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Editorial

EDITORIAL

Este é mais um número da Saúde e Sociedade voltado para sua proposta original de desenvolvimento interdisciplinar do campo da saúde coletiva, o que revela não só a abrangência de seus referenciais técnico-científicos e teórico-metodológicos, como a própria diversidade do público para o qual está voltada. Este número é particularmente exemplar desta multiplicidade, tanto pelos temas abordados como pelas maneiras de lidar com eles.

O tema da juventude é matéria de três artigos (dois dos quais serão especialmente comentados), igualmente preocupados em entender as formas de participação juvenil em tempos de intensas transformações sociais e políticas. Por meio da revisão da literatura em língua inglesa e portuguesa publicada nos últimos 10 anos, Cynthia Boglossian e Cecília Minayo nos ajudam a tomar conhecimento do baixo engajamento sócio-político nessa fase de vida e da emergência de novas formas de participação que, segundo as autoras, requerem a criação de categorias analíticas que permitam compreender as motivações dessas formas de protagonismo.

Por outro lado, mas complementarmente, os dogmas de "antifeiúra" e "antiidade" são objeto de reflexão socioantropológica em torno da simetria, da textura e do moderno padrão do rosto humano. Sem desprezar a dimensão biológica e estética, Clayton Neves Camargos e colaboradores ressaltam que os padrões de beleza tão valorizados socialmente resultam do próprio desenvolvimento da cultura contemporânea, cujos sub-produtos no campo da ciência e da indústria os transformam gradativamente em mercadoria de primeira necessidade, algo a ser consumido diariamente, indispensável à sobrevivência, portanto.

As mesmas transformações sociais ainda, aliadas às transições demográfica e epidemiológica, tornam recorrente a produção de pesquisas em torno do envelhecimento, muitas das quais destacam referenciais de análise nos campos das ciências sociais e da epidemiologia. Este tema é objeto de um dos relatos de experiência que integram este número da Revista, e sua inclusão pode conduzir a uma leitura pendular entre juventude e envelhecimento. Trata dos itinerários de cura e cuidado de idosos com perda auditiva relatados por Scheffer e colaboradores, um estudo exploratório apoiado em levantamento qualitativo que lhes permitiu identificar diferentes formas de solucionar o problema, envolvendo ou não os serviços de saúde formais.

Dois artigos neste número abordam a pesquisa no Brasil.

Um, analisa particularmente o ambiente da pesquisa no sistema geral de pesquisa em saúde no Brasil, e seus resultados são dignos de ampla divulgação. Noronha, Silva, Szklo e Barata debruçaram-se sobre a percepção de líderes de grupos de pesquisa de instituições brasileiras, bem como de formuladores de política científica e de usuários dos resultados de pesquisa. Descrevem as prioridades relatadas pelos entrevistados, dentre as quais a relevância dos problemas investigados, o incentivo à carreira do pesquisador e a transparência no financiamento. E ressaltam os aspectos julgados mais e menos positivos do ambiente de pesquisa em saúde no país, tais como, respectivamente, acesso às informações científicas, oportunidades para comunicação e publicação dos resultados e treinamento dos pesquisadores; e salários, incentivos à carreira e transparência no financiamento.

O artigo de Samira Valentim Gama Lira e colaboradores, por seu lado, aborda a produção científica sobre promoção da saúde nos cursos de pós-graduação, descrição realizada por meio de revisão sistemática no banco de teses da Capes. É interessante destacar que na área de conhecimento relativa à saúde coletiva, as autoras identificaram - entre outros aspectos - que foi predominante a pesquisa qualitativa sobre o tema.

Os fundamentos e potencialidade do enfoque qualitativo-participativo é matéria das "Notas sobre a segunda avaliação externa do programa de treinamento em epidemiologia aplicada aos serviços do sistema único de saúde do Brasil - EPISUS". Segundo seus redatores M. Lúcia M. Bosi, Ricardo J. S. Pontes, esta é a quarta geração de avaliação, e tornou necessária uma demarcação conceitual referente aos conceitos avaliação, qualitativo e participativo. A dimensão qualitativa permitiu desvelar aspectos que possibilitam focalizar as relações cotidianas dos programas e práticas em saúde.

Já o tema da promoção da saúde foi objeto de mais dois artigos, abordados tanto pela via da saúde mental (de Juliana Reale Caçapava e col.) em um serviço do município de São Paulo em sua interface com as políticas públicas, como pela noção problematizadora de biopoder, estudo bibliográfico-exploratório realizado por João Leite Ferreira Neto e colaboradores.

Foco de muitas pesquisas nos últimos 10 anos, o Programa de Saúde da Família marca presença em mais este número.

Aqui, o estudo quantitativo realizado por Stela H. Telles e Ana M. Carvalho Pimenta sobre as estratégias de enfrentamento da síndrome de burnout, realizado com 80 agentes comunitários de saúde do serviço municipal, oferece o perfil desses trabalhadores, descreve situações preocupantes relacionadas aos seus sentimentos de deterioração da autopercepção para o trabalho, de insatisfação e esgotamento emocional e, por outro lado, suas buscas de práticas religiosas como uma das estratégias de enfrentamento dos sentimentos negativos, associadas à focalização do problema e a pensamentos fantasiosos.

Ferramentas de trabalho utilizadas pelas equipes do PSF em Curitiba e uma iniciativa de análise institucional do Programa junto a serviços da região metropolitana de Belo Horizonte são dois relatos de experiência que podem complementar informações sobre modos de implementação do PSF no Brasil.

A questão ambiental foi abordada em um delineamento epidemiológico de tipo ecológico para analisar a "clássica" correlação da doença diarréica com a qualidade da água em Vitória (ES), e também na proposição de um indicador para avaliação de determinantes ambientais que interferem na saúde humana no âmbito das responsabilidades municipais.

E por fim mas não menos importante, Luís A. C. Carvalho, Luiz F. Scabar, Djalmo S. Souza e Paulo Capel Narvai realizaram pesquisa bibliográfica e análise documental para descrever a gênese, o apogeu e o ocaso dos procedimentos coletivos de saúde bucal e o significado destas práticas para a política nacional de saúde bucal ao longo dos 14 anos de vigência. O principal legado desta experiência foi, sem dúvida, a alteração do modelo de prática odontológica predominante no setor público, redirecionando-o para ações preventivas e de promoção da saúde.

Tenham todos uma profícua leitura!

Mara H. de Andréa Gomes

Pelo Conselho Editorial

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Out 2009
  • Data do Fascículo
    Set 2009
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