Resumo
Este artigo apresenta os mecanismos de elaboração do planejamento estratégico institucional do INCA em uma década e identifica aspectos subjetivos dos profissionais, mecanismos de gestão institucional e entraves gerenciais da Administração Pública como temas relevantes que impactam no processo. Além disso, problematiza o gerencialismo, a ênfase no estrito cumprimento de regras e a análise limitada de contexto nos serviços de saúde. O objetivo foi descrever a evolução do processo de planejamento e apresentar como a percepção de profissionais sobre cumprimento de normas gerenciais influencia na organização da gestão. Resulta de um estudo qualitativo, com o emprego de entrevista individual semiestruturada realizado em 2012 e de análise documental concluída em 2021. Resultados demonstram como aspectos intersubjetivos das relações de trabalho podem contribuir para afastar os trabalhadores da tomada de decisões estratégicas ou facilitar a participação e comprometimento para o aprimoramento da gestão de uma instituição. Conclui-se que a apropriação de gestores do debate de temas como conflito, motivação, liderança e subjetividade são fundamentais para o avanço e melhoria do processo de planejamento.
Palavras-chave:
Gestão; Subjetividade; Planejamento
Abstract
This article presents the mechanisms for elaborating INCA’s institutional strategic planning in a decade and identifies subjective aspects of professionals, institutional management mechanisms, and managerial obstacles of Public Administration as relevant issues that impact the process. It also problematizes the managerialism, the emphasis on strict compliance with rules and the limited analysis of context in health services. The objective was to describe the evolution of the planning process and to present how the perception of professionals about compliance with management standards influences the organization of management. It is the result of a qualitative study, using a semi-structured individual interview carried out in 2012 and document analysis completed in 2021. Results demonstrate how intersubjective aspects of work relationships can contribute to distance workers from strategic decision-making or facilitate participation and commitment to improve the management of an institution. It is concluded that managers’ appropriation of the debate on topics such as conflict, motivation, leadership, and subjectivity are fundamental for advancing and improving the planning process.
Keywords:
Management; Subjectivity; Planning
Introdução
Este trabalho investigou o processo de planejamento do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) em uma década, e em que medida aspectos subjetivos e gerenciais podem impactar no cumprimento de normas de planejamento e gestão estabelecidos. O objetivo foi descrever a evolução do processo de planejamento e apresentar como a percepção de profissionais sobre cumprimento de normas gerenciais influencia na organização da gestão.
O INCA1
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INCA. Página principal. Disponível em: <https://www.inca.gov.br>. Acesso em: 25 de abril de 2022.
é um órgão auxiliar do Ministério da Saúde (MS) que atua no desenvolvimento e coordenação das ações integradas, para a prevenção e o controle do câncer no Brasil, é um Centro de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) do MS e tem o papel de prestar serviços médico-assistenciais aos portadores de neoplasias malignas e afecções correlatas, em todas as etapas do cuidado: desde a entrada do paciente na instituição até os cuidados paliativos (INCA, 2020INCA - Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Planejamento estratégico do INCA 2020-2023: conectados podemos ser melhores!. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//plano_estrategico_2020-2023.pdf >. Acesso em: 30 abr. 2022.
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).
A missão do Instituto é: “Promover o controle do câncer com ações nacionais integradas em prevenção, assistência, ensino e pesquisa” (INCA, 2020INCA - Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Planejamento estratégico do INCA 2020-2023: conectados podemos ser melhores!. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//plano_estrategico_2020-2023.pdf >. Acesso em: 30 abr. 2022.
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), sua visão é:
Exercer plenamente seu papel governamental como um Centro Integrado, de referência nacional e internacional, para o cuidado, ensino e pesquisa oncológica, com excelência na elaboração de políticas públicas para prevenção e controle do câncer, contribuindo para o bem-estar da sociedade. (INCA, 2020INCA - Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Planejamento estratégico do INCA 2020-2023: conectados podemos ser melhores!. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//plano_estrategico_2020-2023.pdf >. Acesso em: 30 abr. 2022.
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As ações desenvolvidas compreendem a assistência médico-hospitalar, prestada aos pacientes com câncer como parte dos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e a atuação em áreas estratégicas como prevenção e detecção precoce, formação de profissionais especializados, desenvolvimento da pesquisa e geração de informação epidemiológica (INCA, 2020INCA - Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Planejamento estratégico do INCA 2020-2023: conectados podemos ser melhores!. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//plano_estrategico_2020-2023.pdf >. Acesso em: 30 abr. 2022.
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).
Dada a complexidade do INCA e as limitações de gestão e financeiras na Administração Pública Federal, o planejamento das ações e o alinhamento dos objetivos estratégicos são ferramentas importantes para garantir o orçamento para o funcionamento institucional e a qualidade do que é ofertado para a sociedade.
Por pertencer à Administração Pública Direta, o INCA está diretamente associado a normativos, contratualizações e metas de desempenho. Existe uma relação entre os resultados apresentados e a disponibilidade orçamentária para manutenção da instituição. Dessa forma, é relevante identificar como esse cenário repercute na força de trabalho e na gestão, com vistas a minimizar impactos negativos e facilitar a participação dos profissionais em decisões estratégicas.
Ressalta- se que o INCA é uma instituição com quatro unidades hospitalares, cujas necessidades influenciam as decisões estratégicas. Para Enriquez, a estrutura tecnocrática é a que melhor descreve as práticas de gestão hospitalar atuais públicas e privadas. A principal característica em organizações com esse modelo é o papel de protagonismo restrito à cúpula gestora, que é valorizada ao apresentar desempenho satisfatório aos órgãos de controle. Observa-se a negligência de problemas não quantificáveis em detrimento da formalização de regras e quantificação de resultados (Enriquez, 1997ENRIQUEZ, E. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 18-29, 1997.). A forma pela qual esse tipo de estrutura interfere na participação da força de trabalho, como no planejamento institucional, está diretamente relacionada à validação da força de trabalho, ao aprimoramento e à manutenção de processos internos.
O artigo está organizado em quatro partes. A primeira descreve brevemente um histórico de avaliação em serviços públicos de saúde e o diagnóstico do planejamento do INCA. Na segunda, há a descrição do método utilizado. Na terceira parte são divulgados os resultados e a discussão, com referenciais teóricos de análise das relações de poder e conflitos nas organizações, de conteúdos da Psicossociologia e do papel da participação na gestão organizacional. A quarta e última parte aborda a conclusão e as considerações finais.
Para melhor compreensão da origem dos mecanismos de avaliação atuais, nos reportamos a três décadas, quando a avaliação de desempenho nos serviços públicos brasileiros foi impulsionada pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, de 1995 (Abrucio, 2007ABRUCIO, F. L. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 41, n. spe, p. 67-86, 2007. DOI: 10.1590/S0034-76122007000700005
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). Nessa época, iniciou-se um processo de mudanças neoliberais na gestão pública do país. A premissa adotada - de que a administração do Estado era burocrática e ineficiente, dificultava a implementação de políticas e carecia de novas tecnologias gerenciais (Brasil, 1995BRASIL. Plano diretor de reforma do aparelho do Estado. Brasília, DF: Presidência da República, 1995.) - norteou a implantação da administração pública gerencial, que enfatiza resultados e é alinhada com o discurso da inovação tecnológica e da redução de custos. Nessa política, são evidentes pontos de convergência com modelos de gestão da iniciativa privada, tais como foco empresarial em resultados financeiros e sanções para resultados indesejáveis, apoiando-se em conceitos como: avaliação, controle, transparência, accountability, contratualização, satisfação da clientela e excelência dos serviços. Há evidências que, para os profissionais, esse modelo, por vezes, é imposto, tem caráter controlista e não implica melhorias no cotidiano de trabalho (Cecílio, 1999CECÍLIO, L. C. O. Autonomia versus controle dos trabalhadores: a gestão do poder no hospital. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 315-329, 1999. DOI: 10.1590/S1413-81231999000200007
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), podendo desestimular a participação de gestores intermediários e profissionais nos processo estratégicos, fomentando cenários de disputas.
Por valorizar a interferência de aspectos intersubjetivos dos profissionais, escolhemos conceitos da Psicossociologia Francesa, uma vertente da Psicologia Social que estuda dinâmicas de grupos em situações cotidianas, com ênfase no papel da subjetividade em sua formação, reconfiguração e posturas adotadas frente à determinada situação (Enriquez, 1997ENRIQUEZ, E. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 18-29, 1997.). Essa corrente de pensamento atualiza a perspectiva cooperativista que, no século XIX, pretendia formar organizações sem níveis hierárquicos, com compartilhamento de valores de fraternidade e camaradagem e decisões colegiadas prescindindo relações de poder (Motta; Freitas, 2000MOTTA, F. C.; FREITAS, M. E. (Org.) Vida psíquica e organização. Rio de Janeiro: FGV, 2000.). O conhecimento das motivações para alcance de objetivos comuns, e das dificuldades que restringem a participação espontânea, pode aproximar as intenções corporativistas genuínas às práticas cotidianas no setor de saúde (Enriquez, 1997ENRIQUEZ, E. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 18-29, 1997.). Sob a mesma perspectiva, há crítica sobre a abordagem de temas relativos a mudanças organizacionais, que são pautadas pelo planejamento na busca do sucesso estratégico apenas a partir de um trabalho de grupo, para minimizar resistências, e desconsideram os sentimentos dos indivíduos perante as mudanças (Gomes da Silva; Vergara, 2003GOMES DA SILVA, J. R.; VERGARA, S. C. Sentimentos, subjetividades e supostas resistências à mudança organizacional. Revista de Administração de Empresas , São Paulo, v. 43, n. 3, p. 10-21, 2003.). Por outro lado, o reconhecimento do papel da subjetividade, para analisar questões sobre as inibições ao compartilhamento de sentido; o bloqueio dos sentimentos; os preconceitos intelectuais; e os múltiplos mecanismos de autoproteção não significam que haverá cooperação garantida na busca de um objetivo comum. A avaliação é multifatorial e os aspectos subjetivos são componentes relevantes a serem valorizados.
Observamos na literatura que, para explicar outros elementos que interferem na adesão dos profissionais às diretrizes de gestão, vários autores identificam mecanismos de resistência às normas gerenciais de natureza individual e grupal (Azevedo, 2002AZEVEDO, C. S. Liderança e processos intersubjetivos em organizações de saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 349-361, 2002. DOI: 10.1590/S1413-81232002000200014
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; Azevedo et. al., 2010AZEVEDO, C. S. et al. Caminhos da organização e gestão do cuidado em saúde no âmbito hospitalar brasileiro. Revista de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 95-115, 2010.; Chanlat, 1995; Ferrari et al., 2013FERRARI, S. et al. Excelência do atendimento em saúde: a construção de indicadores assistenciais em psicologia hospitalar. Psicologia Hospitalar, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 60-71, 2013.). As dinâmicas do poder nas instituições, mediante mecanismos de formação, manutenção e proteção dos grupos, vêm sendo objeto de pesquisa na área de gestão (Melo, 2006MELO, M. C. Estratégia(s) do(s) empregado(s) no cotidiano das relações de trabalho: a construção de processos de auto-regulação. In: “: DAVEL, E.; VASCONCELOS, J. (Org.). “Recursos” Humanos e subjetividade . 3. ed. Petrópolis: Vozes , 2006. p. 158-174.). Os estudos corroboram que modelos gerenciais calcados na eficiência interfiram no grau de autonomia técnica, podendo provocar resistências. Isso ajuda a explicar porque certas medidas impulsionadas pela gestão não logram o êxito esperado, pois mecanismos de gestão pressupõem o convívio entre autonomia e controle (Cecílio, 1999CECÍLIO, L. C. O. Autonomia versus controle dos trabalhadores: a gestão do poder no hospital. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 315-329, 1999. DOI: 10.1590/S1413-81231999000200007
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). Sendo assim, há situações de conflito, com antagonismos e disputas, mesclados por processos de colaboração benéficos para as organizações. Ignorar atitudes indicativas de resistência (veladas e informais por parte dos trabalhadores) pode inviabilizar o cumprimento de decisões estratégicas, que podem afetar os profissionais e os pacientes.
Planejamento do INCA - motivações para consultar a força de trabalho sobre o planejamento
O INCA, desde 2004, utiliza uma ferramenta própria denominada Sistema de Planejamento e Gestão do INCA (Sisplan), desenvolvida para melhorar a gestão a partir dos resultados, de forma a permitir a participação dos servidores na execução orçamentária a partir de avaliações colegiadas, com a eleição de serviços para destinar os investimentos do orçamento anual. Possibilita também monitorar resultados institucionais a partir de indicadores previamente definidos e, no âmbito da avaliação de desempenho institucional, compõe a prestação de contas dos órgãos externos de controle. Dessa forma, a ferramenta foi desenvolvida para democratizar as decisões sobre compra de materiais e equipamentos, concentrar informações de produtividade e ser a fonte de consulta oficial da instituição. Em 2007, foi realizado um planejamento estratégico com gestores, com vistas à uma gestão compartilhada e participativa. Observou-se nos anos seguintes que, ao mesmo tempo em que a utilização do Sisplan foi intensificada, as reuniões de planejamento, que fechavam um ciclo orçamentário anual, focavam especificamente na transparência da utilização orçamentária para investimentos.
Em 2011, foi constatado que o Sisplan não era a ferramenta utilizada para monitoramento e avaliação em todo o instituto, ou seja, havia registros informais que interferiam na fidedignidade dos dados. Nesse cenário, foi identificada pela Divisão de Planejamento uma barreira para obter apoio dos profissionais da instituição na adoção de uma lógica avaliativa, o que desencadeou a discussão sobre o processo de adesão dos profissionais às normas institucionais. Para essa finalidade, foi desenvolvida uma oficina denominada “O Papel Assistencial do INCA”, que intencionava revitalizar o Sisplan como ferramenta de gestão, com ênfase aos registros de produção das unidades hospitalares. Em 2012, foi realizada uma pesquisa para avaliar a percepção e avaliação dos profissionais sobre as práticas de planejamento. Nesse período havia uma crise deflagrada após demissão por decisão judicial de funcionários terceirizados, via Fundação Ary Frausino, que atuavam no instituto desde 1990. O estudo colaborou para o desenvolvimento de estratégias de um formato de planejamento mais inclusivo e participativo.
Método
Foi realizado um estudo de natureza qualitativa. As autoras investigaram o cotidiano institucional, a partir da interpretação dos entrevistados sobre demandas estratégicas da gestão. A amostra foi intencional (Maxwell, 2012MAXWELL, J. A. Qualitative research design: an interactive approach. 3. ed. Thousand Oaks: Sage, 2012.), considerando a premissa de que vários gestores exercem ou já exerceram atividades finalísticas das respectivas coordenações, o que inclui, em alguns casos, atividades assistenciais.
A primeira fase foi elaborada com o emprego de entrevistas individuais, baseadas em roteiro semiestruturado com três tipos de informantes: representantes da cúpula diretiva, formada pelo Diretor Geral e demais componentes da Diretoria Executiva; gestores de serviços, que são majoritariamente médicos e ocupam um cargo intermediário na formatação gerencial; e profissionais que executam atividades finalísticas e administrativas.
Foram considerados elegíveis estatutários e terceirizados, com atuação nas áreas meio e finalística de todas as coordenações, com pelo menos dois anos de atuação no instituto. Foram realizadas entrevistas com cinco profissionais de cada um dos três grupos. O roteiro abordou a trajetória de implantação do modelo de gestão, com foco na avaliação de desempenho, os padrões de nível de participação e a diversidade de respostas às demandas dos processos de gestão e avaliação institucionais. A partir da compilação das entrevistas e da técnica de análise de conteúdo (Bauer; Gaskell, 2003BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.), foi desenvolvida uma matriz composta por cinco categorias: gestão participativa, desdobramento das ações de planejamento, percepção sobre consequências da avaliação de desempenho, participação nas decisões institucionais legais e mecanismos mobilizadores para a participação.
Na segunda fase, foram utilizados dados documentais do INCA (INCA, 2020INCA - Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Planejamento estratégico do INCA 2020-2023: conectados podemos ser melhores!. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//plano_estrategico_2020-2023.pdf >. Acesso em: 30 abr. 2022.
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), utilizando processos de planejamento formalizados na rede interna ou no site institucional para ancorar a análise.
Resultados e discussão
Os resultados das entrevistas que focaram percepções dos entrevistados foram agrupados nos seguintes temas: planejamento institucional, participação e comunicação. De modo geral, os relatos se assemelharam em relação ao compromisso dos entrevistados com a instituição e à valorização do reconhecimento profissional. O critério de seleção das respostas transcritas foi a abordagem mais clara de falas repetidas sobre o tema e a inclusão de pensamentos passíveis de serem cotejados com a literatura.
Sobre a crise institucional derivada da demissão de funcionários terceirizados e com vasta experiência, ficou evidenciado um estremecimento do clima entre servidores concursados e profissionais celetistas, que estavam sendo dispensados em grupos à medida que os concursados eram efetivados.
De alguma maneira alguns dos gestores expressavam isso, (…) verbalizavam que os concursados que estavam entrando eram pessoas de menor capacidade, menor nível, o que era uma posição preconceituosa, porque na verdade (…) uma coisa é você valorizar a força de trabalho existente pelo investimento que foi feito nela outra coisa é você desqualificar pessoas que estão chegando porque não tiveram esse tipo de oportunidade, quer dizer isso é um equívoco. (cúpula diretiva)
Para a cúpula diretiva havia o desafio de acolher, capacitar novos servidores e minimizar o trauma da perda de funcionários terceirizados, cuja contratação foi descontinuada por decisão judicial. Descortinou-se a necessidade de a instituição maturar a visão de excelência e lidar com os limites da autonomia da Burocracia Profissional que, no caso do INCA, está potencializada pela “cultura de excelência” pautada em estruturas altamente hierarquizadas e, historicamente, pouco permeáveis à participação (Mintzberg, 2003MINTZBERG, H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.). Assim, o engajamento e a participação são desestimulados pelas frequentes demandas emergenciais. De acordo com esse conceito, o profissional que constrói o ambiente de primazia parece acreditar numa blindagem que o protegeria de ter que prestar contas ou ser substituído. Tal comportamento é um grande obstáculo para avançar em processos avaliativos e realizar mudança eficazes. Para superar problemas advindos desta crença em uma superioridade estática, “intocável”, foram desenvolvidas propostas de apropriação coletiva, com melhoria dos processos de comunicação, compartilhamento e possibilidade de participação de todos como agentes, com equidade, abertura e transparência dos atos de gestão e resultados.
O planejamento do INCA, segundo depoimentos da alta direção, é ortodoxo e dependente de ações do Ministério da Saúde. O instituto reproduz a dinâmica do governo federal, que sofre inúmeras pressões políticas e precisa lidar com situações que demandam ações imediatas, ocasionando descontinuidades no planejamento e a sensação de “apagar incêndio”. (cúpula diretiva). A influência da departamentalização no sombreamento de atividades e de responsabilidades surgiu como causadora de competição, de retrabalho e de ineficácia das ações. Tal arranjo interfere na forma como os colaboradores recebem e absorvem diretrizes estratégicas. As entrevistas revelam lacunas a serem preenchidas desde o nível ministerial, conforme a fala de um entrevistado da cúpula diretiva.
O INCA conseguiu ao longo dos últimos anos, estruturar um sistema de planejamento, organizando todo o processo a partir dos seus objetivos estratégicos, baseados na sua missão e visão e também articulados com o Planejamento Geral do Ministério da Saúde. Portanto é uma estrutura de planejamento bastante ortodoxa, formal, não tem muita inovação nesse processo. (cúpula diretiva)
Os entrevistados criticam a estrutura formal em que os serviços não interagem. Isso possibilita desenvolvimento de suas atividades com excessiva autonomia, o que é, inclusive, compatível com a estrutura hospitalar e, de forma desalinhada, com os objetivos institucionais, representando um entrave significativo para ações de planejamento. Especialistas esclarecem que os profissionais rechaçam a avaliação, por constatarem que os métodos são utilizados para oprimir e não para melhoria dos processos. Além disso, é sinalizada a necessidade de treinamento dos avaliadores e avaliados quando há proposta de participação efetiva, reforçando que o papel da avaliação é respaldar o fortalecimento da democracia, tendo como pilares validade, qualidade, credibilidade e independência (Patton, 2002PATTON, M. Q. A vision of evaluation that strengthens democracy. Evaluation, Thousand Oaks, v. 8, n. 1, p. 125-139, 2002. DOI:10.1177/1358902002008001740
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).
Os entrevistados da cúpula diretiva identificaram que havia um projeto para demonstrar intenção de desenvolver ações compartilhadas, reconhecer fragilidades em relação à comunicação interna e buscar soluções estratégicas para a instituição.
Deve-se reconhecer que o abandono de uma estrutura organizacional hierarquizada não garante, isoladamente, uma gestão moderna, participativa e eficiente (Ferrari et al., 2013FERRARI, S. et al. Excelência do atendimento em saúde: a construção de indicadores assistenciais em psicologia hospitalar. Psicologia Hospitalar, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 60-71, 2013.). A literatura especializada alerta que, há consequências para a gestão colegiada, como a adotada no INCA, subestima-se os circuitos de poder e de controle que prevalecem no nível local. Dessa forma, a organização do instituto por normativos e dispositivos legais não garante a realização de ações propostas. Merece destaque o fato de os aspectos (inter)subjetivos não serem contemplados na elaboração de normas e diretrizes, distanciando os funcionários pelo desconhecimento e pela comunicação limitada por mecanismos formais, que não garantem a capilaridade necessária da informação.
Conseguimos que o próprio Ministério da Saúde incorporasse no seu planejamento algumas ações específicas de controle de câncer, que antes estavam um pouco diluídas no conjunto das ações da estrutura organizacional do Ministério, (…) A nossa estrutura, como a do Ministério, é ainda muito departamentalizada (…). (cúpula diretiva)
A chamada “contratualização” é um dispositivo de controle (interno e externo) dos serviços ofertados por instituições públicas (Brasil, 1995BRASIL. Plano diretor de reforma do aparelho do Estado. Brasília, DF: Presidência da República, 1995.). As discussões para garantir o orçamento são permeadas por interesses políticos. Assim, metas e indicadores de gestão pactuados de forma legal e oficial nem sempre obtêm suficiente legitimidade perante todos os segmentos da hierarquia (inclusive instâncias responsáveis por atividades-fim que podem, por exemplo, negligenciar a alimentação de bases de dados essenciais ao monitoramento). Os discursos reforçaram a ideia de que manter um ambiente propício para que trabalhadores sejam protagonistas e capazes de transformar as organizações depende diretamente do modelo da gestão real (e não somente prescrito) adotada pela organização (Chanlat, 2006CHANLAT, J. F. Modos de gestão, saúde e segurança no trabalho. In: DAVEL, E.; VASCONCELOS, J. (Org.) “Recursos” Humanos e subjetividade. 3. ed. Petrópolis: Vozes , 2006. p. 118-128.). O INCA tinha ciência do diagnóstico da fragilidade para a construção de sentido do trabalho entre os seus profissionais.
As entrevistas do grupo de gestores revelaram de forma mais expressiva a insatisfação com o planejamento realizado, nelas, foram apresentadas críticas sobre a concepção dos processos estratégicos. A responsabilidade é atribuída à alta direção, sugerindo que interesses não explicitados impedem a realização do planejamento estratégico. Apesar de identificarem poucas oportunidades de participação no processo de planejamento, os gestores demonstraram intenção de desenvolver ações planejadas, na medida em que haja ampliação do acesso à informação.
Algumas propostas, quando a gente toma conhecimento ou elas já estão em fase final da discussão ou já estão em execução sem um conhecimento prévio nosso. Apesar de todas as dificuldades que a gente ainda tem, aqui existe essa proposta de planejar conjuntamente de dividir ações, partilhar informação daquilo que chega até a gente. (gestor)
A literatura do planejamento em saúde traz elementos que explicitam a notória desagregação entre a formulação dos planos e sua implementação prática (Costa e Silva; Escoval; Hortale, 2014COSTA E SILVA, V.; ESCOVAL, A.; HORTALE, V. A. Contratualização na Atenção Primária à Saúde: a experiência de Portugal e Brasil. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 19, n. 8, p. 3593-3604, 2014. DOI: 10.1590/1413-81232014198.11822013
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), com consequências para o gerenciamento dos serviços de saúde e destaque para os de grande porte: alguns pensam, poucos comandam e muitos devem executar. Tal dissociação reflete uma limitada apropriação de qualquer plano pelo conjunto da organização e interpretações distintas sobre a relevância, significado e possíveis desdobramentos do demandado pelos gestores.
A gente aqui como gestor tem que se colocar no lugar do funcionário que está lá embaixo, atendendo com péssimas condições, sobrecarregado com doentes, numa quantidade enorme de pacientes que tem que ser atendidos… se você se posicionar como gestor pura e simplesmente e esquecer que você em algum momento já participou da assistência, vai criar mesmo um abismo muito grande. (gestor).
Observa-se dificuldade decorrente da dissociação entre teoria e prática, associada à sobrecarga de tarefas. Vários profissionais de saúde enfrentam a coexistência de funções gerenciais e assistenciais, e mesmo aqueles que tiveram oportunidade de formação em gestão na saúde podem não encontrar condições férteis de aplicação do conhecimento, devido aos conflitos e às pressões do cotidiano. A escassa abordagem de dimensões cultural e (inter)subjetiva está implicada no conceito de “mal-estar nas organizações de saúde”, que se caracteriza pela manifestação de sentimentos de perplexidade, impotência e sofrimento de profissionais e usuários (Sá, 2011SÁ, M. C. Subjetividade e projetos coletivos: mal-estar e governabilidade nas organizações de saúde. Ciência e Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 151-164, 2011.). Tal conceito não constitui oposição às questões objetivas que regem as relações sociais e profissionais, nem à identificação do sujeito com o mundo psíquico; está ligado ao indivíduo implicado e “construído” na organização (Losicer, 2006LOSICER, E. A procura da subjetividade: a organização pede análise. In: DAVEL, E.; VASCONCELOS, J. (Org.). “Recursos” Humanos e subjetividade . 3. ed. Petrópolis: Vozes , 2006. p. 68-79.). O reconhecimento e a interpretação de processos subjetivos, mediante às percepções, podem melhorar os diagnósticos e estratégias do contexto institucional.
Os grupos dos profissionais entrevistados demonstraram desconhecimento ou distanciamento do planejamento institucional. Concluíram que as atividades operacionais não são organizadas como desdobramento das ações estratégicas definidas, indicando escassa correlação entre o estratégico e o operacional.
O planejamento aqui é confuso. Muito confuso, sabe? A ideia de planejamento é de você pensar, se programar, agir e depois você ter uma retomada na reflexão do que está sendo feito, só que a gente aqui atua mais apagando incêndio. Pois é. Qual o planejamento estratégico do INCA? Não sei. (profissional)
A responsabilidade e o interesse do funcionário pela busca de informação constituem um ponto sensível de análise quando comparamos o acesso, a frequência e a qualidade de informação que chega até o nível operacional. Azevedo (2002AZEVEDO, C. S. Liderança e processos intersubjetivos em organizações de saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 349-361, 2002. DOI: 10.1590/S1413-81232002000200014
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) relata que diversos modelos de gestão que recorrem a artifícios tecnocráticos, desenhados para aumentar eficiência e rendimento, apresentam um certo esgotamento, o qual traduz a ineficácia do processo verticalizado de gestão, com mínima participação dos envolvidos e a ausência de objetivos comuns entre gestores e profissionais. Com isso, a subjetividade, até então secundarizada na organização científica do trabalho, emerge como objeto de estudo para as organizações.
Pode até existir um planejamento, pode até ter uma definição de metas, mas a divulgação não é acessível a todos. (…) A falha que existe na instituição é essa, não adianta nada ter um monte de meta, um monte de objetivo se isso não for divulgado. E não é divulgado. Não adianta planejar se não é divulgado, não é de conhecimento de todos. (profissional)
O papel da cultura organizacional no favorecimento de uma concepção de partilha de objetivos, além de na corresponsabilidade na melhoria nos resultados, é central nessa abordagem (Volnovich, 2006VOLNOVICH, J. R. Subjetividade e organizações: o discurso neoliberal. In: DAVEL, E.; VASCONCELOS, J. (Org.). “Recursos” Humanos e subjetividade . 3. ed. Petrópolis: Vozes , 2006. p. 61-67.). De acordo com o entrevistado, existe uma lacuna entre a intenção do compartilhamento da tomada de decisões e a práxis cotidiana. A participação prevista em definições e normas institucionais precisa ser fomentada; a expectativa de obtenção de resultados sem incentivo e com acesso limitado às decisões da alta gestão é ingênua e perversa.
O instituto precisa planejar mais e não botar a mão onde não alcança… mas não é aquela coisa feita, por pessoas que nunca trabalharam, a gente vê muito isso…, aqueles serviços de assessoria comprados, o cara não conhece nada da realidade da instituição. Eu sou a favor de que capacite alguém da instituição. (profissional)
Contrariamente à visão de excelência dos profissionais apregoada, o INCA contratou serviços de consultoria para o planejamento. As propostas formatadas e customizadas não foram apropriadas pela força de trabalho, inclusive porque se restringiam à participação de gestores. Ferramentas de gestão mais modernas, como o world café, esclarecem que, para haver “acordo entre os diferentes atores, é necessário um encontro que promova diálogos estimulantes, compartilhamento de conhecimentos e oportunidades de atuação em situações específicas”. Este método aborda o conceito de bem comum, corroborando com a Psicossociologia. Sob essa perspectiva, o ator (profissional) está situado e, portanto, se interessa por diferentes aspectos do “bem comum”, o que requer negociação (Bazilio et al., 2020BAZILIO, J. et al. Generating meaningful conversation: World Café in strategic interprofessional planning in Continuing Education. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 73, n. 5, e20190279, 2020. DOI: 10.1590/0034-7167-2019-0279
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).
Envolver mais as pessoas, acho que facilitaria todo o processo de resolução de determinados problemas ou de determinadas questões. Porque é difícil às vezes a gente (…) envolver os colaboradores quando você também não está envolvido. Quando você também não tem argumentos suficientes para que os colaboradores possam entender o porquê de determinadas ações pactuadas… (gestor)
A literatura que trata sobre subjetividade e gestão de pessoas explica que modos de gestão podem possuir dois componentes: o prescrito e o real (Chanlat, 2006CHANLAT, J. F. Modos de gestão, saúde e segurança no trabalho. In: DAVEL, E.; VASCONCELOS, J. (Org.) “Recursos” Humanos e subjetividade. 3. ed. Petrópolis: Vozes , 2006. p. 118-128.). Por modo de gestão prescrito, podemos entender o que trata do abstrato, do formal e do estático; é uma estrutura acabada, que não aceita interferências e não prevê obstáculos à sua implantação. Já o modo de gestão real considera a inserção do concreto, do informal e do dinâmico; a interrelação entre esses componentes repercutem nas relações e comportamentos em uma organização.
O tema da comunicação foi surgindo à medida que os entrevistados eram indagados a respeito do seu grau de conhecimento sobre o INCA, as ações estratégicas institucionais, a qualidade das informações fornecidas pelos chefes, pelos colegas de trabalho e dos recursos formais de divulgação da instituição.
Acho que falta amadurecer dentro da instituição esse modelo, para que seja assim, todo mundo participando. Saber que quem está na ponta pode desencadear um processo de uma incorporação, de uma compra, participar mesmo da gestão. Todo mundo pode participar acho que o que está faltando mesmo é a gente divulgar melhor isso. (cúpula diretiva)
O vínculo grupal merece destaque a partir do entendimento de que, para participar de um projeto comum, se faz necessário que o indivíduo, além do reconhecimento, sinta realização dos desejos particulares na coletividade, ou seja, tangencie a vida em grupo e a existência de vínculo, a partir do que se deseja na particularidade e na coletividade, (Enriquez, 1994). Outro ponto que merece reflexão nas falas é o fato de que, em linhas gerais, a gestão é pouco dialógica, o que reflete diretamente e de forma negativa na legitimação das expectativas da gestão, devido à falta de compartilhamento. Por outro lado, garantir a adesão e colaboração plena da força de trabalho, para qualquer iniciativa institucional, é uma premissa ingênua e não factível.
O grupo de gestores apresentou falas reativas e críticas, demonstrando desconhecimento ou discordância dos processos institucionais: “Hoje, principalmente com a área de assistência, a comunicação é um problema vital. A gente não tem um interlocutor. Se o mesmo assunto for consultado a duas pessoas diferentes, no mesmo local, nós obtemos duas respostas diferentes.” (gestor).
Apesar de exercerem funções nas quais se incluíam a divulgação de decisões estratégicas e a garantia da capilaridade das informações aos níveis hierárquicos operacionais, os gestores intermediários não se reconheciam neste papel. A fragilidade de comunicação, a escassa oportunidade de capacitação e a crise institucional foram identificadas como obstáculos para a gestão institucional. Nos diferentes grupos entrevistados, foram relatadas sugestões para a prática cotidiana dos serviços, a partir da melhoria da comunicação interna e compartilhamento de objetivos.
A partir do resultado dessa pesquisa, a equipe da Divisão de Planejamento empreendeu iniciativas para valorizar a participação das equipes, buscando reconhecer sua (inter)subjetividade e fortalecer a apropriação e legitimação das propostas sugeridas. Eventos para discutir temas anteriormente considerados áridos - como indicadores, orçamento e gestão de custos -, passaram a ser mais prestigiados pelas coordenações, com superação de expectativas tanto no número de participantes como na qualidade e interesse pelos assuntos. Este resultado fomentou maior aceitação e reconhecimento perante a força de trabalho do instituto.
Em dezembro de 2015, foi realizado um Seminário de Planejamento Estratégico para 2016-2019, com a participação de 80 profissionais em dois dias e desdobramento para realização de planejamentos setoriais durante o primeiro semestre de 2016, totalizando a participação de 315 servidores. Os conceitos de missão, visão e valores foram modificados e os planos de trabalho e métodos de avaliação foram definidos e pactuados em conjunto. Ao término desse ciclo, houve avaliação de todos os participantes, visando o aprimoramento para o Planejamento Estratégico 2020-2023. Essa iniciativa previu auxiliar a redução da lacuna entre o pensamento estratégico e o operacional, que foi identificada na pesquisa, e atender a demanda de trabalhar questões internas sem auxílio de consultores.
No ano de 2017 houve mudança de gestão e as avaliações pactuadas não foram realizadas. Com a descontinuidade das atividades de avaliação, a Divisão de Planejamento retornou para o formato que prioriza a garantia orçamentária para os investimentos. O retrocesso foi inevitável com as mudanças de diretrizes e prioridades institucionais.
Para o período 2020-2023, foi elaborado um planejamento com consultoria. Os produtos foram definição de objetivos estratégicos, a pactuação para desenvolvimento de iniciativas estratégicas e uma proposta de mapeamento de processos com a mediação de um consultor. A avaliação periódica de todas as iniciativas estratégicas vem possibilitando ajustes nas propostas e direcionamento estratégico institucional, que direcionarão o próximo ciclo de planejamento.
Os resultados das entrevistas e da evolução do planejamento estratégico demonstram que as ferramentas gerenciais elaboradas como instrumentos para a gestão, por si só, não constituem elemento suficiente para promover um processo de mudança, cabendo compreender na prática como se dá a apropriação do modelo de administração pelos diferentes grupos envolvidos na gestão e prestação de serviços, bem como suas estratégias de apoio ou resistência às mudanças.
Considerações finais
Há uma tendência mundial de modernização gerencial de hospitais, que pode ser absorvida por uma organização da complexidade do INCA, adotando perspectivas teóricas e gerenciais que analisam a complexidade dos movimentos de mudança de processos sociais e organizacionais de difícil controle. Tal racionalidade político-estratégica encontra limites que podem ser transpostos a partir de abertura a outras perspectivas, como a valorização dos aspectos microssociais e a interpretação da dimensão relacional/intersubjetiva da problemática da gestão em saúde.
Em que pese a crítica ao processo de contratualização por profissionais e gestores em instituições públicas de saúde brasileiras, as organizações vêm sendo cobradas por resultados de desempenho, sendo necessário encontrar alternativas para viabilizar mudanças organizacionais que atendam aos anseios sociais de oferta qualificada de saúde, com mecanismos de controle mais adequados. Estudiosos associam a excelência do desempenho da instituição à coordenação, coerência e cooperação entre os envolvidos, que precisam realizar tarefas diversificadas, com qualidade e conhecimento de todos os processos (Bernardes, 1994BERNARDES, R.. Trabalho a centralidade de uma categoria analítica. São Paulo em Perscpectiva, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 33-41, 1994.).
Foi evidenciado que, para aprimorar o gerenciamento do INCA, o perfil dos gestores e o exercício da gestão profissional, a partir da organização e planejamento institucional, precisavam ser aperfeiçoados.
No setor de saúde, deve ser considerado o alto grau de autonomia profissional correspondente ao nível elevado de especialização, característico da Burocracia Profissional (Mintzberg, 1995).
A literatura dispõe de estudos sobre a formação e o comportamento de grupos, bem como das relações de poder nas instituições, observando o negligenciamento de aspectos (inter)subjetivos na formulação de políticas e programas (Aktoulf, 1996AKTOULF, O. A administração entre a tradição e a renovação. 3. ed. Barueri: Atlas, 1996.; Aragão, 2014ARAGÃO, C. V. de. Burocracia, eficiência e modelos de gestão pública: um ensaio. Revista do Serviço Público, Brasília, DF, v. 48, n. 3, p. 104-132, 2014. DOI: 10.21874/rsp.v48i3.391
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; Cecílio, 1999CECÍLIO, L. C. O. Autonomia versus controle dos trabalhadores: a gestão do poder no hospital. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 315-329, 1999. DOI: 10.1590/S1413-81231999000200007
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). Autores da Psicossociologia advogam que a gestão pelo afetivo e simbólico está na ordem do dia das organizações. As empresas estratégicas adotam a gestão pelo afetivo, o que, apesar de possuir limites, pode suscitar sujeitos mais conscientes e novos modos de pensar e de agir (Enriquez, 1997ENRIQUEZ, E. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 18-29, 1997.). No Brasil há poucos estudiosos do tema, embora haja uma produção científica que aproxima os conceitos e interpretações da Psicossociologia à realidade brasileira (Artmann; Uribe Rivera, 2003ARTMANN, E.; URIBE RIVERA, F. J. A démarche stratégique (gestão estratégica hospitalar): um instrumento de coordenação da prática hospitalar baseado nos custos de oportunidade e na solidariedade. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 479-499, 2003. DOI: 10.1590/S1413-81232003000200013
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; Azevedo, 2002AZEVEDO, C. S. Liderança e processos intersubjetivos em organizações de saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 349-361, 2002. DOI: 10.1590/S1413-81232002000200014
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; Azevedo et al., 2010AZEVEDO, C. S. et al. Caminhos da organização e gestão do cuidado em saúde no âmbito hospitalar brasileiro. Revista de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 95-115, 2010.; Sá, 2011SÁ, M. C. Subjetividade e projetos coletivos: mal-estar e governabilidade nas organizações de saúde. Ciência e Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 151-164, 2011.).
Aplicar estas reflexões à análise da gestão do INCA é tarefa complexa: o instituto tem peculiaridades na prestação de contas que o diferem do padrão adotado habitualmente no contexto hospitalar. Sua responsabilidade no âmbito nacional e internacional, com atribuições em diversas áreas de atuação, demanda indicadores de avaliação de desempenho institucional voltados para atividades de ensino, pesquisa, prevenção e assistência.
A percepção da legitimidade das políticas e programas pelos diversos envolvidos potencializa a participação, tema caro para o desenvolvimento de práticas de gestão democráticas. Cabe analisar as organizações sob a ótica de microssociedades, conhecer os mecanismos de formação dos grupos de interesse e vínculos subjetivos, além de quais são seus objetivos, de acordo com as dinâmicas político-institucionais (Azevedo; et al., 2010AZEVEDO, C. S. et al. Caminhos da organização e gestão do cuidado em saúde no âmbito hospitalar brasileiro. Revista de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 95-115, 2010.).
A partir das falas de representantes da força de trabalho do INCA sobre planejamento e atividades gerenciais, percebe-se que os processos de avaliação e planejamento implantados são alvo de questionamentos desde a formulação até a execução. Observou-se uma massa crítica, raramente ouvida, com disponibilidade para propor inovações. Os recursos utilizados cotidianamente pelos profissionais para a solução de conflitos, a partir da experiência com os colegas nos serviços, em geral, não são considerados pela gestão. Com isso, pode surgir uma postura de resistência, explícita ou implícita, coletiva ou individual. Vale ressaltar que comportamentos ajustados e passivos, que aparentemente favorecem o controle gerencial, podem revelar profissionais desestimulados ou refratários à gestão.
O reconhecimento deste limite pode auxiliar a gestão em adotar abordagens para aproximar as propostas estratégicas dos anseios e necessidades dos funcionários, além de encontrar pontos de interesses comuns, facilitando o processo de mudança e aprimoramento, a partir do planejamento institucional.
A intenção desta contribuição acadêmica é ampliar a discussão sobre a (inter)subjetividade na área de saúde, seja nas estratégias de aprimoramento das instituições ou no cotidiano das práticas assistenciais. Reconhecemos que uma investigação com 15 entrevistados implica em limites à generalizabilidade das conclusões. Apesar desta limitação, o resultado das entrevistas serviu de base para processos de planejamento subsequentes. Algumas questões presentes neste artigo serviram como apoio metodológico para provocações, discussões e avaliação do papel do gestor e seu potencial para atuar no cenário de mudança, bem como garantir a manutenção da qualidade dos serviços ofertados ao público interno e à sociedade. Torna-se imperativo empoderar esses gestores para que, a partir de uma nova forma de atuação gerencial, todos os profissionais possam se sentir protagonistas na condução da instituição. É recomendável resgatar a práxis de quem supera diariamente esses obstáculos para compor o desenho da identidade institucional na lida com diferentes situações. Sendo assim, temas como liderança, excelência, motivação, gestão moderna, conflitos e projeto comum são preciosos para, alinhados com a questão da subjetividade, respaldarem as tomadas de decisão da gestão e os resultados institucionais.
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INCA. Página principal. Disponível em: <https://www.inca.gov.br>. Acesso em: 25 de abril de 2022.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Fev 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
11 Out 2022 -
Revisado
09 Maio 2022 -
Revisado
20 Ago 2022 -
Revisado
11 Out 2022 -
Aceito
25 Nov 2022