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Uma cidadania da fertilidade - as políticas de saúde da mulher como tecnologias de produção do sexo e do gênero

Resumo

Este artigo analisa como as principais políticas públicas brasileiras de saúde da mulher, desde 2000, definem e caracterizam seu público-alvo. Marcando uma articulação entre distintos conjuntos de agentes, campos disciplinares e tecnologias de governo, as políticas operam representando e conformando o sujeito a quem se destinam. No campo da saúde da mulher, essa operação também é viabilizada mediante a modulação do sexo e do gênero, especificamente a reiteração de códigos responsáveis por designar a “natureza” da mulher. Trata-se de uma pesquisa documental realizada através da perspectiva antropológica de análise de documentos, que investigou as peças documentais da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004), da Rede Cegonha (2011) e documentos correlatos. Os temas da fertilidade e da reprodução têm se mostrado persistentes no conjunto de ações em saúde da mulher, formando os núcleos que concentram esforços e verbas estatais. A mulher constituída pelas políticas de saúde tem maiores chances de acessar seus direitos de cidadania por meio de sua função como potencial reprodutora. Identifica-se a complexidade da construção de um sujeito de direitos, mesmo quando esteve imbuída de um certo ideário emancipatório, presente nos interstícios do Estado.

Palavras-chave:
Políticas Públicas; Saúde da Mulher; Gênero; Direitos Reprodutivos; Estado

Abstract

This article analyzes how the main public policies on Brazilian women’s health, since 2000, define and characterize their target group. Marking an articulation between different sets of agents, disciplinary fields, and government technologies, public policies operate by representing and conforming the subject to whom they are intended. In women’s health field, this process is also made possible by modulating sex and gender, specifically reiterating codes responsible for designating the “nature” of women. This is a documentary research conducted via the anthropological perspective of documents analysis, which investigated the documentary pieces of the Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004) and Rede Cegonha (2011) and related documents. The themes of fertility and reproduction have been persistent in the set of actions in women’s health, making up the core areas that concentrate state efforts and funds. The woman embraced by health policies has greater chances of accessing her citizenship rights from her role as a potential reproducer. The complex construction of a subject of rights is identified, even when this construction was imbued with a certain emancipatory ideology, in the interstices of the State.

Keywords:
Public Policies; Women’s Health; Gender; Reproductive Rights; State

Introdução

Ao longo do século XX, até o início da década de 1980, o teor predominante nas políticas nacionais de saúde voltadas para mulheres encontrava-se nas questões relativas à gravidez e à atenção ao recém-nascido, cuja operacionalização era marcada por verticalização das ações e isolamento perante outros temas em saúde - como saúde mental e neoplasias (Villela; Monteiro, 2005VILLELA, W.; MONTEIRO, S. Atenção à saúde das mulheres: historicizando conceitos e práticas. In: VILLELA, W.; MONTEIRO, S. (Org.). Gênero e Saúde: Programa Saúde da Família em questão. São Paulo: Abrasco; UNFPA, 2005.).

A partir da década de 1980, afloram na formulação de políticas de saúde no Brasil outras narrativas sobre a mulher, vistas como mais ampliadas por defenderem a integralidade, um paradigma que considera a complexidade das necessidades de saúde das mulheres (Costa, 2013COSTA, A. M. Saúde integral da mulher: quo vadis 30 anos depois? Cebes, Rio de Janeiro, 7 mar. 2013. Opiniões.). Entre essas normativas, citamos o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), em 1983, e, posteriormente, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), em 2004. Entretanto, esse arco formado pelas políticas não é linear. Em paralelo a propostas reconhecidamente progressistas, também emergiram outras cujo cerne volta a enfatizar o materno-infantilismo, como a Rede Cegonha (RC), de 2011.

Na experiência brasileira, a área de saúde da mulher destaca-se como um caso exemplar, ao salientar a complexidade do processo de saúde e doença, fazer a crítica ao biologicismo e integrar a participação popular, sobretudo quando consideramos o entrelaçamento entre movimentos sociais e proposições políticas neste campo. É assim que, historicamente, demandas específicas do sistema de saúde têm sido conjugadas como problematizações acerca do paradigma que orienta as práticas assistenciais e a formação profissional. Também a crítica à organização da sociedade tem sido pautada pelos movimentos sociais de mulheres e feministas no campo de saúde da mulher, especialmente aqueles vinculados ao antirracismo (Carneiro, 2003CARNEIRO, S. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 117-133, 2003.), quando estes denunciam as inequidades sociais e trabalham de modo a articular distintos elementos, como direitos, saúde e condições de vida.

Normativas como PAISM e PNAISM estão marcadas por esse ideário emancipatório, cujos alicerces fundam-se na defesa da democracia participativa e no combate às desigualdades, como parte da luta de ativistas em prol da ampliação de direitos. Isso demonstra que as políticas públicas são vistas como ferramentas estratégicas, com potencial de impactar nas condições de vida e saúde das pessoas. Ainda que de forma contraditória, dada a baixa implementação e a incorporação parcial da agenda ativista (Costa, 2013COSTA, A. M. Saúde integral da mulher: quo vadis 30 anos depois? Cebes, Rio de Janeiro, 7 mar. 2013. Opiniões.), trata-se de marcos que visam estender a cidadania a pessoas que tem sido historicamente subalternizadas.

Observando as políticas públicas de saúde direcionadas às mulheres, promulgadas desde 2000, temos proposições nas quais os temas priorizados e o olhar voltado para a mulher distinguem-se sobremaneira. A PNAISM elenca ações de saúde da mulher de acordo com as diretrizes da integralidade, equidade e universalidade, contemplando prevenção, diagnóstico, tratamento e recuperação da saúde em todos os ciclos de vida. Por sua vez, a RC contém orientações para a conformação de uma rede de cuidados voltada ao pré-natal, parto e puerpério, sob a perspectiva da humanização da assistência à saúde da mulher e da criança.

As políticas mencionadas estruturam-se em formatos distintos entre si, inclusive portando diferentes status jurídicos, já que a PNAISM é designada como uma Política Nacional e a RC é instituída através de uma portaria que omite a sua posição no quadro normativo federal. Não obstante, ambas se constituem como políticas de Estado e configuram as principais iniciativas governamentais em relação à saúde da mulher desde a virada do século XXI, seja pela concentração de maiores recursos - humanos e financeiros - na Área Técnica de Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde e no período de suas implementações (Carvalho, 2017CARVALHO, L. Da esterilização ao Zika: interseccionalidade e transnacionalismo nas políticas de saúde para as mulheres. 2017. 212 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.; Atenção…, 2011ATENÇÃO Integral à Saúde da Mulher ficou fragilizada. Jornal Fêmea, ano XIV, n. 171, Brasília, DF, out. 2011.); seja pelo que representaram em termos de agenciamento coletivo, considerando a mobilização de atores como movimentos sociais, instituições de pesquisa e setores do governo (Conceição, 2021CONCEIÇÃO, H. R. M. As mulheres nas políticas públicas de saúde dos anos 2000: tecnologias de produção do sexo e do gênero no imbricamento entre Estado e movimentos sociais. 2021. 361 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.).

A PNAISM apresenta a retomada dos princípios do PAISM, uma pauta levantada por movimentos sociais de mulheres e feministas antes de 2003. Um marco notável desse processo é a publicação da Plataforma Política Feminista, oriunda da Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras (CNMB), em 2002. Promovida pela sociedade civil organizada, com destaque para os esforços da Articulação de Mulheres Brasileiras, a partir do diálogo com movimentos de mulheres negras (Silva, 2016SILVA, C. Feminismo popular e lutas antissistêmicas. Recife: Edições SOS Corpo, 2016.), a CNMB reuniu cerca de cinco mil mulheres para debater uma diversidade de temas, incluindo a saúde (CNMB-PPF, 2002CNMB-PPF - CONFERÊNCIA NACIONAL DE MULHERES BRASILEIRAS. Plataforma política feminista. Brasília, DF, 6 a 7 de junho de 2002.). Na Plataforma Política Feminista, consta a reivindicação da integralidade como norteadora das ações em saúde da mulher, a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos e a denúncia de outras desigualdades para além do gênero, tais como as de raça, classe e região (CNMB-PPF, 2002CNMB-PPF - CONFERÊNCIA NACIONAL DE MULHERES BRASILEIRAS. Plataforma política feminista. Brasília, DF, 6 a 7 de junho de 2002.).

Além de elaborar um documento com objetivo de fomentar políticas públicas, ao longo dos anos 2000, esses coletivos investiriam em ampliar sua presença no legislativo e no executivo, através da prática do advocacy, de envolvimento em espaços de participação institucionalizada e da ocupação direta de cargos nos chamados segundo e terceiro escalões dos ministérios (Editorial…, 2005EDITORIAL - As causas feministas e o Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Jornal Fêmea , ano XIII, n. 140, Brasília, DF, jan. 2005.; Pitanguy; Barsted, 2011PITANGUY, J.; BARSTED, L. Um instrumento de conhecimento e de atuação política. In: BARSTED, L.; PITANGUY, J. (Org.). O Progresso das Mulheres no Brasil 2003-2010. Rio de Janeiro: CEPIA; Brasília, DF: ONU Mulheres, 2011. p. 15-19.). Esse processo se reflete na formulação da PNAISM através do diálogo sistemático entre Ministério da Saúde e representantes de movimentos sociais de mulheres e feministas, como: Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos; Articulação de Mulheres Brasileiras; Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais; e Rede Nacional pela Humanização do Parto e Nascimento (Brasil, 2004aBRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004a.).

A Rede Cegonha (RC) ganha visibilidade ao ser anunciada na proposta do plano de governo durante a campanha presidencial, ainda em 2010, antes mesmo de ser formulada (Castro, 2012CASTRO, M. A integralidade como aposta: etnografia de uma política pública no ministério da saúde. 2012. 344 f. Tese (Doutorado em Antropologia) - Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2012.). Promulgada em junho de 2011, a portaria da RC estabelece como um de seus marcos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, sobretudo a meta referente à redução nos índices de mortalidade materna e infantil (Brasil, 2011aBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011a.). Entre 2004 e 2011, outras seis normativas federais ocuparam-se também com o enfrentamento das taxas de mortes maternas e infantis, demonstrando a relevância desse tema no período

Fora do circuito do Executivo Federal, a saúde materno-infantil foi pauta no meio científico e acadêmico por meio da produção de pesquisas e da promoção de eventos (Diniz et al., 2018DINIZ, C. et al. Disrespect and abuse in childbirth in Brazil: social activism, public policies and providers’ training. Reproductive Health Matters, London, v. 26, n. 53, p. 19-35, 2018. DOI: 10.1080/09688080.2018.1502019
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). Instituições como a Fundação Oswaldo Cruz e o Centro Internacional de Equidade em Saúde (Universidade Federal de Pelotas) estabeleceram parcerias com o Ministério da Saúde para financiamento de pesquisas nessa área, produzindo evidências científicas com a finalidade de instruir políticas públicas (Barros; Victora; Wehrmeister, 2019BARROS, A.; VICTORA, C.; WEHRMEISTER, F. (Org.). Desigualdades em saúde materno-infantil no Brasil: 20 anos de progresso. Pelotas: UFPel, 2019.; Rattner; et al., 2010RATTNER, D et al. ReHuNa - a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, Brasília, DF, v. 4, n. 4, p. 215-228, 2010. DOI: 10.18569/tempus.v4i4.849
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).

O movimento social pela humanização do parto e do nascimento desempenhou papel estratégico na articulação entre Ministério da Saúde e Academia. A única organização da sociedade civil elencada como parceira no documento de implementação da RC, a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (Rehuna), atuou de modo expressivo no período, alcançando também a ocupação de cargos no MS, inclusive a coordenadoria da Área Técnica de Saúde da Mulher à época de formulação da portaria.

A comparação entre ambas possibilita perguntar: qual agenda para qual público-alvo há em cada uma destas proposições? Como elas designam quem é mulher? Podemos pensar que a definição de mulher de uma política não coincide inteiramente com a da outra, assim como também não se equiparariam suas necessidades de saúde. Tanto a mulher quanto sua saúde não se encontram nas políticas como uma simples representação de algo homogêneo e estável, mas sim como algo múltiplo e sempre de forma relacionada, pois está articulada a uma rede que lhe confere sustentabilidade.

O presente artigo discute de que formas as principais políticas públicas nacionais de saúde da mulher dos anos 2000 definem e caracterizam quem são as mulheres. Nosso argumento é de que há uma série de concepções acerca do que significa mulher, informando o contorno de um sujeito-alvo das políticas públicas, manifestado tanto na descrição da população à qual as normativas se destinam, quanto na construção da agenda prioritária de ações e dos critérios de distribuição de recursos. Problematizar o sujeito representado e produzido pelas políticas governamentais em período recente no Brasil pode contribuir para compreender a trajetória de recrudescimento de direitos que temos vivenciado, sobretudo no que concerne à ofensiva anti-gênero e às disputas em torno do papel da mulher da sociedade.

Políticas públicas e a fabricação do Estado

As políticas públicas frequentemente são definidas como ferramentas administrativas do Estado, através de uma abordagem instrumental que as imputa um caráter objetivo e apolítico (Castro, 2012CASTRO, M. A integralidade como aposta: etnografia de uma política pública no ministério da saúde. 2012. 344 f. Tese (Doutorado em Antropologia) - Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2012.). O pressuposto de que políticas públicas são respostas do Estado a demandas da sociedade têm conduzido a estudos tecnicistas, que são limitados a investigar o ciclo linear de desenvolvimento de uma política, o seu nível de implantação, de eficácia e eficiência (Souza Lima; Castro, 2008SOUZA LIMA, A.; CASTRO, J. Notas para uma abordagem antropológica da(s) política(s) pública(s). Anthropológicas, Recife, v. 26, n. 2, p. 17-54, 2015.). Um dos efeitos de tal arranjo é a invisibilização da profícua interação de interesses, linguagens e atores que circunda a produção de normativas (Bandeira; Almeida, 2013BANDEIRA, L.; ALMEIDA, T. A transversalidade de gênero nas políticas públicas. Revista do CEAM, Brasília, DF, v. 2, n. 1, p. 35-46, 2013.).

A perspectiva antropológica de análise de documentos advoga que as políticas públicas integram uma série de artefatos que constituem o processo de formação do Estado, atuando como peças-chave para a sua existência, e também daqueles que serão designados como sua população (Aguião, 2018AGUIÃO, S. Fazer-se no “Estado”: uma etnografia sobre o processo de constituição dos “LGBT” como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Eduerj, 2018.). Ou seja, as políticas públicas operam como uma das ferramentas pelas quais o Estado produz a si mesmo, ao mesmo tempo em que produz os sujeitos que governa.

Investigar os documentos das políticas corresponde, assim, a colocar em análise o quadro de inteligibilidade que sustenta a disposição na qual os próprios termos se encontram, identificando “uma complexa malha de regulações e de idealizações” (Vianna; Lacerda, 2004VIANNA, A.; LACERDA, P. (Org.). Direitos e políticas sexuais no Brasil: mapeamento e diagnóstico. Rio de Janeiro: CEPESC, 2004., p. 10) no que foi tomado por uma aparência fixada, no nosso caso, a mulher. Os discursos das políticas públicas assumem, portanto, caráter de produtores ativos, no que diz respeito àquilo que postulam, com destaque à sua capacidade de gestar e de gerir espaços, objetos e pessoas (Vianna, 2014VIANNA, A. Etnografando documentos: uma antropóloga em meio a processos judiciais. In: CASTILHO, S. et. Al. (Org.). Antropologia das práticas de poder: reflexões etnográficas entre burocratas, elites e corporações. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2014. p. 43-70.).

A pressuposição de um sujeito fixo tem sido apontada como um dos fundamentos de políticas públicas ligadas ao reconhecimento social e ampliação de direitos, no âmbito dos estados (Aguião, 2018AGUIÃO, S. Fazer-se no “Estado”: uma etnografia sobre o processo de constituição dos “LGBT” como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Eduerj, 2018.; Preciado, 2018PRECIADO, P. B. Texto Junkie. São Paulo: n-1, 2018.). Nessa dinâmica, delimitar um público-alvo requer, necessariamente, que em alguma medida se afirme quem pode ser legitimado pelo Estado, acessar direitos e concorrer para a cidadania.

Aludimos a um encadeamento complexo de práticas discursivas e não discursivas, responsáveis por definir o que mulher significa, fazendo com que as mulheres, tais quais as concebemos, adquiram forma, posição e sentido. Os planos articulados pela caracterização das mulheres são compostos pelas políticas públicas e também pelo cinema, a literatura, a medicina, a psicanálise, o direito, entre outros. Estes campos participam da produção do sexo e do gênero através tanto da representação de figuras, quanto da definição de mulher e de homem, em conformidade com um regime sexual binário (Preciado, 2017PRECIADO, P. B. Manifesto Contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. São Paulo: n-1, 2017.).

De acordo com Preciado (2017PRECIADO, P. B. Manifesto Contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. São Paulo: n-1, 2017.), o sexo e o gênero devem ser compreendidos como “tecnologias sociopolíticas complexas”, por meio das quais o corpo é hierarquicamente fragmentado em zonas de alta intensidade que conferem a natureza da feminilidade ou da masculinidade. Essas zonas consistem em partes determinadas do corpo - sobretudo os órgãos intitulados reprodutivos -, cuja função é tornarem-se marcos naturais e anatômicos da diferença sexual. A lógica da diferença sexual se alia à anatomofisiologia, mas também a sobrepõe, pois o ordenamento do corpo - suas partes e funções - passa a corresponder a reapresentações de um ideal social (Laqueur, 2001LAQUEUR, T. Inventando o sexo - corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.). O que esse sistema põe para funcionar é um entendimento de que são as diferenças impressas nos corpos que organizam as diferenças de lugares e funções sociais entre mulheres e homens.

Falar em construção de uma categoria que se encontra tão naturalizada no cotidiano, como é o caso de “mulher”, não é remeter a uma suposta falsidade - como se as experiências de pessoas assim designadas não fossem reais -, mas sim evidenciar a operação através da qual uma multiplicidade assume os contornos de um sujeito que se pretende coerente em si mesmo. Argumentamos que as políticas de saúde se inserem nesse processo e passam, elas mesmas, a participar na produção do sexo e do gênero, especialmente da figura da mulher.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa documental orientada pelas premissas da etnografia de documentos (Vianna, 2014VIANNA, A. Etnografando documentos: uma antropóloga em meio a processos judiciais. In: CASTILHO, S. et. Al. (Org.). Antropologia das práticas de poder: reflexões etnográficas entre burocratas, elites e corporações. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2014. p. 43-70.). O trabalho com documentos a partir dessa perspectiva consiste em ultrapassar uma dimensão informacional e instrumental dos registros, para entendê-los como ferramentas tecnológicas centrais, tanto para as instituições estatais, quanto para aqueles que interagem com o Estado, sobretudo em busca de direitos (Ferreira, Lowenkron, 2020FERREIRA, L.; LOWENKRON, L. Encontros etnográficos com papéis e outros registros burocráticos. In: FERREIRA, L.; LOWENKRON, L. (Org.). Etnografia de documentos: pesquisas antropológicas entre papéis, carimbos e burocracias. Rio de Janeiro: E-papers, 2020.).

O corpus deste trabalho é composto por uma ampla gama de documentos relacionados às duas principais políticas públicas nacionais de saúde da mulher desde o início dos anos 2000, no Brasil - PNAISM e RC. Trata-se de um conjunto extenso, formado por: peças documentais oficiais do governo federal, como cartas de princípios, portarias, leis, relatórios, editais e manuais; documentos de movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil; e aqueles advindos da produção acadêmica e científica de atores diretamente envolvidos com as políticas em análise.

Partimos do estudo etnográfico dos documentos inaugurais da PNAISM e RC (Brasil, 2004aBRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004a., 2004bBRASIL. Ministério da Saúde. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: plano de ação 2004-2007. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004b., 2011aBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011a., 2011bBRASIL. Ministério da Saúde. Manual prático para implementação da Rede Cegonha. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011b. Disponível em: <Disponível em: http://saude.mppr.mp.br/arquivos/File/kit_atencao_perinatal/rede_cegonha/manual_pratico_rede_cegonha.pdf >. Acesso em: 10 mar. 2020.
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), seguindo a trilha de sua forma e seu conteúdo, a fim de mapear todo argumento, informação e símbolos neles inscritos. A cada documento de política investigado, uma série de outros documentos impôs-se à investigação, integrando a coleção de peças da análise. Esse procedimento respondeu à necessidade de identificar outras camadas de articulações que atuam na produção de determinado texto que se intitula um documento oficial do Estado, visibilizando a complexa rede de relações que conforma uma política pública de saúde da mulher (Vianna, 2014VIANNA, A. Etnografando documentos: uma antropóloga em meio a processos judiciais. In: CASTILHO, S. et. Al. (Org.). Antropologia das práticas de poder: reflexões etnográficas entre burocratas, elites e corporações. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2014. p. 43-70.). Tal processo conferiu ao corpus um caráter múltiplo, já que contendo registros cujos status jurídico, filiação institucional, formato e plataforma de inserção diferiam entre si. Apesar de constituir um desafio metodológico, tal configuração aportou complexidade e profundidade à pesquisa.

O estudo de cada uma das políticas ocorreu de modo comparativo, em torno de dois eixos complementares entre si: o estudo do texto do documento e o estudo da conjuntura. No primeiro eixo, analisamos o conteúdo e o formato dos documentos oficiais que promulgaram as políticas. O objetivo foi abordar a política naquilo que ela deixa ver, ou seja, como produz seu discurso, que linguagem utiliza, que prioridades estabelece, que inclusões e apagamentos promove. No segundo eixo, o estudo da conjuntura, delineamos as condições sociais, históricas e políticas que possibilitaram o advento das políticas elegidas. Este segundo eixo se subdividiu em três dimensões: movimentos sociais, institucionalidade estatal e fomento à produção de conhecimento científico. A discussão apresentada neste artigo privilegia resultados referentes ao estudo dos documentos e da relação entre Academia e Estado.

Tratar os documentos relacionados às políticas de saúde como artefatos que ordenam, nomeiam, associam, segmentam, excluem e incluem os elementos que portam visibiliza um território densamente povoado por múltiplos atores, linguagens e racionalidades na produção do Estado.

Resultados

O primeiro parágrafo da introdução da PNAISM é dedicado a discutir quem são as mulheres (Brasil, 2004aBRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004a.). O documento responde a essa pergunta afirmando que as mulheres constituem a maior parte da população brasileira e do montante de usuários do SUS. Em uma seção especialmente voltada a refletir sobre o que denomina “enfoque de gênero”, a política apresenta a ideia de gênero como uma construção social e histórica que atravessa mulheres e homens, embora não explicite que são as mulheres e seus corpos os principais alvos de investigação, intervenção e regulação.

Ainda que o documento se aproxime de uma abordagem histórica das contingências que giram em torno da mulher, esse olhar não é estendido para a dimensão do sexo e da diferença sexual. De acordo com o argumento da PNAISM, a cultura (gênero) se impõe sobre o corpo (sexo), definindo comportamentos, crenças e papéis nos quais o poder se encontra desigualmente distribuído, fazendo com que haja um desequilíbrio entre mulheres e homens.

Na portaria que promulga a RC, a mulher que emerge na apresentação dos antecedentes da política é subentendida através da referência a termos como gestação, parto e mortalidade materna, já que não há citação direta da mulher como substantivo e sujeito. A RC (Brasil, 2011aBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011a., 2011bBRASIL. Ministério da Saúde. Manual prático para implementação da Rede Cegonha. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011b. Disponível em: <Disponível em: http://saude.mppr.mp.br/arquivos/File/kit_atencao_perinatal/rede_cegonha/manual_pratico_rede_cegonha.pdf >. Acesso em: 10 mar. 2020.
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) refere-se ao gênero poucas vezes; contudo, em nenhum dos documentos oficiais há uma explanação sobre o que significa o “enfoque de gênero”, tampouco sobre como ele será operacionalizado, fazendo com que essa perspectiva perca força no horizonte da normativa. Em outras plataformas ligadas à RC, como os eventos de lançamento e divulgação da política (Brasil, 2014BRASIL. Ministério da Saúde. Cadernos HumanizaSUS: humanização do parto e do nascimento. V. 4. Brasília, DF: Ministério da Saúde; Itaperi: Universidade Estadual do Ceará, 2014., 2015BRASIL. Ministério da Saúde. Simpósio Internacional de Redes de Atenção Integral à Saúde da Mulher e da Criança/Rede Cegonha. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2015.), a menção a gênero surge em alusão à violência sofrida por mulheres em serviços de saúde, notadamente na atenção ao parto.

Os “ciclos de vida” exercem papel central na estrutura das ações previstas pelas políticas, estabelecendo-se como ponto de partida para a aproximação com o seu sujeito alvo. A PNAISM desenvolve mais conteúdo acerca dos distintos “ciclos de vida” da mulher, oferecendo propostas para elas desde a puberdade até a “terceira idade”. A RC, por outro lado, enuncia de forma mais breve a categoria de seu interesse: mulheres em idade reprodutiva.

O principal critério estatístico utilizado nas duas normativas para a análise das condições de saúde das mulheres é a mortalidade. A RC elege como prioridade a mortalidade materna, cuja diminuição consta entre os objetivos principais da política. A PNAISM debruça-se sobre os dados referentes às mortes de mulheres consideradas em “idade fértil”, ou seja, entre 10 e 49 anos.

Contudo, na PNAISM, a associação com o paradigma da integralidade na atenção à saúde da mulher tensiona a proeminência irrestrita da perspectiva da reprodução, trazendo experiências vinculadas a saúde mental, envelhecimento, homossexualidade e trabalho, por exemplo. A fim de promover a integralidade em diálogo com uma perspectiva de gênero e de raça, os documentos da PNAISM (Brasil, 2004aBRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004a., 2004bBRASIL. Ministério da Saúde. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: plano de ação 2004-2007. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004b.) abrangem especificidades no seu público-alvo, identificando subgrupos, entre os quais estão: mulheres rurais, portadoras de deficiência, negras, indígenas, lésbicas e em privação de liberdade.

Ao discorrer sobre esses marcadores de diferença, a PNAISM discute a relação entre desigualdade social e condições de vida e saúde, citando referências ligadas a movimentos sociais e encontros da sociedade civil, anunciando a articulação com atores para além da jurisdição do MS (Brasil, 2004aBRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004a.). Destacam-se, sobretudo, contribuições advindas de coletivos de mulheres negras, trabalhadoras rurais e de classes populares.

Diversas referências a saúde da mulher enunciadas entre as ações prioritárias da PNAISM e da RC orbitam o potencial reprodutivo do corpo feminino do ponto de vista biomédico, tais como: menopausa, puberdade, fertilidade, gravidez e puerpério. Em conjunto com o uso abundante de outros termos, como idade fértil, órgãos reprodutivos, contracepção, fecundidade, saúde materna e morbimortalidade materna, explicita-se nos documentos uma gramática que busca a produção no corpo de um ponto causal da definição de mulher.

Uma vez que concebemos os discursos dos textos oficiais não somente como mero veículo a representar o que seriam os fatos, mas também como “práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam” (Foucault, 1997FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997., p. 56), interessa observar quais termos e adjetivos acompanham a categoria mulher. A capacidade de atualização dos enunciados imprime à vizinhança do conceito de mulher um status de campo em disputa, pois as diversas articulações produzidas carregam seus próprios projetos e alianças acerca do que ser mulher significa. Tal dinâmica ganha luz à medida que compreendemos que conceitos são mais do que fenômenos linguísticos, pois indicam, imediatamente, algo que “se situa para além da língua” (Koselleck, 1992KOSELLECK, R. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 134-146, 1992.).

Seja no que efetivamente diz, ou naquilo que não diz - em outras palavras, no que inclui e no que exclui -, o tratamento conferido pelos documentos à categoria mulher expressa o regime de sua dispersão e regularidade. Portanto, diante do que foi exposto nos parágrafos anteriores, notamos que a vizinhança sistematicamente constituída para a mulher das políticas é vigorosamente marcada pela recorrência da afirmação dos órgãos reprodutores como núcleo emissor de sentido e coerência do corpo como um todo.

A abordagem das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) nas políticas também revela os sentidos imbuídos na designação do corpo feminino. A questão da prevenção, do diagnóstico e do tratamento das ISTs situa-se nos documentos da PNAISM e da RC, em referência ao ciclo gravídico-puerperal e em uma perspectiva de diagnóstico e tratamento de sintomas. A oportunidade de discutir ISTs apresenta-se no pré-natal, no puerpério, no planejamento familiar e na atenção ao recém-nascido, ações que se justificam pela contribuição das ISTs para o aumento dos índices de mortalidade materna e de complicações para a saúde do feto. Porém, com isso, tais infecções parecem adquirir relevo conforme ameaçam a evolução saudável da gestação e da criança, reforçando a associação entre sexo e procriação. Assim, excluem-se do horizonte das políticas as ISTs como eventos que podem estar presentes também na vivência da sexualidade sem fins reprodutivos, bem como das práticas sexuais não heteronormativas.

A incidência de maior atenção e recursos nas ações em torno da gestação e do parto, em comparação a outros pontos levantados pelas políticas, pode ser identificada na PNAISM e na RC. Na RC esse tópico constitui o principal objetivo do conjunto de propostas da normativa, excluindo outras subáreas de saúde da mulher. Já a PNAISM apresenta um rol temático mais ampliado, no qual a atenção à gestação e ao parto figura entre temas diversos, como a atenção relacionada a questões de violência, neoplasias e grupos minoritários.

Entretanto, as discrepâncias no desenvolvimento dos objetivos específicos da PNAISM são significativas e se expressam, por exemplo, na mais detalhada e demorada descrição do objetivo de promover a atenção obstétrica e neonatal em relação aos demais subitens. Ações voltadas à mulher no climatério, assim como às mulheres indígenas e em situação de prisão, são apresentadas de forma breve e pouco qualificada, contando somente com uma combinação dos seguintes dizeres: ampliar e qualificar a atenção integral desse grupo.

A abordagem do ciclo gravídico-puerperal feita pelos documentos é pontuada por referências à maternidade, indicando que ambas as políticas supõem uma vinculação inerente entre gestação e maternidade. Nos documentos oficiais da RC, a despeito da aliança com o discurso que se pretende imparcial de uma certa ciência no esforço de caracterizar a gestação e o parto, emergem muitos elementos que escapam desse marco de neutralidade, como a pressuposição da heterossexualidade, o foco sobre a família nuclear cisheteronormativa e a equivalência entre sexo e reprodução.

Os documentos servem-se de termos que não só conjugam a gestação com a maternidade, re-essencializando o papel da mãe como característica inerente ao corpo feminino, como produzem uma valoração moral sobre essa condição. Essa gramática é evocada principalmente pela RC. Ressaltamos algumas expressões alusivas à gestação e ao parto utilizadas: “momento tão especial”, “rito de passagem”, “pura transformação”, “poder no corpo”, “experiência especial”, “o parto já está embutido na mulher” e “experiência de forte potencial positivo” (Brasil, 2011bBRASIL. Ministério da Saúde. Manual prático para implementação da Rede Cegonha. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011b. Disponível em: <Disponível em: http://saude.mppr.mp.br/arquivos/File/kit_atencao_perinatal/rede_cegonha/manual_pratico_rede_cegonha.pdf >. Acesso em: 10 mar. 2020.
http://saude.mppr.mp.br/arquivos/File/ki...
, 2014BRASIL. Ministério da Saúde. Cadernos HumanizaSUS: humanização do parto e do nascimento. V. 4. Brasília, DF: Ministério da Saúde; Itaperi: Universidade Estadual do Ceará, 2014., 2015BRASIL. Ministério da Saúde. Simpósio Internacional de Redes de Atenção Integral à Saúde da Mulher e da Criança/Rede Cegonha. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2015.). Referente à indissociabilidade entre gestação e maternidade e cuidado das crianças, há: “binômio mãe e recém-nascido”, “binômio mãe-filho” e “díade mãe-bebê” (Brasil, 2011bBRASIL. Ministério da Saúde. Manual prático para implementação da Rede Cegonha. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011b. Disponível em: <Disponível em: http://saude.mppr.mp.br/arquivos/File/kit_atencao_perinatal/rede_cegonha/manual_pratico_rede_cegonha.pdf >. Acesso em: 10 mar. 2020.
http://saude.mppr.mp.br/arquivos/File/ki...
, 2014BRASIL. Ministério da Saúde. Cadernos HumanizaSUS: humanização do parto e do nascimento. V. 4. Brasília, DF: Ministério da Saúde; Itaperi: Universidade Estadual do Ceará, 2014., 2015BRASIL. Ministério da Saúde. Simpósio Internacional de Redes de Atenção Integral à Saúde da Mulher e da Criança/Rede Cegonha. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2015.).

No que concerne ao fomento à produção de conhecimento científico, o levantamento realizado demonstrou que a maior parte dos editais do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do MS concerniam a gravidez e o parto, no período próximo à PNAISM; e a prematuridade e desenvolvimento infantil, no período em torno da RC. Na formulação da subagenda de saúde da mulher da Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde (ANPPS), em 2006, o tema “gravidez, parto e puerpério” foi o mais extenso, com um total de 14 tópicos. Esse conjunto de objetos prioritários de investimento em pesquisa representa o dobro de itens em comparação a outros objetos da subagenda de saúde da mulher, como “DST/Aids” e “câncer de mama”. Já em relação a “saúde mental”, “aborto” e “raça/etnia”, a diferença é ainda mais expressiva, visto que estes contêm apenas dois tópicos cada.

No conjunto das pesquisas apoiadas pelo MS, identificamos a prevalência da criança entre os grupos populacionais mais estudados, o que persiste durante todo o período compreendido por PNAISM e RC. Em relatório do Decit referente ao total de pesquisas financiadas em 2004 e 2005, os três principais grupos populacionais investigados são: em primeiro lugar “criança e adolescente”, seguido por “mulher” e, na terceira posição, “criança e mulher” (Brasil, 2007BRASIL. Ministério da Saúde. Relatório de Gestão 2005 do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2007.). O estabelecimento da categoria “criança e mulher” no vocabulário do Decit demonstra o esforço de fixação do ideário materno-infantilista na interface entre a assistência à saúde e a produção de conhecimento científico.

No contexto da RC, a ANPPS foi preterida em prol de uma nova agenda de prioridades de pesquisa chamada “Pesquisas estratégicas para o sistema de saúde” (PESS). De escopo mais reduzido, a PESS contava com apenas um objetivo estratégico que diretamente contemplava questões tradicionalmente reconhecidas como pertencentes da área de saúde da mulher (Brasil, 2011cBRASIL. Ministério da Saúde. Pesquisas estratégicas para o sistema de saúde - PESS. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011c.). Dedicado à RC, o objetivo consistia em promover estudos relacionados à atenção integral à saúde da mulher e da criança e à implementação da RC.

Discussão

Anatomia reprodutiva na produção da categoria “mulher”

Simultaneamente representada e confeccionada no ordenamento das normativas, a mulher que emerge das políticas públicas de saúde dos anos 2000 é caracterizada a partir de um pressuposto fundamental: a anatomia reprodutiva. Tanto a PNAISM quanto a RC demonstram tomar por mulher a pessoa cujos órgãos sexuais e reprodutores correspondem àqueles designados como femininos. Embora nenhuma das duas políticas anuncie isso formalmente, é possível concluir que a referência utilizada se institui a partir de um “lugar estrutural entre a produção de identidade de gênero e a produção de certos órgãos como órgãos sexuais e reprodutores” (Preciado, 2011PRECIADO, B. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 11-20, 2011., p. 12).

A estabilidade desse sujeito que habita a PNAISM e a RC é forjada na verdade anatômica dos órgãos, em uma coerência linear entre sexo e gênero, sobretudo através da nomeação da capacidade de engravidar. Funcionando como eixo norteador do olhar para a mulher, a virtualidade da gestação organiza a trajetória de vida, fazendo emergir categorias de compartimentalização da vida baseadas em antes, durante e depois do período “potencialmente” reprodutivo. São elas: puberdade, idade fértil/reprodutiva e climatério.

A categoria idade fértil ou reprodutiva não é de uso exclusivo das políticas públicas, uma vez que se trata de uma denominação consagrada nas disciplinas do conjunto da saúde e também na interface entre essas e os estudos demográficos. No entanto, a presença sistemática dessa categoria no corpo da PNAISM e da RC evidencia que a qualificação da vida de uma mulher subordina-se, sobretudo, à possibilidade virtual da reprodução.

Em seu documento de princípios e diretrizes, a PNAISM (Brasil, 2004aBRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004a., p. 44) localiza a idade fértil como o núcleo central da vida das mulheres, estando a adolescência e o climatério definidos como fases transitórias de “mudanças, transformação e adaptação”. Essa descrição coaduna-se com o quadro de referências usado pela medicina para tratar a menopausa e o climatério como marcadores da ruptura do sistema primordial feminino: a fertilidade (Martin, 2006MARTIN, E. A mulher no corpo: uma análise cultural da reprodução. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.). A escassez de propostas e de orçamento para ações destinadas a mulheres idosas na PNAISM pode indicar um dos efeitos da hierarquia deflagrada por esse sistema.

A “mortalidade materna” constitui também um caso interessante a ser considerado, pois se trata de um coeficiente que calcula a proporção de pessoas que falecem em virtude de algum evento relacionado à gestação e ao puerpério. Até mesmo uma taxa estatística está repleta de política desde sua concepção, uma vez que faz equivaler gestação e maternidade.

A pré-existência de um laço de filiação parental dado entre corpo genitor, sobretudo o feminino, e corpo recém-nascido tem constituído a parentalidade como uma questão predominantemente feminina (Robles, 2013ROBLES, A. La “police amie des mères” : nouvelles modalités de la régulation sanitaire au Brésil contemporain. Sociologie, Paris, v. 4, n. 1, p. 63-79, 2013.). A presença sistemática da questão da mortalidade infantil nas políticas públicas de saúde da mulher pode indicar que o sucesso do “resultado fetal” e o cuidado de saúde de recém-nascidos concernem à mulher. De acordo com esse regime, a pessoa que porta órgãos reprodutivos femininos encontraria em sua conformação biológica as habilidades de gestar e parir, tanto quanto as de educar e amar crianças (Robles, 2013ROBLES, A. La “police amie des mères” : nouvelles modalités de la régulation sanitaire au Brésil contemporain. Sociologie, Paris, v. 4, n. 1, p. 63-79, 2013.). A mulher apresenta-se, assim, não apenas como a via de geração de novos humanos, mas como a via que possibilita a sustentação da instituição maternal e familial, bem como da sobrevivência infantil.

A ausência do tema do aborto na RC exemplifica a recitação de códigos ligados à regulação do corpo feminino nos marcos da natureza maternal. Ao eleger como um de seus objetivos a redução da mortalidade materna, sem abordar uma das principais causas de mortes evitáveis de pessoas gestantes - o aborto -, o plano de ação da RC exibe uma falha originária. É nesse sentido que as críticas de ativistas feministas à política argumentam que a RC se dedica, especialmente, a mulheres que engravidam e desejam ter filhos, representando um reducionismo na compreensão das necessidades de saúde das mulheres (Castilhos, 2011CASTILHOS, C. “Senhora presidenta, ouça as mulheres”. Viomundo, [S.l.], 2 abr. 2011. Política.; Negrão, 2011NEGRÃO, T. Rede Feminista de Saúde alerta: a Rede Cegonha é retrocesso de 30 anos. Entrevista: Lemes, C. [S. l.]: Viomundo, 2011.).

RC: prenúncio das ofensivas anti-gênero pelo Estado

A força da questão da reprodução nas duas políticas não é o suficiente para tornar indistintos a carta de princípios e o escopo de propostas de cada uma delas. No horizonte da PNAISM, o plano da política é disputado por outros interesses e problemas. Soma-se o fato de que a elaboração da PNAISM transcorreu por um extenso processo de participação popular, envolvendo diversos setores dos movimentos sociais de mulheres e feministas; ao passo que a RC é considerada uma “decisão de gabinete” (Werneck, 2012WERNECK, J. “O governo Dilma está chocando o ovo da serpente”. Viomundo, [S.l.]., 10 fev. 2012. Em Pauta.).

Os muitos pontos que distinguem a PNAISM da RC indicam as singularidades do processo de elaboração de políticas públicas para mulheres nas duas ocasiões. A diferença entre o que é trabalhado no corpo da PNAISM e o que não é no corpo da RC - como integralidade, racismo, gênero, aborto, homossexualidade -, além de assinalar as prioridades de cada gestão do Executivo Federal, visibiliza um novo arranjo das forças, no sentido daquilo que pode ser oficialmente documentado e, com isso, reconhecido e legitimado no plano onde Estado e gênero se conformam.

As verbas destinadas à PNAISM foram drasticamente reduzidas após a promulgação da RC, ocasionando, por um lado, o desfinanciamento das ações de saúde integral da mulher e, por outro, uma centralização de recursos na atenção a gestação e parto (Carvalho, 2017CARVALHO, L. Da esterilização ao Zika: interseccionalidade e transnacionalismo nas políticas de saúde para as mulheres. 2017. 212 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.). O empenho das verbas estabelece-se, portanto, como mais um índice da sobreposição entre as normativas. Entendido como uma perda de direitos, o esvaziamento da PNAISM desdobra-se, também, na exclusão da dimensão da integralidade e no silenciamento sobre a perspectiva de gênero e de raça nas políticas públicas de saúde das mulheres (Atenção…, 2011ATENÇÃO Integral à Saúde da Mulher ficou fragilizada. Jornal Fêmea, ano XIV, n. 171, Brasília, DF, out. 2011.).

A intensificação de um tom conservador nos documentos observada na RC aponta para um acirramento do controle sobre os corpos femininos associado a uma ofensiva contra o gênero pelo Estado. Embora a abordagem de gênero nas políticas seja aquela que o designa como uma categoria predominantemente do feminino, deixando de problematizar a masculinidade e preservando o caráter natural do sexo sob o regime da diferença sexual, há uma inegável e crescente polêmica nesse debate.

É possível vislumbrar diferentes efeitos da cruzada anti-gênero no solapamento da PNAISM e no fortalecimento da RC, sobretudo na difusão de um elogio à figura da mulher-mãe. Trata-se da relevância das disputas em torno do gênero no que se refere aos processos de continuidade e descontinuidade das normativas. O abandono do paradigma da integralidade pode ser compreendido como um aspecto desse combate, no qual os direitos sexuais e reprodutivos têm centralidade. Os vetores da ofensiva contra o gênero participam do território onde transitam as formulações dos direitos das mulheres, incluindo as políticas de saúde, e influenciam na maneira como as negociações se dão.

Os discursos das políticas operam uma renaturalização da mulher, evocando simultaneamente dados mais reconhecidamente biológicos - hormônios e fisiologia do parto - e dados mais reconhecidamente morais - rito de passagem e momento especial. Assim, podemos dizer que a maternidade desenhada como uma experiência peculiar da feminilidade visa a se apresentar, também, enquanto uma reivindicação da biologia e da moral sobre esse corpo (Preciado, 2017PRECIADO, P. B. Manifesto Contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. São Paulo: n-1, 2017.). Nada nos documentos oficiais ligados às políticas analisadas é tão adjetivado quanto o parto, o nascimento e a maternidade. Não há “plenitude”, “beleza”, “especial” ou “festa” para a sexualidade ou para a maturidade.

Discursos de ordem moral colaboram na constituição da linguagem científica com a finalidade de conferir o “ponto de vista purificado e neutro da ciência” às suas formulações (Foucault, 1988FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. 13. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988., p. 61). Ainda que não haja elementos anatômicos ou fisiológicos que deem conta da maternidade tal como ela é enunciada pelos documentos, o maternar emerge como parte da “natureza feminina”, um produto direto da condição de ser um corpo suscetível de gravidez. Entendemos que a gramática que designa órgãos, funções e parâmetros não tem função meramente descritiva, uma vez que também funciona como produtora das categorias que supõe somente enunciar, assumindo uma atuação prescritiva em relação ao sexo e ao gênero. Afinal, o gênero constitui uma “tecnologia sofisticada que fabrica corpos sexuais” (Preciado, 2017PRECIADO, P. B. Manifesto Contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. São Paulo: n-1, 2017., p. 29).

Os dados epidemiológicos e estatísticos consistem em dispositivos centrais na modulação da agenda da saúde pública, desde a maneira como são elaborados, até a forma com a qual são distribuídos, reconhecidos e utilizados (Adams, 2016ADAMS, V. Introduction. In: ADAMS, V. (Org.). Metrics: what counts in global health. Durham: Duke University Press, 2016. p. 1-17. DOI: 10.1215/9780822374480-001
https://doi.org/10.1215/9780822374480-00...
). No que se refere às políticas analisadas, vemos indicadores e outras métricas a contextualizar o público-alvo das ações (a ênfase em “mulheres em idade fértil”) e a justificar a necessidade das medidas propostas (a reiteração dos altos índices de mortalidade infantil e materna). Articulando pautas governamentais às evidências científicas e a fragmentos da linguagem dos ativismos, as métricas da saúde da mulher definem e sustentam prioridades nos documentos oficiais, desde uma posição autodeclarada neutra e universal (Adams, 2016ADAMS, V. Introduction. In: ADAMS, V. (Org.). Metrics: what counts in global health. Durham: Duke University Press, 2016. p. 1-17. DOI: 10.1215/9780822374480-001
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).

A circulação de códigos que travam aliança com a classificação hierárquica imposta pelo regime da diferença sexual corrobora para a reprodução de padrões que subalternizam as mulheres no universo da saúde, incluindo as dimensões de ensino, pesquisa, gestão e formulação de políticas públicas. Ao promover esse conjunto de articulações, as políticas operam como mecanismos que reinscrevem a mulher no circuito da conjugalidade heterossexual, da família nuclear, da maternidade e do sexo reprodutivo.

Considerações finais

A narrativa presente na PNAISM, na RC e documentos associados manifesta os caminhos pelos quais as políticas conformam quem é mulher, servindo-se de classificações e hierarquias. A gramática emergente não somente delimita um tipo, um sujeito, como também revela o conjunto de atributos através dos quais as políticas públicas de saúde no Brasil têm designado as mulheres. Dessa forma, compreendemos que as políticas públicas de saúde da mulher funcionam simultaneamente como guardiãs e fabricantes do sexo e do gênero sob a matriz cisheteronormativa.

Aquilo que insiste em compor as ações voltadas à saúde das mulheres, entre uma normativa e outra, revela o que não sofre abandono ao longo do tempo, ou seja, o que tem conquistado maior estabilidade no campo de referências no qual mulher e saúde se cruzam. A reiteração da primazia dos órgãos reprodutores na definição de medidas e da fertilidade como seu eixo organizador predominam na agenda de saúde da mulher, influenciando também o fomento governamental à produção de conhecimento. Assim, é principalmente a partir de sua função como potencial reprodutora que a mulher das políticas de saúde pode acessar seus direitos de cidadania.

O apagamento de temas como gênero, raça e desigualdades sociais com a promulgação da RC coaduna-se com um avanço do conservadorismo, que forçou um recuo na diretriz da integralidade e na agenda feminista para a saúde da mulher. Essa dinâmica demonstra a frágil institucionalidade de políticas como a PNAISM e também as disputas em torno do papel da mulher na sociedade, que colocam o sexo e o gênero em seu centro.

Além dos retrocessos nas diretrizes e no escopo das políticas observados no início deste século, destacamos a perda da participação popular ampliada, indicando um enfraquecimento da dimensão democrática na elaboração de políticas públicas de saúde voltadas para mulheres. A centralização no governo de decisões relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos, experimentada na RC, parece reiterar a posição da mulher como sujeito a ser regulado, limitando-lhe o acesso a tecnologias de governo e, assim, desfavorecendo a constituição de novos sujeitos de direitos. Tais aspectos tornam-se relevantes diante do atual cenário de recrudescimento nos direitos das mulheres experimentado especialmente no Brasil.

A investigação demonstrou que no âmbito das políticas públicas dos anos 2000, as conquistas de direitos em saúde da mulher foram possíveis sob a determinação natural do sexo, explicitando a contundência desse mecanismo como regulador da cidadania e da possibilidade de tornar-se um sujeito político para quem se acha sob a insígnia de mulher. Diante de uma tal composição de pressupostos, reverberam questionamentos como: seria possível a qualquer política de saúde escapar de uma concentração de esforços e recursos no ciclo gravídico-puerperal ou na dimensão da fertilidade feminina? Não seria esse um limite da própria concepção de sujeito que orienta as políticas?

A tecnologia de produção de corpos-mulher e corpos-homem instala sua maquinaria nos variados campos disciplinares que compõem a Saúde Pública, escamoteando a política em discursos de ciência e natureza. A cidadania da fertilidade exclui necessariamente muitas pessoas da cobertura dos direitos, sendo algumas ignoradas diretamente - como as travestis, transexuais e prostitutas -, e outras mal acomodadas - como as idosas e as lésbicas. As implicações das lutas na arena da política representacional indicam a complexidade da construção de um sujeito de direito no âmbito do Estado, mesmo quando essa construção está imbuída de um ideário emancipatório.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2022
  • Revisado
    11 Out 2022
  • Aceito
    23 Nov 2022
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