RESUMO
Neste ensaio teórico, foram propostas reflexões sobre o trabalho sexual e suas interseções com as políticas de saúde do trabalhador e da trabalhadora, tendo como referência os eixos da 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Teve por objetivo discutir de que forma o trabalho sexual contemporâneo impacta o processo saúde-doença-cuidado de profissionais do sexo, bem como analisar como as dinâmicas do mercado sexual geram demandas no campo político, social e da saúde desses sujeitos. Defende-se a importância de se abordar o trabalho sexual em uma perspectiva ampliada, considerando as relações de produção do trabalho e os marcadores sociais da diferença e em perspectiva transversal nas políticas de saúde, como estratégia para legitimar o trabalho sexual assegurando direitos e cidadania.
PALAVRAS-CHAVE
Profissionais do sexo; Saúde do trabalhador; Minorias sexuais e de gênero
ABSTRACT
This theoretical essay examines sex work and its intersections with occupational health policies, framed by the thematic axes of the 5th National Conference on Workers’ Health. It aims to discuss how contemporary sex work impacts the health-disease process and healthcare access for sex workers, while analyzing how sexual market dynamics generate political, social, and health demands for these individuals. The study advocates for addressing sex work through an expanded perspective that incorporates labor relations of production and social markers of difference, arguing for its cross-cutting integration into health policies as a strategy to legitimize sex work while ensuring rights and citizenship.
KEYWORDS
Sex workers; Occupational health; Sexual and gender minorities
Introdução
Desde 2002, a categoria profissional do sexo é reconhecida como trabalho ligado à prestação de serviços pelo Cadastro Brasileiro de Ocupações (CBO)1. Todavia, apesar dos avanços nos debates sobre diversidade sexual, direitos sexuais e justiça erótica nas últimas décadas2, o tema do trabalho sexual continua produzindo diversas tensões. Muito embora o mercado do sexo movimente bilhões internacionalmente e tenha, ainda, atualizado e diversificado as formas de trabalho sexual para além da prostituição3, as políticas públicas, especialmente de saúde, não deram conta de acompanhar tal movimento. Isso porque, como afirma Ferreira4, o trabalho sexual se encontra nas fronteiras entre o informal, o ilegal e o ilícito.
Diante da iminente 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (CNSTT), são propostas reflexões sobre o trabalho sexual e suas interseções com a saúde do trabalhador e da trabalhadora, a fim de pensar em suas demandas de forma ampla. As questões disparadoras deste ensaio são: de que forma trabalhadores(as) do sexo têm sido abordados(as) nas políticas de saúde? Como suas demandas se interseccionam com a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT)? Foram elencados como objetivos: discutir como as formas de trabalho sexual na contemporaneidade implicam a produção de saúde-doença-cuidado de trabalhadores(as) do sexo e debater como as dinâmicas do mercado do sexo atualizam as demandas destes(as) em diálogo com os eixos da 5ª CNSTT.
Para alcançar tais objetivos, propõe-se este ensaio teórico, organizado em três linhas temáticas, a saber: i) perspectivas em torno do trabalho sexual e do mercado do sexo, em que são abordadas as distintas perspectivas teóricas em disputa sobre o trabalho sexual, bem como são discutidas questões emergentes sobre o mercado sexual contemporâneo; ii) trabalhos no mercado do sexo e a produção de saúde, em que são explorados os distintos trabalhos sexuais e as dinâmicas desse mercado em meio às formas de produção e precarização do trabalho, e como estas envolvem a produção de saúde-doença-cuidado dos trabalhadores e das trabalhadoras do sexo, partindo de uma revisão de estudos etnográficos e teóricos; iii) políticas de saúde para trabalhadores e trabalhadoras do sexo: rumo à 5ª CNSTT, em que são debatidos como os trabalhadores e as trabalhadoras do sexo têm sido abordados nas distintas políticas de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), como essa pauta foi articulada nas últimas CNSTT, a partir de seus relatórios, dialogando com eixos da 5ª CNSTT.
A emergência dessa discussão se justifica pela escassez de estudos que abordem o trabalho sexual no campo da saúde coletiva sem se orientar, exclusivamente, pela perspectiva da prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)3-5, e que atualizem as questões sobre o trabalho sexual para além das antigas formas de prostituição, discutindo as novas relações de trabalho no mercado sexual6,7. Emerge da necessidade de reflexões sobre a lacuna assistencial existente na atenção à saúde de trabalhadores e trabalhadoras do sexo, bem como sobre a desestigmatização do trabalho sexual, o que implica o papel das políticas de saúde em legitimar o trabalho sexual.
Perspectivas em torno do trabalho sexual e do mercado do sexo
O reconhecimento do trabalho sexual dentro da própria categoria trabalho é um importante mérito do movimento social de prostitutas, cujo início, no Brasil, data das décadas de 1970 e 1980, quando as trabalhadoras do sexo, incluindo as travestis profissionais do sexo, protagonizaram movimentos de resistência à repressão policial e de luta por suas cidadanias8,9. O reconhecimento no CBO foi apenas uma das vitórias diante das reivindicações levantadas. De fato, nessa época, além de se organizarem em prol de seu reconhecimento, o movimento também se articulava na luta contra a epidemia de HIV/aids9.
Apesar disso, tal reconhecimento, por si, só não assegurou melhorias nas condições de vida e de trabalho para profissionais do sexo, o que demanda, portanto, a formulação de políticas públicas1. Esse foi o mote principal no início dos anos 2000, quando houve distintas propostas para regulamentar a profissão, seja por uma via criminalizante, como no caso do Projeto de Lei (PL) nº 2.169/2003, que visava criminalizar tanto clientes quanto profissionais, seja pelos PL nº 98/2003 e PL nº 4.211/2012 (Lei Gabriela Leite), que buscavam regulamentar a atividade, garantindo a exigibilidade do pagamento por serviços sexuais, a aposentadoria e os avanços no combate à exploração sexual1.
No entanto, por que falar de trabalho sexual, mercado do sexo, e não apenas de prostituição? O termo ‘prostituição’ tornou-se insuficiente para descrever os diversos tipos de trabalhos sexuais existentes10. Nesse sentido, para conceituar o trabalho sexual tal como se compreende neste ensaio, é feito recurso aos estudos teóricos, particularmente, trabalhos etnográficos sobre prostituição feminina11-13 e masculina5,7,14, a indústria pornográfica3,15 e o mercado digital do sexo4,6.
O trabalho sexual, então, engloba a troca de prazeres por meio da realização de serviços sexuais, sensuais e afetivos, assim como performances eróticas e sexuais com a finalidade de excitação, que ocorrem de forma tarifada, em função de recompensas materiais, monetárias ou de bens, assim como de atos, serviços ou favores. Essa é uma tentativa de sintetizar as relações estritamente comerciais, bem como aquelas que não envolvem contratos comerciais explícitos e que trazem consigo sentidos de ‘ajuda’ ou empreendimento afetivo10,14.
Nessa definição, portanto, são trabalhadores do sexo tanto aqueles que estão no CBO 5198, como os garotos(as) de programa, michês e prostitutas, quanto escorts ou acompanhantes, atrizes e atores pornográficos, assim como strippers e performers de dança erótica, de shows de sexo ao vivo ou streamers de plataformas digitais de Webcamming (WEC) ou criadores de conteúdo adulto3,6.
Tomar essa diversidade de trabalhos sexuais requer também assumir a existência de toda uma indústria sexual. Tal termo se refere a trabalhadores, gerentes, proprietários e estabelecimentos que envolvem o comércio sexual legal ou ilegal3. No Brasil, adotou-se a ideia de mercado do sexo, privilegiando as relações de demanda-oferta e suas dinâmicas de organização e relações, principalmente, de circulação e de agenciamentos dos sujeitos e da dimensão simbólica da troca, não somente comercial10. Essa compreensão também implica entender que outros trabalhos e empregos estão direta e indiretamente ligados ao mercado do sexo, como é o caso dos cafetões e cafetinas, gerentes, vendedores e recepcionistas de bares, casas de drinks, saunas, boates, bordéis e cabarés, assim como seguranças, motoristas, e, no caso da pornografia, fotógrafos, cinegrafistas, diretores e editores de vídeos. Ainda no caso das plataformas, incorporam-se os seus proprietários, que também se articulam ao mercado financeiro que recebe aportes criados no mercado do sexo16,17.
Embora seja fundamental conceituar o trabalho sexual seja fundamental, é importante compreender sua fluidez e dinâmica, podendo ocorrer de forma esporádica e frequentemente conciliada com outros tipos de trabalhos, como no caso de mulheres cisgêneras, que o combinam com o trabalho doméstico13, ou envolvendo homens trabalhadores como motoristas, seguranças e flanelinhas próximos a estabelecimentos do mercado sexual homoerótico. Nesses casos, as práticas sexuais comerciais podem ocorrer esporadicamente, assumindo o caráter de complementação de renda18.
Dada a diversidade de serviços e possibilidades de atuação, o trabalho sexual apresenta dinâmicas próprias de produção de saúde-doença-cuidado, gerando tanto vulnerabilidades e exploração quanto benefícios, impactando diretamente as necessidades de saúde dos trabalhadores. Nesse sentido, para compreender como o trabalho sexual se relaciona com a produção de saúde dos trabalhadores, é necessário conhecer as diferentes perspectivas teóricas de abordagem do trabalho sexual, havendo três paradigmas principais para sua análise: o da opressão, o do empoderamento e o polimórfico3.
De forma sintética, o paradigma da opressão argumenta que o trabalho sexual reafirma as estruturas patriarcais, e que exploração, violência e vulnerabilidade são condições inerentes a ele, defendendo sua erradicação3,11. Este vê a violência sexual na infância como ‘fator etiológico’ para o trabalho sexual, especialmente, para as mulheres, considerando-o uma patologia que degrada sua moral e autoestima, levando-as a submeterem-se ao trabalho no sexo13. Por sua vez, o paradigma do empoderamento entende o trabalho sexual como uma oportunidade que pode ser valorizante e empoderadora. Ele nega que a vulnerabilidade seja inerente ao trabalho, comparando-o com outros tipos de trabalho que envolvem vulnerabilidades semelhantes, para relativizar o sexo como profissão3,10.
Ambas as perspectivas oferecem visões totalizantes sobre o trabalho sexual: enquanto uma o vê como problema, a outra o vê como oportunidade3. O paradigma da opressão baseia-se nas histórias mais ‘trágicas’ do trabalho sexual sobre tráfico e exploração, enquanto o paradigma do empoderamento enfoca ‘casos de sucesso’ e ascensão social3. Nos dois casos, são negligenciadas questões estruturais que afetam o trabalho sexual, como as legislações regulamentadoras, além de fatores de raça, classe social, orientação sexual e identidade de gênero, que podem gerar vulnerabilidades ou facilitar o sucesso e a ascensão dos trabalhadores e das trabalhadoras do sexo.
Na prostituição de rua, ser uma travesti envolve vulnerabilidades que não são as mesmas de um michê que trabalha em uma sauna, assim como a realidade de uma mulher cis que faz WEC de sua própria casa ou um homem trans que grava cenas de sexo e pode escolher suas parcerias. Essas diferenças não são apenas contextuais, mas derivam de histórias de vida distintas, que colocam esses sujeitos em diferentes espaços e condições de trabalho sexual.
Outro exemplo é a projeção de corpos racializados na indústria pornográfica que ocorre de forma assimétrica, com a valorização de corpos brancos e jovens em filmes mainstream, enquanto corpos negros são frequentemente limitados a nichos específicos ligados a estereótipos racistas15.
Mesmo diante de contextos de vulnerabilidades e hierarquizações, os sujeitos ainda mantêm sua agência e a capacidade de resistir às opressões, conseguindo navegar e manobrar diante de condições adversas. Essas observações refletem as limitações das perspectivas essencialistas do trabalho sexual e representam importantes inflexões para esse campo. Para imigrantes trabalhadoras do sexo na Europa, por exemplo, nem sempre o trabalho sexual era visto como a última opção, tampouco confirmava a narrativa de uma saída forçada dos lares11. Muitas vezes, o trabalho sexual é apenas um entre outros trabalhos possíveis, sendo escolhido em detrimento do trabalho doméstico.
Não se pretende aqui negar uma realidade em benefício da outra, pois isso constituiria um equívoco epistêmico, mas sim evidenciar as limitações de ambas as abordagens para compreender o fenômeno do trabalho sexual - especialmente porque compartilham fragilidades semelhantes. Em outras palavras, não se trata de ignorar a existência do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual nem de romantizar o trabalho sexual como sucesso garantido. Não se busca, tampouco, essencializar o trabalho sexual. Por essa razão, a terceira via de análise, o paradigma polimórfico, revela-se mais adequada, sobretudo, para refletir sobre os processos de produção de saúde, adoecimento e cuidado entre trabalhadores e trabalhadoras do sexo.
Esse paradigma sustenta que as condições de vulnerabilidade ou de benefício para trabalhadores e trabalhadoras do sexo são determinadas por uma complexa interação entre relações de poder, estruturas sociais, características do trabalho sexual e a capacidade de agência ou sujeição, bem como pela satisfação com o próprio trabalho3. Ao ampliar a compreensão sobre o trabalho sexual, suas repercussões sociais, políticas e, especialmente, na saúde, esse olhar propõe singularizar as experiências, considerando essa rede intricada de interações em vez de buscar representações totalizantes.
Os trabalhos no mercado do sexo e a produção de saúde
O olhar complexo do paradigma polimórfico permite compreender de forma mais abrangente o processo de saúde-doença-cuidado entre trabalhadores e trabalhadoras do sexo. Em vez de uma simples listagem de prós e contras ou de uma caracterização epidemiológica baseada em fatores de risco e proteção, se busca-se aqui elencar elementos fundamentais para uma reflexão sobre a saúde desses profissionais, assim como sobre a formulação de políticas de saúde voltadas às suas necessidades.
As vulnerabilidades relativas ao trabalho sexual possuem causas multifatoriais e estão relacionadas com a natureza do trabalho e com as condições estruturais do serviço, não sendo, portanto, essencialmente parte do trabalho sexual. Profissionais do sexo em contexto de rua, especialmente travestis e mulheres trans, apresentam maior vulnerabilidade a violências físicas, roubos e assassinatos, agravadas por marcadores de gênero12,13. Embora figuras como cafetões ou seguranças em estabelecimentos comerciais (bordéis, saunas, ou mesmo na rua) possam mitigar riscos de agressão física, persistem ameaças como assédio sexual e danos psicoemocionais3. Por seu turno, o trabalho sexual digital, mesmo que reduza violências presenciais, expõe profissionais a perseguições virtuais e assédio on-line, ainda que ofereça vantagens na flexibilidade geográfica e temporal. Ambos os contextos, físico e virtual, perpetuam riscos de exploração laboral, tanto pela subordinação a um gerente quanto a uma plataforma4,17. Independentemente do local, a exploração sexual configura-se, portanto, como violação de direitos possíveis a diferentes modalidades de trabalho.
A violência estrutural e a vulnerabilidade socioeconômica elevam o risco das IST entre trabalhadores e trabalhadoras do sexo, uma vez que contextos de violência limitam a negociação do uso de preservativos - especialmente para profissionais em extrema precariedade, que trocam serviços sexuais por subsistência básica3. Esses riscos são agravados por barreiras de acesso à saúde, como violência institucional e medo de discriminação19. As situações são ainda mais graves para trabalhadores e trabalhadoras lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros (LGBTT+), dadas as barreiras ligadas à LGBTTfobia, que dificulta o acesso a Profilaxias Pré e Pós-Exposição ao HIV (PrEP/PEP) e outros serviços essenciais20. É comum estabelecimentos como saunas e bares oferecerem preservativos e promoverem campanhas de prevenção, diferentemente do contexto de rua que depende da ação principalmente das associações e da articulação entre pares para a troca de informações e cuidado em saúde21.
A autonomia para escolher clientes ou práticas sexuais varia conforme o ambiente de trabalho: na pornografia, empresas realizam testagens prévias, mas limitam a escolha de práticas e parceiros15, enquanto profissionais em plataformas digitais têm maior flexibilidade por estarem no controle dessa questão. Já nos cenários de rua e estabelecimentos comerciais, como saunas, bares e bordéis, a subordinação a gerentes e à exploração sexual pode impedir a seleção de clientes em decorrência das relações de poder estabelecidas, perpetuando vulnerabilidades3. Essa autonomia no trabalho sexual relaciona-se com a autossatisfação no trabalho, estando diretamente ligada a questões relativas à saúde mental e ao adoecimento psíquico de trabalhadores e trabalhadoras do sexo3.
A saúde mental é, portanto, uma questão central no trabalho do sexo. Algumas modalidades de trabalho não envolvem contratos sexuais explícitos, priorizando um envolvimento afetivo, como no caso de acompanhantes de luxo e escorts3,22. Esses(as) trabalhadores(as), remunerados(as) para experiências socioafetivas (não necessariamente sexuais), mesmo com maior rendimento, enfrentam riscos como chantagens, perseguições e violências psicológicas ou físicas por parte de clientes, especialmente, durante a interrupção contratual22.
Algumas modalidades do trabalho sexual associadas ao uso de drogas - como o chemsex - aumentam o risco de consumo abusivo de álcool e de outras substâncias, especialmente na prostituição masculina23. Essa dinâmica prejudica a negociação de métodos preventivos durante os programas. Na pornografia mainstream, embora seja comum o uso de medicações para melhora da performance sexual, como para promover ereção peniana ou analgésicos para aumentar tolerância à dor15, o abuso sistemático é raro. A despeito dos casos de uso abusivo nesses contextos, é um mito afirmar que o trabalho sexual seja empreendido para sustentação de vícios em drogas22, sendo esse um dos discursos utilizados para deslegitimar e estigmatizar o trabalho sexual, assim como para uma suposta relação com a criminalidade.
Por certo, o entrecruzamento com contextos marginalizados existe - especialmente nas chamadas ‘bocas’, territórios nas margens morais entre norma e desvio, nos quais se articulam processos de vulnerabilização relacionados com a classe, como explorado por Perlongher14, em seu trabalho seminal sobre prostituição viril. Todavia, essa realidade heterogênea não deve ser tomada como essência. Essa é uma realidade combatida pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras em distintas localidades12,13.
Da mesma forma que os contextos específicos produzem vulnerabilidades no exercício do trabalho sexual, tais contextos também produzem benefícios para o trabalho sexual. Fatores positivos que geram maior autossatisfação proporcionam oportunidades de ascensão, segurança e suporte psicossocial e, portanto, qualidade de vida aos trabalhadores e às trabalhadoras do sexo - além de, em alguns casos, menor estigma, preconceito e maior legitimidade social22.
O cenário político e social de um país influencia tanto a percepção social sobre o trabalho sexual e seus profissionais quanto a autopercepção destes. Em contextos nos quais a atividade é regulamentada, observa-se uma avaliação mais positiva de trabalhadores e trabalhadoras do sexo, que também relatam maior satisfação22. Nesse sentido, a autorrealização no trabalho sexual, ainda que frequentemente obscurecida pelo estigma que associa a profissão à degradação moral, manifesta-se de forma particularmente evidente em experiências de trabalhadores e trabalhadoras transgêneros no mercado do sexo12,13,21. Essa dualidade revela que, mesmo sob pressões estruturais, a profissão pode oferecer espaços de afirmação de si e realização pessoal.
Um estudo etnográfico12 com travestis na prostituição de rua evidenciou que o trabalho sexual fortaleceu sua autoconfiança, autoestima e possibilitou a fuga de contextos familiares violentos, além de possibilitar suas transformações corporais por meio dos ganhos materiais, assim como também a socialização com outras travestis. Esses achados alinham-se ao de outro estudo24 realizado com homens trans atuantes em WEC que demonstrou que o trabalho sexual contribuiu para a legitimação de suas masculinidades. Em ambos os casos, o reconhecimento produzido pelo desejo erótico de clientes - homens heterossexuais que desejavam travestis enquanto mulheres e homens gays cisgêneros que desejavam homens trans - contribuiu para a legitimação de suas identidades de gênero12,24. Contudo, não se pretende romantizar o trabalho sexual de pessoas trans, pois entende-se que, para muitas destas, a inserção nesse mercado não é uma escolha autônoma, mas uma resposta às violências vividas.
Os benefícios do trabalho sexual incluem: flexibilidade de horários/locais, escolha de clientes, anonimato, gestão autônoma do negócio e segurança em algumas modalidades; além de ganhos socioeconômicos, como ascensão social (acesso a renda, moradia e educação), bens materiais (presentes, viagens) e redes de apoio afetivo - incluindo a possibilidade de construir relações românticas3,11-14,22. Esses fatores desafiam a narrativa vitimizante sobre trabalhadores e trabalhadoras do sexo, sobretudo migrantes - frequentemente retratados apenas como vítimas de redes clandestinas11. Nesse contexto, as viagens não só ampliam oportunidades de renda em novas localidades, mas também reconfiguram experiências identitárias e laborais18.
Etnografias com homens no mercado do sexo18 demonstram que garotos de programa constroem redes de afetos que oferecem suporte emocional, logístico e afetivo - desde moradias compartilhadas até relacionamentos românticos entre michês, fundamentais para inserção e permanência no mercado do sexo. Em outro estudo etnográfico com travestis21, a ideia de ‘irmandade’ é considera fundamental para que as travestis trabalhadoras do sexo circulem entre si cuidados em saúde e informações sobre prevenção em uma perspectiva de cuidado mútuo.
O trabalho na pornografia pode ocorrer simultaneamente a outras atividades sexuais e, em muitos casos, é bem remunerado, a depender do tipo de cena gravada, do público-alvo e, principalmente, de marcadores como gênero, raça e classe, como já discutido. Em estudo etnográfico realizado na indústria pornográfica15, é demonstrado que, para algumas trabalhadoras, a pornografia representou uma oportunidade de mudança de vida, especialmente, ao proporcionar maior independência financeira, permitindo a aquisição de imóveis, abertura de negócios e, em alguns casos, a saída do trabalho sexual. Além disso, a atuação nas indústrias pornográficas mainstream contribui para aumentar a visibilidade de garotos e garotas de programa no mercado do sexo, ampliando tanto a procura por seus serviços quanto os valores cobrados15.
Por fim, é fundamental refletir sobre como as vulnerabilidades e os benefícios associados ao trabalho sexual se inserem no contexto do capitalismo tardio. Isso exige compreender de que forma o mercado do sexo tem acompanhado tanto as rupturas quanto as continuidades na ‘nova morfologia do trabalho’, nas hodiernas sociedades capitalistas, especialmente no cenário atual de plataformização do trabalho4,17.
A internet e as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) transformaram as relações entre o real e o virtual, especialmente, no mercado do sexo, exigindo cada vez mais a presença de profissionais do sexo no meio digital, seja para a comercialização de serviços, seja para a venda de conteúdos e o exercício do trabalho erótico4. No Brasil, esse mercado tem crescido e se expandido, impulsionado principalmente pela indústria pornográfica, influenciando inclusive os modelos de pagamento adotados em outras áreas6. Ao concentrarem infraestrutura e regularem formas de pagamento e políticas de adesão, as plataformas digitais reconfiguram as relações de trabalho sexual4. Nesse contexto, trabalhadores do sexo são levados a assumir o papel de empreendedores sexuais, cada vez mais dependentes da construção de uma marca pessoal. Assim, as plataformas transferem múltiplas responsabilidades aos profissionais, que passam a gerar lucros principalmente para as empresas, e não necessariamente para si mesmos4,16,17.
Na contemporaneidade capitalista, o avanço do empreendedorismo está relacionado com o disciplinamento da força de trabalho na atual fase do neoliberalismo. Se outrora o desemprego foi uma forma de disciplinamento da força de trabalho, sendo encarado como algo natural e um fator inerente à sociedade, que produzia as condições para que os trabalhadores aceitassem formas cada vez mais precarizadas de trabalho, hoje soma-se a isso o apagamento jurídico fictício da relação de subordinação do trabalho ao capital, por meio do processo de precarização sob o manto do chamado empreendedorismo16.
No contexto dos trabalhadores e das trabalhadoras do sexo, embora o trabalho, especialmente o digital, ocorra muitas vezes em uma modalidade ‘autônoma’, há, na verdade, uma relação desregulamentada em que parte do valor do seu trabalho é direcionado para o lucro da plataforma na qual oferece seus serviços24. Além disso, os trabalhadores e as trabalhadoras do sexo autônomos precisam arcar com os custos dos seus próprios instrumentos de trabalho (cenário, figurino, computador, câmera fotográfica etc.), muitas vezes realizando outras tarefas relacionadas, como edição de imagens e vídeos, produção de conteúdos de divulgação ou outras atividades necessárias à administração de salas virtuais de camming25.
Nesse tipo de negócios, os capitalistas transferem os custos dos meios de produção para os trabalhadores e as trabalhadoras e se desresponsabilizam por garantir direitos trabalhistas básicos, como férias remuneradas, aposentadoria e afastamento por saúde, reduzindo custos e maximizando os lucros das plataformas17,25. Esse processo contemporâneo - marcado pela eliminação de direitos, transferência de riscos e estabelecimento de novos arranjos produtivos, com gestão flexível e controle da força de trabalho - é denominado uberização16, tendência que se expande nas relações no mercado do sexo17,25.
A teoria da determinação social da saúde evidencia como o acesso à renda e as relações de trabalho impactam nas condições de saúde. Para além do estabelecimento de causalidades lineares entre variáveis sociais e agravos, essa teoria busca apreender processos sociais concretos como síntese de múltiplas determinações26. No caso de trabalhadores e trabalhadoras do sexo, o processo saúde-doença-cuidado é determinado por relações de trabalho (contratos, remuneração, vínculos, condições) e marcadores sociais como gênero, raça e orientação sexual.
Trabalhos como freelancers ou realizados por homens brancos em agências de escorts tendem a ser mais bem remunerados, seguidos por trabalhos em estabelecimentos como casas de massagem ou como performers, que figuram dentre os mais bem pagos. As remunerações mais baixas, por sua vez, costumam estar associadas a atividades realizadas em bares, bordéis e na rua3,22. Outras implicações, para além da remuneração, como a exposição a situações de violência, tornam-se ainda mais intensas quando o trabalho é realizado por uma travesti negra por exemplo. Essa ‘pirâmide’ também está relacionada com a probabilidade de exploração por terceiros e à possibilidade de conquistar uma clientela fixa ou estabelecer relacionamentos afetivos - o que é menos provável na prostituição de rua3,22.
Com base na análise empreendida, é possível afirmar que as condições de vida, saúde, adoecimento e cuidado de trabalhadores e trabalhadoras do sexo resultam da articulação entre múltiplas determinações sociais e as possibilidades de agenciamento desses sujeitos. Concluída essa exploração sobre a produção de saúde-doença-cuidado, propõe-se, a seguir, a tarefa central deste ensaio: articular essas demandas aos eixos 5ª CNSTT.
Políticas de saúde para trabalhadores e trabalhadoras do sexo: rumo à 5ª CNSTT
O esforço de articulação entre as necessidades e demandas de trabalhadores e trabalhadoras do sexo e a discussão a ser construída na 5ª CNSTT se mostra fundamental, uma vez que tais profissionais são, em geral, mencionados de forma tangencial nos documentos e diretrizes, o que reforça a urgência desse debate.
A postura do Estado diante do trabalho sexual, especialmente da prostituição, sempre combinou ações policiais, jurídicas e de saúde pública1,8,9. Um exemplo emblemático foram as chamadas ‘operações limpeza’, conduzidas pela polícia civil durante a ditadura militar brasileira, que evidenciaram uma política de perseguição ostensiva a sujeitos dissidentes das normas de sexo/gênero. Essas ações, sob o pretexto de combater a ‘vadiagem’, buscavam remover de forma truculenta prostitutas, travestis e homossexuais do centro de São Paulo9. No entanto, bem antes desse período, o discurso higienista da saúde pública já operava formas de controle sobre o trabalho sexual.
A prostituição era concebida como uma patologia e associada à sífilis, a justificar práticas de vigilância institucional como exames compulsórios e internações forçadas de profissionais do sexo sob a alegação de controle da infecção27. Essas concepções colocaram em jogo distintas perspectivas de controle sobre o trabalho sexual, que, ademais, foi utilizado como bode expiatório pelas elites para criminalizar as classes populares marginalizadas9,27.
Na contemporaneidade, tais processos continuam a ocorrer. Em geral, trabalhadoras e trabalhadores do sexo são mencionados de forma tangencial em políticas e programas de saúde e, na maioria das vezes, associados à prevenção das IST28-30. Tomam-se como exemplos a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM)28 e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSILGBTT)29. Estas duas são as únicas que mencionam explicitamente trabalhadoras do sexo, contudo, em associação à vulnerabilidade às IST28-30.
Aponta-se que outros eixos dessas políticas poderiam dialogar com as demandas específicas de trabalhadores e trabalhadoras do sexo como as questões reprodutivas. Todavia, nota-se a ausência de abordagens que contemplem temas como contracepção e, sobretudo, o aborto entre profissionais do sexo, tanto para mulheres cis quanto para homens trans. Tais questões constituem demandas urgentes que poderiam ser mais bem exploradas no âmbito da atenção reprodutiva.
Partindo, então, para os programas específicos de prevenção às IST, trabalhadoras e trabalhadores do sexo são abordados na categoria de ‘população-chave’, “segmentos populacionais-chave que apresentam maior prevalência de HIV em relação à população geral”30(18). Por serem considerados prioritários para essas ações, têm garantido o acesso a medidas como PrEP/PEP30.
A invisibilidade do trabalho sexual nas políticas de saúde se acentua ao se observar que o trabalho sexual masculino é totalmente ausente, tanto na PNSILGBTT30 quanto na Política Nacional de Atenção Integral a Saúde do Homem31. Embora a categoria ‘Homens que fazem sexo com Homens’ (HsH) seja usada para incluir trabalhadores do sexo masculino, ela negligência as diversidades sexuais e especificidades do trabalho sexual32. Além disso, essa categoria homogeneíza as experiências masculinas ao assumir um modelo cisgênero, sendo também utilizada para negar a identidade de gênero de mulheres trans e travestis, que, por serem designadas como do sexo masculino ao nascimento, foram incluídas na categoria, excluindo homens trans.
Pensar na atenção integral para profissionais do sexo constitui uma urgência no âmbito de políticas transversais; assim, revela-se importante incluí-los explicitamente nas políticas existentes. É nesse ponto que a articulação entre a PNSTT e o trabalho sexual se torna relevante, uma vez que a invisibilidade dos profissionais do sexo nas políticas de saúde contribui para a deslegitimação do trabalho sexual. Além disso, limitar a abordagem do trabalho sexual à prevenção das IST, ao risco de violências e ao uso abusivo de álcool e outras drogas reforça o estigma sobre o trabalho sexual, apagando as necessidades amplas de saúde de trabalhadores e trabalhadoras do sexo.
Ainda que os profissionais do sexo tenham sido explicitamente mencionados apenas no relatório da 4ª CNSTT33, suas demandas sempre estiveram presentes nas conferências anteriores, especialmente aquelas que abordaram o trabalho informal e a precarização. A 1ª CNSTT34 marcou a superação da saúde ocupacional em favor da saúde do trabalhador, enfatizando as condições de trabalho e sua regulamentação, propiciando o debate da regulamentação do trabalho sexual. Além disso, questões como a descriminalização do aborto e a necessidade de creches se destacam como interseções importantes para as trabalhadoras do sexo, mulheres cis ou homens trans.
Nas conferências seguintes35,36, temas como a universalização das ações de saúde do trabalhador, a integralidade e a transversalidade das políticas de saúde ganharam maior visibilidade. A ampliação das ações voltadas para o trabalho informal, as doenças relacionadas ao trabalho e a inclusão da dimensão do trabalho nas políticas de atenção integral são questões que também se aplicam ao trabalho sexual.
A participação social é transversal em todas as CNSTT, contudo, a ausência das entidades do movimento social de trabalhadores e trabalhadoras do sexo nas conferências resultou na não inclusão de demandas legítimas desses trabalhadores. A menção à prostituição e ao trabalho sexual surgiu de forma explícita somente na 4ª CNSTT33, quando temas como diversidade de gênero e combate à LGBTIfobia foram abordados, notando-se a presença de entidades dos movimentos feministas, negros e de pessoas trans. Esse foi o momento em que se começou a levantar a proposta de “reconhecimento da prostituição como trabalho e a retirada da temática da esfera criminal”33(101).
Com o tema ‘Saúde do trabalhador e da trabalhadora como um direito humano’, a 5ª CNSTT atualiza as questões trabalhistas no contexto do capitalismo subordinado e dependente, incluindo debates sobre uberização, pejotização e plataformização do trabalho37. A conferência destaca o papel do Estado na garantia da dignidade e da saúde de todos os trabalhadores, além de discutir a redução dos riscos no trabalho e o fortalecimento das políticas de trabalho digno. Também se aprofundam questões como o combate a violências e a saúde mental no trabalho. No entanto, apesar dessas questões se aplicarem ao trabalho sexual, o documento orientador da Conferência não menciona explicitamente os trabalhadores e as trabalhadoras do sexo37, o que reforça a urgência de dialogar com os movimentos sociais desse campo para atender suas especificidades. Por fim, propõem-se alguns apontamentos que articulam os eixos da 5ª CNSTT com o trabalho sexual, conforme as questões levantadas ao longo deste texto.
No Eixo I (Política Nacional de Saúde do Trabalhador), em que se discutem avanços e desafios da PNSTT, a visibilidade de trabalhadores e trabalhadoras do sexo deve ser um imperativo para as políticas de saúde. Ao ser incorporado na PNSTT, o trabalho sexual pode ganhar força como um trabalho legitimo e digno, especialmente, sendo considerado fora do lugar estigmatizante da saúde sexual, principalmente, por visibilizar as especificidades do trabalho sexual para além das vulnerabilidades e por promover o enfrentamento das barreiras no acesso a serviços de saúde integral.
A ausência de reconhecimento formal do trabalho sexual na PNSTT dificulta a implementação de ações direcionadas, a exemplo do atendimento especializado e suporte à saúde mental. Questões como o acesso aos métodos de prevenção às IST, incluindo profilaxias, preservativos e lubrificantes, além do combate às violências sexuais e de gênero, devem ser entendidas como necessidades de saúde e questões relacionadas com a vigilância e a segurança no trabalho de trabalhadores e trabalhadoras do sexo. Essa abordagem está em consonância com os princípios da PNSTT, que reconhece todos os trabalhadores, independentemente de sua forma de inserção no mercado de trabalho, como sujeitos de políticas de saúde38.
No eixo II (Novas Relações de Trabalho), deve-se assumir que o trabalho sexual reflete a precarização das relações laborais no capitalismo contemporâneo. A informalidade, a falta de proteção previdenciária e as questões apresentadas neste texto sobre uberização e plataformização do trabalho já são realidades dos trabalhadores e das trabalhadoras do sexo - não somente isso, mas foram práticas iniciadas no mercado do sexo. O trabalho em aplicativos e plataformas digitais que controlam serviços sem assumir responsabilidades trabalhistas, intensifica riscos como assédio e jornadas exaustivas. Essas dinâmicas reforçam a urgência de políticas que regulamentem o trabalho sexual e que assegurem direitos trabalhistas básicos, alinhando-se às críticas do documento às reformas neoliberais.
Por fim, o eixo III (Participação Popular e Controle Social) apresenta a necessidade de entes públicos firmarem diálogos com movimentos sociais dos trabalhadores e das trabalhadoras do sexo, especialmente em razão da exclusão histórica desse segmento das CNSTT. A efetivação do controle social requer a inclusão de coletivos e movimentos representativos de todos os trabalhadores e todas as trabalhadoras do sexo, especialmente associações de prostitutas e demais redes que tenham levantado a pauta dos e das trabalhadoras do sexo. Essa aproximação implica operar em um nível também epistêmico, garantindo a legitimidade de pensamentos feministas das profissionais do sexo, ou ‘putafeminismo’, reconhecendo as disputas nesse próprio campo. A luta pelo reconhecimento da categoria como trabalhadores e trabalhadoras, e não como ‘problema social’, é fundamental para romper estigmas e alinhar a luta dos e das trabalhadoras do sexo aos princípios de dignidade e democracia defendidos pela 5ª CNSTT e efetivação da saúde dos trabalhadores como um direito humano.
Considerações finais
Neste ensaio teórico, foram exploradas as distintas perspectivas sobre o trabalho sexual e seus impactos na produção de saúde-doença-cuidado dos trabalhadores e das trabalhadoras do sexo, além da interseção dessas demandas com a saúde do trabalhador, conforme os eixos da 5ª CNSTT. O olhar sobre o trabalho sexual deve evitar essencializações que reforçam vulnerabilidades, reconhecendo a complexidade do mercado sexual sustentado pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras sexuais. Nesse contexto, a saúde desses trabalhadores e dessas trabalhadoras precisa ser entendida dentro de uma abordagem ampla da determinação social da saúde, considerando a influência das relações de trabalho, bem como dos marcadores sociais da diferença.
A invisibilidade dos trabalhadores e das trabalhadoras do sexo nas políticas de saúde reflete um apagamento sistemático do trabalho sexual, que perpetua a deslegitimação e o estigma sobre esses profissionais. Assim, a inclusão do trabalho sexual de forma transversal nas políticas de saúde é essencial para garantir a legitimidade do trabalho sexual como uma atividade digna e um direito humano, afastando o olhar estigmatizante que o reduz a questões de saúde sexual.
A incorporação das pautas dos trabalhadores e das trabalhadoras do sexo à 5ª CNSTT exige o reconhecimento da legitimidade e da diversidade dos trabalhos sexuais, bem como a reparação da exclusão desse segmento nos debates sobre saúde e trabalho. Discutir as especificidades do trabalho sexual no mercado de sexo, em um contexto neoliberal marcado pela precarização do trabalho, envolve também debater as novas formas de exploração e os desafios enfrentados pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras do sexo. A luta pela saúde desses trabalhadores e dessas trabalhadoras está intimamente relacionada com a luta contra as políticas neoliberais de precarização do trabalho, devendo ser uma causa comum a todos(as) eles(as).
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Suporte financeiro:
não houve
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os dados de pesquisa estão contidos no próprio manuscrito
Referências
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Editado por
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Editora responsável:
Maria Cristina Strausz
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Out 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
15 Abr 2025 -
Aceito
12 Jul 2025
