RESUMO
Teve-se por objetivo analisar as condições de acessibilidade, estrutura e oferta de serviços odontológicos de Unidades Básicas de Saúde com Equipe de Saúde Bucal e compará-los entre as regiões geográficas brasileiras. O estudo quantitativo, analítico e transversal utilizou dados secundários referentes aos Módulo I, V e VI da Avaliação Externa do 2º Ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) (2013-2014). A análise descritiva foi realizada por frequências absolutas (n) e relativas (%), e houve comparação entre regiões brasileiras pelo teste qui-quadrado com uso do Teste Z ajustado pelo método Bonferroni (p<0,05). A amostra foi constituída por 24.056 Unidades Básicas de Saúde, nas quais atuavam 29.778 Equipes de Atenção Básica; destas, 16.203 (67,3%) possuíam serviços odontológicos e abrigavam 18.119 Equipes de Saúde Bucal. De maneira geral, as Unidades Básicas de Saúde apresentavam boa estrutura física, porém, baixa acessibilidade para pessoas com deficiência. Os consultórios odontológicos apresentavam estrutura física adequada e equipamentos, instrumentos e insumos odontológicos suficientes. No entanto, exibiam alta proporção na oferta de serviço mutiladores em comparação a procedimentos que evitariam as extrações dentárias, e baixa oferta de referência especializada. Além disso, houve evidenciadas desigualdades regionais, favoráveis às regiões Sul e Sudeste.
PALAVRAS-CHAVE Acessibilidade aos serviços de saúde; Atenção Primária à Saúde; Saúde bucal
ABSTRACT
The aim of the study was to analyze the conditions of accessibility, structure and offer of dental services in Basic Health Units with the Oral Health Team and to compare them between the Brazilian geographic regions. The quantitative, analytical and cross-sectional study used secondary data referring to Module I, V and VI of the External Evaluation of the 2nd Cycle of the National Program for Improving Access and Quality of Primary Care (PMAQ-AB) (2013-2014). The descriptive analysis was performed by absolute (n) and relative (%) frequencies, and there was a comparison between Brazilian regions using the chi-square test using the Z Test adjusted by the Bonferroni method (p <0.05). The sample consisted of 24,056 Basic Health Units, in which 29,778 Primary Care Teams worked; of these, 16,203 (67.3%) had dental services and housed 18,119 Oral Health Teams. In general, the Basic Health Units had a good physical structure, but low accessibility for disabled persons. The dental offices had adequate physical structure and sufficient dental equipment, instruments and supplies. However, they exhibited a high proportion of mutilating service offerings compared to procedures that would avoid tooth extractions, and a low specialized reference supply. In addition, regional inequalities were observed, favorable to the South and Southeast regions.
KEYWORDS Health services accessibility; Primary Health Care; Oral health
Introdução
No Brasil, principalmente no início dos anos de 2000, o estabelecimento de políticas públicas intersetoriais e consistentes apresentou resultados positivos na redução sistemática da desigualdade social1. No entanto, o País continua entre os mais desiguais do mundo1, e esse aspecto pode ter sido agravado após as mudanças políticas e sociais enfrentadas a partir do ano de 2016. As desigualdades sociais impactam todos os setores da sociedade, inclusive no campo da saúde2.
No intuito de melhorar o acesso aos serviços de saúde e de reduzir as desigualdades de saúde, após a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), na década de 1990, começou-se a valorizar a Atenção Básica (AB) como eixo estruturante, principalmente da Estratégia Saúde da Família (ESF)3. Mais tardiamente, no início dos anos 2000, com o propósito da integralidade da atenção, houve a inclusão da saúde bucal na ESF; e, depois, a inclusão de outros níveis de atenção por meio da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB)4. A AB, em especial, a ESF, segue uma linha de elevada cobertura populacional, facilidade no acesso e atendimento integral dos indivíduos em seu contexto familiar3. A saúde bucal no cenário nacional tem demonstrando um aumento considerável no que diz respeito ao investimento, à cobertura populacional e à oferta de serviços4,5. No entanto, deve-se considerar que a cobertura populacional é apenas uma entre várias dimensões para o acesso dos serviços3.
Na perspectiva de que o aumento de quantidade não reflete necessariamente a qualidade, esse ponto tornou-se crucial para efetivação do SUS. Em 2011, o Ministério da Saúde (MS) implementou o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) como estratégia principal indutora de mudanças nas condições e modos de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde (UBS)6. Entre os seus objetivos, estão: construção de um parâmetro de comparação entre as Equipes de Atenção Básica (EAB) mediante uma avaliação que é vinculada a repasse financeiro conforme o desempenho alcançado com os elementos avaliados pelo programa. Por meio dessa avaliação, o MS espera estimular um processo contínuo e progressivo de melhoria dos padrões de gestão e do processo de trabalho e com o auxílio do uso de resultados de indicadores do acesso e de qualidade7.
Diante de todo o histórico dessas políticas na efetivação do SUS, é visível a melhora na estrutura e na qualidade dos serviços4,5, apesar da redução das desigualdades sociais na saúde bucal8. No entanto, ainda há um percurso grande para um sistema de saúde menos desigual, principalmente entre as regiões geográficas brasileiras2,9-12. Nesse contexto, o acesso ainda se constitui um dos principais problemas relacionados com a atenção à saúde, inclusive saúde bucal, no Brasil13,14 e no mundo11.
Existem vários parâmetros para analisar o acesso aos serviços de saúde, os quais, por refletirem aspectos socioeconômicos e culturais, devem nortear a construção das políticas públicas15. Giovanella e Fleury16 classificam as dimensões do acesso como: disponibilidade, acessibilidade, adequação funcional, capacidade financeira e aceitabilidade. A acessibilidade refere-se às características dos serviços de saúde que permitam a facilidade de uso pelos usuários, decorrente tanto das características organizacionais dos serviços como das possibilidades de superarem as barreiras existentes17.
Por esses motivos, o objetivo deste estudo foi analisar as condições de acessibilidade, estrutura e oferta de serviços odontológicos de UBS com Equipe de Saúde Bucal (ESB) e compará-los entre as regiões geográficas brasileiras.
Material e métodos
Delineamento do estudo
Esta pesquisa é de natureza quantitativa, transversal e analítica com dados secundários referentes à etapa de Avaliação Externa (AE) do 2º Ciclo do PMAQ-AB, realizada em 2013-2014.
Universo amostral e coleta dos dados
O universo da pesquisa foi representado pelas EAB e pelas ESB que aderiram ao programa e passaram pela AE, que foi realizada de forma multicêntrica, a cargo de instituições de ensino superior de cada estado, as quais coordenaram equipes de entrevistadores calibrados. A coleta com os profissionais foi registrada com o uso de tablets, por meio de formulários validados, para verificar as estruturas em bloco, e, quando necessário, análise de documentos comprobatórios. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, e os dados estão disponibilizados no site do MS. Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo-lhes assegurado o direito de recusa.
Os dados sobre as condições de acesso e de qualidade foram coletados a partir de um instrumento contendo padrões de perguntas de acordo com as normas, protocolos, princípios e diretrizes que orientam a AB no Brasil3.
Para o recorte do estudo, foram extraídos os dados referentes ao Módulo I (avaliação das condições de infraestrutura, materiais, insumos e medicamentos das UBS, ao Módulo V (avaliação das condições da estrutura, materiais e insumos da saúde bucal nas UBS, quando existente) e ao Módulo VI (informações sobre o processo de trabalho das ESB e organização do cuidado com o usuário).
Variáveis
Para verificar a dimensão da acessibilidade, entendida como os aspectos da oferta relacionados com a capacidade de produzir serviços de qualidade e responder às necessidades de saúde da população17, este estudo foi estruturado em três componentes de análise (quadro 1):
Variáveis selecionadas e categorização para o estudo, a partir dos Módulos I, V e VI da avaliação externa do 2º Ciclo do PMAQ-AB. Brasil, 2013-2014
I) Estrutura da UBS: estrutura física e de sinalização, que favorecem o acolhimento e o acesso à UBS (Módulo I);
II) Estrutura dos serviços odontológicos na UBS: oferta de equipamentos, instrumentos e insumos disponíveis, além da estrutura adequada dos consultórios odontológicos, considerando as UBS com ESB (Módulo V);
III) Serviços odontológicos disponíveis: os procedimentos básicos realizados pelas ESB, a possibilidade de encaminhamento dos pacientes para os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) e as especialidades disponíveis para referência, nos CEO ou outro serviço (Módulo VI).
As variáveis relativas ao componente I foram apresentadas conforme cada um dos itens separadamente.
As variáveis relacionadas com o componente II foram agrupadas conforme sua natureza – se equipamentos, instrumentos ou insumos odontológicos – e foram analisadas pela proporção dos itens listados, considerando a disponibilidade e o bom estado de funcionamento e conservação. Caso eles não estivessem em tais condições, eram então classificados como inexistentes. Depois de quantificá-los, as UBS foram classificadas de acordo com a porcentagem de itens listados que possuíam em cada categoria. Para analisar a condição estrutural dos consultórios odontológicos, foram consideradas 11 questões relativas a 7 itens: ventilação; iluminação; acústica; privacidade ao usuário; condição elétrica e hidráulica; presença de mofo; paredes lisas e laváveis. A partir do número de respostas favoráveis, a UBS era classificada como ótima, boa ou ruim nesse quesito (quadro 1).
As variáveis concernentes ao componente III foram apresentadas como um item isolado para a presença de referência especializada do CEO; e, individualmente, cada uma das especialidades disponíveis no CEO ou outras redes de apoio especializadas para referência de pacientes atendidos nas UBS pelas ESB. Em relação aos procedimentos básicos ofertados, consideraram-se os 17 procedimentos: drenagem de abcesso; sutura de ferimentos por trauma; remoção de dentes impactados; frenectomia; remoção de cistos; acesso à polpa dentária; aplicação tópica de flúor; exodontia de dente permanente; exodontia de dente decíduo; restauração de amálgama; restauração de resina composta; restauração em dente decíduo; pulpotomia; raspagem/alisamento/polimento supragengival; tratamento de alveolite; ulotomia/ulectomia e cimentação de próteses. Houve exclusão do item ‘outros’. As UBS foram agrupadas conforme a porcentagem de procedimentos realizados.
A variável independente do estudo foram as regiões geográficas brasileiras: Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte.
Análise dos dados
Foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 21.0. Os dados coletados foram analisados com estatísticas descritivas, por meio de frequências absolutas (n) e relativas (%). A análise bivariada entre as variáveis dependentes (estrutura da UBS, estrutura dos serviços odontológicos na UBS e os serviços odontológicos ofertados) e a variável independente (regiões geográficas brasileiras) foi realizada com o teste qui-quadrado com uso do Teste Z ajustado pelo método Bonferroni (p<0,05). Entre as variáveis em que as opções de respostas eram ‘Sim’ ou ‘Não’, apesar das tabelas apresentarem apenas a categoria ‘Sim’, a categoria ‘Não’ também foi considerada na análise.
Resultado
A amostra do estudo foi constituída por 24.056 UBS participantes do PMAQ-AB, nas quais atuavam 29.778 EAB. Destas UBS, 16.203 (67,3%) possuíam serviços odontológicos e abrigavam 18.119 ESB. Houve maior participação de EAB nas regiões Sudeste (n=10.100 equipes) e Nordeste (n=10.768 equipes); e menor na região Norte (n=2.160). Do total de EAB, 60,8% contavam com ESB, e maiores proporções de EAB com ESB no Centro-Oeste (73,4%) e menor na região Sudeste (50,7%).
A tabela 1 apresenta dados sobre a estrutura das UBS. Foi observado que os itens referentes à acessibilidade de pacientes com deficiência, como a presença de sanitários, portas e corredores adaptados para cadeira de rodas, estão entre os elementos de estrutura física menos frequentes em todas as regiões brasileiras, principalmente na região Norte. Quanto à estrutura de sinalização das UBS, é possível observar que as regiões Norte e Centro-Oeste apresentam menores proporções de recursos nessa área. Pode-se analisar que o item que apresentou menor proporção foi a utilização de crachás pelos profissionais.
Proporção dos itens que se referem a estrutura física e sinalização das Unidades Básicas de Saúde avaliadas no 2º Ciclo do PMAQ- AB para o Brasil e por comparação entre as regiões geográficas brasileiras. Brasil, 2013-2014
A tabela 2 apresenta dados sobre a estrutura dos serviços odontológicos nas UBS. De modo geral, nota-se que as UBS possuem a maioria dos instrumentos e insumos odontológicos listados, com menor proporção de itens nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Quanto aos equipamentos, a maioria das UBS possui de 51% a 75% do total dos itens listados. Os equipamentos encontrados com maior frequência nos consultórios odontológicos das UBS foram: cadeira odontológica (99,0%), refletor (98,7%), mocho (98,4%), sugador (98,1%), cuspideira (98,1%) e caneta de alta rotação (97,9%), o que mostra que a maioria dos consultórios possui os itens básicos para seu funcionamento. Já os menos frequentes foram: negatoscópio (19,4%), avental de chumbo (20,1%), caixa de revelação (23,4%) e aparelho de raio-x (25,6%), o que comprova que a radiografia odontológica (exame diagnóstico fundamental para vários procedimentos) é pouco realizada na AB. Também foram pouco presentes os equipamentos auxiliares da profilaxia odontológica, como ultrassom (30,4%) e jato de bicarbonato (31,1%).
Proporção de equipamentos, instrumentos, insumos básicos, estrutura e procedimentos realizados nas Unidades Básicas de Saúde com Equipes de Saúde Bucal avaliadas no 2º Ciclo do PMAQ-AB para o Brasil e por comparação entre as regiões geográficas brasileiras. Brasil, 2013-2014
No que diz respeito à estrutura dos consultórios odontológicos, a maioria das UBS apresentou resultado classificado como ‘ótimo’, sendo o único aspecto avaliado que não apresentou diferença entre as regiões brasileira. As condições estruturais com menor frequência foram: paredes e pisos não laváveis (32,2%), condições inadequadas dos consultórios (29,1%), ventilação inadequada dos consultórios (17,3%) e tubulação para fora da parede (15,5%) (tabela 2).
No gráfico 1, observa-se que os procedimentos mais realizados pelas ESB na UBS foram a aplicação de flúor tópico (98,6%), a exodontia em dentes decíduos (98,5%) e a restauração em dentes decíduos (98,5%); enquanto os procedimentos que poderiam evitar exodontias, como acesso à polpa e pulpotomias, foram menos ofertados (88,1% e 83,3%, respectivamente) (tabela 3). Também foram pouco ofertados procedimentos cirúrgicos mais complexos, como a frenectomia (27,2%), a remoção de cistos (21,4%) e a cimentação de próteses (28,3%).
Proporção dos procedimentos odontológicos básicos ofertados para os usuários das Unidades Básicas de Saúde com Equipes de Saúde Bucal avaliadas no 2º Ciclo do PMAQ-AB. Brasil, 2013-2014
Proporção dos procedimentos odontológicos básicos ofertados e disponibilidade de referência especializada para os usuários das Unidades Básicas de Saúde com Equipes de Saúde Bucal avaliadas no 2º Ciclo do PMAQ-AB para o Brasil e por comparação entre as regiões geográficas brasileiras. Brasil, 2013-2014
A tabela 3 apresenta dados sobre os serviços odontológicos ofertados, sendo que a maior parte das ESB realizaram entre 76% e 100% dos procedimentos básicos odontológicos listados, e as regiões Sul e Sudeste apresentaram maiores proporções. Ainda existe uma grande parte das ESB que não apresenta referência dos pacientes para os CEO, sendo maior a proporção nas ESB localizadas nas regiões Sul e Sudeste. Considerando-se as especialidades ofertadas no CEO ou outras redes de apoio de serviço especializado, verificou-se que a cirurgia oral menor (78,7%) e a endodontia (74,6%) são as mais disponíveis. Especialidades mais complexas e de maior custo, como a implantodontia (4,4%) e a ortodontia (19,9%), são as menos ofertadas. Especialidades com alta demanda, como a estomatologia e a odontopediatria, estão entre as menos disponíveis (54,6% e 47,6%, respectivamente). Comparando-se as regiões, os resultados indicam que a menor disponibilidade de procedimentos especializados, em geral, encontra-se nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com destaque para as maiores proporções no Sudeste, onde se verificam as maiores ofertas (tabela 3).
Discussão
No que diz respeito à estrutura física das UBS, a maioria das que foram avaliadas no presente estudo não possuía a infraestrutura necessária para garantir o acesso universal aos serviços prestados à população, principalmente as questões de acessibilidade para pessoas com deficiência. Aproximadamente 23,1% dos brasileiros possuem restrições com relação a sua independência e mobilidade, e esse fator impede que essas pessoas exerçam sua cidadania com plenitude, pois a maioria dos espaços e edificações públicos se encontra inadequada, o que dificulta a movimentação desses indivíduos18. A limitação se configura barreiras arquitetônicas, formadas por toda e qualquer condição que impeça o direito dos cidadãos de ir e vir, tais como: presença de escadas, degraus altos, banheiros, portas e corredores não adaptados18. Esse aspecto demostra uma falta de investimento dos órgãos públicos para atender às necessidades de uma grande parcela da população brasileira, e medidas precisam ser tomadas para melhorar a acessibilidade de pessoas com deficiência.
No que se refere à sinalização, verificou-se uma defasagem quanto à utilização dos crachás de identificação pelos funcionários das UBS, fato que pode prejudicar a aproximação entre pacientes e funcionários, dificultando, assim, a atenção durante o primeiro contato do usuário. O processo comunicativo é um ato caracterizado por atitudes de sensibilidade, aceitação e empatia entre os sujeitos envolvidos, envolvendo a dimensão verbal e não verbal19. Diante do exposto – e do valor do primeiro contato para a longitudinalidade do cuidado, é valido utilizar uma diversidade de recursos que aproximem o binômio profissional-usuário e que favoreçam, dessa forma, uma aproximação de ambas as partes, estabelecendo um maior vínculo de confiança.
Com a incorporação da ESB na ESF e com a implantação dos CEO na atual PNSB, espera-se que o acesso da população à atenção à saúde bucal passe a ser ampliado19. Sendo assim, os equipamentos para procedimentos odontológicos historicamente concentrados nas capitais, metrópoles e em polos regionais20 começam a ter uma tendência de descentralização. Como verificado no estudo, houve uma adequação satisfatória na proporção dos equipamentos, insumos e instrumentos odontológicos encontrados nos consultórios odontológicos das UBS; dessa forma, elas estão aptas para atender às necessidades de saúde bucal da população adscrita. No entanto, deve-se perceber qual o modelo de atenção ou prática odontológica tem sido realizada.
Nesse sentido, os dados mostraram que os procedimentos mutiladores foram os procedimentos mais ofertado pelas ESB, como, por exemplo, as exodontias de dentes permanentes e decíduos. Estudos com dados secundários em âmbito nacional têm mostrado que houve maior proporção de exodontia em relação aos demais procedimentos odontológicos realizados na AB nas regiões Norte e Nordeste10,12, ou seja, compatível com as regiões com menores disponibilidades dos insumos. Além disso, ainda apontam outros aspectos relacionados, como municípios com menor cobertura de saúde bucal na AB, sem CEO, com Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) muito baixo e índice de Gini maior do que a média nacional10,12. Esses dados reforçam um aspecto que poderia justificar a grande proporção de oferta de exodontia, por exemplo, a falta de acesso de exames diagnósticos complementares, como as radiografias odontológicas, uma vez que o aparelho não está disponível em grande parte das unidades de saúde avaliadas, somando-se ainda a ausência de disponibilidade de referência especializada em radiologia ou outros procedimentos que preservassem os dentes, como a endodontia. Esses fatores podem contribuir para as decisões clínicas mais radicais, pois procedimentos conservadores necessitarão de mais recursos para serem realizados.
A AB funciona como porta de entrada da Rede de Atenção à Saúde Bucal, acolhendo a população e determinando o vínculo e a responsabilidade perante as necessidades de saúde21. Esse aspecto pode dimensionar a grande expansão dos programas públicos de saúde, principalmente nos serviços de AB, inclusive em regiões mais pobres do País, como Norte e Nordeste4,21. No entanto, deve haver uma estrutura organizacional em que haja a integralidade e na qual a ESB apresente referência especializada, como o CEO ou serviços similares, para atendimentos de casos mais complexos.
Considerando a recomendação de serem implantados CEO em locais onde a AB encontra-se bem estruturada, estudo mostrou que a maioria dos CEO está em municípios com ESB implantados, e, por isso, estariam corretamente alocados22. Porém, os dados apontaram que ainda existe discrepâncias na proporção de equipes que recebiam o apoio de serviços odontológicos especializados, com maior apoio na região Sudeste e menos nas regiões Centro-Oeste e Norte; sendo assim, medidas precisam ser tomadas para melhorar o acesso, em nível secundário, nesses locais onde já se tem uma adequada atuação na AB. Isso demonstra uma baixa cobertura da atenção secundária, ou uma limitada expansão dos CEO, ou seja, não tem acompanhado a velocidade de implantação das ESB.
Apesar dos avanços obtidos desde a implantação da PNSB4, os resultados do presente estudo apontaram a presença de desigualdades na oferta de serviços odontológicos na AB e na disponibilidade de referência especializada, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e uma melhor oferta nas regiões com um melhor desenvolvimento socioeconômico, como as regiões Sul e Sudeste. Sendo assim, apesar da expansão da atenção à saúde bucal, a PNSB ainda enfrenta grandes dificuldades em reduzir as desigualdades presentes na saúde, além disso, muitas das ações não são acessíveis para a população em regiões e em locais com maiores necessidades socioeconomicas23.
Os resultados do presente estudo, do 2º Ciclo do PMAQ-AB, apesar de ter avaliado mais ESB do que o 1º Ciclo24, não mostrou grandes mudanças no que diz respeito às diferenças entre as macrorregiões. Esse aspecto deve ser muito bem pensado, uma vez que, na ausência de medidas e de ajustes nos programas indutores do MS que considerem as condições de desigualdades regionais, pode ocorrer a equidade inversa9, ou seja, valorizar locais que já possuem melhores condições e acentuar ainda mais as disparidades. Esse caminho está se reafirmando, já que se repete a lógica de quanto melhor o desenvolvimento da região, melhor é a prestação de serviços de saúde bucal24.
Neste estudo, reafirmou-se que a cobertura populacional por si só parece não influenciar o indicador referente à mutilação oral da população, pois vivencia um modelo de atenção ainda curativo2,12,19,25, ou ainda, a interface de uma alta demanda historicamente excluída dos serviços de saúde; reafirmando a lógica de um modelo de assistência odontológica no Brasil até então biomédico, com alto custo, baixo rendimento e conhecidamente ineficiente para atender uma reversão de assistência para atenção26. Por conseguinte, há necessidade de mudanças no processo de trabalho, com valorização de atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças relativas à saúde bucal e, principalmente, a melhoria dos indicadores socioeconômicos, ou seja, implantação de políticas públicas que visem reduzir as iniquidades sociais10.
O presente estudo, por se tratar de dados secundários do PMAQ-AB, apresenta como limitação uma possível superestimação dos resultados, não traduzindo a realidade do panorama brasileiro, uma vez que contou com a participação de UBS e ESB que quiseram receber a AE. No entanto, os resultados apontam dados importantes, que merecem ser considerados, pois, mesmo podendo tratar das melhores UBS, mostrou dados sobre a infraestrutura e sobre os serviços odontológicos prestados; e, principalmente, a identificação de desigualdades regionais. Destarte, mesmo com ampliação dos investimentos na área da saúde bucal, reduzindo as desigualdades no acesso e aumentando o uso dos serviços odontológicos, ainda foi possível observar iniquidades22.
Conclusões
De maneira geral, as UBS apresentavam boa estrutura física, porém, baixa acessibilidade para pessoas com deficiência. Os consultórios odontológicos apresentavam estrutura física adequada e equipamentos, instrumentos e insumos odontológicos suficientes. No entanto, mostravam alta proporção na oferta de serviço mutiladores em comparação a procedimentos que evitariam as extrações dentárias, e baixa oferta de referência especializada. Além disso, houve evidenciadas desigualdades regionais, favoráveis às regiões Sul e Sudeste.
Apesar dos avanços na Saúde Pública brasileira após a implantação da PNSB, ainda existem barreiras no processo de trabalho das ESB – e ainda relacionadas à acessibilidade – para alcançar um modelo de saúde bucal que atenda às reais necessidades dos brasileiros. As políticas públicas devem reforçar sobre as necessidades locorregionais entre as regiões brasileiras, além de valorizar a acessibilidade, principalmente na inclusão de populações historicamente desassistidas na atenção odontológica, e orientar uma prática profissional que favoreça as perspectivas da clínica ampliada e que seja capaz de responder às efetivas carências da população.
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Suporte financeiro: Fundação Araucária
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Nov 2020 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2020
Histórico
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Recebido
17 Fev 2020 -
Aceito
08 Abr 2020