth meeting. Geneva, 2023b. Disponível em: <Disponível em: https://www.keionline.org/wp-content/uploads/WHO-zero-draft-pandemic-treaty-1Feb2023.pdf >. Acesso em: 25 jun. 2023.
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)

Algumas iniciativas desenvolvidas para promoção do acesso a vacinas durante a ESPII de covid-19 devem ser repensadas e adaptadas, para poderem garantir a sustentabilidade de ações de enfrentamento a potenciais emergências no futuro. As iniciativas de promoção de transferência de tecnologias e fortalecimento de laboratórios produtores de vacinas em PBMR, por exemplo, semelhantes ao Programa de Transferência de Tecnologia de mRNA derivado da iniciativa do “COVAX facility”, devem buscar a cooperação entre os países no estabelecimento de polos regionais de pesquisa, desenvolvimento, inovação e produção de vacinas, considerando as capacidades de cada país (WHO, [2022c])WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. The mRNA vaccine technology transfer hub. Geneva, [2022c]. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/initiatives/the-mrna-vaccine-technology-transfer-hub >. Acesso em: 26 jun. 2023.
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.

Alguns aspectos das estratégias adotadas para acesso a vacinas e outras tecnologias em saúde estão no centro do debate da agenda de saúde global. Pontos em comum para futuras iniciativas estão sendo mapeados, visando o investimento em bens públicos globais. Há necessidade de coordenar uma abordagem “end-to-end3 3 Abordagem “end-to-end” refere-se a uma estratégia de gestão que integre a sustentabilidade a todos os elementos de uma cadeia de produção e distribuição de uma vacina, ou seja desde a pesquisa inicial para a concepção de um produto até sua comercialização, distribuição e monitoramento. entre diferentes atores presentes nesta agenda, para que o acesso equitativo a vacinas e outras tecnologias em saúde possa ser concebido tanto para a rotina dos sistemas de saúde como para potenciais cenários de emergência (WHO, 2022a)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. 10 proposals to build a safer world together - Strengthening the Global Architecture for Health Emergency Preparedness, Response and Resilience: draft for consultation. Geneva, 2022a. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/10-proposals-to-build-a-safer-world-together---strengthening-the-global-architecture-for-health-emergency-preparedness--response-andresilience--white-paper-for-consultation--june-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...

Essa abordagem “end-to-end” refere-se à necessidade de abordar todas as etapas, incluindo avaliações contínuas e pesquisas que vão desde a detecção inicial de um patógeno, pesquisa e desenvolvimento até a fabricação, distribuição e estratégias de entrega de vacinas a população. Essa é uma abordagem proativa que necessita de um sistema nacional e global pré-negociado, com funções e responsabilidades claras e com base em uma visão comum global, para que o financiamento e arranjos de governança possam atender ao interesse público, seguindo os princípios de equidade, abertura, compartilhamento e resiliência regional para a promoção de um ecossistema em saúde sustentável (WHO, 2022a)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. 10 proposals to build a safer world together - Strengthening the Global Architecture for Health Emergency Preparedness, Response and Resilience: draft for consultation. Geneva, 2022a. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/10-proposals-to-build-a-safer-world-together---strengthening-the-global-architecture-for-health-emergency-preparedness--response-andresilience--white-paper-for-consultation--june-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
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.

Atualmente, os principais pontos debatidos na agenda global para a promoção de contextos favoráveis a equidade no acesso à vacinas são: (1) a necessidade de uma governança global para garantir uma forte coordenação para futuras iniciativas, com suporte financeiro adequado e fundamentadas em políticas multisetoriais e nos resultados esperados; (2) a promoção de sistemas nacionais de saúde resilientes, visando fortalecer condições mínimas para o alcance de uma cobertura universal de saúde e também para a preparação e resposta global para uma pandemia; (3) a construção de uma rede global de vigilância e pesquisa em saúde que possa auxiliar na resposta oportuna dos sistemas de saúde e no fortalecimento de sua coordenação e na adaptação de seus componentes; e (4) o fortalecimento do desenvolvimento de ferramentas, fabricação e acesso a tecnologias em saúde que reduzam o tempo de resposta durante uma emergência e ofereçam equidade no acesso global a diferentes tecnologias em saúde (WHO, 2022bWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
, 2022aWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. 10 proposals to build a safer world together - Strengthening the Global Architecture for Health Emergency Preparedness, Response and Resilience: draft for consultation. Geneva, 2022a. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/10-proposals-to-build-a-safer-world-together---strengthening-the-global-architecture-for-health-emergency-preparedness--response-andresilience--white-paper-for-consultation--june-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...
; Lal et al., 2022LAL, A. et al. Pandemic preparedness and response: exploring the role of universal health coverage within the global health security architecture. The Lancet Global Health, London, v. 10, n. 11, p. e1675-e1683, 2022. DOI: 10.1016/S2214-109X(22)00341-2
https://doi.org/10.1016/S2214-109X(22)00...
; Kumraj et al., 2022KUMRAJ, G. et al. Capacity building for vaccine manufacturing across developing countries: the way forward. Human Vaccines & Immunotherapeutics, London, v. 18, n. 1, 2022. DOI: 10.1080/21645515.2021.2020529
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).

A prioridade conferida a esse debate na agenda de saúde pública global criou um ambiente favorável para a construção de capacidades regionais, incluindo centros regionais de pesquisa e desenvolvimento de redes de ensaios clínicos e de produção de vacinas e insumos básicos de saúde. Envolver os países no debate global, considerando suas diferentes realidades e capacitar regiões para organizar soluções adequadas às circunstâncias locais deve constituir parte obrigatória do futuro ecossistema a ser construído, de forma que promova a equidade no acesso às vacinas e outras tecnologias em saúde. O investimento dos governos nacionais e bancos regionais será essencial, juntamente com o financiamento global (WHO, 2022aWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. 10 proposals to build a safer world together - Strengthening the Global Architecture for Health Emergency Preparedness, Response and Resilience: draft for consultation. Geneva, 2022a. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/10-proposals-to-build-a-safer-world-together---strengthening-the-global-architecture-for-health-emergency-preparedness--response-andresilience--white-paper-for-consultation--june-2022 > Acesso em: 29 jun. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...
, 2022bWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Immunization Agenda 2030. Geneva, 2022b. Disponível em: <Disponível em: https://www.immunizationagenda2030.org/ >. Acesso em: 25 jun. 2023.
https://www.immunizationagenda2030.org/...
; Lal et al., 2022LAL, A. et al. Pandemic preparedness and response: exploring the role of universal health coverage within the global health security architecture. The Lancet Global Health, London, v. 10, n. 11, p. e1675-e1683, 2022. DOI: 10.1016/S2214-109X(22)00341-2
https://doi.org/10.1016/S2214-109X(22)00...
; Kumraj et al., 2022KUMRAJ, G. et al. Capacity building for vaccine manufacturing across developing countries: the way forward. Human Vaccines & Immunotherapeutics, London, v. 18, n. 1, 2022. DOI: 10.1080/21645515.2021.2020529
https://doi.org/10.1080/21645515.2021.20...
).

Nesse contexto, o Brasil possui uma oportunidade para se posicionar à frente do debate global. Sua participação como representante no grupo de negociação intergovernamental para o acordo global sobre pandemias e em outras iniciativas de cooperação global, como o Programa de Transferência de Tecnologia de mRNA, permitem ao país um papel central na troca de experiências e propostas de governança e cooperação (WHO, [2022c])WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. The mRNA vaccine technology transfer hub. Geneva, [2022c]. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/initiatives/the-mrna-vaccine-technology-transfer-hub >. Acesso em: 26 jun. 2023.
https://www.who.int/initiatives/the-mrna...
.

A participação do Brasil na 75ª assembleia mundial da saúde, reforçada pelo discurso da ministra da saúde, fortalece o compromisso e a organização da agenda nacional de saúde para alcançar o acesso equitativo a vacinas e outras tecnologias (Gadelha, 2022GADELHA, C. A. G. Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema Único de Saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. suppl. 2, 2022. DOI: 10.1590/0102-311X00263321
https://doi.org/10.1590/0102-311X0026332...
; Em discurso…, 2023EM DISCURSO na Assembleia Mundial da Saúde, ministra Nísia Trindade fala sobre equidade e cultura de paz. Ministério da Saúde, Brasília, DF, 2023. Notícias. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/em-discurso-na-assembleia-mundial-da-saude-ministra-nisia-trindade-fala-sobre-equidade-e-cultura-de-paz >. Acesso em: 26 jun. 2023.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
). Apesar das muitas barreiras ainda enfrentadas pelo país, a proposta atual do governo, de abertura para cooperações multisetoriais e de fortalecimento do CEIS, está em consonância com as estratégias propostas pela agenda de saúde global e pode promover um futuro ambiente sustentável de acesso a tecnologias em saúde para os cidadãos.

Referências

  • 1
    Documento no prelo: SCHAEFER, G. O. et al. Equitable global allocation of monkeypox vaccines. Vaccine, 2023. DOI: 10.1016/j.vaccine.2023.07.021
  • 2
    Informações podem ser encontradas em: World Health Organization. Intergovernmental Negotiating Body (INB). Disponível em: <https://inb.who.int/>. Acesso em: 26 jun. 2023
  • 3
    Abordagem “end-to-end” refere-se a uma estratégia de gestão que integre a sustentabilidade a todos os elementos de uma cadeia de produção e distribuição de uma vacina, ou seja desde a pesquisa inicial para a concepção de um produto até sua comercialização, distribuição e monitoramento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2023
  • Aceito
    22 Ago 2023
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