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Jovens, negras e estudantes: aspectos da vulnerabilidade em São Luís do Maranhão

Young, black, and students: aspects of vulnerability in São Luís do Maranhão, Brazil

Resumo

O artigo resulta de pesquisa realizada em uma escola pública em São Luís, Maranhão, sobre a vulnerabilidade em saúde de jovens negras estudantes do ensino médio. Buscou-se identificar a importância da presença de uma equipe que trabalhe em instituições, escolas e unidades de saúde básica públicas, além de organizações não governamentais preocupadas com a realidade escolar de jovens negras que frequentam esse locais. O trabalho se apoiou em estudos sobre a formação étnico-racial da população brasileira; nas condições de saúde da mulher negra, seus agravos e suas especificidades diante da prestação de serviços em saúde pública; e na importância da escola no ensino de conhecimentos relacionados à saúde das jovens negras. A metodologia da pesquisa envolveu aplicação e análise de questionários respondidos por jovens negras estudantes sobre saúde sexual, doenças prevalentes na população negra e locais em que as informações sobre estas são obtidas. A escola aparece como espaço de obtenção de informações sobre saúde sexual.

Palavras-chave:
População Negra; Saúde da Mulher; Educação; Vulnerabilidade

Abstract

This article results from a research conducted in a public school in São Luís, Maranhão, Brazil, about aspects that highlight the health vulnerability of young black female high school students. We sought to identify furthermore the importance of the presence of a staff working in public institutions, schools, and basic health units, and non-governmental organizations focused on the school reality of black youth who attend these places. The work was based on researches related to the aspects of ethnic-racial formation of the Brazilian population; the health conditions of the black woman, its grievances and specifics in front of the services provided in public health; and the importance of the role the of school in teaching knowledge related to the health of black female youth. By means of application and analysis of questionnaires, the collected data revealed that the educational activity in school does not sufficiently reach black female youth in terms of sexual health and other health susceptibilities of this population. The school appears as a space for obtaining information related to sexual health.

Keywords:
Black Population; Women's Health; Education; Vulnerability

Introdução

Este trabalho tem como foco a saúde da mulher negra no estado do Maranhão e, mais especificamente, o delineamento dos principais aspectos de vulnerabilidade relacionados à saúde sexual das jovens negras estudantes do ensino médio em uma escola pública em São Luís, capital desse estado.

A partir da observação empírica decorrente de nossa prática docente observamos o quanto a afirmação da cidadania e a perspectiva de melhora da qualidade de vida ainda parecem realidades distantes, especialmente para as jovens negras, favorecendo a perpetuação da invisibilidade da saúde das mulheres negras, ignorando peculiaridades do universo dessa população e, consequentemente, inviabilizando uma política de prevenção que respeite as assimetrias e descompassos do complexo universo social brasileiro.

Tendo como contraponto a realidade histórico-social do país, em que o negro foi elemento vital e integrante da estrutura de colonização que se desenhou no modelo escravista, observamos que a população negra ainda enfrenta dificuldades em exercer plenamente direitos considerados como fundamentais em diversos setores, inclusive na saúde, o que dificulta, consequentemente, a obtenção de melhorias significativas na qualidade de vida.

Este estudo apoiou-se nas seguintes referências:

  • a Política Nacional dos Direitos Humanos e a implementação de políticas em educação e saúde que contribuam para a melhoria dos serviços e disponibilidade de informações voltadas para a mulher negra;

  • o processo educativo como meio de identificação de pontos de fragilidade, tendo em vista as questões de gênero e raça/etnia, com o intuito de alcançar as mulheres negras de forma assertiva;

  • a escola como um espaço de construção de indicadores e de influência direta na redução de danos, de identificação dos principais pontos de vulnerabilidade em saúde sexual das mulheres negras jovens, e de construção de estratégias articuladoras entre educação escolar e prevenção em saúde.

Contexto da pesquisa

A mulher, jovem e negra - público alvo de nosso trabalho, por questões educacionais e familiares -, se encontra distante do entendimento do corpo, do seu corpo, enquanto recriação da sua ancestralidade (Siqueira, 1995SIQUEIRA, M. de L. Iyámi, Iya Agbás: dinâmica da espiritualidade feminina em templos afro-baianos. Estudos Feministas. Rio de Janeiro, v. 3 n. 2, p. 436-445, 1995.). Distancia-se, consequentemente, das referências de resistência e equilíbrio que poderiam levá-la ao encontro de processos geradores de saúde, que primam pelo fortalecimento e revitalização do indivíduo com base na sabedoria recriada nos terreiros1 1 O espaço denominado terreiro, enquanto aliado na manutenção das regras subjetivas de equilíbrio, tem resistência e saber ancestral, o qual passa a ser configurado para os descendentes de escravos como ambiente de integração e também de articulação e resistência (Cabral, 1988). Assim, o terreiro - perceptível como potencial social - se revela importante também no campo da saúde, diante da busca da saúde integrada, em que corpo, mente e espírito constituem uma unidade. .

Outras contribuições em relação ao estado e expressão do corpo - o qual se mostra muitas vezes retraído, silencioso e cabisbaixo diante de situações que deveriam levar ao protagonismo - são apresentadas nas colocações de Tompakow e Weil (1986TOMPAKOW, R.; WEIL, P. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não verbal. Petrópolis: Vozes, 1986., p. 258), para quem "esta linguagem silenciosa do corpo, que muitas vezes contradiz a palavra falada, mas diz a verdade nua e crua, é completamente inconsciente. Pela linguagem do corpo muita coisa se diz aos outros. É uma linguagem que não mente".

Sobre esse aspecto, Jesus afirma que

a referência corporal negra se processa ao longo da sua trajetória histórica, onde a expressão da violência, dor, estigmatização e fragmentação cultural poderá ser reelaborada em insurreição, organização social e política observada desde o constructo social desenvolvido nos quilombos e na resistência cultural, que é muito mais que herança, pois se traduz na forma que temos de compreender o mundo e nos apropriar dele (2003JESUS, L. M. G. de. O corpo na tradição afro-religiosa. In: MARMO, J. da S. (Org.). Religiões afro-brasileiras e saúde. São Luís: Projeto Ató-Ire/Centro de Cultura Negra do Maranhão, 2003., p. 90).

Esse processo de ressignificação é contínuo, pois não se identifica como conceito isolado de saúde baseado apenas na díade doença/tentativa de cura, diante de um corpo fragilizado e muitas vezes invisível. Nesse caso, não se contempla os afrodescendentes, pois na perspectiva da construção de política afirmativa, o corpo negro precisa ser potencializado em oposição às agruras sociais, decorrentes de um processo histórico eminentemente discriminatório. Torna-se suscetível e sem condições de redirecionamento ao equilíbrio e bem-estar na sua versão integradora. Para Lopes (2003)LOPES, F. Um panorama sobre a área de saúde. In: II SEMINÁRIO NACIONAL RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS E SAÚDE, 2003, São Luís. Relatório... São Luís: Projeto Ató-Ire, 2003., a pessoa deve agregar saúde física, mental e espiritual - cujo entendimento deve ser irradiado para além da comunidade do terreiro, ao conjunto populacional afrodescendente como um todo.

De acordo com o exposto por Lopes (2003)LOPES, F. Um panorama sobre a área de saúde. In: II SEMINÁRIO NACIONAL RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS E SAÚDE, 2003, São Luís. Relatório... São Luís: Projeto Ató-Ire, 2003., pensar em promoção de saúde a partir de um Sistema Único de Saúde (SUS) envolve os princípios de universalidade, equidade e integralidade. Lembramos aqui a importância de reforçar tais princípios, pois no caso da população negra existe uma situação social que demarca a invisibilidade e a vulnerabilidade explícita em relação às patologias e agravos geneticamente determinados, bem como as doenças contraídas em virtude da tríade população/situação/desigualdade, como é caso das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).

O conceito de vulnerabilidade e seus desdobramentos, por nós empregado, em princípio, foi intimamente ligado à saúde pública, no constructo teórico sobre a aids, a partir dos trabalhos de Mann, Tarantola e Netter (1992)MANN, J. M.; TARANTOLA, D. J. M.; NETTER, T. W. (Ed.). AIDS in the world. Boston: Harvard University, 1992.. Posteriormente, despontou na argumentação e defesa dos direitos de cidadania de pessoas ou grupos, como nos informa Ayres et al. (1999)AYRES, J. R. C. M. et al. Vulnerabilidade e prevenção em tempos de AIDS. In: BARBOSA, R. M.; PARKER, R. Sexualidade pelo avesso: direitos, identidade e poder. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999..

Mann, Tarantola e Netter (1992)MANN, J. M.; TARANTOLA, D. J. M.; NETTER, T. W. (Ed.). AIDS in the world. Boston: Harvard University, 1992. formularam uma classificação da vulnerabilidade que se desdobra nos eixos individual, institucional e social. O primeiro eixo inclui o acesso individual à informação, educação, assistência social e saúde, além do respeito à situação política, social e cultural dos indivíduos; o eixo institucional se relaciona à conduta de prevenção, controle e assistência; o eixo social é voltado ao acesso a recursos que viabilizam a adoção de comportamentos seguros em DST/aids.

O uso do conceito de vulnerabilidade nos parece pertinente, pois observamos que em nosso lócus de pesquisa, a escola, são diversas as mudanças comportamentais em deslocamentos como adolescência/vida adulta em que a suscetibilidade ao risco aumenta e se constitui como uma ameaça à saúde sexual, especialmente das jovens negras estudantes na rede pública estadual.

Por outro lado, a abordagem de Yunes e Szymanski (2001)YUNES, M. A. M.; SZYMANSKI, H. Resiliência: a noção, conceitos afins e considerações críticas. In: TAVARES, J. (Org.). Resiliência e Educação. São Paulo: Cortez, 2001. p. 13-42. também nos interessa, pois trata a vulnerabilidade como suscetibilidade à deterioração do funcionamento diante do estresse, estabelecendo uma nítida relação entre as diferenças individuais diante das dificuldades ambientais, o que reforça a conexão entre predisposição individual/ambiente/estrutura social. Isso, quando transposto para a realidade das mulheres negras, compõe um quadro revelador de dificuldades que certamente interferem na expectativa e qualidade de vida, considerando-se suas especificidades em saúde, limitações do ponto de vista ambiental e também do acesso ao que já foi conquistado por direito.

Ao nos depararmos com o que nos é apresentado por Silva (1997)SILVA, B. da. Nós mulheres negras. Brasília, DF: Senado Federal, 1997., quando consideramos o "lugar" da mulher negra, será fácil identificá-la como vítima do preconceito racial, da desqualificação estética e desigualdade de oportunidades. Em virtude das condições de acesso e qualidade da permanência no ambiente escolar, a transformação de realidades se torna cada vez mais distante, especialmente no contexto do estado do Maranhão.

A partir desse marco situacional, revela-se a importância da mobilização contínua e a construção de eixos norteadores oriundos do movimento de mulheres sobre o efeito da desigualdade, o que direciona a percepção de uma dívida histórica também perpetuada nos modelos adotados em saúde pública, no campo dos direitos e atenção à saúde da mulher. Várias patologias sexualmente transmissíveis não se apresentam dentro de parâmetros epidemiológicos satisfatórios, quando nos reportamos à população socialmente excluída. Ao trabalharmos com aspectos da vida reprodutiva, notamos que a formação de opinião - mesmo nos meios acadêmicos - e o conjunto de procedimentos relacionados ao controle da natalidade foram decisivos para o aumento do número de casos de laqueaduras e consequente esterilização. Prática amplamente disseminada no Nordeste do país, consistindo em motivo de denúncia e mobilização nas décadas de 1980 e 1990 por parte de várias instituições. Um exemplo é o Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa, fundado em 28 de junho de 1986, no Maranhão, com a missão de ampliar as malhas do empoderamento para as mulheres negras. Esse grupo permaneceu envolvido em campanhas contra a esterilização, junto de outros coletivos organizados de mulheres negras do país, baseando-se no tratamento racista para a questão, compreendida como uma prática de extermínio da população negra.

Os dados sobre a expectativa de vida das mulheres negras são reveladores da diferença de tratamento entre a mulher negra e a branca. Dados de 2000, apresentados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada revelam que:

a expectativa de vida dos(as) brasileiros(as) era de 70,4 anos, sendo 66,7 para os homens e 74,3 para as mulheres. Quando se desagregam os dados por cor/raça, observa-se uma realidade desigual para homens negros e mulheres negras. [...] fenômeno que se verifica em todo o mundo - no Brasil há particularidades entre os grupos raciais. [...] em 2000 as mulheres brancas tinham uma esperança de vida ao nascer de 73,8 anos, enquanto as mulheres negras esperavam viver, em média, 4,3 anos a menos, ou seja, 69,5 anos. Elas também estão muito próximas da situação dos homens brancos (68,2 anos), quase quebrando uma tendência histórica da demografia de maior esperança de vida feminina. Para o mesmo ano, homens negros chegariam, em média, aos 63,2 anos (IPEA, 2005IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Retrato das Desigualdades de gênero e raça. Brasília, DF: IPEA/UNIFEM, 2005.).

Se pensarmos na longevidade como um parâmetro diretamente proporcional à qualidade de vida, no caso da população negra o resultado desastroso dessa equação se encontra além das doenças geneticamente determinadas e recai em suas condições socioeconômicas. As alterações físicas e emocionais, potencializadas pela falta de informação, orientação e assistência adequadas, intensificam problemas associados, por exemplo, ao crescimento e à qualidade nutricional, saúde sexual, gravidez, parto e envelhecimento. De acordo com Oliveira:

cresce a compreensão nos meios científicos de que as imagens epidemiológicas necessitam incorporar a interpenetração de variáveis gênero/raça/etnia e classe para retratar a realidade com maior fidelidade. Esta tríade pode ser analisada considerando a vivência do racismo e as demais condições sociais e materiais nos quais a pessoa vive, além de ressaltar que a condição biológica não é mais ou menos importante, apenas indispensável, quando tratamos do ser humano. (1993OLIVEIRA, F. de. A inter-relação e a interação classe, gênero e raça/etnia como elementos de análise da vida social. In: SEMINÁRIO GÊNERO, CLASSE E RAÇA, 1993, São Paulo. Anais... São Paulo: Instituto Cajamar, 1993., p. 58)

Tal assertiva, em consonância com a realidade das mulheres negras no universo escolar, coloca a importância potencial da escola na transformação das realidades e as possibilidades de diálogo na comunidade onde se insere.

O desdobramento de ações educativas deveria estimular, em princípio, a criação de ambientes favoráveis à saúde e reforçar a ação comunitária, dando condições para o aprimoramento de habilidades e um novo leque atitudinal dos atores educacionais em relação à saúde das jovens negras. A escola pública passaria, assim, a ser uma aliada constante na produção do conhecimento, na ampliação da percepção do pertencimento e valorização cultural, associados a uma política cuja finalidade é a saúde integral da mulher. No entanto, com relação às relações de gênero estabelecidas nos espaços onde a mulher negra transita, comumente notamos uma distribuição desigual de autoridade, prestígio, acesso e empoderamento, o que se reflete também no ambiente escolar. Quanto à raça/etnia, Costa Vieira (2003)COSTA VIEIRA, A. L. da. Políticas de educação, educação como política: observações sobre a ação afirmativa como estratégia política. In: GONÇALVES E SILVA, P. B.; SILVÉRIO, V. R. Educação e ações afirmativas: entre a justiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília, DF: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003. p. 81-97. ressalta que, mesmo diante das contribuições teóricas e práticas educativas progressistas, a proposta de igualdade social para o negro acaba não tendo ressonância, num contexto em que deveria se perceber incluído a partir de suas especificidades. As perspectivas de ascensão para esse grupo são vistas como processos individuais, o que é extremamente prejudicial, pois existem fatores, a exemplo do racismo e discriminação, que afetam significativamente a vida da população negra enquanto coletividade, impedindo a enumeração de conquistas tanto no plano educacional como em outras áreas.

A escola, enquanto aparelho ideológico ativo, não respeita a linguagem das diversidades e da discriminação positiva. Hasenbalg e Silva (1990HASENBALG, C. A.; SILVA, N. do V. Raça e oportunidades educacionais no Brasil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 73, p. 5-12, 1990., p. 6), analisando as pesquisas sobre evasão escolar, observam que essas não consideram o recorte de raça/cor, avaliando que "tudo se passa como se o Brasil fosse uma sociedade racialmente homogênea ou igualitária, onde os grandes vilões da história, em termos de acesso diferencial à educação, são as desigualdades de classe e status socioeconômico".

Dessa maneira, na escola pública todos estariam sujeitos a processos homogeneizadores, desconsiderando-se implicações sociais que promovem diferenças de acesso, as especificidades do grupo racial e de gênero, a visibilidade e o jogo de oportunidades para as mulheres negras. É nessa escola, a pública, que a Educação não deveria ser veículo da "pedagogia do colonizador", como afirma Gadotti (1991GADOTTI, M. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. São Paulo: Cortez, 1991., p. 53). A pedagogia do colonizador, ao contrário do que defendemos, é uma prática calcada na linearidade e na subserviência. O que esperamos é que a escola seja para todas as jovens negras lugar de percepção de si mesmas, sujeito e ator de suas principais conquistas.

Podemos, então, pensar no entremear de ações pedagógicas a partir da investigação dos principais fatores desviantes quanto à saúde da mulher negra e suas principais consequências, em consonância com práticas de ajuste que potencializam programas e resoluções já presentes na política nacional de saúde, muitas vezes sem a difusão necessária no país. Neste sentido, a escola também passa a funcionar como partícipe de um diálogo exigente e permanente entre as áreas de educação e saúde, possibilitando novas formas de intervenção na qualidade do acompanhamento e serviços, tendo como aporte a produção de dados que possam ser considerados na proposição de novas performances nas áreas citadas. A análise desses dados deve levar em conta a disparidade no alcance de melhores perspectivas de vida das mulheres negras em contraste com outros segmentos da população brasileira e o papel importante que a escola pode assumir.

Metodologia

A metodologia da pesquisa, em razão de seu objeto de estudo, se apoiou no estudo de caso. Nesse sentido, a escola escolhida para realização da pesquisa era conhecida pela pesquisadora e considerada aberta à possibilidade da coleta de dados necessária. Trata-se de uma escola pública estadual de ensino médio integrante do Polo Educativo I, situada na cidade de São Luís do Maranhão e contando com aproximadamente 1.200 alunos, distribuídos nos três turnos.

A aplicação de questionários foi realizada no primeiro semestre de 2011 com 200 alunas autodeclaradas negras que cursavam o ensino médio nos períodos vespertino e noturno. A pesquisa foi autorizada pela direção da escola e a aplicação dos questionários ocorreu de acordo com a concordância das jovens.

Para a aplicação dos questionários, fizemos um contato prévio com as diferentes turmas de ensino médio, apresentando o objetivo geral do estudo, o público alvo e as condições de participação na pesquisa. O questionário foi elaborado tendo-se em vista os objetivos da pesquisa, a saber, a identificação de fatores de vulnerabilidade em saúde das jovens negras e a relação com os processos educativos desenvolvidos na escola. Foram elaboradas dez questões objetivas relacionadas ao local de obtenção de informações sobre sexualidade e juventude; ao conhecimento sobre a existência de serviços de saúde na escola; à informação recebida na escola sobre programas de saúde da população negra e de mulheres negras; às disciplinas/currículo e relação entre saúde e sexualidade; à necessidade de atendimento/orientação médica na escola e formas de comunicado aos responsáveis sobre situações de atendimento; ao histórico de saúde/doença das mulheres da família das estudantes; e à obtenção de informação e conhecimento relacionado a métodos contraceptivos.

Análise dos resultados

Entendemos que os dados apresentados a seguir constituem apenas uma amostra parcial de um universo complexo que relaciona informações sobre saúde sexual, juventude e raça/etnia. Apesar desse aspecto, tomamos os resultados como uma contribuição importante, que poderá apoiar ações que transformem concretamente a realidade, no contexto da inter-relação entre educação e saúde.

Conforme demonstrado no Gráfico 1, os meios de obtenção de informação sobre sexualidade de maior expressividade entre as jovens pesquisadas se refere principalmente aos amigos, posteriormente à família e a televisão, indicando a importância das relações de amizade em que a identificação com o outro faz toda a diferença no espaço de troca de experiências, com particular relevância nesta fase da vida: a adolescência. As pessoas nessa fase estão em crescimento de suas forças, da capacidade de operar, de mover com a energia de quem desconfia do óbvio, de quem critica e de quem quer mover os cenários da vida subvertendo a ordem adultocêntrica (Fazenda; Meneses; Moreira, 2007FAZENDA, I.; MENESES, H. D. T.; MOREIRA, R. A. de A. M. O lugar da busca e a busca do lugar do aluno na interdisciplinaridade. In: FURLANETTO, E. C.; MENESES, J. G. de C.; PEREIRA, P. A. (Org.). A escola e o aluno: relações entre o sujeito-aluno e o sujeito-professor. São Paulo: Avercamp, 2007. p. 43-50.).

Gráfico 1
Meios de obtenção de informação sobre sexualidade e juventude, São Luís - 2011

Ainda com base nos dados apresentados no Gráfico 1, observa-se que para as estudantes a escola não é a instituição de referência sobre o tema sexualidade e juventude. A obtenção de informações pela televisão supera a escola e a leitura de mídias impressas.

Em relação aos possíveis serviços de aconselhamento há uma grande desinformação sobre sua existência na unidade escolar. As jovens negras que indicaram conhecer serviços de aconselhamento, divulgação de campanhas e orientação médica na escola são apenas 15% das entrevistadas; 50% não sabem se esse serviço existe na escola e 35% responderam que o serviço não existe. Isso acaba tornando cada vez mais distante a identificação, o reconhecimento da população-alvo e o respectivo envolvimento deste no desenvolvimento de estratégias educativas articuladas com a informação em saúde.

Em se tratando das especificidades relacionadas à conexão entre saúde e educação, a não percepção desses espaços impede o diálogo e a confiança por parte dessas jovens negras em relação ao suporte que os equipamentos públicos podem/devem oferecer, aumentando então as malhas do silêncio sobre as principais ameaças à saúde integral dessas mulheres - a exemplo das DSTs e outras patologias que interferem na saúde sexual feminina. Além da circulação de informações gerais sobre saúde sexual, a escola deveria ser percebida como uma difusora em potencial das políticas de saúde voltadas aos principais aspectos de vulnerabilidade, nesse caso, das jovens negras.

A partir da análise dos dados coletados, evidenciamos que, mesmo considerando que a escola não tenha como principal tarefa a informação em saúde, sua contribuição na veiculação de programas específicos é de suma importância. O desconhecimento sobre esse tipo de programas de atenção à saúde coloca em xeque a real possibilidade de mudança no quadro de prevenção das patologias que mais afetam a população afrodescendente. Em resposta à pergunta "Você já foi informada, no ambiente escolar, sobre a existência de algum programa voltado para saúde da população negra?" apenas 20% das entrevistadas afirmaram estar informadas a respeito (ver Gráfico 2).

Gráfico 2
Informação obtida no ambiente escolar sobre saúde da população negra, São Luís - 2011

A divulgação de informações sobre saúde da população negra deve trazer uma perspectiva de intervenção que valorize a diversidade, primando pela informação como instrumento educativo na prevenção das doenças que mais afetam esse segmento populacional. Programas específicos de saúde deveriam ser visitados no momento da construção ou mesmo no desenvolvimento do projeto político-pedagógico da escola, de modo a contribuir sobremaneira na discussão e enfrentamento do racismo e sua relação com a promoção da saúde.

Devemos considerar, ainda, que a relevância de tais programas se reflete nas ações do Estado, que dispõe de farto suporte para se fazer presente mediante uma política afirmativa que contemple educação e saúde como interfaces de um projeto assertivo, culminando na garantia dos direitos fundamentais do ser humano, em consonância com a atenção à saúde da população negra.

A pesquisa revelou também que os professores aparecem como os principais articuladores das informações específicas sobre saúde da população negra no processo educacional, indicados em 42,5% das respostas das estudantes.

A postura de um professor sujeito, acreditamos, deve ser a de revisitar sua base pedagógica sem deixar de lado a problematização do contexto e a transformação de realidades, impulsionando modificações diárias na sala de aula e, dessa forma, na escola como um todo e até mesmo para além de seus muros (Freire, apud Fazenda, Meneses e Moreira, 2007FAZENDA, I.; MENESES, H. D. T.; MOREIRA, R. A. de A. M. O lugar da busca e a busca do lugar do aluno na interdisciplinaridade. In: FURLANETTO, E. C.; MENESES, J. G. de C.; PEREIRA, P. A. (Org.). A escola e o aluno: relações entre o sujeito-aluno e o sujeito-professor. São Paulo: Avercamp, 2007. p. 43-50.). No mundo e na vida há sempre coisas escondidas e o papel do educador é chamar a atenção para elas; às vezes, não é preciso revelar o que está oculto, mas conscientizar o aluno de que há coisas a ser descobertas por ele.

No estado do Maranhão observarmos que não há uma articulação entre as secretarias de estado, especialmente entre a de educação e a de saúde. As parcerias poderiam nortear de forma promissora a ação de professores e outros atores educacionais com os serviços de saúde.

Podemos inferir, a partir dos resultados da pesquisa, que o trabalho das organizações não governamentais no ambiente escolar, através do desenvolvimento de projetos, também é pouco significativo. Sabemos que muitas vezes fica a critério dos gestores escolares (em sua maioria indicados) definir sobre o desdobramento de atividades a ser desenvolvidas por ONGs e outras instituições do movimento social.

Nota-se uma discrepância significativa no que tange à circulação de informações que articulam gênero e etnia. Podemos inferir que a realidade das mulheres - em especial das mulheres negras - carece de reforço informativo, principalmente quando consideramos os principais agravos relacionados à saúde integral da população-alvo. Apenas 36% das respondentes afirmaram ter recebido na escola informação sobre saúde da mulher negra.

A veiculação desse tipo de informação certamente favorece a construção da aprendizagem significativa, com valor pedagógico inestimável, pois além de incentivar uma conduta preventiva, favorece a identificação de problemas que possam ameaçar suas aspirações, voltadas para oportunidades que são escassas para os afrodescendentes, em especial para as mulheres. Ou seja, possibilita compreender a dinâmica do racismo, do sexismo.

A prestação de serviços que valorizem a informação consubstanciada e contextualizada pode contribuir em médio prazo na formação de um novo panorama preventivo para esse grupo, com propagação e influência em outros espaços, como no núcleo familiar, além de se constituir numa rede de contatos de mobilização e organização social.

Entre as jovens que obtiveram informações, se observa que os órgãos estatais aparecem razoavelmente referenciados, indicado por 34% das respondentes, com destaque para órgãos relacionados à promoção da saúde. Porém, na maioria das vezes, são os professores que viabilizam os materiais de campanha, citados por 38% das respondentes. Projetos que de alguma forma trabalhem com esse recorte temático ainda são pouco visíveis. Nota-se também que as organizações não governamentais se fazem presentes no polo educativo, mostrando atividades que visam ao empoderamento da mulher negra, aumentando com isso suas malhas de articulação no ambiente escolar.

Mesmo em termos de matriz curricular, a conexão entre os temas saúde e sexualidade ainda não se revela de forma transdisciplinar - embora a transversalidade do tema seja alcançada através de projetos protagonizados pela iniciativa das próprias unidades escolares. Tais ações tem um acompanhamento acanhado dos órgãos estatais, na medida em que os resultados não são socializados - não há detalhamento/acompanhamento desses projetos por toda a comunidade escolar.

As respondentes apontam que a relação entre saúde e sexualidade faz parte da realidade escolar predominantemente na disciplina Biologia (32,5%). Cerca de 13,5% afirmam que o conteúdo está presente em outras disciplinas e 10% afirmam que não é abordado por nenhuma disciplina. Os dados sugerem a necessidade de desenvolvimento de projetos escolares que devem ser incentivados e acompanhados em todas as etapas, bem como seus desdobramentos, podendo contribuir com a construção e análise de dados pertinentes à comunidade escolar, primando pela universalidade do atendimento escolar sem desconsiderar especificidades relacionadas à realidade da mulher negra.

Em relação à necessidade de orientação médica, a minoria das respondentes afirma que já precisou do serviço na escola, ou seja, 22%. Apesar de poucas jovens utilizarem esse serviço, a escola poderia utilizá-lo com o propósito de intervenção; com os registros das razões que levam as jovens a buscarem o serviço seria construído um banco de dados bastante útil para planejar ações educativas relativas à saúde preventiva.

De forma articulada ao índice de busca pelo serviço de orientação médica na escola, temos o tipo de encaminhamento decorrente. Podemos considerar que no ambiente escolar existem determinações ligadas à gestão da educação, que funcionam como normas de se fazer o encaminhamento. O Gráfico 3 monstra a grande diferença entre o encaminhamento "comunicado à família" e as outras modalidades: "dispensa" e "comunicação interna".

Gráfico 3
Encaminhamento dado pela escola para atendimento ou orientação médica, São Luís - 2011

Podemos inferir que existe um juízo de valor para que a escolha de encaminhamento aconteça. Embora os dados sobre jovens não negras não estejam disponíveis para esta pesquisa, podemos indicar que no cotidiano da escola as jovens negras podem receber menor indicação de encaminhamento para serviços de saúde, o que pode ser extremamente danoso, considerando possibilidades de agravos à saúde decorrentes da ausência de acompanhamento terapêutico. O mero comunicado à família não assegura o encaminhamento a posteriori aos serviços de saúde.

No que se refere ao grau de incidência de problemas de saúde na família, de acordo com os dados do Gráfico 4 se observa que há mais problemas relacionados à patologias nas quais a população negra é considerada vítima em potencial, devido à sua história genética e a fatores ambientais que podem prejudicar a qualidade e estimativa de vida. Além da história genética, aspectos que envolvem a segurança alimentar e a qualidade nutricional também devem ser considerados, principalmente no que tange à educação e reeducação alimentar.

Gráfico 4
Grau de incidência de problemas de saúde na família, São Luís - 2011

A incidência de processos menstruais dolorosos pode ser indicativa de descompassos hormonais que precisam ser avaliados amiúde, bem como de outras alterações do sistema endócrino, do trato urinário e do sistema reprodutor que comprometem a qualidade da vida sexual e reprodutiva. Daí a importância de se verificar quais as razões que levam as jovens a buscar orientação/assistência médica na escola e o tipo de encaminhamento dado.

Mesmo quando consideramos transtornos de saúde que podem decorrer de uma causa sustentada em fatores que fogem ao processo de contaminação e transmissibilidade (associados a outras alterações de ordem clínica ou ainda a situações especiais, como o processo gestacional), a pesquisa revela números significativos quanto à ocorrência de miomas, infecções urinárias e gravidez de conduta especial (ver Gráfico 5).

Gráfico 5
Investigação/tratamento de saúde de mulheres na família das estudantes, São Luís - 2011

A conduta em relação às miomatoses deve ser continuada e monitorada para além do diagnóstico, a fim de proporcionar uma resposta terapêutica apropriada, caso a caso, com base numa política de saúde pública que de fato contemple a diversidade da população brasileira. Também o processo gestacional, para mulheres negras, pode estar conectado a processos hipertensivos e à possibilidade de desenvolvimento de quadros clínicos que favoreçam a ocorrência de eclâmpsia no final da gravidez ou em período próximo.

A escola, na qualidade de agente multiplicador de novas condutas quanto à saúde da mulher negra, deve ser capaz de estimular a relação entre família e escola, tendo por objetivo o fortalecimento dos vínculos familiares. Assim, é possível favorecer a inserção educativa voltada para o reconhecimento de situações de risco e uma conduta preventiva baseada no conhecimento e no empoderamento dessa população.

Como é facilmente verificável no Gráfico 6, o Sistema Único de Saúde (SUS) é o principal responsável pelo atendimento das jovens pesquisadas. Assim, a formação de uma malha ampliada de informações - em caráter de anamnese, a partir do ambiente escolar - pode favorecer os passos seguintes ao atendimento, humanizando ainda mais a condução clínica desenvolvida pelos atores em promoção de saúde.

Gráfico 6
Rede de acesso à orientação ou consulta ginecológica, São Luís - 2011

A pesquisa mostra ainda um razoável nível de familiaridade das jovens com os métodos que estão relacionados à saúde sexual, prevenção de gravidez e DSTs/aids. Os dados revelam que métodos considerados discutíveis do ponto de vista da contracepção, como o coito interrompido, ainda fazem parte da realidade das jovens, o que potencializa as chances de contaminação e gravidez não planejada. A utilização da pílula anticoncepcional também dá mostras de popularização. Cabe em outro momento averiguar o percentual de possível indicação médica para a escolha do anticoncepcional adequado. Há predominância dos injetáveis (10% das entrevistadas) quando se compara sua frequência de uso ao do dispositivo intrauterino (DIU - 5%) e do diafragma (5%). Essa constatação carece de investigação posterior, pois a natureza e qualidade técnica dos injetáveis ainda são motivos diuturnos de pesquisa quanto à colateralidade e eficácia.

No que se refere à utilização da pílula do dia seguinte, se nota sua rápida difusão enquanto informação entre as adolescentes. Com certeza estamos diante de um método em que a gravidez não planejada pode ser neutralizada, porém esse procedimento não pode se caracterizar como regra, devido às altas concentrações hormonais que podem prejudicar o organismo feminino futuramente, além de não impedir qualquer tipo de contaminação/contração de DSTs.

A pesquisa ainda revela que o uso de preservativo masculino tem um alto índice de escolha (61%), provavelmente devido à sua destacada qualidade em termos de contracepção. Assim, o cadastramento em programas de distribuição de preservativos na rede de saúde pública pode ser viabilizado com melhor conhecimento desse comportamento das jovens.

Estratégias de interlocução planejada entre os polos educativos e programas desenvolvidos com o intuito de facilitar o alcance a tais recursos poderão transformar realidades a partir do aprimoramento de políticas que promovam, para além da distribuição pontual de preservativos, um impacto positivo, dialógico e humanizado sobre direitos reprodutivos e de saúde sexual com recorte de gênero e etnia, por exemplo.

Cabe também enfatizar que, embora os dados demonstrem um percentual baixo de escolha do preservativo feminino (7%), pode-se inferir que não se trata de desconhecimento, posto que 15% das jovens conhece o método. É pertinente dizer que o livre arbítrio deve nortear a escolha entre os vários métodos relacionados. Entretanto, sua possibilidade de difusão - por meio das formas já sugeridas de interlocução - pode ampliar as possibilidades de escolha, favorecendo situações em que a conduta de prevenção apareça como uso da autonomia, refletida na vida sexual das jovens que constituem os sujeitos de nossa pesquisa.

Considerações finais

Podemos observar a partir dos dados apresentados que o universo escolar pouco contribui para que as jovens negras tenham conhecimento sobre políticas de inserção na saúde coletiva. A escola, que poderia ser uma instituição importante para a política de saúde, permanece sem conexão com os programas, em especial, com os relacionados à saúde da mulher negra.

A partir desta pesquisa, se infere que a cidadania viabilizada a partir de uma política de ação afirmativa (PNSIPN), necessita de melhor conexão entre saúde e educação. A construção da ação pedagógica no âmbito escolar, nesse caso, precisa reconhecer e atuar a partir dos principais pontos de vulnerabilidade das jovens negras, no campo da saúde.

Nesse sentido, a ação pedagógica não deve ser pontual. O trabalho dos professores deve considerar as possibilidades de discussão de temas que contribuam para melhor compreensão das especificidades da saúde das mulheres negras, especialmente as jovens. Também a equipe gestora precisa atentar para a possibilidade de produção de informações relacionadas às reclamações das estudantes e/ou pedidos de dispensa e faltas às aulas associadas a problemas de saúde (dor, menstruação, gravidez, e outras), que podem ser articuladas com os principais programas de atenção à saúde da população negra (em especial com a política de saúde voltada para as mulheres negras).

A construção de indicadores voltados para a redução de danos para o público de interesse deste estudo, contando inclusive com dados obtidos nos polos educativos, que constam do universo da gestão educacional do estado, pode contribuir para a elaboração de ferramentas no campo da saúde básica.

As situações de triagem e acompanhamento poderão efetivamente favorecer uma conduta baseada em princípios afirmativos, o que nesse caso significa atenção aos aspectos específicos em saúde das mulheres negras, visando a uma conduta terapêutica assertiva, que já consta na orientação do programa nacional dos direitos humanos e de saúde da população negra.

Notamos ainda que existe, de fato, a necessidade do conhecimento e da valorização de programas de inserção da saúde coletiva. Seu alcance e seus desdobramentos para a população negra, no âmbito escolar, podem alcançar jovens negras com o objetivo prioritário de desenvolver uma política de prevenção e redução de danos para tal população.

A falta de diálogo entre informações sobre saúde sexual e questões relacionadas à suscetibilidade para mulheres negras revela que a ação socioeducativa não alcança o impacto esperado, caso não apareça articulada à política preventiva direcionada ao âmbito escolar. Torna-se bem mais difícil alcançar melhores resultados em termos de prevenção e detectar casos de recorrência e reincidência agravada de patologias, nessas condições.

Por fim, nossa expectativa é que este trabalho possa servir como referência para ações junto às escolas, especialmente no local em que os dados foram coletados, possibilitando retomar a abordagem e aprofundamento do tema.

A escola precisa estar atenta às especificidades de gênero e raça/etnia, possibilitando melhor atenção e encaminhamento das questões de saúde da mulher negra, ainda vítima das contingências contextuais que afetam sua qualidade de vida e morte - realidade que contraria inclusive o desenvolvimento de proposições aprovadas na política de saúde do Estado brasileiro, previstas para a população afrodescendente.

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  • 1
    O espaço denominado terreiro, enquanto aliado na manutenção das regras subjetivas de equilíbrio, tem resistência e saber ancestral, o qual passa a ser configurado para os descendentes de escravos como ambiente de integração e também de articulação e resistência (Cabral, 1988CABRAL, M. S. de A. O terreiro e a cidade. Petrópolis: Vozes, 1988.). Assim, o terreiro - perceptível como potencial social - se revela importante também no campo da saúde, diante da busca da saúde integrada, em que corpo, mente e espírito constituem uma unidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2014
  • Aceito
    03 Jul 2014
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