RESUMO
A usabilidade de sistemas informacionais em saúde apresenta grande relevância, especialmente na Atenção Primária à Saúde (APS), contexto marcado por crescente digitalização e integração de tecnologias. Nesse sentido, objetivou-se avaliar a usabilidade do aplicativo e-SUS Território implementado pelo Ministério da Saúde. Utilizou-se método misto explanatório sequencial. Na abordagem quantitativa, usou-se a Escala de Usabilidade de Sistemas (SUS). Na abordagem qualitativa, empregou-se estudo descritivo exploratório baseado no Modelo de Aceitação de Tecnologia. Os participantes foram Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Calculouse o SUS-score com auxílio do software estatístico Stata. Os dados qualitativos foram organizados utilizando-se o software Open Logos, e realizou-se Análise Temática-Categorial. O SUS-score médio encontrado foi 55,3 pontos, indicando aceitação marginal do aplicativo. Os resultados destacam utilidades e facilidades de uso do aplicativo. Falhas na sincronização com o sistema Prontuário Eletrônico do Cidadão foram apontadas como problemas, gerando erros nos cadastros domiciliares e individuais, duplicação de cidadãos e perda de registro de visitas realizadas. A usabilidade do e-SUS Território mostrou-se abaixo da média esperada, apontando problemas em sua aceitação. Ressalta-se que a usabilidade pode ser melhorada com esforços dos gestores na qualificação dos ACS, especialmente no atendimento às necessidades dos usuários que consideram o aplicativo com usabilidade inaceitável.
PALAVRAS-CHAVE
Políticas de eSaúde; Registros eletrônicos de saúde; Agentes Comunitários de Saúde; Atenção Primária à; Saúde; Saúde digital.
ABSTRACT
The usability of health information systems is highly relevant, especially in Primary Health Care (PHC), a scenario of increasing digitalization and technological integration. In this context, the objective of this study was to evaluate the usability of the e-SUS Território application implemented by the Brazilian Ministry of Health. A sequential explanatory mixed-method approach was used. The System Usability Scale (SUS) was applied in the quantitative phase. An exploratory descriptive study based on the Technology Acceptance Model was conducted in the qualitative phase. The participants were Community Health Workers (CHWs). The SUS score was calculated using Stata statistical software. Qualitative data were organized using Open Logos software, and Thematic-Categorical Analysis was performed. The average SUS score was 55.3 points, indicating marginal acceptance of the application. The results also highlight the application’s usefulness and ease of use. However, synchronization failures with the citizens’ Electronic Health Record (EHR) system were identified as issues, leading to errors in household and individual records, duplication of citizens, and loss of recorded visits. The usability of e-SUS Território was below the expected average, indicating acceptance issues. It is emphasized that usability can be improved through managerial efforts to enhance CHWs’ training, particularly in addressing the needs of users who consider the application to have unacceptable usability.
KEYWORDS
eHealth policies, Electronic health records; Electronic health records; Community Health Workers; Primary Health Care; Digital health.
Introdução
A estratégia e-SUS Atenção Primária (e-SUS APS), implementada pelo Ministério da Saúde (MS), vem reestruturando a gestão da informação no campo da Atenção Primária à Saúde (APS). Essa iniciativa faz parte da Estratégia de Saúde Digital para o Brasil, que visa reestruturar os recursos de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC)1,2. É importante destacar que o movimento de Saúde Digital é incentivado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que definiu um conjunto de ações e recursos tecnológicos na Estratégia Global de Saúde Digital3. A integração de tecnologias digitais, especialmente na APS, é fundamental para o aumento da eficiência do Sistema Único de Saúde (SUS), otimizando processos, ampliando o acesso aos serviços e aprimorando a gestão da informação em saúde.
No Brasil, foram estabelecidas diversas ações, como a atualização da Política Nacional de Informática e Informação em Saúde, a implementação da estratégia e-Saúde para o Brasil e a elaboração do Plano de Ação, Monitoramento e Avaliação de Saúde Digital para o Brasil, entre outras iniciativas. A qualificação da gestão da informação tem um grande potencial para ampliar a qualidade no atendimento dos serviços de saúde1,2.
O sistema de softwares disponibilizados pela estratégia e-SUS APS permite a individualização dos dados, o registro clínico, a integração dos diferentes Sistemas de Informações em Saúde (SIS) da APS, bem como elimina o retrabalho no registro dos dados, contribuindo para a informatização de Unidades Básicas de Saúde (UBS)1. Esse conjunto de softwares tem como base central de dados o Sistema de Informação para a Atenção Básica (Sisab), que é alimentado pelos softwares disponibilizados pelo MS, como a Coleta de Dados Simplificada (CDS) e o Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC), além de sistemas próprios já existentes ou contratados nos municípios1.
A estratégia e-SUS APS disponibiliza ainda aplicativos como o e-SUS Território, objeto deste estudo, desenvolvido para informatizar o registro das atividades realizadas pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS). O e-SUS Território integra o PEC e foi desenvolvido para uso via dispositivos móveis, facilitando, assim, o processo de trabalho dos ACS4.
O uso de aplicativos móveis na saúde, especialmente na APS, permite o acesso à informação em qualquer lugar e a qualquer momento, contribuindo para o avanço de um novo modelo de atendimento à saúde5,6. No entanto, diversos fatores podem influenciar na usabilidade desse tipo de tecnologia, como a idade, o nível de instrução, as experiências prévias e a ausência de suporte, que podem resultar em percepções negativas sobre a usabilidade dessas ferramentas7-10.
É importante destacar que a usabilidade é um atributo de qualidade que avalia a facilidade de uso de interfaces pelos usuários, considerando aspectos como capacidade de aprendizado, eficiência, memorização, ocorrência de erros e satisfação com o sistema11. O ACS, profissional essencial da APS, realiza suas funções principalmente fora das UBS. Portanto, o uso desse aplicativo tem potencial para impactar positivamente seu trabalho. Nesse sentido, é crucial analisar fatores relacionados com a usabilidade e a aceitação dessa inovação tecnológica por parte desses profissionais.
Iniciativas locais de incorporação de dispositivos móveis no trabalho dos ACS mostraram que esses profissionais estão satisfeitos, com melhoria nas condições de trabalho e maior confiabilidade das informações de saúde12. No entanto, a informatização do trabalho dos ACS em âmbito nacional é uma iniciativa recente no Brasil, produzindo mudanças significativas no cotidiano de trabalho e justificando a necessidade de avaliações da usabilidade e aceitação do sistema.
Dessa forma, para compreender melhor a usabilidade e a aceitação do aplicativo e-SUS Território pelos ACS, este estudo teve como objetivo realizar uma avaliação específica. Sendo assim, este estudo busca investigar os desafios de usabilidade do aplicativo e-SUS Território utilizado pelos ACS, analisando de que forma essa interface pode impactar na eficiência do trabalho e na qualidade do registro das informações em saúde. Espera-se que os resultados contribuam para ampliar a discussão sobre a adoção de TDIC na área de saúde, com enfoque na informatização das atividades dos ACS e na melhoria das informações de saúde produzidas pelo SUS.
Material e métodos
Trata-se de estudo que utilizou método misto explanatório sequencial13, em que a abordagem quantitativa foi realizada por meio de um delineamento transversal14. Já na abordagem qualitativa, adotou-se um estudo descritivo exploratório, utilizando como modelo teórico o Modelo de Aceitação de Tecnologia (Technology Acceptance Model - TAM)15 (quadro 1). Esse modelo é reconhecido por sua validade, aplicabilidade e replicabilidade em diferentes contextos, sendo robusto para descrever o impacto de fatores externos e internos sobre os usuários de sistemas de informações15,16.
O TAM se baseia em dois principais constructos: utilidade percebida e facilidade de uso percebida. A utilidade percebida refere-se ao grau em que um usuário acredita que o uso de um sistema pode melhorar seu desempenho. Já a facilidade de uso percebida diz respeito ao grau em que um usuário acredita que utilizar um sistema de informação será livre de esforço15.
A coleta de dados qualitativos neste estudo visa enriquecer a interpretação das informações quantitativas, proporcionando evidências mais robustas sobre a usabilidade do aplicativo e-SUS Território pelos ACS. Esse enfoque complementar permite uma compreensão mais profunda das percepções, experiências e contextos que influenciam a aceitação e a utilização do sistema pelos profissionais da APS.
O estudo quantitativo foi realizado com ACS que utilizavam o aplicativo e-SUS Território em uma macrorregião de saúde do estado de Minas Gerais, composta por 53 municípios, dos quais 27 (50,9%) já estavam utilizando o aplicativo. De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, 611 ACS atuavam nesses 27 municípios. A amostra foi calculada considerando uma variabilidade máxima para a frequência dos eventos estudados (p = 0,5), um nível de confiança de 95% e um erro amostral de 5%. Assim, a população de estudo deveria incluir, no mínimo, 237 ACS, com critério de inclusão de experiência mínima de três meses de uso do aplicativo, excluindo aqueles em férias, licença maternidade ou licença por outros motivos durante o período da pesquisa.
A coleta de dados quantitativos ocorreu on-line (websurvey). Como instrumento, foi utilizada a Escala de Usabilidade do Sistema (System Usability Scale - SUS), versão adaptada e validada para o contexto brasileiro17,18. Essa escala é composta por dez questões, sendo cinco afirmativas e cinco negativas, utilizando uma escala Likert de 1 a 5 para as respostas, em que 1 significa ‘discordo fortemente’; 2 ‘discordo’; 3 ‘não discordo nem concordo’; 4 ‘concordo’; e 5 ‘concordo fortemente’17,18. A Escala SUS é amplamente reconhecida e frequentemente utilizada para avaliar a usabilidade de sistemas informacionais11,20.
Os participantes foram contatados por intermédio das Secretarias Municipais de Saúde, utilizando e-mails e mensagens por redes sociais, com informações sobre a pesquisa e convite para participação. Foram feitos três envios consecutivos de convites, com intervalo de sete dias entre cada um. O acesso aos instrumentos de coleta de dados foi feito eletronicamente, por meio da plataforma Google Forms. Um total de 254 ACS responderam à pesquisa.
Os dados coletados foram armazenados e processados utilizando o software estatístico Stata 14.0. Primeiramente, foi realizada uma análise descritiva das variáveis. Em seguida, foi calculado o SUS-score, que é uma medida consolidada considerando a contribuição individual de cada item do instrumento. Para os itens ímpares, subtraiu-se 1 da resposta do participante, e para os itens pares, subtraiu-se a resposta do participante de 5. Após esse cálculo, a soma dos dez itens foi multiplicada por 2,5. O SUS-score resultante pode variar de 0 a cem 100 pontos, classificando a usabilidade do sistema avaliado17.
Com base na escala SUS-score, a usabilidade de uma tecnologia pode ser classificada como ‘não aceitável’ se a pontuação estiver entre 0 e < 50 pontos. Uma pontuação entre 50 e < 70 pontos é considerada ‘aceitação marginal’ enquanto um SUS-score ≥ 70 indica usabilidade ‘aceitável’17. Uma pontuação média de 68 pontos ou superior é frequentemente utilizada como referência adequada para avaliar a usabilidade de um aplicativo, em que metade dos aplicativos está abaixo e metade está acima dessa média11,21.
Na abordagem qualitativa deste estudo, os dados foram coletados por meio da plataforma Google Play (Play Store), na qual os usuários do aplicativo e-SUS Território registraram seus comentários e opiniões. Esse ambiente é crucial, pois reflete diretamente a aceitação ou a rejeição do aplicativo pelos usuários, além de manifestar suas percepções de uso, dificuldades e facilidades encontradas.
A base de dados para este estudo foi composta por 1.066 comentários de usuários do aplicativo e-SUS Território, abrangendo desde a versão 1.0 até a 3.2. Todos os comentários foram analisados inicialmente, sendo excluídos aqueles ilegíveis, em branco ou duplicados. Em seguida, aplicou-se a técnica de Análise Temática Categorial da Análise de Conteúdo, dividida em três etapas distintas conforme descrito na metodologia19.
Na primeira etapa, realizou-se uma leitura flutuante dos dados para identificar hipóteses e teorias relacionadas com o tema. A qualidade desse processo foi assegurada mediante critérios de exaustividade, homogeneidade, exclusividade, objetividade e adequação dos dados coletados19.
Na segunda etapa, foram estabelecidas as categorias analíticas, que foram definidas previamente com base no referencial teórico do TAM15. As categorias incluem utilidade percebida e facilidade de uso percebida. A utilidade percebida avalia em que medida os usuários acreditam que o aplicativo pode melhorar seu desempenho no trabalho enquanto a facilidade de uso percebida investiga a percepção de facilidade ou dificuldade no uso da tecnologia15,16.
Na terceira e última etapa, realizou-se o agrupamento das unidades de registro do material analisado para aprofundar as hipóteses levantadas. A categorização foi feita com base na presença ou ausência de facilidade de uso percebida e utilidade percebida, buscando interpretar o significado das mensagens analisadas de maneira reflexiva e crítica19.
É relevante destacar que este estudo seguiu rigorosos preceitos éticos envolvendo pesquisa com seres humanos, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São João del-Rei, com Certificado de Apresentação de Apreciação (CAAE) nº 37555620.9.0000.5545 e Parecer nº 4.523.507. Todos os aspectos éticos, como confiabilidade e privacidade dos participantes, foram assegurados de acordo com a Resolução nº 466/201222 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados
A maioria dos participantes, na fase quantitativa, era do sexo feminino (92,5%), casada/relação estável (58,7%), cor branca (52,4%), com ensino médio completo (76,0%) e com renda familiar de até de 3 salários mínimos (86,6%) (tabela 1). A variável idade apresentou distribuição normal (teste de normalidade de Shapiro Wilk), mediana de 38 anos, variando de 30 a 45 anos. Em relação ao tempo de atuação como ACS, 74% possuíam experiência superior a dois anos, e a maioria (75%) já utilizava o aplicativo há mais de um ano (tabela 1).
A participação em curso de informática foi relatada por 68,5% dos participantes, e 70,9% deles afirmaram que receberam capacitação para usar o aplicativo e que sabem utilizá-lo. O dispositivo mais usado para acessar o aplicativo foi o tablet (tabela 1).
O SUS-score médio obtido foi de 55,3 pontos, o que está abaixo da referência de 68 pontos frequentemente utilizada na literatura para avaliar a usabilidade de aplicativos11. Esse resultado indica que, em média, os participantes perceberam a usabilidade do aplicativo e-SUS Território como abaixo do ideal.
Quando analisados individualmente, os resultados do SUS-score mostraram que 49,4% dos participantes avaliaram a usabilidade do aplicativo como ‘aceitação marginal’, com pontuações entre 50 e < 70 pontos; 31,1% dos participantes consideraram a usabilidade como ‘não aceitável’, com pontuações abaixo de 50 pontos; e 19,5% dos participantes avaliaram a usabilidade como ‘aceitável’, com pontuações iguais ou superiores a 70 pontos (tabela 2).
Esses dados revelam que uma parcela significativa dos usuários considerou a usabilidade do e-SUS Território como marginal ou abaixo do esperado, indicando áreas que podem necessitar de melhorias para melhor atender às necessidades e expectativas dos ACS.
O gráfico 1 mostra a nota média de cada uma das variáveis. A variável 6, ‘Achei que o e-SUS Território tinha muitas inconsistências’, foi a que apresentou menor valor. A análise qualitativa permitiu identificar comentários que reforçam esse entendimento. As maiores dificuldades relatadas referem-se às inconsistências apresentadas pelo aplicativo, principalmente relacionadas com a sincronização com o PEC.
Falhas na sincronização do aplicativo com o PEC são apontadas como causa de problemas na operação, como erros nos cadastros domiciliares e individuais, duplicação de cidadãos e perda de registro de visitas realizadas:
[...] aplicativo está com falha, pois ao sincronizar com o PEC falta famílias e no sistema está tudo certo, porém no aplicativo surge vários erros [...]. (C423).
[...] está sumindo todas as visitas e cadastro [...]. (C692).
Esse tipo de problema leva ao retrabalho dos ACS, gerando insatisfação por parte dos usuários e podendo comprometer a usabilidade do aplicativo, conforme podemos verificar:
[...] apesar de seguir passo a passo as orientações sobre a sincronização já perdi a conta de todas as vezes que tive que refazer meus cadastros [...] infelizmente sou obrigada a voltar para as fichas por serem mais confiáveis e funcional. (C62).
Em alguns casos, é apontado que os problemas de sincronização ocorrem devido a atualizações no aplicativo: “Não consigo sincronizar, pede atualização! Quando vou para atualização ele já está atualizado” (C105).
Outra variável que teve nota média baixa foi ‘Considerei o aplicativo e-SUS Território mais complexo que o necessário’ (gráfico 1). Os usuários identificam certa desorganização dos cadastros de família e cidadãos, demonstrando, assim, complexidade para seu uso. Eles apontam que estes não são organizados por microáreas: “[…] as famílias não são separadas por ACS é tudo junto e misturado com os outros ACS” (C67).
Outro ponto de destaque levantado pelos usuários que deixa o aplicativo mais complexo foi o impedimento do ACS para realizar unificações e sanar problemas de atualização e/ou duplicidade nos cadastros. Quando essas inconsistências são encontradas, os ACS precisam recorrer aos enfermeiros para solucioná-las, diminuindo, assim, a percepção de facilidade desses agentes.
[…] já que a duplicidade de cadastros e usuários são constantes eu sugiro que nós ACS pudéssemos unificar os cadastros duplicados pra evitar inconsistências no sistema […]. (C282).
Os usuários também comentam que o preenchimento de alguns campos na realização dos cadastros dificulta o uso do aplicativo. A obrigatoriedade do registro de número do celular é um deles: “Está errado o número de telefone dos usuários serem obrigatório, pois muitos não dão seus números e outros não tem” (C261). Outro ponto destacado foi o preenchimento da ocupação nos cadastros: “[…] busca de ocupação dos cidadãos é que tem hora que dá muito trabalho para colocar […]” (C343). Os usuários apontam ainda dificuldade no acesso a informações/relatórios de uso rotineiro pelos ACS:
[…] quando o ACS precisa de um levantamento individual não é possível temos que fazer contagem no papel. (C202).
Falta um condensado por prioridades de cada agente por microárea, tipo crianças menor de 1 ano, de 2 a 5 anos, pessoas com hipertensão, diabéticas, gestantes, puérperas [...]. (C947).
Houve ainda comentários que reforçam a ideia de que o uso do e-SUS Território é complexo, não sendo identificada a utilidade de seu uso: “Péssimo, só atrapalha o trabalho dos agentes de saúde” (C469).
Por outro lado, os comentários analisados evidenciam que alguns usuários avaliaram positivamente o uso do aplicativo, “[...] Era tudo o que eu queria como ferramenta de trabalho” (C507); “O app é uma ótima ferramenta para os ACS [...]” (C152); e o apontam como facilitador para seu processo de trabalho: “Aplicativo muito útil para mim que trabalho como ACS [...]” (C214). Também houve registros apontando que o layout do aplicativo contribui para a facilidade de seu uso.
Os comentários demonstram ainda que os ACS identificam que o seu uso pode agilizar e organizar a execução das atividades: “Aplicativo muito útil, tornou o trabalho bem mais organizado e produtivo” (C459).
Outra vantagem percebida é a redução do uso de papel, pois os cadastros e as visitas são lançados diretamente no aplicativo: “Sem papel e caneta, tudo direto” (C114). Utilidade foi também percebida em locais com difícil acesso à internet: “Aplicativo muito útil para mim que trabalho como ACS na zona rural” (C214).
Discussão
Os resultados mostram que mesmo tendo sido apontadas utilidades e facilidades no uso do e-SUS Território, sua usabilidade não se mostrou adequada, podendo, assim, comprometer sua aceitação pelos ACS. Destaca-se que o aumento expressivo da informatização nos serviços de saúde a partir da disseminação de TDIC tem produzido grandes mudanças na produção, no registro, na divulgação de dados e informações no campo da saúde2,7.
Sendo assim, o uso de recursos tecnológicos para otimizar e qualificar o serviço é uma realidade em muitas áreas, porém essas mudanças ainda não haviam chegado para os ACS, o que ocorreu partir de 2016, com a disponibilização do e-SUS Território em todo o Brasil. De modo geral, o e-SUS Território tem potencial para facilitar o processo de trabalho dos ACS simplificando a coleta de dados4.
A análise de usabilidade desse aplicativo, a partir do SUS-score, identificou que essa inovação tecnológica apresentou resultado abaixo da média esperada. Sabe-se que mesmo os melhores aplicativos não garantem usabilidade satisfatória a todos os usuários, ainda mais considerando que esta é a primeira vez que se adota o uso dessa tecnologia de forma generalizada. Destaca-se ainda que a medida de 68 pontos ou mais do SUS-score mostrou-se ser uma excelente referência para a qualidade de aplicativos digitais de saúde11.
O uso de dispositivos móveis já se mostrou ser mais complexo para ACS, principalmente devido ao perfil desses profissionais e à pouca experiência com o uso de recursos tecnológicos23. Há evidências de que ACS possuem conhecimentos incipientes no uso de dispositivos móveis, de modo geral, necessitando de treinamento básico em informática, além da dificuldade de acesso a computadores e internet12. Portanto, é natural emergir problemas nessa fase inicial, necessitando, assim, investir em processos de infoinclusão.
O MS recomenda iniciar a implantação dessa tecnologia pela capacitação dos profissionais seguindo um passo a passo, abordando a preparação para uso, simulação e operação acompanhada in loco. Os profissionais necessitam de treinamentos constantes e suporte técnico, haja vista que os sistemas sofrem sempre atualizações. Assim, os ACS precisam estar preparados e aptos para uso de tecnologias desde a captura até a análise dos dados23.
Estudos apontam que pouca intimidade com o uso de TDIC provoca empecilho na usabilidade de dispositivos móveis12,24. Nesse panorama, o uso de dispositivos móveis apresenta-se como algo inusitado e discrepante da realidade por parte de alguns ACS. Eles sentem-se incomodados ao abordar usuários em posse desses dispositivos devido à reação dessas pessoas. Isso contribui para maior resistência e desconfiança no uso dessa tecnologia25.
Pode-se perceber que, de modo geral, os participantes identificam poucos ganhos de desempenho e facilidade no seu uso. Isso pode ter ocorrido por se tratar de uma tecnologia nova na rotina de trabalho dos ACS. Ressalta-se que há evidências de que pessoas são mais propensas a aceitar tecnologias quando percebem que elas são úteis e fáceis de usar15,26. A aceitação de uma tecnologia móvel perpassa também pela confiança no manuseio, pelo uso voluntário, confortável/fácil e pela agilidade27,28, ocasionando efeitos positivos na produtividade29.
Destaca-se que os ACS são profissionais estratégicos na obtenção de dados na APS, sendo a informação um requisito básico e fundamental para sua atuação. O ACS lida com volume significativo de dados de preenchimento exclusivo, e uma de suas principais queixas é o preenchimento excessivo de formulários25. Portanto, a adoção adequada do e-SUS Território é fundamental na otimização do tempo de trabalho além de melhorias na qualidade da informação produzida.
É importante salientar que a inovação não deve ser um elemento de domínio apenas de profissionais técnicos. É preciso que os profissionais que utilizam o referido aplicativo no dia a dia sejam envolvidos no processo e experimentem a inovação antes de sua implementação. Além disso, é importante destinar um tempo para organizar as equipes e os processos de trabalho. Implantar uma nova TDIC, como o e-SUS Território, de forma abrupta e sem envolver os ACS, tende a aumentar a rejeição do seu uso15,25,30.
Conclusões
A usabilidade do aplicativo e-SUS Território a partir do SUS-score mostrou abaixo da média esperada, apontando, assim, problemas em sua aceitação. Vale destacar que a usabilidade deve ser melhorada com esforços dos gestores na qualificação dos ACS para o uso desse aplicativo, especialmente buscando atender melhor às necessidades dos usuários que consideram o aplicativo com usabilidade inaceitável. É preciso melhorar a visão desses profissionais sobre sua utilidade e facilidade de uso. Dada a diversidade de contextos de uso, a adoção e a aceitação de TDIC não são uma tarefa fácil, requerendo grandes esforços dos gestores nessa empreitada.
Os resultados deste estudo oferecem subsídios para aprimoramentos tanto no aplicativo quanto nas práticas de trabalho dos ACS. No entanto, vale destacar que é necessário ajustes nessa nova ferramenta tecnológica para correção de problemas que foram apontados, como maior autonomia no uso, melhorias na sincronização com redução de perdas informacionais, além da manutenção de programas de qualificação e canais para saneamento de dúvidas.
Por fim, ressalta-se a importância de reavaliar a usabilidade do aplicativo futuramente, considerando que ela pode melhorar com o aumento da experiência de uso e com as atualizações do sistema. Um tempo maior de utilização tende a favorecer a familiaridade dos usuários, reduzindo as dificuldades iniciais. Além disso, as atualizações podem corrigir falhas e incorporar funcionalidades que tornem o e-SUS Território mais intuitivo e eficiente.
Disponibilidade de dados:
os dados de pesquisa estão contidos no próprio manuscrito
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Suporte financeiro:
não houve
Referências
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Editado por
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Editora responsável:
Mônica Ferreira da Silva
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
28 Ago 2024 -
Aceito
29 Abr 2025


Fonte: elaboração própria.1 - Acho que gostaria de utilizar o e-SUS Território com frequência; 2 - Considerei o e-SUS Território mais complexo que o necessário; 3 - Achei o e-SUS Território fácil de utilizar; 4 - Acho que necessitaria de ajuda de um técnico para conseguir utilizar o e-SUS Território; 5 - Considerei que as várias funcionalidades do e-SUS Território estão bem integradas; 6 - Achei que o e-SUS Território tinha muitas inconsistências; 7 - Suponho que a maioria das pessoas aprenderiam a utilizar; 8 - Considerei o e-SUS Território muito complicado de utilizar; 9 - Me senti confiante ao utilizar o e-SUS Território; 10 - Tive que aprender muito antes de conseguir lidar como o e-SUS Território.