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Empoderamento e recursos para a participação em conselhos gestores

Empowerment and resources for participation in management councils

Resumos

A criação de conselhos gestores a partir de 1988 suscitou diversas experiências participativas, embora ainda predominem práticas autoritárias que inviabilizam a participação e o empoderamento. O objetivo deste estudo foi mapear recursos para o empoderamento/participação, em quatro conselhos municipais gestores de Itajaí/SC: Saúde, Assistência Social, Segurança Alimentar e Nutricional e do Idoso. Foram colhidas informações junto aos conselhos e aplicados 53 questionários aos participantes. A maioria está na idade adulta, são mulheres, possuem alto grau de escolaridade e foi indicada para o conselho sem eleição; metade recebe entre 1-5 salários mínimos e outra, entre 6-10 ou mais; um terço refere algum tipo de formação para atuar. O alto grau de escolaridade é recurso positivo, porém, pode indicar que as entidades valorizam apenas a participação de pessoas preparadas, excluindo as camadas menos favorecidas. Isto associado ao fato de que a maioria não foi eleita sugere que os representantes podem ser pouco legítimos e representativos. Os achados nos fazem considerar que existem alguns recursos positivos, porém outros nem tanto e há questões que devem ser aprofundadas para buscar maior compreensão em relação à possibilidade de influírem na participação.

Empoderamento; Capital social; Participação social; Conselhos Gestores


The creation of management councils from 1988 onwards led to various participative experiences, although authoritarian practices still prevail. However, there are possibilities for the involvement of civil society in public policies, provided separate groups explain and guarantee their rights, and exercise control over political decisions and the destiny of public resources. In the study presented here, the objective was to map resources for empowerment and participation, in four municipal management councils in Itajaí/SC: Health, Social Welfare, Food and Nutritional Safety, and the Elderly. The data was collected through documents and information gathered from the councils, and the application of 53 questionnaires to the representatives holding these positions. The majority of the participants were adults; women; with a high level of education; half of the participants earned from 1 and 5 minimum salaries and the other half, from 6 to 10 or more; most participants were nominated for the council without election; a third reported some kind of training for their positions; just over half were politically involved in the last municipal elections. The high level of formal education is a positive aspect in relation to the possibility of empowerment. However, this may indicate that the councils value only the participation of trained people and that the less privileged sectors of society are excluded. The results suggest that the representatives' identification with needs of the group is low. Although there are resources for participation, these is need to improve their understanding and use, for the empowerment of those involved.

Empowerment; Social Capital; Social Participation; Management Councils


ARTIGOS

Empoderamento e recursos para a participação em conselhos gestores1 1 Esta pesquisa é parte de um Projeto Integrado intitulado: Conselhos gestores e saúde: empoderamento e impacto na gestão pública, financiado pelo FAPESC/CNPq. O presente artigo trata-se de um recorte, tendo sido financiada pelo PIPG - Programa Integrado de Pós-graduação - UNIVALI.

Empowerment and resources for participation in management councils

Águeda L. P. WendhausenI; Tatiane Muniz BarbosaII; Maria Clara de BorbaIII

IDoutora em Enfermagem. Coordenadora do Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho. E-mail: agueda@univali.br

IIPsicóloga e Mestranda do Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho. E-mail: tatibitati11@yahoo.com.br

IIIAcadêmica do Curso de Graduação em Enfermagem. E-mail: mariaclaraborba@yahoo.com.br

RESUMO

A criação de conselhos gestores a partir de 1988 suscitou diversas experiências participativas, embora ainda predominem práticas autoritárias que inviabilizam a participação e o empoderamento. O objetivo deste estudo foi mapear recursos para o empoderamento/participação, em quatro conselhos municipais gestores de Itajaí/SC: Saúde, Assistência Social, Segurança Alimentar e Nutricional e do Idoso. Foram colhidas informações junto aos conselhos e aplicados 53 questionários aos participantes. A maioria está na idade adulta, são mulheres, possuem alto grau de escolaridade e foi indicada para o conselho sem eleição; metade recebe entre 1-5 salários mínimos e outra, entre 6-10 ou mais; um terço refere algum tipo de formação para atuar. O alto grau de escolaridade é recurso positivo, porém, pode indicar que as entidades valorizam apenas a participação de pessoas preparadas, excluindo as camadas menos favorecidas. Isto associado ao fato de que a maioria não foi eleita sugere que os representantes podem ser pouco legítimos e representativos. Os achados nos fazem considerar que existem alguns recursos positivos, porém outros nem tanto e há questões que devem ser aprofundadas para buscar maior compreensão em relação à possibilidade de influírem na participação.

Palavras-chave: Empoderamento; Capital social; Participação social; Conselhos Gestores.

ABSTRACT

The creation of management councils from 1988 onwards led to various participative experiences, although authoritarian practices still prevail. However, there are possibilities for the involvement of civil society in public policies, provided separate groups explain and guarantee their rights, and exercise control over political decisions and the destiny of public resources. In the study presented here, the objective was to map resources for empowerment and participation, in four municipal management councils in Itajaí/SC: Health, Social Welfare, Food and Nutritional Safety, and the Elderly. The data was collected through documents and information gathered from the councils, and the application of 53 questionnaires to the representatives holding these positions. The majority of the participants were adults; women; with a high level of education; half of the participants earned from 1 and 5 minimum salaries and the other half, from 6 to 10 or more; most participants were nominated for the council without election; a third reported some kind of training for their positions; just over half were politically involved in the last municipal elections. The high level of formal education is a positive aspect in relation to the possibility of empowerment. However, this may indicate that the councils value only the participation of trained people and that the less privileged sectors of society are excluded. The results suggest that the representatives' identification with needs of the group is low. Although there are resources for participation, these is need to improve their understanding and use, for the empowerment of those involved.

Keywords: Empowerment; Social Capital; Social Participation; Management Councils.

Introdução

A participação tem sido tema recorrente no discurso político mundial nas últimas décadas. Uma de suas expressões tem sido a implantação de conselhos gestores nos diversos níveis governamentais em vários países. Mesmo que a experiência dos conselhos não seja nova no Brasil, já tendo sido utilizada no Estado Novo e no governo militar dos anos 1960 (Borba, 2004), a retomada da democracia a partir dos anos 80 do séc. XX vem gerindo uma nova concepção do papel destes órgãos. Diferentemente de épocas anteriores, neste novo milênio devemos enfrentar problemas como: a pobreza, a miséria, a exclusão social, a deterioração do meio ambiente e, sobretudo, a habilidade das comunidades de conviverem umas com as outras (Baquero, 2001). Neste contexto, a mobilização social pela luta na busca de maior equidade e pela não marginalização emerge como pano de fundo nas experiências de Conselhos de Gestão e de controle das políticas públicas.

No Brasil, especialmente a partir da Constituição de 1988, são criados Conselhos Gestores que se constituem em novos espaços participativos, suscitando inúmeras experiências em diversas áreas, especialmente na área da saúde e da seguridade social. Embora em vários destes fóruns haja a participação de vários segmentos sociais como forma de constituírem-se canais de ressonância de necessidades dos grupos ali representados, o que temos observado, em muitos casos, é o uso deste espaço, dito democrático, de modo contrário, perpetuando práticas como a manipulação, o clientelismo, a troca de favores, a cooptação, etc., as quais inviabilizam a efetivação da democracia. Estas práticas e um arcabouço institucional cristalizado, como denuncia Caccia-Bava (2001), levam governantes e população a confundir democracia com o simples atendimento assistencial, e participação com a eficiência das políticas que mantém o status quo. Assim, encontramos conselhos que se reúnem, possuem legalidade através das atas e listas de presença, mas são "protocolares", existindo somente para garantir o recebimento de verbas públicas. Como limites à participação, Borba (2004) aponta as desigualdades de poder e saber entre os vários representantes, a ausência de mecanismos de controle sobre a representatividade dos conselheiros, a capacidade diferenciada de acesso a recursos políticos, a ausência de motivação e comprometimento e as dificuldades de mobilização da sociedade.

Os conselhos gestores de políticas públicas deveriam contemplar os ideais de participação e igualdade social, mas, de acordo com Fuks (2002), quando limitam o acesso às informações e o controle da população sobre as decisões do governo, têm restringido seu potencial democrático. Assim, em nosso entender, não conseguimos fazer a inversão social do conceito de controle social, tradicionalmente considerado pela sociologia, ou seja, que uma pessoa e sua ação estejam "de fato condicionada e limitada pelos grupos, pelas instituições e pela sociedade inteira, da qual é membro". Neste sentido, os indivíduos estariam condicionados a mecanismos mais ou menos ajustados, instituídos socialmente e a partir dos quais agiriam (Bobbio e Matteucci, 1981, p. 426).

Na área da saúde, este controle social tem como conseqüência a crescente medicalização da existência, o que, segundo Wendhausen (1999), constitui-se na introjeção gradual de padrões sociais, culturais e políticos a partir de parâmetros instituídos pela ciência médica, cuja subjetividade resultante é uma necessidade (demanda) crescente de atos médicos normalizadores e interventivos sobre a vida e a saúde. Para a autora, considerando a intensa medicalização a que estamos submetidos, fica difícil imaginar a participação efetiva nos conselhos, sem considerar a emergência de uma nova subjetividade em saúde capaz de produzir sujeitos mais autônomos, reflexivos e ativos. Em última análise, para inverter o controle social tradicionalmente considerado e exercê-lo em todos os espaços, inclusive nos conselhos gestores, é preciso, entre outras coisas, 'desmedicalizar' a saúde. É preciso que, além do espaço democrático, possamos também atuar democraticamente, assim, é mister que o poder circule (Wendhausen, 2002).

Coloca-se, desta forma, a participação como um 'problema' (Fuks, 2002), como entrave à igualdade política e social, o que lhe confere relevância para que pesquisemos em que medida essa nova institucionalidade, que são os conselhos gestores, tem possibilitado, ou não a cidadania constitutiva ou o empoderamento.

O empoderamento é um conceito polissêmico que tem tido visibilidade crescente, principalmente a partir dos anos 1990. O termo deriva da língua inglesa (empowerment) (Baquero, 2001). É uma idéia que tem origem nos movimentos sociais por direitos civis na década de 1970, no movimento feminista e na ideologia da 'ação social' presentes nas sociedades do primeiro mundo, a partir dos anos 1950. Nos anos 1970, é influenciado pelos movimentos de auto-ajuda; nos anos 1980 pela psicologia comunitária e nos anos 1990 pelos movimentos que buscam afirmar o direito de cidadania sobre distintas esferas sociais, dentre as quais a da saúde (Carvalho, 2004).

O empoderamento tem assumido significações que se referem ao desenvolvimento de potencialidades, aumento de informação e percepção, com o objetivo de que exista uma participação real e simbólica que possibilite a democracia. Para Vasconcelos (2004), o empoderamento significa o aumento do poder, da autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e grupos sociais nas relações inter-pessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações de opressão, discriminação e dominação social. Um dos aspectos fundamentais do empoderamento diz respeito às possibilidades de que a ação local fomente a formação de alianças políticas capazes de ampliar o debate da opressão no sentido de contextualizá-la e favorecer a sua compreensão como fenômeno histórico, estrutural e político. Empoderamento, conforme Teixeira (2002), se associa a formas alternativas de se trabalhar realidades sociais, suporte mútuo, formas cooperativas, formas de democracia participativa, autogestão e movimentos sociais autônomos.

Tomado neste sentido, o empoderamento se torna um processo que oferece possibilidades às pessoas de auto-determinar suas próprias vidas, efetivando sua inserção nos processos sociais e políticos, a partir de sua integração na comunidade e da articulação com outras organizações (Rappaport; Stark apud Kleba, 2000). Empoderar passa a ser o papel de gestão, parceria e responsabilidade que cada ator social assume, junto com o Estado, diante da vida, na acepção de tomar os rumos para influenciar no destino dos recursos públicos e na formulação de políticas públicas que representem a necessidade e a vontade dos cidadãos. É entender que a transformação da realidade é uma tarefa comum ao ser humano, que envolve laços de afeto, inclusão, sentimento de pertencimento e politização (Oakley e Clayton, 2003).

Isto pode, como conseqüência, re-desenhar espaços constituídos de capital humano e social, que estão indubitavelmente ligados ao empoderamento. Capital social se refere aos sistemas horizontais de participação cívica (associações comunitárias, cooperativas, grêmios desportivos, partidos políticos, etc). As características centrais destas redes são confiança, reciprocidade e cooperação, o que facilita a solução dos dilemas da ação coletiva (Putnam, 1996, apud Labra, 2002).

Constatamos, pois, que o espaço dos conselhos gestores, juntamente com outros fóruns que vêm sendo instituídos, são prenhes em possibilidades de democratização e consequentemente do empoderamento. Segundo Caccia-Bava (2001), diversas experiências com conselhos, orçamentos participativos e congressos da cidade mostram que é possível uma nova arquitetura democrática, em que, a partir da construção de esferas públicas não estatais, são partilhados mecanismos de poder que favorecem a organização da sociedade para que distintos grupos possam explicitar seus direitos e garanti-los. Além desta potencialidade de que o processo decisório seja ampliado, Borba (2004) aponta outras como, por exemplo, o maior controle sobre a execução de políticas e destinação de recursos públicos, a possibilidade de desenvolvimento moral dos indivíduos que participam - a construção de capital social -, ou seja, a participação traria consigo um potencial de empoderamento individual e coletivo.

Neste sentido, focando especificamente a organização da sociedade civil, entendemos que os recursos para participar constituem-se em fatores, não exclusivos, mas que influem na qualidade da participação dos conselheiros e membros dos grupos de que são originários. Entendendo a Universidade como o local de geração de saberes, mas, ao mesmo tempo, portadora de responsabilidade social no sentido de buscar saberes utilizáveis para a sociedade, as práticas participativas nos conselhos gestores de políticas públicas se tornam nossa preocupação de pesquisa. A contribuição é a de poder melhor compreender e avaliar as várias dimensões da participação e de como tem sido seu impacto no processo de gestão das políticas públicas. Este recorte de pesquisa que se apresenta como artigo é a parte inicial de um projeto maior intitulado, "Conselhos Gestores e Saúde: empoderamento e impacto na gestão pública", desenvolvido em cooperação entre UNIVALI (Itajaí) e UNOCHAPECÓ (Chapecó), financiado pela FAPESC (COM 14588/2005-2) e CNPq (402431/2005-7). Aqui são discutidos os dados de quatro conselhos de Itajaí: de saúde, da assistência social, do idoso, de segurança alimentar e nutricional, em termos de recursos para a participação, tanto por parte dos conselheiros, como dos próprios conselhos. A escolha destes conselhos pelo grupo que coordena o projeto maior se deu em consideração à estreita relação que possuem com a área da saúde e também porque, dentre os objetivos do projeto, se pretende avaliar a relação entre estes conselhos, vislumbrando em que medida praticam a intersetorialidade.

Este diagnóstico permitiu a identificação de semelhanças e diferenças entre os quatro fóruns e entre seus representantes, bem como a relação entre seus recursos individuais e coletivos, a possibilidade de participar e o conseqüente potencial para o empoderamento aí contido.

Procedimentos Metodológicos

Quanto ao local do estudo, Itajaí, é uma cidade portuária, localizada na região do Vale do Itajaí, a 94 km da capital do Estado de Santa Catarina. Destaca-se pela função de Centro Portuário do Estado e é considerado município pólo da região Microrregião do Vale do Itajaí, congregando onze municípios. A população, predominantemente urbana, é de aproximadamente 150.000 habitantes.

Constatamos a existência de 18 (dezoito) fóruns no município. Para este estudo, por razões já mencionadas, selecionamos quatro: Conselho Municipal de Saúde (COMUSA), de Assistência Social (CMAS), de Segurança Alimentar e Nutricional (COMUSAN) e do Idoso de Itajaí (CMII)2 2 ITAJAÍ. Conselhos municipais. Disponível em: < http//:www.itajai.com.br>. Acesso em: 10 out. 2005. .

Após a anuência da Prefeitura Municipal de Itajaí para realização do estudo, iniciamos a coleta de dados. Inicialmente para, obter dados sobre os conselhos e seu funcionamento, foram consultados os documentos existentes (leis de criação e regimentos). Além disso, para outras informações, foi aplicado um instrumento junto a informantes-chave, geralmente os responsáveis pelo conselhos, tais como secretários ou mesmo os presidentes em alguns casos.

Para obter dados sobre o perfil dos conselheiros, aplicamos um questionário aos participantes dos fóruns. No caso, demos preferência aos titulares pela maior facilidade de encontrá-los. O momento preferencial de aplicação dos mesmos foi antes ou após as reuniões dos conselhos, durante os meses de novembro de 2004 a maio de 2005. Pela dificuldade em encontrar alguns conselheiros nas reuniões ordinárias e/ou extraordinárias, alguns questionários foram aplicados no domicílio ou no local de trabalho dos participantes.

A tentativa foi a de incluir toda a população do estudo, porém isso não foi possível devido a algumas dificuldades tais como: alteração do quadro político com as eleições municipais de 2004 e, conseqüente, alteração nos conselhos o que desestabilizou seu funcionamento normal (por ex.: até o término dessa pesquisa alguns conselheiros do segmento governamental ainda não haviam sido indicados; em alguns conselhos as reuniões não aconteceram por falta de quorum). Além disso, o COMUSAN passava por um momento de estruturação enquanto fórum de participação (segundo ano de funcionamento) e enfrentava alguns problemas de estrutura e composição, o que dificultou a coleta de dados.

Ao final, nossa amostra constituiu-se de 53 (cinqüenta e três) conselheiros titulares distribuídos no quadro 1:


Quanto aos aspectos éticos, o projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética da UNIVALI para apreciação e autorização da pesquisa (Parecer nº 471/2004). A seguir, obtivemos autorização e apoio da Prefeitura Municipal para o acesso a documentos, informações e participação das reuniões. Quanto às fases da pesquisa que envolveram aplicação de questionários, observamos os preceitos éticos recomendados pelo Parecer 196/96 e oferecemos o consentimento livre e esclarecido aos participantes.

Resultados e Discussão

Quanto à situação estrutural, os conselhos não diferem muito entre si. Nenhum deles possui sede própria, as reuniões dos conselhos estudados são realizadas em local cedido pela prefeitura. Isto se constitui em dificuldade, pois, como constatamos, o CMII teve grande dificuldade de realizar suas reuniões no ano de 2004 por não ter local fixo, o que foi resolvido somente em 2005, quando a nova gestão municipal conseguiu defini-lo.

Em relação aos recursos materiais, como telefone, vídeo, computador, acesso a internet, fax e jornal, nenhum conselho os possui como recurso próprio. Eles utilizam os das respectivas secretarias municipais. O COMUSA possui telefone e computador disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS). O CMAS, CMII e o COMUSAN usam o telefone, o computador, acesso a Internet e Fax da Secretaria de Desenvolvimento Social.

Quanto aos recursos humanos, somente o COMUSA possui suporte administrativo que é cedido pela Secretaria Municipal de Saúde. Este suporte compreende instalações e uma funcionária que atua como secretária do Conselho. Entretanto, cabe ressaltar que a figura da secretária administrativa, a sala e o telefone só passaram a existir a partir de janeiro de 2005, quando se iniciou uma nova gestão municipal.

Todos os conselhos possuem lei de implantação e regimento interno, exceto o COMUSAN, cujo regimento interno está em fase de construção. O quadro 2 resume as características dos conselhos pesquisados:


Todos os conselhos estudados foram criados a partir dos anos 1990, sendo o COMUSA o mais antigo à época (2004), com 13 anos e o COMUSAN o mais novo, com 2 anos.

Quanto às finalidades dos conselhos e a composição, destacamos que COMUSA e CMAS são deliberativos em relação às políticas sociais. Já os demais funcionam como consultores e exercem o controle social sobre as questões de alimentação e direitos do idoso. Quanto à composição, todos possuem representação não governamental (usuários no caso da saúde) no mínimo de 50%, à exceção do COMUSAN, em que esta representação sobe para dois terços. Enquanto a composição da maioria prevê somente os segmentos governamental e não governamental, o COMUSA possui ainda a representação dos serviços privados conveniados com o SUS e a dos profissionais de saúde. No COMUSA, a representação dos profissionais de saúde estava aquém (16%) do previsto pela Resolução 333/03, que é de 25%; e o número de representantes do governo além, somando 22%, quando deveria ficar em torno de 12,5%. Nos demais conselhos, a composição prevista em lei está correta.

A divulgação das reuniões e decisões, em geral, é feita de forma aleatória, ficando na responsabilidade individual de conselheiros que possuem algum tipo de vínculo com a mídia local. Somente o CMAS comunica suas decisões em jornal municipal. Assim, podemos inferir que a importância dada à visibilidade destes órgãos públicos é mínima, o que interfere na possibilidade de que a população os conheça e, portanto, os legitime enquanto canal de demandas populares.

Quanto aos recursos a que recorrem quando necessitam de ajuda, todos se referiram ao Ministério Público, sendo que o CMAS e o COMUSAN recorrem ainda aos Poderes Executivo e Legislativo.

Em relação ao perfil dos participantes, a maior faixa etária (71,6 %) é entre 36 e 55 anos. Contudo, no CMII, a média de idade é superior, já que, diferentemente dos demais, não há participantes com idades entre 26 e 35 anos e a maioria dos participantes está na faixa etária entre 46 a 55 anos. Em todos os conselhos, os conselheiros encontram-se numa idade que pode ser considerada madura. Wendhausen (2002), que encontrou esta mesma situação ao pesquisar o COMUSA de Itajaí, em sua 1ª e 2ª gestões, entende ser este um fator positivo para a participação, pois o conselho é um espaço em que é necessário tomar decisões sustentadas em dados, fatos, contextos e experiência, que também são forjados com a maturidade. Mesmo que existam outros fatores a interferir no processo participativo, este, em nosso entender, pode ser um elemento favorável à participação.

Quanto ao gênero dos participantes, apenas no Conselho Municipal de Saúde a representação entre homens e mulheres é igual, pois nos outros três conselhos, a maior representação é das mulheres, constituindo-se 60,38% do total de conselheiros. Constatamos, pois, a presença importante das mulheres neste espaço que até pouco tempo era constituído basicamente de homens – o espaço político. Cortes (1996) afirma que os processos de participação surgem por conta das desilusões em relação aos representantes eleitos e às políticas liberais que falseiam as decisões democráticas, sobretudo na década de 1970. Neste cenário, novos movimentos sociais se articulam, com orientação anti-institucional, para fazer valer a voz das minorias e apresentar as relações opressoras e excludentes que se delineavam na modernidade. Dentre estes movimentos, o feminista é um dos mais importantes, posto que uma de suas demandas é a participação nos espaços de decisão política e comunitária. O advento dos movimentos feministas expressa essa necessidade – e vontade – feminina de assumir um lugar no mundo que a faça se sentir partícipe e sujeito de suas ações, o que até então tinha ficado "esquecido" ou era desvalorizado socialmente. Essa significação nos possibilita pressupor que ainda hoje o movimento feminista influencia na participação das mulheres em espaços como os dos conselhos gestores e que isto pode ter a relação com o empoderamento que tem crescido nas últimas décadas.

Além disso, outro fato que pode levar a uma maior participação feminina nestes conselhos pode-se relacionar ao histórico envolvimento das mulheres no cuidado à saúde e à assistência das pessoas. Os dados em relação à profissão/ocupação indicam que a maioria dos conselheiros exerce atividades profissionais reconhecidas historicamente como sendo femininas: professora (quatro conselheiras), assistente social (cinco conselheiras) e enfermeira (quatro conselheiras), são as ocupações que mais aparecem.

Mesmo que consideremos que a família está sempre se transformando, assim como as relações sociais e econômicas, as mulheres hoje ainda adotam o papel de cuidadoras do lar e da família e, não obstante, ainda assumem o papel que as mudanças no mercado de trabalho têm apontado: a mulher também cuida da produção dos bens de consumo e ocupa seu lugar nos espaços políticos. Essas 'profissões femininas' pressupõem cuidado, colaboração, negociação e flexibilidade, o que pode se refletir como aspecto favorável ao empoderamento e à participação nestes espaços.

Os dados que se referem à escolaridade dos participantes apontam um alto grau de escolaridade. Nos quatro conselhos pesquisados, 66% dos conselheiros possuem curso superior completo, sendo que, destes, 39,65% possuem cursos completos de pós-graduação, alguns inclusive Stricto sensu. O CMAS se destaca pelo número absoluto de conselheiros com curso superior completo: dos 17 entrevistados, 14 possuem curso superior. Mesmo nos conselhos em que os conselheiros não têm curso superior completo, há um número considerável de participantes - 20,75% - que já ingressaram em curso superior. Isso demonstra um elevado índice dos recursos individuais educacionais, que tendem a influenciar positivamente no processo de empoderamento e na participação dos conselheiros, se os entrecruzarmos com outros recursos individuais e mesmo coletivos.

Pesquisas sobre a participação em conselhos gestores, como a que Fuks (2002) realizou no estado do Paraná, ou como a que Tonella (2003) realizou na região Metropolitana de Maringá – PR, com indicativos de alta escolaridade (71,5% dos conselheiros com curso superior completo ou incompleto), também revelam que o grau de escolaridade influencia na participação dos conselheiros, pois é associado a outros aspectos que se complementam quando há recursos cognitivos, entendimento de informações e conhecimentos que vão além das habilidades técnicas e profissionais.

Demo (2001) enfatiza a importância da escolaridade em relação à participação. Acredita que a educação como formação à cidadania é um desses canais, à medida que a escolaridade possibilita o envolvimento potencial e criativo das pessoas com as coisas de seu mundo, alicerçada em componentes formativos, de empoderamento ('autopromoção'), de direitos e deveres dos atores sociais, de acesso à informação e ao saber, de habilidades, valores e liberdade de escolhas responsáveis. "Cremos que a função insubstituível da educação é de ordem política, como condição à participação, como incubadora da cidadania, como processo formativo. Se um país cresce sem educação, não se desenvolve sem educação" (Demo, 2001, p.52)3 3 Grifos do autor. .

Entretanto, a concentração de participantes com alta escolaridade pode sugerir ainda uma outra interpretação, ou seja, somente os 'letrados' estão conseguindo penetrar no espaço político. Se assim for, poderíamos questionar se eles de fato são representativos e legítimos em relação aos anseios dos grupos a que pertencem. Esta é uma pergunta difícil de responder, porém deve ser pensada se realmente o objetivo é que as práticas dos conselhos possam influenciar no empoderamento dos mais excluídos.

Mesmo que o nível de escolaridade seja considerado alto para todos os conselheiros, há diferenças entre os segmentos, que precisam ser destacadas. Assim, enquanto nos segmentos governamentais, dos quatro conselhos, encontramos no mínimo Curso Superior Incompleto, sendo a maioria composta por profissionais formados, alguns com pós-graduação; no segmento dos usuários e/ou não governamental, encontramos alguns com ensino médio incompleto ou completo, o que corresponde a 14,28% do total de conselheiros e 25% do total de representantes usuários e/ou não governamentais. Se, por um lado, encontramos que os usuários possuem menos recursos em termos de escolaridade, por outro, podemos pensar que, mesmo com menor escolaridade, estes conseguem estar presentes nos conselhos, tendo assim a possibilidade de fazer valer seus direitos. É preciso considerar o quanto esta diferença influi no espaço de poder que podem ter os conselhos, pois que o saber está diretamente relacionado com o poder. Principalmente se atentarmos para o "discurso competente", referido por Wendhausen (1999), que, em seu estudo de caso sobre um conselho de saúde, constatou que uma das formas de silenciamento do segmento dos usuários se dá através da estratégia da manutenção de lugares demarcados pelos papéis profissionais ou de autoridade, consubstanciados pela linguagem técnica de um lado e pela manutenção do segmento usuário como aquele que não sabe 'falar' tecnicamente e, portanto, 'deve ficar calado'.

No que se refere à renda dos participantes, a maior parte (34%) possui entre 1-5 salários mínimos e 17% não possui renda. Somando-se a faixa de renda de 6-10 e > 10 salários mínimos, constatamos que 49% dos conselheiros encontram-se nestas faixas, ou seja, a metade dos participantes.

Se compararmos estes dados com os da pesquisa de Fuks (2002), a qual constata que entre as faixas de renda de 6-10 e > 10 salários mínimos estão 91% dos conselheiros pesquisados, constatamos que a renda nos 4 (quatro) conselhos de Itajaí/SC é um pouco mais baixa. Isto pode revelar que a mão de obra, numa cidade do interior como Itajaí, é mais barata do que em um grande centro como Curitiba, local onde Fuks realizou sua pesquisa. Também é importante considerar que em três, dos quatro Conselhos pesquisados, há participantes (17%) que não possuem renda; destes, a maioria é de religiosos e pertencentes ao segmento dos usuários e/ou não governamental. O fato de metade dos conselheiros não possuírem renda ou a terem baixa (até 5 salários) é um indicativo negativo para a participação, pois podemos imaginar que o acesso a determinados bens de consumo estaria prejudicado, inclusive a outros meios de comunicação, como jornais, canais de TV pagos, revistas, internet, instrumentos importantes em seu papel decisório. Isto, porém, fica agravado quando constatamos que a concentração dos conselheiros que alegam não possuir renda está no segmento dos usuários e/ou não governamental, num percentual em torno de 15%. Também os que possuem renda na faixa de 1-5 salários mínimos, perfazendo 17%, estão mais concentrados neste segmento. Somando os dois índices, somente de usuários, temos um percentual de 32% do total de conselheiros com baixa ou nenhuma renda. Some-se a baixa renda ao pouco acesso a escolaridade, também concentrado neste segmento, e constataremos aí uma grande lacuna para a qualidade da participação, embora estes não sejam os únicos determinantes.

Ao analisar os dados sobre o tempo de atuação dos conselheiros no fórum, verifica-se que a maioria dos participantes, 55%, está em sua primeira gestão. Isso pode decorrer das eleições municipais (outubro de 2004) em que houve mudança de prefeito e gestores municipais (especificamente em Itajaí, a mudança também foi partidária), o que implica em novas e diferentes indicações da representação governamental.

Outra consideração importante a fazer é sobre o tempo de fundação dos Conselhos, que, em sua maioria, são relativamente novos, possuindo em torno de 8 anos de existência, à exceção do COMUSA, que funciona desde 1990. O COMUSAN é o mais novo (2003), possuindo 80% dos participantes com apenas um ano ou menos de participação, estando ainda em processo de estruturação do regimento interno e da composição.

Um forte indicativo de democratização é a forma como os participantes foram indicados por sua base. Para Lacerda (1997), a representatividade significa que os conselheiros devem atuar de acordo com as demandas do grupo ou entidade que representam, ampliando seu espaço de atuação para toda a sociedade, sem se distanciar do movimento que o indicou. Quanto à legitimidade, assinala que os conselheiros devem ser indicados pelas entidades ou movimentos a que pertencem, mediante ampla discussão interna e com outros movimentos, na garantia de que essa indicação represente – de fato – as necessidades e vontades dessas pessoas e a capacidade de consensos pelo diálogo e pela negociação. Nos quatro Conselhos, 68% da amostra refere ter sido indicada sem eleição, sendo que no CMII esse número sobe para 83%. Considerando os critérios colocados e revendo os dados da pesquisa, este resultado faz-nos questionar a representatividade e legitimidade destes fóruns.

Rodrigues (2004)4 4 RODRIGUES, I. As concepções de saúde de conselheiros municipais de saúde da região da AMFRI/SC e a relação com a prática no conselho. Pesquisa finaciada pelo Programa de Pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC- CNPq), UNIVALI, Itajaí, 2004. destaca a influência que a representatividade exerce quanto à dinâmica dos conselhos gestores, já que o conselheiro deve atuar como interlocutor de suas bases, levando as reivindicações, necessidades e vontades das pessoas ou grupos que representa nesse espaço de discussão acerca das políticas sociais. Em seu estudo, Rodrigues (2004) sugere que os componentes do conselho não são, com efeito, articulados àqueles que deveriam representar, ao passo que nem sempre respondem aos interesses de quem os indicou ou de toda a sociedade.

Quanto ao número de conselheiros que fizeram capacitação para assumir a "função", constata-se que 37% dos conselheiros passaram por algum processo de capacitação. Entretanto, ao questionarmos o conteúdo destas capacitações, muitos não conseguiam precisá-las, denotando sua importância relativa no exercício de seu papel. Esses números se aproximam ao que revelou a pesquisa de Tonella (2003), quando são consideradas algumas lacunas existentes no funcionamento dos conselhos, dentre elas a da formação. Nesta pesquisa, 30% dos representantes governamentais e 29,8% da sociedade civil se referem à falta de capacitação dos conselheiros. A atuação nos conselhos gestores deve 'desmonopolizar' o poder e o saber, tornando-o um espaço de diálogo e articulações dos diferentes atores sociais, o que pressupõe habilidades específicas que poderiam ser garantidas através de capacitação ou educação permanente e formativa. Todavia, o processo de capacitação tem sido lento e geralmente acontece a partir de modelos de educação tradicional, que desconsideram a participação do educando em seu próprio processo de aprendizagem. Em nosso entendimento, os momentos de capacitação devem se tornar cotidianos e com metodologias ativas, fundamentadas numa concepção crítica das relações humanas, inspirando uma prática educativa transformadora e participativa, centrada na construção do conhecimento e na aprendizagem de conteúdos vivos, significativos e atualizados, que levam ao empoderamento.

Chama atenção nos dados o fato de que a maioria dos conselheiros entrevistados (57%) exerce atividade pública, o que, segundo Fuks (2002), pode estar associado em parte ao fato dos conselhos serem órgãos governamentais. Desse total de conselheiros que exerce atividade pública, 72% representam o segmento governamental.

As entidades que estão representadas nos conselhos pesquisados provêm: 4% dos sindicatos, 2% de universidades, 25% de movimentos sociais (associações diversas – de patologias, de moradores, de portadores de necessidades especiais, etc.) e 15% de movimentos da Igreja (entendemos que a Igreja também é um movimento social, mas a separamos em outra categoria pelo número significativo de representação).

Segundo Gerschman (1995), a Igreja Católica, com suas experiências de organização popular – através das comunidades eclesiais de base – , marca um período de transição à democracia e oposição ao regime militar, que colabora com o fortalecimento do Movimento da Reforma Sanitária. Para Kleba (1998), a Igreja, através de movimentos como a Pastoral da Saúde, tem participado ativamente das discussões sobre as políticas de saúde e tem atuado na área dos direitos humanos – inclusive na luta pelo direito à saúde. A organização da Pastoral da Saúde, conforme sua pesquisa realizada no oeste catarinense, desenvolveu uma prática de engajamento político em defesa dos direitos à saúde e de reivindicação junto ao Estado quanto ao cumprimento de suas responsabilidades. Nesse sentido, a representação e articulação dos movimentos da Igreja Católica, assim como de outros movimentos de organização da sociedade civil, podem se tornar instrumentos de politização que tendem a construir políticas de saúde baseadas na experiência concreta de participação, empoderamento, democracia e cidadania. Ainda para Demo (2001), organizações como a Igreja podem se constituir em um outro 'canal de participação' que não seja o de assentimento ao poder, desde que assuma formas conscientes e políticas de organização, ou seja, que tenha conhecimento de seus interesses inseridos em determinados contextos organizativos.

Nessa acepção, o autor pontua que mesmo que a sociedade se contraponha à organização do Estado, Estado e sociedade, ambos se superpõem porque em alguns momentos estamos no Estado e em outros na sociedade civil. A dificuldade de se apropriar desse entendimento pode revelar que a sociedade civil é entendida como avessa ao Estado, porque conta com a voz de poucos da massa de desiguais que não tem a mesma força que as elites dominantes. Por isso, valoriza a organização do cidadão, para que exista confronto dialético, saudável, e que suceda à circulação do poder e garanta a participação das pessoas 'comuns' através da organização sindical, partidária e comunitária. "O poder somente pode ser controlado de forma realista por aqueles que são alijados dele, pelos desiguais" (Demo, 2001a, p. 31).

O envolvimento com a política é um fator que pode influenciar nas atitudes e posturas dos conselheiros e também é um indicativo importante de seu empoderamento, pois denota uma atitude que pode estar associada à organização da sociedade civil. Ao 'olharmos' os dados coletados e considerarmos qual a relevância do grau do ativismo político encontrado na nossa pesquisa, para a participação dos conselheiros representantes de determinados grupos e/ou pessoas, vislumbramos que suas atitudes de envolvimento político podem estar associadas à organização política da sociedade civil. Segundo Demo (2001), a participação na organização da sociedade civil é um dos caminhos que podem levar à constituição de políticas mais igualitárias e cidadãs. Com base em estudo realizado por Fuks (2002), em conselhos gestores do Paraná, utilizamos parte dos indicadores propostos para avaliar o ativismo político. Optamos por aqueles que avaliam o envolvimento político individual, os quais denotam o interesse dos participantes em relação à política, quais sejam: doação de dinheiro a candidato, comparecimento a comício, trabalho gratuito pelo candidato, colagem de cartazes e adesivos, uso de broches e defesa de candidato.

No que se refere às últimas eleições municipais, do total de conselheiros pesquisados, 51% compareceram a comícios, 56,6% trabalharam gratuitamente e 64% defenderam candidatos. Chama a atenção o fato de que os conselheiros não doaram dinheiro para a campanha dos candidatos a prefeito ou vereador. Na pesquisa de Fuks (2002), os conselheiros revelaram um grau de ativismo político consideravelmente maior que em nossa pesquisa (75% compareceram a comício, 73% trabalharam gratuitamente e 90% defenderam candidato), mas em relação à doação de dinheiro também não se envolveram de maneira significativa. Dentre os quatro conselhos pesquisados, é no COMUSAN que existe mais envolvimento político em todas as variáveis pesquisadas, o que pode indicar que seus conselheiros se sintam mais partícipes desse processo cívico. O sentimento de civismo mediano dos conselheiros pesquisados pode significar que acreditam pouco em sua capacidade de influenciar nas decisões políticas.

A fim de buscar compreensões contextualizadas, também cruzamos os dados do ativismo político com a renda dos conselheiros. Nesse panorama se destaca que os conselheiros que mais se envolveram politicamente (44%), estão na faixa de renda de 6 a 10 salários mínimos; enquanto que os que menos se envolveram (5,8%) são aqueles conselheiros que não possuem renda. Esses dados corroboram o pressuposto de que os representantes nos conselhos gestores tendem a ser pessoas que fazem parte de uma elite decisória (Tonella, 2003) que tem acesso a maiores níveis de educação, informação, salário e capacitação.

Os conselheiros também foram questionados acerca da rede de apoio com que contam, ou seja, a quem recorrem para algum tipo de ação ou reivindicação. De modo geral, os conselheiros afirmam procurar o apoio de: outros Conselhos Municipais, Secretarias Municipais, Câmara de Vereadores, Prefeito, Poder Judiciário, Igreja, universidade, sindicato, movimentos sociais, empresas privadas, meios de comunicação e comunidade. É importante ressaltar que, destes apoios citado,s destacam-se o poder público municipal (secretarias, vereadores, prefeito), os conselhos municipais, a Igreja e os movimentos sociais; mas chama a atenção o fato que, de todos os conselheiros pesquisados (53), somente três, ou seja 5,66%, citam diretamente a comunidade e sete – 13,2%, a entidade que representam. Esses últimos dados justificam nosso questionamento anterior referente à legitimidade e representatividade dos conselheiros, pois, se estes interagem com as bases, também poderiam contar com seu apoio. Além do mais, isto parece indicar o quanto os conselheiros não possuem consciência, ou não acreditam nos recursos de que dispõem.

Esses dados nos fazem pensar que a organização da sociedade civil, um dos canais privilegiados de participação, segundo Demo (2001), não ocupa legitimadamente o espaço do poder, das decisões políticas e das mudanças sociais. Essa organização da sociedade implica a competência política subjetiva, que Fuks (2002) aponta em seus estudos, e que aqui podemos traduzir como educação formativa, cultura democrática, capital social, empoderamento, equalização de acesso e rodízio no poder: elementos que garantem a representatividade maior do lado dos representados e a participação como acreditamos que deve ser.

Considerações Finais

Os conselhos se mostraram próximos no que se refere à situação estrutural. Nenhum deles possui sede, recursos materiais ou acesso a meios de comunicação próprios. Dos quatro conselhos estudados, três deles (COMUSA, CMAS e CMII) possuem Lei de criação e regimento interno. O conselho mais antigo é o COMUSA, que funciona há 13 anos, e o mais recente é o COMUSAN, em sua segunda gestão, não possuindo Regimento Interno. Quanto à composição, somente o COMUSA não está de acordo com o preconizado pelo governo, já que os profissionais de saúde deveriam possuir 25% da representação e possuem 11% e o governo, que deveria ter em torno de 11%, possui 22%. As principais lacunas identificadas referem-se aos poucos recursos disponíveis ao funcionamento dos conselhos, os quais, somados aos parcos recursos financeiros dos conselheiros, podem trazer dificuldades à participação social, já que o acesso às informações é fundamental para a atuação de atores sociais envolvidos criticamente com a construção de políticas públicas mais equânimes, igualitárias e justas.

Quanto ao perfil dos conselheiros, constatamos que a maior parte: concentra-se na idade adulta e é do gênero feminino. Possuem um alto grau de escolaridade - 66% concluíram curso superior -, mas há diferenças, principalmente em relação aos conselheiros usuários e/ou do segmento não governamental, dos quais 25% possuem o 2º grau. O CMAS se destaca pelo número absoluto de conselheiros com curso superior completo. No que se refere à renda, metade dos participantes não possui renda ou recebe entre 1-5 salários mínimos; a outra possui renda entre 6-10 salários mínimos ou mais. Também neste quesito há um alto percentual de conselheiros usuários e/ou da representação não governamental que não possuem renda, ou se encontram na faixa de 1-5 salários mínimos. Grande parte dos participantes trabalha no setor público. Detectou-se a presença de elevado número de pessoas ligadas à Igreja, as quais se concentram na representação usuária e/ou não governamental. A maior parte dos entrevistados está em sua primeira gestão e foi 'indicada' para participar do conselho, sem processo eletivo. Um terço dos participantes refere algum tipo de formação sobre a função que exerce, porém não consegue precisá-la. Quanto ao ativismo político, pouco mais da metade se envolveu politicamente nas últimas eleições municipais, destacando-se aí a participação dos conselheiros de maior renda.

A predominância do gênero feminino entre os conselheiros é um dado que merece destaque, pois o espaço político, até bem pouco tempo, era constituído basicamente de homens. Considerando que sua presença deve-se ao histórico envolvimento das mulheres no cuidado à saúde e à assistência das pessoas, mas também ao movimento feminista, este nos parece um fator positivo, pois por dentro destes movimentos forja-se uma nova identidade da mulher, através de processos de empoderamento que vêm influenciando todos os demais movimentos sociais.

Quanto à escolaridade é importante atentar para a diferença entre os segmentos dos usuários e/ou governamental e os demais, o que pode gerar dessimetrias forjadas pelo discurso competente dos profissionais em relação aos leigos. Ainda assim, considerando a realidade brasileira, a escolaridade pode ser considerada elevada, pois todos os conselheiros possuem no mínimo primeiro grau completo. Este é, à primeira vista, aspecto positivo em relação à possibilidade de empoderamento Porém, pode indicar que as entidades valorizam apenas a participação de pessoas preparadas, excluindo do processo justamente as camadas menos favorecidas. Isto significa que as entidades têm privilegiado a participação nos conselhos das pessoas mais preparadas para o exercício da função e representação, deixando à mercê desse processo parte significativa da população brasileira e com a tendência de centralizar o poder nas mãos de poucos que sabem mais.

Outras lacunas que podem comprometer a participação é a baixa renda encontrada, principalmente entre o segmento usuário e/ou não governamental, o que em si acarreta problemas quanto ao acesso às informações e que aqui se soma à falta de recursos administrativos e comunicação no âmbito dos próprios conselhos e a um menor nível de escolaridade.

O grau de ativismo político, através dos indicadores selecionados, mostra-se mediano, porém, se considerarmos que os conselheiros são "representantes" de seus grupos, portanto pessoas que aí se destacam, é bastante restrito. Isto leva-nos a associar estes parcos recursos ao baixo índice de capital social que possuímos enquanto brasileiros, também encontrado por Schimidt (2001) em seu trabalho sobre as atitudes e comportamento político de jovens brasileiros.

O fato de muitos conselheiros estarem em sua primeira gestão pode indicar que há substituição dos participantes, fator salutar para a democracia. No entanto, o dado referente a sua formação para atuar nos conselhos parece indicar que há problemas não só na qualidade, mas na sua constância. Assim, a falta de um processo de formação estabelecido, somada à inexperiência dos participantes, pode constituir-se em recurso negativo para o seu empoderamento.

A pouca importância dada ao processo eletivo para a escolha dos representantes também se constitui em fator negativo, pois a clareza quanto a sua representatividade e a legitimidade real dos participantes em relação ao grupo que representam, constituem-se em recursos importantes para que se comprometam com os ideais que os tornaram conselheiros. Isto nos faz refletir quanto à necessidade de melhorias na qualidade, representatividade e legitimidade das representações nos conselhos, aspecto que poderia ser enfatizado na formação. A articulação dos Conselhos Gestores com os grupos sociais organizados e a comunidade pode contribuir para gerar capital social e empoderamento, aspectos fundamentais para a circulação e partilha do poder e para a consolidação de processos democráticos entre Estado e sociedade civil.

Entendemos, também, como aspecto fundamental, a luta por processos constantes e qualificados de formação, no intuito de romper com a lacuna da falta de informação, de como interpretá-la e utilizá-la, buscando a transitividade do poder através do questionamento de verdades impostas pelos que se encontram em posições privilegiadas, pelo saber e/ou autoridade.

Mesmo vendo limites nos recursos existentes nos conselhos estudados, entendemos que estes são 'espaços públicos' em construção, portanto prenhes de projetos virtuosos. Neste sentido, os posteriores aprofundamentos desta e de outras pesquisas podem corroborar, pois revelam o que podemos impulsionar na busca da inversão destes indicadores.

Acreditamos na consolidação dos conselhos gestores e, por isso mesmo, consideramos fundamental destacar que existem avanços nesse processo histórico. Se ainda hoje enxergamos mais os limites e entraves que 'seguram' a participação social, certamente o fazemos porque nos sentimos comprometidos com sua transformação, ao entendermos que a re-significação da realidade social é construção humana no sentido mais valoroso da palavra – participar é co-produzir as vivências, convivências e o rumo da história.

Recebido em: 18/01/06

Aprovado em 12/06/06

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  • 1
    Esta pesquisa é parte de um Projeto Integrado intitulado: Conselhos gestores e saúde: empoderamento e impacto na gestão pública, financiado pelo FAPESC/CNPq. O presente artigo trata-se de um recorte, tendo sido financiada pelo PIPG - Programa Integrado de Pós-graduação - UNIVALI.
  • 2
    ITAJAÍ. Conselhos municipais. Disponível em: <
    http//:www.itajai.com.br>. Acesso em: 10 out. 2005.
  • 3
    Grifos do autor.
  • 4
    RODRIGUES, I. As concepções de saúde de conselheiros municipais de saúde da região da AMFRI/SC e a relação com a prática no conselho. Pesquisa finaciada pelo Programa de Pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC- CNPq), UNIVALI, Itajaí, 2004.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      18 Jan 2006
    • Aceito
      12 Jun 2006
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