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Percepção dos coordenadores de saúde bucal e cirurgiões-dentistas do serviço público sobre o Sistema Único de Saúde (SUS)

Perception of oral health coordinators and dental surgeons who work in the public service about the National Health System (SUS)

Resumos

O profissional de saúde é um ponto-chave para a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). À medida que exerce sua função, o sistema passa do aspecto teórico-conceitual para a prática da atenção. Objetivou-se neste estudo verificar o nível de conhecimento sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) dos coordenadores de saúde bucal e cirurgiões-dentistas do serviço público dos 40 municípios da região noroeste do Estado de São Paulo. Utilizou-se um questionário estruturado, autoaplicável, composto de questões referentes aos princípios doutrinários e organizativos do SUS, controle social, financiamento, formação de recursos humanos, atenção e assistência em saúde. Dos entrevistados, 77 (89,5%) não sabiam quem era o responsável pelo planejamento e execução da assistência, 53 (61,6%) não tinham conhecimento de equidade, 46 (53,5%) de fundo de saúde e 45 (52,3%) de controle social. Conclui-se que existe deficiência no conhecimento de determinados assuntos, havendo necessidade de promoção de cursos a respeito da filosofia do SUS.

Sistema Único de Saúde; Serviços de saúde; Pessoal de saúde


The health professional is a key element for the implementation of Sistema Único de Saúde (SUS - National Health System). As it executes its function, this system goes from the theoretical and conceptual aspect to the care practice. The aim of this study was to verify the knowledge level about the National Health System (SUS) of the oral health coordinators and dental surgeons working in the public service of the forty cities located in the northwest region of the State of São Paulo. The study used a structured, self-administered questionnaire with questions about the National Health System's doctrinal and organizational principles, social control, financing, human resources education, health care and assistance. Among the interviewees, 77 (89.5%) did not know who was responsible for the planning and execution of assistance, 53 (61.6%) did not have knowledge about equity, 46 (53.5%) about health capital and 45 (52.3%) about social control. The conclusion was that there is lack of knowledge regarding some subjects; therefore, it is necessary to offer courses about the philosophy of the National Health System (SUS).

National Health System (SUS); Health Services; Health Personnel


ARTIGOS

Percepção dos coordenadores de saúde bucal e cirurgiões-dentistas do serviço público sobre o Sistema Único de Saúde (SUS)

Perception of oral health coordinators and dental surgeons who work in the public service about the National Health System (SUS)

Ronald Jefferson MartinsI; Suzely Adas Saliba MoimazII; Cléa Adas Saliba GarbinIII; Artênio José Ísper GarbinIV; Daniela Coêlho de LimaV

IDoutor em Odontologia Preventiva e Social. Endereço: Rua São Paulo, 711, CEP 16015-130, Vila Mendonça, Araçatuba, SP, Brasil. E-mail: rojema@terra.com.br

IIProfessora do Programa de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - Universidade Estadual Paulista. Endereço: Rua José Bonifácio, 1193, CEP 16015-050, Vila Mendonça, Araçatuba, SP, Brasil. E-mail: sasaliba@foa.unesp.br

IIICoordenadora do Programa de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - Universidade Estadual Paulista. Endereço: Rua José Bonifácio, 1193, CEP 16015-050, Vila Mendonça, Araçatuba, SP, Brasil. E-mail: cgarbin@foa.unesp.br

IVProfessor do Programa de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - Universidade Estadual Paulista. Endereço: Rua José Bonifácio, 1193, CEP 16015-050, Vila Mendonça, Araçatuba, SP, Brasil. E-mail: agarbin@foa.unesp.br

VDoutoranda em Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - Universidade Estadual Paulista. Endereço: Rua José Bonifácio, 1443, CEP 16015-050, Vila Mendonça, Araçatuba, SP, Brasil. E-mail: daniataunesp@gmail.com

RESUMO

O profissional de saúde é um ponto-chave para a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). À medida que exerce sua função, o sistema passa do aspecto teórico-conceitual para a prática da atenção. Objetivou-se neste estudo verificar o nível de conhecimento sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) dos coordenadores de saúde bucal e cirurgiões-dentistas do serviço público dos 40 municípios da região noroeste do Estado de São Paulo. Utilizou-se um questionário estruturado, autoaplicável, composto de questões referentes aos princípios doutrinários e organizativos do SUS, controle social, financiamento, formação de recursos humanos, atenção e assistência em saúde. Dos entrevistados, 77 (89,5%) não sabiam quem era o responsável pelo planejamento e execução da assistência, 53 (61,6%) não tinham conhecimento de equidade, 46 (53,5%) de fundo de saúde e 45 (52,3%) de controle social. Conclui-se que existe deficiência no conhecimento de determinados assuntos, havendo necessidade de promoção de cursos a respeito da filosofia do SUS.

Palavras-chave: Sistema Único de Saúde; Serviços de saúde; Pessoal de saúde.

ABSTRACT

The health professional is a key element for the implementation of Sistema Único de Saúde (SUS - National Health System). As it executes its function, this system goes from the theoretical and conceptual aspect to the care practice. The aim of this study was to verify the knowledge level about the National Health System (SUS) of the oral health coordinators and dental surgeons working in the public service of the forty cities located in the northwest region of the State of São Paulo. The study used a structured, self-administered questionnaire with questions about the National Health System's doctrinal and organizational principles, social control, financing, human resources education, health care and assistance. Among the interviewees, 77 (89.5%) did not know who was responsible for the planning and execution of assistance, 53 (61.6%) did not have knowledge about equity, 46 (53.5%) about health capital and 45 (52.3%) about social control. The conclusion was that there is lack of knowledge regarding some subjects; therefore, it is necessary to offer courses about the philosophy of the National Health System (SUS).

Keywords: National Health System (SUS); Health Services; Health Personnel.

Introdução

A base conceitual e teórica do Sistema Único de Saúde (SUS) denota-o como um dos sistemas de saúde mais perfeitos do mundo. Entretanto, alguns de seus princípios doutrinários e organizativos necessitam sair do campo teórico para o campo de ação. A mudança de um sistema excludente, desigual e de escassos recursos de outrora, para um que propõe a universalidade de direitos, integralidade de ações e equidade na aplicação de recursos, requer que permanentes estratégias sejam propostas para a consolidação desse sistema. Consiste, portanto, em um processo social em construção permanente que necessita de contínua discussão sobre seu modelo de atenção (Aerts e col., 2004). As deficiências no sistema de saúde, muitas vezes evidentes, provocam críticas por parte dos cidadãos brasileiros que desconhecem sua trajetória de construção e não desempenham a relevante função do controle social.

Nesse sistema, o profissional de saúde tem dupla responsabilidade na sua operacionalização: como usuário, por meio da participação nas conferências e conselhos de saúde; como profissional da rede, através da participação no planejamento, execução e avaliação das ações de saúde. Portanto, é preciso que conheça sua base conceitual e filosófica para que, com a prestação de um atendimento integral e de qualidade à população, defenda e lute por ele (Sousa e col., 2003).

Entretanto, na maioria das vezes, a contratação de servidores públicos ocorre por meio de concursos que, em algumas situações, não requerem do contratado conhecimentos específicos sobre o sistema em que atuará; além disso, observa-se em muitos casos perfil inadequado, interesse em apenas complementar renda e oferecimento de um atendimento de pouca qualidade e dedicação mínima, justificado pelo servidor devido ao baixo salário (Sousa e col., 2003; Silveira, 2004).

Outro aspecto que deve ser salientado é que o acesso não prevê o treinamento e/ou a capacitação direcionada, inviabilizando a reflexão desse profissional sobre os paradigmas do SUS (Sousa e col., 2003).

Por sua vez, a maioria dos cursos e programas de capacitação e desenvolvimento de trabalhadores em saúde existentes são isolados, desarticulados entre si e se restringem a questões técnicas, desestimulando os profissionais a discutirem seu papel no sistema de saúde no qual estão inseridos. Podem ser citados o Programa de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (Profae), o de Desenvolvimento Gerencial de Unidades Básicas de Saúde (Gerus), o de Interiorização do Trabalho em Saúde (Pits) e o Incentivo às Mudanças Curriculares nos Cursos de Graduação em Medicina (Promed) (Brasil, 2005b).

A simples transmissão de conhecimentos não é suficiente para a adoção de novas ações, pois o acúmulo de saberes técnicos é apenas um dos aspectos de transformação das práticas, devendo os cursos e as tecnologias utilizadas serem determinados a partir da observação dos problemas que ocorrem no dia-a-dia do trabalho. Esses problemas precisam ser solucionados para que os serviços prestados ganhem qualidade e os usuários fiquem satisfeitos com a atenção prestada (Brasil, 2005b).

No campo da Odontologia, é necessária a readequação dos cursos de graduação para a formação de profissionais capacitados a exercerem uma prática que atenda ao SUS, e a contínua capacitação dos já graduados que atuam no sistema. Este cirurgião-dentista, fazendo parte de uma equipe multidisciplinar, atuará, em nível central, no planejamento de políticas públicas saudáveis, no desenvolvimento de ações de vigilância da saúde da coletividade, no fortalecimento de ações comunitárias e na reorientação dos serviços de saúde (Aerts e col., 2004).

Hodiernamente, discute-se um novo paradigma da integralidade no processo de ensino, pesquisa e extensão como uma matriz teórico-conceitual que visa a garantir a construção de uma odontologia em sintonia com o SUS e que atue de maneira a responder às necessidades apresentadas na coletividade (Santos e col., 2006).

A orientação predominante na formação profissional da área da saúde no país defronta-se com modelos curriculares fragmentados, não inseridos nos serviços públicos de saúde e, em geral, pouco integrados; hegemônicos na abordagem biologicista, medicalizante, procedimento-centrada e tecnicista. Quanto ao modelo pedagógico, frequentemente limita-se à metodologia tradicional da transmissão, adotando sistemas de avaliação cognitiva por acumulação de informação técnico-científica, impossibilitando o desenvolvimento de uma visão crítica, problematizadora, construtivista e com protagonismo ativo sobre o cuidado na saúde (Ceccim e Feuerwerker, 2004; Brasil, 2007).

A área de recursos humanos nos serviços de saúde, representada pela força de trabalho, constitui um nó crítico a ser enfrentado pelos gestores no processo de consolidação do SUS, pois se apresenta desvinculada, em sua maioria, aos preceitos do sistema de saúde brasileiro; portanto, objetivou-se neste estudo verificar o nível de conhecimento sobre esse sistema dos coordenadores de saúde bucal e cirurgiões-dentistas do serviço público dos municípios pertencentes ao Departamento Regional de Saúde de Araçatuba (DRS II), São Paulo, Brasil.

Material e Métodos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Araçatuba, por meio do processo FOA 2282/2003.

A pesquisa configura-se como um estudo descritivo, de caráter transversal, com uma abordagem quantitativa. O universo da pesquisa constituiu-se de todos os coordenadores de saúde bucal e cirurgiões-dentistas dos 40 municípios pertencentes ao Departamento Regional de Saúde II (DRS II), São Paulo, Brasil.

Contataram-se, inicialmente, os gestores do sistema de saúde dos municípios para informá-los a respeito do objetivo do estudo e posterior uso dos dados coletados, a fim de obter apoio para a realização da pesquisa. Posteriormente realizou-se estudo piloto em três municípios distintos dos analisados, para validação do instrumento de coleta.

Utilizou-se para a coleta dos dados um questionário estruturado, autoaplicável, composto de questões referentes aos princípios doutrinários e organizativos do SUS, controle social, municipalização, financiamento, sistema de informação, formação de recursos humanos, atenção e assistência em saúde. As questões apresentavam-se como afirmações do tipo: "Equidade é o atendimento igual para todos", "O Controle Social é feito pelas Secretarias de Promoção Social", "O Fundo de Saúde é administrado pelo Conselho de Saúde", "Os procedimentos de assistência em saúde bucal devem ser planejados pela coordenação e executados pela equipe de saúde bucal", e possibilitavam como resposta "Verdadeira (V) ou Falsa (F)". Foram retiradas de questionários anteriormente aplicados na "II Oficina de Planejamento em Saúde Bucal Coletiva, Direção Regional de Saúde (DIR) XXII", atual DRS XV, e nos "Módulos de Treinamento de Saúde Bucal no Programa de Saúde da Família - PSF, DIR VI", atual DRS II.

Enviaram-se para os municípios envelopes contendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, explicitando a finalidade da pesquisa e a forma de divulgação dos dados, além de um envelope selado para retorno da correspondência e do questionário propriamente dito.

Os dados coletados foram processados por meio do programa Epi Info 2000, versão 3.2, e apresentados em frequências absolutas e percentuais.

Realizou-se análise conjunta dos questionários respondidos pelos coordenadores e cirurgiões-dentistas trabalhadores da rede, pois em municípios de pequeno porte, um cirurgião-dentista exerce, além das atividades clínicas, a função de coordenador. Também ocorrem trocas constantes de profissionais nessa função.

Resultados

O universo da pesquisa era composto de 346 profissionais, entre coordenadores de saúde bucal e cirurgiões-dentistas da rede pública dos 40 municípios pertencentes ao DRS II-Araçatuba, sendo que a população do estudo constituiu-se de 86 (24,9%) profissionais de 16 (40,0%) municípios que retornaram os questionários respondidos e o termo de consentimento livre e esclarecido assinado.

Neste trabalho verificou-se que, com relação aos princípios doutrinários e organizativos do SUS, 53 (61,6%) profissionais acreditavam que "equidade" era o atendimento igual para todos, 16 (18,6%) não sabiam o significado de integralidade e 37 (43,0%) não sabiam que o SUS apresentava comando único em cada esfera de governo. 27 (31,4%) achavam que cabia à esfera federal a competência de definir as políticas municipais de saúde, e 5 (5,8%) que somente os contribuintes da Previdência Social tinham direitos aos serviços prestados pelo SUS. (Figura 1)


A respeito do controle social, 45 (52,3%) acreditavam ser realizado pelas Secretarias de Promoção Social, 21 (24,4%) não sabiam a composição dos conselhos de saúde e 14 (16,3%) não sabiam que o Conselho Municipal de Saúde era um órgão deliberativo. Outros 14 (16,3%) achavam que os Conselhos de Saúde só existiam nos municípios de grande porte. (Figura 2)


Quanto ao financiamento no SUS, 46 (53,5%) acreditavam que o Fundo de Saúde era administrado pelo Conselho de Saúde e 26 (30,2%) que os recursos financeiros para a área da saúde nos municípios eram provenientes somente das esferas federal e estadual. 9 (10,5%) não sabiam que o Fundo de Saúde era uma conta especial que engloba os recursos financeiros destinados à saúde, provenientes do Município, do Estado e da União. (Figura 3)


A respeito da formação de recursos humanos, 31 (36,0%) achavam que era competência somente do gestor municipal proporcionar, em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde, a formação de pessoal auxiliar (Auxiliar de Consultório Dentário - ACD e Técnico de Higiene Dental - THD).

Quanto à atenção em saúde bucal, 32 (37,2%) acreditavam ser o mesmo que assistência. 22 (25,6%) não sabiam que o setor privado podia participar do SUS; 13 (15,1%), que a Unidade Básica de Saúde (UBS) era a "porta de entrada" do SUS; 7 (8,1%), que os Sistemas de Informações de Saúde forneciam indicadores que serviam para planejamento e avaliação dos serviços; 77 (89,5%) achavam que os procedimentos de assistência em saúde bucal deviam ser planejados somente pela coordenação e executados pela equipe de saúde bucal; e 14 (16,3%), que municipalizar a saúde era apenas executar as ações de saúde em um município. (Figura 4)


Discussão

É observada grande variedade nas taxas de retorno em pesquisas realizadas por meio de questionários e nas interpretações de seus significados. Na grande maioria das vezes, os questionários enviados pelo correio apresentam taxas de retorno inferiores ao total, refletindo a possibilidade de os respondentes não representarem uma amostra aleatória da população pesquisada (Fox e col., 1988).

Geralmente, uma taxa de resposta de pelo menos 50% é considerada adequada para análise e relatório; de 60% é considerada boa e de 70% ou mais é muito boa. No entanto, esta regra é rudimentar e sem base estatística. Considera-se mais importante a ausência de viés de resposta do que uma alta taxa de resposta (Babbie, 1999). No Brasil, os profissionais de saúde não apresentam o hábito de responder a questionários em pesquisas científicas.

O baixo retorno dos questionários obtido neste trabalho, apesar de explicitado que os dados em hipótese alguma seriam divulgados de maneira individual ou identificados, pode ser devido ao receio de ser observado e veiculado o desconhecimento por parte dos profissionais do sistema de saúde no qual estão inseridos e hipoteticamente deveriam conhecer. Outro possível motivo é o medo de se tratar de fiscalização por parte do poder executivo ou perseguição política.

Neste estudo, com relação aos princípios doutrinários, destacou-se a "Equidade", um princípio de justiça social onde se trata "desigualmente os desiguais", como um dos conceitos menos compreendidos, confundido com o termo "igualdade", talvez por se tratarem de vocábulos parônimos. A concepção constitucional de mando único está presente nas três esferas de governo, a fim de fazer valer o princípio da descentralização, pois a decisão deve ser de quem executa, que deve estar mais perto do problema, para aumentar a chance de acerto na solução, fato desconhecido por grande parte dos respondentes. O controle social envolve a capacidade que a sociedade civil tem de interferir na gestão pública, ocorrendo no SUS por meio das Conferências de Saúde, que deverão acontecer a cada quatro anos, e dos Conselhos de Saúde, que deverão existir nos três níveis de governo. Infelizmente, a população não apresenta "consciência política", não conhece ou exerce seu dever constitucional de fiscalizar o sistema, como pode ser observado nos resultados deste estudo. Em muitos municípios, o descumprimento da Lei Orgânica da Saúde ocorre de diferentes formas, que normalmente se somam, como a transformação do secretário de saúde em presidente nato do conselho, ausência de divulgação de ações realizadas, desvinculação dos Conselhos das Conferências, representação dos profissionais da área odontológica apenas "no papel". O SUS é financiado com recursos das três esferas de governo, sendo atribuição constitucional do Poder Público Municipal, Estadual e Federal destinar uma parcela do seu orçamento para financiar as ações de saúde. Atribui-se a essas esferas de governo a participação na formulação e execução da política de formação e desenvolvimento de recursos humanos para a saúde, informações desconhecidas por parte dos pesquisados. O Fundo de Saúde é uma conta específica que engloba todos os recursos destinados ao setor saúde, sendo administrado pela Secretaria Estadual de Saúde e fiscalizado pelo Conselho de Saúde, fato ignorado por pouco mais da metade dos participantes do estudo. O termo "atenção em saúde bucal" apresenta um sentido mais amplo que "assistência em saúde bucal", compreendendo ações nos campos da promoção, prevenção e assistência individual e a prestação de serviços necessários à resolução dos problemas de maior prevalência e significado social. Por sua vez, os procedimentos de assistência em saúde bucal devem ser planejados por toda equipe de saúde bucal, informação desconhecida pela grande maioria dos pesquisados.

Em outro trabalho, Sousa e colaboradores (2003) analisaram, por meio de uma abordagem qualitativa, a percepção dos profissionais de saúde de um hospital universitário sobre os princípios do SUS. Os autores observaram que, apesar de os profissionais não verbalizarem os princípios e diretrizes como constam na legislação, a explanação sobre sua prática em serviço mostrou que os princípios mais referidos foram a universalidade, seguido da equidade. A "integralidade" não apareceu em nenhuma das falas, demonstrando a fragmentação do pensamento em relação à oferta de serviços. Alguns princípios orientadores do SUS foram mais visíveis, como a descentralização. Outros estavam mais distantes do cotidiano da atenção, como o controle social, que também não apareceu em nenhuma das falas. Com relação às diretrizes, a mais citada foi a hierarquização/regionalização, seguida do financiamento. Os autores verificaram que os profissionais não foram treinados/capacitados para entender o conceito e a filosofia do SUS. Questionam como se pode esperar que esses profissionais implementem o SUS, sem a orientação sobre o sistema do qual fazem parte como agentes ativos no processo de trabalho em saúde.

No processo de implementação do SUS, a descentralização, o financiamento, o controle social e os recursos humanos são áreas realçadas como fundamentais para sua execução. Dessas áreas, a mais complexa e que sofre maior processo de desregulamentação dentro da política de reforma do Estado é a de Recursos Humanos (Brasil, 2005b).

No Brasil, com relação à educação na saúde, a grande maioria dos cursos técnicos, universitários, de pós-graduação e as residências formam profissionais distantes das necessidades de saúde da população e de organização do sistema, sendo o imaginário simbólico do SUS um mero campo de estágio ou aprendizagem prática (Sousa e col., 2003). Consequentemente, observa-se nos serviços de saúde a falta de humanização no atendimento, determinada principalmente pela tecnificação do cuidado à saúde (Solla, 2005). A humanização ou acolhimento propõe que o serviço de saúde seja organizado de maneira usuário-centrada, partindo do princípio de atender a todas as pessoas que procuram os serviços de saúde, garantindo a acessibilidade universal; reorganizar o processo de trabalho, a fim de que este desloque seu eixo central do médico para uma equipe multiprofissional que se encarrega da escuta do usuário, comprometendo-se a resolver seu problema de saúde com qualidade (resolutividade) e a qualificar a relação trabalhador-usuário, que deve dar-se por parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania (Franco e col., 1999).

Embora o SUS constitua um importante mercado de trabalho para os cirurgiões-dentistas, principalmente com a inserção da saúde bucal na Estratégia de Saúde da Família, que apresenta como uma de suas prioridades a atenção básica, não se verifica o impacto esperado sobre o ensino de graduação, defrontando-se com a precária disponibilidade de profissionais de saúde dotados de visão humanística e preparados para prestar cuidados contínuos e resolutivos à comunidade (Morita e Kriger, 2004).

Especificamente no campo da odontologia, ocorre um atraso histórico em relação a outras áreas da saúde, principalmente a medicina e a enfermagem, nos movimentos de mudança dos modelos tradicionais de formação profissional. A integração do processo de ensino-aprendizagem à rede de serviços sempre dependeu da adesão ideológica de docentes e estudantes, sendo as atividades extramurais resultantes mais da voluntariedade dos professores que as coordenavam do que do apoio institucional e da participação do quadro docente como um todo (Morita e Kriger, 2004). Essas atividades não se reverteram em incentivos, quer para progressão na carreira, reconhecimento acadêmico ou ganho financeiro, para aqueles que as assumiram e levaram-nas adiante (Brasil, 2005a).

O Ministério da Saúde, consciente desse problema, pretende usar a educação permanente para melhorar a formação de recursos humanos e, por consequência, fortalecer o SUS. Essa estratégia possibilita, num trabalho articulado entre o Sistema de Saúde e as instituições de ensino, a reorganização dos serviços e processos formativos, transformando as práticas educativas e as de saúde. Como objeto de reflexão estão os problemas que dificultam a atenção integral e de qualidade e diminuem a resolutividade ou a eficácia das ações de gestão e atenção. A atenção integral implica na necessidade do trabalho interdisciplinar e multiprofissional para o estabelecimento de vínculos com todas as dimensões do processo saúde-doença (Ceccim e Feuerwerker, 2004).

Almeja-se, visando à melhoria da qualidade de vida da população, desenvolver na equipe de saúde o sentimento de responsabilização, onde cada profissional deve se sentir responsável pelos cuidados necessários ao melhor atendimento do indivíduo. Quanto ao cidadão, esse sentimento significa o abandono de uma atitude passiva com relação à sua própria saúde e da coletividade e a busca pela melhor qualidade de vida possível (Brasil, 2005b).

Estão sendo feitos esforços para a reforma curricular no Brasil. O Conselho Nacional de Educação substituiu o conceito de currículo mínimo obrigatório para as profissões superiores, pelo conceito de "diretrizes curriculares" (Ceccim e col., 2002; Ceccim e Feuerwerker, 2004). As diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em odontologia denotam que a formação do profissional de saúde deve contemplar o sistema de saúde vigente no país, o trabalho em equipe e a atenção integral à saúde (Brasil, 2002; Ceccim e Feuerwerker, 2004).

No entanto, essas diretrizes constituem-se apenas em uma recomendação, já que, no Brasil, as universidades gozam de autonomia (Ceccim e Feuerwerker, 2004). Nesta perspectiva, a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde está atuando no intuito de modificar o foco das graduações dos cursos de Medicina, Enfermagem e Odontologia, para colocar no mercado profissionais voltados ao atendimento comunitário e ambulatorial, aptos a trabalharem na prevenção e promoção da saúde. O projeto chamado Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) financia instituições dispostas a reorientarem o conteúdo teórico, a diversificação dos cenários de prática e a orientação pedagógica e que insiram suas escolas nos serviços públicos de saúde (Brasil, 2005a).

Considerando este projeto de estímulo às mudanças curriculares, foi instituído, nos âmbitos do Ministério da Saúde e da Educação, o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), com o propósito de viabilizar programas de aperfeiçoamento e especialização em serviço dos profissionais de saúde, bem como de iniciação ao trabalho, estágios e vivências, dirigidos aos estudantes, concorde com as necessidades do SUS (Brasil, 2008).

A formação de profissionais capazes de desenvolverem uma assistência humanizada e de alta qualidade e resolutividade será impactante até mesmo para os custos do SUS (Brasil, 2005a). Verifica-se que indivíduos cujos problemas de saúde poderiam ser resolvidos na rede de atenção básica acabam por restringir o acesso dos que têm indicação para utilizar recursos de atenção da média e alta complexidade (Brasil, 2007).

Na verdade, a iniciativa de aproximação entre o ensino e as necessidades de atenção básica, traduzidas no Brasil pela estratégia de saúde da família, visa, na área da saúde, à substituição do modelo tradicional de organização do cuidado em saúde, historicamente centrado na doença e no atendimento hospitalar e na área da educação, à saída de um modelo de ensino centrado no diagnóstico, tratamento e recuperação de doenças para outro centrado na promoção de saúde, prevenção e cura de pessoas (Morita e Kriger, 2004; Brasil, 2005a, 2007). Certamente, para que mudanças ocorram na forma de cuidar, tratar e acompanhar a saúde dos brasileiros, deverá também haver mudanças nos modos de ensinar e aprender (Brasil, 2005b).

Conclusão

Apesar de o resultado possivelmente não representar o nível de conhecimento da totalidade dos profissionais pesquisados sobre a temática estudada, sugere haver a necessidade de promoção de cursos a respeito da base conceitual e filosófica do SUS, além de mudanças na grade curricular das instituições de ensino, a fim de formar profissionais voltados para as reais necessidades de saúde dos brasileiros.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos gestores, coordenadores e cirurgiões-dentistas dos municípios que permitiram a realização e aceitaram participar da pesquisa.

Recebido em: 12/12/2007

Reapresentado em: 04/11/2008

Aprovado em: 30/11/2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2009
  • Data do Fascículo
    Mar 2009

Histórico

  • Aceito
    30 Nov 2008
  • Revisado
    04 Nov 2008
  • Recebido
    12 Dez 2007
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