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Hesitação e recusa vacinal em países com sistemas universais de saúde: uma revisão integrativa sobre seus efeitos

Vaccination hesitation and refusal in countries with universal health systems: an integrative review about their effects

RESUMO

O número de indivíduos que recusam ou hesitam a vacinação vem crescendo nos últimos anos em diversos países, e isso tem sido notado com a diminuição da cobertura vacinal. Diante desse cenário, faz-se necessário conhecer quais os efeitos que esses fenômenos têm trazido para os sistemas universais de saúde. O estudo objetivou revisar os efeitos da recusa/hesitação vacinal para a população de países com sistemas universais de saúde, na produção científica da área da saúde. Realizou-se uma revisão integrativa nas bases de dados Lilacs, SciELO, PubMed/Medline, Scopus e Embase. Identificou-se o total de 318 publicações, realizou-se revisão sistematizada e ordenada, permanecendo para leitura completa 12 artigos científicos. Verificaram-se sete categorias de abordagem do tema: 1) políticas públicas para imunização da população; 2) fatores da hesitação da vacinação contra gripe; 3) hesitação entre profissionais de saúde; 4) fatores importantes para a decisão dos pais de vacinarem; 5) segurança das vacinas; 6) determinantes sociais, demográficos e econômicos para hesitação/recusa; e 7) projeção de cobertura vacinal para o futuro e política de vacinação. Os artigos científicos estudados permitiram entender como se dá a recusa e a hesitação vacinal em diferentes cenários, os seus efeitos e como esses motivos estão interligados entre si.

PALAVRAS-CHAVE
Recusa de vacinação; Movimento contra vacinação; Doenças preveníveis por vacina; Acesso universal aos serviços de saúde; Economia da saúde

ABSTRACT

The number of individuals who refuse or hesitate to be vaccinated has been increasing in recent years in several countries, which can be noted with the decrease in vaccination coverage. Given this scenario of increasing vaccine refusal/ hesitancy, it is necessary to know what effects these phenomena have brought to universal health systems. This study aims to review the effects of vaccine refusal/ hesitancy for the population of countries with universal health care systems, in the scientific production in the health field. An integrative review was conducted in the Lilacs, SciELO, PubMed/Medline, Scopus, and Embase databases. There were 318 publications, systematized and ordered review was performed, remaining 12 scientific articles. Seven categories to approach the topic were identified: 1) public policies for the immunization of the population, 2) factors of hesitation in influenza vaccination, 3) hesitation among health professionals, 4) important factors for the parents’ decision to vaccinate, 5) vaccine safety, 6) social, demographic, and economic determinants for hesitation/refusal and 7) projection of vaccination coverage for the future and vaccination policy. The articles studied allowed us to understand how vaccine refusal and hesitancy occur in different scenarios, their effects, and how these reasons are interconnected with each other.

KEYWORDS
Vaccination refusal; Anti-vaccination movement; Vaccine-preventable diseases; Universal access to health care services; Health economics

Introdução

A vacinação é apontada como o segundo maior avanço da humanidade em termos de saúde pública, atrás apenas da ampliação da oferta de água potável, conforme citado pela Sociedade Brasileira de Imunizações11 Sociedade Brasileira de Imunização. Semana Mundial da Imunização. 2020. [acesso em 2020 jun 27]. Disponível em: https://sbim.org.br/acoes/semana-mundial-da-imunizacao-2020
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. Mesmo com o sucesso de campanhas mundiais de vacinação, em que se alcançaram a erradicação de diversas doenças e a redução expressiva de outras delas, ainda se vivenciam grandes surtos, epidemias e pandemias, além do retorno de algumas doenças já controladas, como ocorreu no caso do sarampo em vários países nos últimos anos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) criou, em 2012, o Plano de Ação Global para Vacinas (GVAP) adotado por 194 países, cujo objetivo foi a prevenção de milhões de mortes até 2020 por meio do acesso universal à imunização22 PAHO. Plano de Ação de Vacinação Global (Global Vaccine Action Plan). 2012. [acesso em 2020 jun 27]. Disponível em: https://www.paho.org/en/topics/immunization
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. Dados divulgados em 2018 pela OMS e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelam que 20 milhões de crianças em todo o mundo - mais de uma em cada dez - não obtiveram acesso às vacinas que salvam vidas, como, por exemplo, as de sarampo, difteria e tétano. Nesse mesmo ano, quase 350 mil casos de sarampo foram registrados em todo o mundo, mais do que o dobro do registrado em 201733 World Health Organization. 20 million children miss out on lifesaving measles, diphtheria and tetanus vaccines in 2018. 2019. [acesso em 2020 jun 27]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/detail/15-07-2019-20-million-children-miss-out-on-lifesaving-measles-diphtheria-and-tetanus-vaccines-in-2018
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No Brasil, há relatos sobre vacinação desde antes da década de 1900. Um marco histórico importante no cenário de imunizações no País foi a Revolta da Vacina que ocorreu em 1904, com diversas motivações, inclusive políticas; contudo, teve como estopim a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola44 Hochman G. Vacinação, varíola e uma cultura da imunização no Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2011 [acesso em 2020 jun 27]; 16(2):375-86.. Na época, a cidade do Rio de Janeiro foi assolada por uma epidemia de varíola, e o médico Oswaldo Cruz montou uma campanha em moldes militares criando uma polícia sanitária com poder para desinfetar casas, caçar ratos e matar mosquitos. A imposição da vacinação obrigatória, em que as brigadas sanitárias entravam nas casas e forçavam a população a se vacinar, levou a cidade a viver uma guerra civil durante uma semana55 Porto MY. Uma revolta popular contra a vacinação. Cienc. Cult. 2003; 55(1):53-54..

Mesmo diante de anos de turbulência, em 1971, foi notificado o último caso de varíola no Brasil, sendo esse um grande marco de ação sanitária para o País, fruto da importante campanha de vacina ocorrida nos anos 196066 Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Imunizações. Brasília, DF: MS; [data desconhecida]. [acesso em 2020 jun 27]. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252003000100032&lng=en
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. Em 1973, foi formulado o Programa Nacional de Imunizações (PNI) pelo Ministério da Saúde, sendo institucionalizado em 1975. O PNI surgiu como parte de um conjunto de medidas a serem tomadas pelo governo brasileiro77 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2013: uma análise da situação de saúde e das doenças transmissíveis relacionadas à pobreza. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013.. Seu objetivo era integralizar as ações de imunização em todo o País, tendo em vista que, até aquele momento, qualquer esforço para ampliar coberturas vacinais dependia da iniciativa dos governos estaduais88 Risi Júnior JB. A produção de vacinas é estratégica para o Brasil. Hist cienc saude-Manguinhos. 2003; 10(supl2):771-83.,99 Silva Junior JB. 40 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma conquista da Saúde Pública brasileira. Epidemiol Serv Saúde. 2013; 22(1):7-8.; cenário que retornou no ano de 2020, com o enfrentamento da pandemia por Covid-19.

Ainda que muitos países tenham alcançado a erradicação de algumas doenças, nota-se uma crescente negativa da vacinação, no mundo e no Brasil. Esse não é um fenômeno novo, porém vem retornando com força à medida que as doenças foram desaparecendo. No final da década de 1990, a publicação de um artigo que associava a vacina tríplice viral com casos de autismo e doença crônica intestinal causou grande repercussão entre pesquisadores, médicos e até no público leigo, hipóteses estas que foram refutadas anos depois. Ainda assim, pôde-se notar um resultado negativo de tal publicação quanto à confiabilidade das vacinas1010 Lago EG. Hesitação/recusa vacinal: um assunto em pauta. Sci Med. 2018 [acesso em 2020 jun 27]; 28(4):32808. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329855121_Hesitacaorecusa_vacinal_um_assunto_em_pauta_-_Editorial
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, o que repercute até hoje, ao considerar o cenário da pandemia do Sars-Cov-2, por exemplo, nos Estados Unidos - onde os governos federais e estaduais estão buscando alternativas para sensibilizar a população para vacinação.

Outro importante fator crescente nos últimos anos é o advento da internet e do contínuo uso das redes sociais para a divulgação de informações falsas, as chamadas fake news. A divulgação de informações não idôneas e com o objetivo de desinformação da população é crescente. O combate a esse tipo de informações falsas é muito complicado, e a punição daqueles que as geram é ainda mais difícil1111 Teixeira A, Santos R. Fake news colocam a vida em risco: a polêmica da campanha de vacinação contra a febre amarela no Brasil. Rev Eletrôn Comun Inf Inov Saúde. 2020 [acesso em 2020 jun 27]; 14(1). Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1979
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, fato que tem fortalecido o aumento do número de indivíduos que recusam ou hesitam a vacinação nos últimos anos.

Ambos movimentos têm sido notados com a diminuição da cobertura vacinal, porém é importante diferenciá-los: a recusa é o ato de recusar a vacinação; já a hesitação vacinal é definida como o atraso em aceitar ou recusar certas vacinas recomendadas, apesar da sua disponibilidade nos serviços de saúde1212 MacDonald NE. SAGE Working Group on Vaccine Hesitancy. Vaccine hesitancy: definition, scope and determinants. Vaccine. 2015 [acesso em 2020 jun 27]; 33(34):4161-4. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25896383/
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. Há diversos fatores que podem influenciar a hesitação vacinal, como: a percepção de que os riscos de determinada doença são baixos; a disponibilidade física, geográfica, financeira; e a qualidade do serviço, além da percepção de eficácia, segurança e confiança na vacina1313 Cardin V, Moraes GNL. Hesitação vacinal: direito constitucional à autonomia individual ou um atentado à proteção coletiva?. Prisma Juridico. 2020 [acesso em 2020 jun 27]; 18(2):224-240. Disponível em: https://periodicos.uninove.br/prisma/article/view/14482/0
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. Tanto o crescente fenômeno da recusa vacinal quanto da hesitação podem acarretar o retorno de doenças que já haviam sido controladas ou que já estavam erradicadas1414 Junior VLP. Anti-vacinação, um movimento com várias faces e consequências. CIADS. 2019 [acesso em 2020 jun 27]; 8(2):116-22. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/42243
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Mesmo em países em que os sistemas de saúde são universais, notam-se diferenças na forma de disponibilização das vacinas, tanto pela necessidade do calendário vacinal específico como por regras internas locais, mas sempre há a disponibilização de pelo menos aquelas vacinas consideradas compulsórias. Com o advento das fake news e dos grupos contra a vacinação, os programas de imunização já estabelecidos são atualmente ameaçados por divulgação de informações incompletas e rumores sem comprovação sobre os efeitos adversos, ambos criados por grupos que se opõem à vacinação, com diversas causas enraizadas1515 Vaccine-preventable diseases. European Centre for Disease Prevention and Control. [data desconhecida]. [acesso em 2020 jun 27]. Disponível em: https://www.ecdc.europa.eu/en/immunisation-vaccines/facts/vaccine-preventable-diseases
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. No Brasil, as ações de vigilância sanitária que são parte fundamental do Sistema Único de Saúde, como a cobertura vacinal, já alcançaram altos níveis em alguns anos, porém, conforme mencionado, dúvidas sobre a real necessidade de vacinação, medo de possíveis efeitos adversos, a própria disseminação de fake news e questões religiosas podem estar afetando severamente este cenário1616 Succi RCM. Vaccine refusal - what we need to know. Jornal de Pediatria (Versão em Português). 2018 [acesso em 2020 jun 27]; 94(6):574-81. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jped/a/YhH9ndMZmZLN6y3wkwqVxKS/?lang=en
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17 World Health Organization. Measles. Genebra: WHO; 2019. [acesso em 2020 jun 27]. Disponível em: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/measles
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-1818 World Health Organization. Measles and Rubella Surveillance Data. Genebra: WHO; 2017. [acesso em 2020 jun 27]. Disponível em: https://www.who.int/immunization/monitoring_surveillance/burden/vpd/surveillance_type/active/measles_monthlydata/en/
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Estudos realizados em Portugal sobre os aspectos éticos e os motivos relacionados com a questão da não adesão e com a recusa à vacinação mostram, respectivamente, que o sucesso alcançado na diminuição do número de novos casos pode ser interrompido pelo aparecimento de argumentos de antivacinação e por grupos midiaticamente muito ativos contra as ações de imunização. Entre os quatro principais motivos de recusa vacinal referidos, estão ‘as vacinas não são uma prioridade’, ‘as vacinas são pouco seguras’, ‘indicação do médico assistente’ e ‘receio de efeitos colaterais’1919 Santos P, Hespanhol A. Recusa vacinal - o ponto de vista ético. Rev Port Med Geral Fam. 2013 [acesso em 2020 jun 27]; 29(5):328-333. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2182-51732013000500008&lng=pt
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,2020 Fonseca MS, Varela MALN, Frutuoso A, et al. Recusa da vacinação em área urbana do norte de Portugal. Sci Med. 2018 [acesso em 2020 jun 27]; 28(4):32152. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-981128
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Estudo qualitativo conduzido na cidade de São Paulo verificou que pais caracterizados como ‘não vacinadores’, em contraponto à perspectiva legal, atribuem essa escolha a um ‘cuidado ao filho’ respaldando-se na ilegitimidade que a vacinação assume para o modo de vida deles, uma vez que se vacinar seria uma coerção social, que se vale do medo e de imposições legais2121 Barbieri CLA, Couto MT, Aith FMA. A (não) vacinação infantil entre a cultura e a lei: os significados atribuídos por casais de camadas médias de São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2017 [acesso em 2020 jun 27]; 33(2):e00173315. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/NDSjRVcpw95WS4xCpxB5NPw/abstract/?lang=pt
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Há, ainda, autores do campo do direito sanitário que indagam se a vacinação é ‘um direito ou um dever’, e alertam para a emergência desse paradoxo, com consequências para a saúde pública2222 Silva RR. Vacinação: direito ou dever?: a emergência de um paradoxo sanitário e suas consequências para a saúde pública. [dissertação]. [São Paulo]: Universidade de São Paulo; 2019. [acesso em 2020 jun 27]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6143/tde-11102018-123140/
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É neste caminho que este estudo tem por objetivo compreender a recusa e a hesitação vacinal no contexto contemporâneo e os seus efeitos para a população de países com sistemas universais de saúde.

Material e métodos

Este estudo é uma revisão integrativa da literatura, que busca aprofundar a compreensão sobre um determinado fenômeno e fazer uma análise sobre o que existe de conhecimento em determinada área/tema por meio de uma revisão ampla e sistemática da literatura. Esta revisão integrativa teve como questão norteadora: ‘quais os efeitos que a recusa e a hesitação vacinal podem gerar para a população de países com sistemas universais de saúde?’.

Estratégia de pesquisa e base de dados

A partir da decomposição da questão norteadora, foram retirados os termos livres para um mapeamento dos descritores e sinônimos que seriam usados nas buscas. Para isso, utilizaram-se os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e o Medical Subjects Headings (MeSH Terms), recurso da base de dados PubMed para a identificação da terminologia padronizada que auxilia na definição dos assuntos. Além disso, foi realizada uma busca exploratória nos títulos e palavras-chave dos artigos científicos disponíveis em cada uma das bases de dados, para a identificação de possíveis termos relevantes para a busca.

Os descritores foram distribuídos em três grupos: objeto, fenômeno e contexto, tomando como base a organização dos termos de busca de acordo com a estratégia Pico/Peco e os critérios Finer. A sintaxe de busca foi construída com base nos itens identificados na questão norteadora e dividida em três polos: ‘recusa’, ‘vacina’ e ‘universal’; sendo que, ao final, foram mantidos apenas dois itens-chave: universal - relacionado com os sistemas universais de saúde (Fenômeno/Contexto); recusa e vacina - relativos à recusa vacinal (Objeto). A partir do mapeamento dos descritores, foram realizados testes exploratórios com a combinação dos descritores identificados, utilizando-se os operadores booleanos AND e OR, formando, portanto, uma expressão síntese. Em seguida, as expressões de busca foram testadas inicialmente nas bases de dados BVS/Lilacs, SciELO, PubMed/Medline até se chegar à versão final da sintaxe que capturasse publicações que mais dialogam com a questão norteadora da revisão.

Para obtenção de maior abrangência nas buscas, foram realizados diversos cruzamentos dos descritores utilizando-se a pesquisa avançada das cinco bases de dados: Lilacs - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde/BVS, Scientific Electronic Library Online (SciELO), PubMed/Medline, Scopus e Embase. Essas bases foram selecionadas por serem da área da saúde e das ciências humanas, de amplo alcance e com ampla representação geográfica das publicações indexadas.

Nas bases de dados, foi feita a busca nos três idiomas: português, inglês e espanhol. Essa etapa inicial de organização e testes durou o período de três meses (julho a setembro de 2020). O período definido para recuperação foi aquele relativo às publicações produzidas nos últimos 10 anos, entre 2010 e 2020. A sintaxe final utilizada no idioma português foi: (“recusa de vacinação” OR “recusa de vacina” OR “movimento contra vacinação” OR “movimento antivacinação” OR “doenças preveníveis por vacina” OR “vacinação obrigatória”) AND (“cobertura universal de saúde” OR “estratégias para cobertura universal de saúde”); idioma espanhol: (“Negativa a la Vacunación” OR Vacunación OR “Enfermedades prevenibles por vacunación”) AND (“Cobertura Universal de Salud” OR “Estrategias para Cobertura Universal de Salud”); e no idioma inglês: (Vaccination OR “Vaccination Refusal” OR “Anti-Vaccination Movement” OR “Vaccine-Preventable Diseases”) AND (“Universal Health Coverage”).

A busca bibliográfica nas bases de dados foi realizada no dia 16 de setembro de 2020, em que se utilizaram as sintaxes supracitadas, identificando-se um total de 427 artigos científicos - sendo 107 publicações na base de dados BVS/Lilacs, 54 na SciELO, 62 na PubMed/Medline, 184 na Scopus e 20 na Embase. Para a etapa de revisão e retirada de publicações duplicadas, exclusão de outras publicações como livros (e-books), capítulos de livros e editoriais, foi utilizado o software de gerenciamento de referências Zotero, permanecendo para revisão apenas artigos científicos. O processo de seleção de literatura está descrito na figura 1.

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção dos artigos incluídos na revisão sobre recusa e hesitação vacinal

Em seguida, realizou-se a etapa da revisão dos artigos, em que foram analisados os títulos e resumos de 318 artigos científicos tendo como base a questão norteadora. Desse total, 286 artigos científicos não permaneceram na revisão, 284 não estavam diretamente relacionados com o tema proposto, e em 2 não foi possível acessar o arquivo completo para leitura. Foram excluídos também os títulos originários dos Estados Unidos da América (n = 13), por ser um país cujo sistema de saúde não é universal, bem como artigos de revisão (de literatura ou outros tipos) (n = 7).

Doze artigos foram selecionados para a etapa de leitura completa (artigos incluídos), conforme apresentado no quadro 1, após aplicação dos critérios de inclusão, sendo eles: artigos científicos publicados nos idiomas inglês, português e espanhol, com dados de países com sistemas universais de saúde.

Quadro 1
Estudos que permaneceram na revisão após a aplicação dos critérios de inclusão

Análise dos dados

A análise dos dados seguiu o método para revisão integrativa, incluindo as etapas de extração, visualização, comparação e conclusões dos dados. O formulário de extração de dados foi elaborado com base na questão norteadora, e os dados extraídos incluem: autor, ano de publicação, objetivo, principais resultados e conclusão/recomendações, apresentados na tabela 2. A síntese integradora dos dados é apresentada de forma categorial-narrativa.

Resultados e discussão

Dos 12 artigos selecionados que compuseram esta revisão integrativa, observou-se que apenas 1 artigo recuperado era do Brasil, sendo 8 provenientes da Itália, 1 da Alemanha, 1 do Canadá e 1 da Suécia.

A partir da leitura integral dos artigos científicos, identificaram-se sete categorias principais de abordagem do tema, sendo elas: 1) políticas públicas para imunização da população; 2) fatores da hesitação da vacinação contra gripe; 3) hesitação entre profissionais de saúde; 4) fatores importantes para a decisão dos pais de vacinarem; 5) segurança das vacinas; 6) determinantes sociais, demográficos e econômicos para hesitação/recusa; e 7) projeção de cobertura vacinal para o futuro e política de vacinação.

Os artigos científicos analisados nesta revisão possibilitaram conhecer alguns fatores predominantes que levam à hesitação e à recusa vacinal, bem como entender suas possíveis consequências ou efeitos.

Quadro 2
Descrição dos objetivos, métodos, principais resultados e conclusões

Políticas públicas para imunização da população

Foram identificados dois artigos sobre políticas públicas de imunização e sua importância para a população. No estudo realizado por Narges2323 Kalantari N, Borisch B, Lomazzi M. Vaccination - A Step Closer to Universal Health Coverage. J Public Health (Berl.). 2020. [acesso em 2020 jun 27]. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10389-020-01322-y
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, discutiu-se que, para melhorar a acessibilidade e aceitabilidade do custo-efetividade das vacinas, faz-se necessário um esforço combinado de todos os atores em nível local e global. O autor sugere que o desenvolvimento de um guia é fundamental para fortalecer essas colaborações intersetoriais, para conduzir pesquisas inovadoras de acordo com as necessidades reais e destinar o financiamento adequado. Além disso, destaca a capacitação dos agentes de saúde como elemento importante para que os benefícios da imunização alcancem todas as pessoas. Discute-se também a necessidade de definição de faixas de preços e métodos de aquisição conjunta, além de aumentar o financiamento total disponível para vacinação, crucial para garantir a acessibilidade econômica da vacina em países de renda média e baixa. O valor das vacinas deve ser compreendido tanto no nível individual como comunitário, e a demanda ativa deve ser criada por meio do envolvimento da comunidade, necessários para construção de um ambiente positivo para a vacinação, o que é crucial para reduzir a hesitação vacinal - situação considerada uma das dez ameaças à saúde global.

Outro ponto importante identificado nessa categoria foi a discussão de que a desinformação nas redes sociais deve ser identificada como uma ameaça à saúde pública. Segundo destaca Teixeira1111 Teixeira A, Santos R. Fake news colocam a vida em risco: a polêmica da campanha de vacinação contra a febre amarela no Brasil. Rev Eletrôn Comun Inf Inov Saúde. 2020 [acesso em 2020 jun 27]; 14(1). Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1979
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, algumas vezes, as fake news que se colocam contra os métodos de imunização e validam a percepção enganosa de parte da população que tem a ideia de que a vacina é dispensável, porque as doenças (aparentemente) desapareceram da face da terra. Ademais, colocam o ser humano no centro da decisão pela adoção ou repulsa à vacinação, isentando o indivíduo da responsabilidade coletiva pela saúde do corpo social. Geralmente, tais notícias falsificadas desvalorizam o conhecimento científico e colocam à prova os avanços da atividade acadêmica em direção à preservação da vida. As notícias falsas ganham ares de verdade à medida que se alimentam (e causam o incentivo) da desconfiança da população na medicina convencional e nas instituições da saúde mantidas pelo Estado.

Narges2323 Kalantari N, Borisch B, Lomazzi M. Vaccination - A Step Closer to Universal Health Coverage. J Public Health (Berl.). 2020. [acesso em 2020 jun 27]. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10389-020-01322-y
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destaca a necessidade de neutralizar as notícias falsas examinando os motivos por trás da hesitação da vacina, divulgando informações factuais nas redes sociais e apoiando campanhas governamentais contra a recusa do imunizante. Forças políticas populistas que exploram a recusa ou a hesitação vacinal como meio para obter aprovação também devem ser consideradas. Nesse sentido, as plataformas de mídia social devem agir e lutar proativamente contra notícias falsas.

O artigo de Bonanni2424 Bonanni P, Ferro A, Guerra R, et al. Vaccine coverage in Italy and assessment of the 2012-2014 National Immunization Prevention Plan. Epidemiologia e prevenzione. 2015 [acesso em 2020 jun 27]; 39(4supl1):146-58. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26499433/
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apresenta o plano nacional de imunização de 2012-2014 da Itália, o qual introduziu pela primeira vez o conceito de ‘curso de vida’ para a vacinação no nível institucional e foi um marco para a prevenção na agenda da política de saúde italiana. Contudo, na Itália, as taxas de cobertura de vacinas infantis têm diminuído nos últimos anos, assim como a vacinação contra influenza em idosos. A cobertura da vacina contra o HPV tem aumentado para todas as coortes de nascimento, mas ainda está muito abaixo das metas estabelecidas no plano. Segundo o autor, para barrar um potencial aumento da hesitação vacinal, esforços robustos para promover a imunização são necessários. É de extrema importância que as intervenções de eficácia comprovada sejam planejadas e implementadas para contrastar com o fenômeno crescente de hesitação vacinal e, em última instância, aumentar a aceitação da imunização.

A implantação de programas de vacinação, bem como a criação do plano nacional de imunização, está ligada a profundas discussões sociais e políticas. A educação em saúde e a defesa de direitos são essenciais para mudar atitudes. Cabe destacar a importância das atitudes e ações dos governos em relação à vacinação.

Fatores da hesitação da vacinação contra gripe

Dos artigos revisados, dois artigos incluídos tratam dos fatores da hesitação da vacinação contra a gripe. Com o objetivo de estimar a cobertura vacinal contra essa doença infecciosa, Francisco2525 Francisco PMSB, Barros MBA, Cordeiro MRD. Vacinação contra influenza em idosos: prevalência, fatores associados e motivos da não-adesão em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2011 [acesso em 2020 jun 27]; 27(3):417-426. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2011000300003&lng=en
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, em seu trabalho, apresenta que o fator fortemente associado à vacinação em idosos foi a orientação de algum profissional de saúde sobre a importância de tomá-la. A falta de preocupação com a gripe, o receio de reação adversa e não considerar a vacina importante também foram os principais motivos identificados de não adesão a estes imunobiológicos. A maioria dos participantes do estudo que havia recebido a vacina referiu que a adesão ocorreu em resposta à recomendação médica. O estudo revela que condições socioeconômicas, estilo de vida e mobilidade física não restringiram o acesso à vacinação no município, denotando a abrangência das campanhas.

Outro estudo2626 Meyer SB, Lum R. Explanations for Not Receiving the Seasonal Influenza Vaccine: An Ontario Canada Based Survey. J Health Commun. 2017 [acesso em 2020 jun 27]; 22(6):506-514. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28448208/
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que aborda a hesitação da vacinação contra a gripe mostrou que menos de 10% daqueles que não tomaram a vacina referem-se a explicações que estão fora do quadro conceitual definido inicialmente e não se relacionam diretamente à hesitação vacinal. A explicação mais citada está relacionada com a percepção da importância da vacinação (ou falta dela). Em particular, havia uma concepção de que a vacina contra a gripe sazonal só é necessária para populações vulneráveis, nem sempre protege os indivíduos de contrair a gripe (por exemplo, se forem vacinados com a cepa errada) e os indivíduos com um sistema imunológico forte não são prováveis de pegar a gripe (e se o fizerem, eles se recuperarão rapidamente).

O segundo tema de maior destaque nessa categoria está associado às convicções morais; muitos participantes afirmaram não concordar ou não acreditar na vacina contra influenza ou nas vacinas em geral.

Uma terceira explicação mais comum citada para não receber a vacina contra a gripe sazonal foi a experiência anterior de vacinação. Isso está relacionado com acessibilidade e conveniência aos serviços de vacinação, bem como experiências anteriores com vacinações e com os serviços de vacinação. Estudo2626 Meyer SB, Lum R. Explanations for Not Receiving the Seasonal Influenza Vaccine: An Ontario Canada Based Survey. J Health Commun. 2017 [acesso em 2020 jun 27]; 22(6):506-514. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28448208/
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aponta que alguns indivíduos, apesar de terem tomado a vacina, sugerem que voltam a contrair o vírus. Porém, cabe destacar que sintomas da gripe são muito semelhantes aos de um resfriado, e sabendo do subdiagnóstico, pode-se estar diante de dados inflados.

No Brasil, é importante ressaltar que a influenza apresenta grande impacto sobre a morbidade e a mortalidade de idosos. A vacina contra influenza, disponibilizada gratuitamente pelo Ministério da Saúde, desde o ano de 1999, para a população idosa e para alguns grupos de risco, é a principal intervenção preventiva em saúde pública para esse agravo2727 Francisco PMSB, Borim FSA, Neri AL. Vacinação contra influenza em idosos: dados do FIBRA, Campinas, São Paulo, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2015 [acesso em 2020 jun 27]; 20(12):3775-3786. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232015001203775&lng=en
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Hesitação entre profissionais de saúde

Paoli2828 Paoli S, Lorini C, Puggelli F, et al. Assessing Vaccine Hesitancy among Healthcare Workers: A Cross-Sectional Study at an Italian Paediatric Hospital and the Development of a Healthcare Worker’s Vaccination Compliance Index. Vaccines. 2019 [acesso em 2020 jun 27]; 7(4):201. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31795438/
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investigou os índices de vacinação entre os profissionais de saúde de um hospital, e seus achados demonstram diferenças estatisticamente significativas quando considerados os departamentos e as classes profissionais. Quase 80% da amostra de profissionais de saúde não foi imunizada contra a gripe sazonal. Os departamentos mais hesitantes são a unidade de terapia intensiva, o pronto-socorro e o departamento de oncohematologia, enquanto os perfis profissionais mais hesitantes são os enfermeiros e os auxiliares.

Paoli2828 Paoli S, Lorini C, Puggelli F, et al. Assessing Vaccine Hesitancy among Healthcare Workers: A Cross-Sectional Study at an Italian Paediatric Hospital and the Development of a Healthcare Worker’s Vaccination Compliance Index. Vaccines. 2019 [acesso em 2020 jun 27]; 7(4):201. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31795438/
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mostra que os problemas de hesitação da vacina existem e são relevantes em hospitais. Os serviços mais afetados pela hesitação da vacina são os que desempenham um papel preponderante na assistência às doenças críticas ou na gestão do primeiro contato com os doentes, nomeadamente aqueles que deveriam ter mais confiança sobre vacinação.

Profissionais de saúde ainda são os influenciadores mais confiáveis sobre vacinações. Por esse motivo, encontrar um profissional cético pode mudar fortemente a opinião das pessoas ou reforçar a ideia de que a vacinação não é segura, especialmente entre aqueles que já a recusam. A necessidade de fortalecer a confiança nas vacinas acompanha a necessidade de melhorar as habilidades de comunicação com os pacientes.

Os profissionais de saúde têm o dever de informar as pessoas sobre as vacinas e os riscos decorrentes de uma cobertura deficiente, mas esses profissionais, muitas vezes, enfrentam falta de tempo, não estão atualizados e não sentem a necessidade de aumentar a conscientização sobre essas questões. A propensão a uma boa política de vacinação difere significativamente entre médicos, enfermeiros e auxiliares, e isso pode estar relacionado parcialmente com nível cultural, diferenças entre os cursos universitários e disponibilidade de cursos de atualização; isso também pode estar associado às origens sociais desses profissionais. Esses elementos podem ser um ponto de partida para a construção de uma estratégia de treinamento multiprofissional.

Fatores importantes para a decisão dos pais de vacinarem

De acordo com Betsch2929 Betsch C, Schmid P, Heinemeier D, et al. Beyond confidence: Development of a measure assessing the 5C psychological antecedents of vaccination. PLoS ONE. 2018 [acesso em 2020 jun 27]; 13(12):e0208601. Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0208601
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, a hesitação vacinal é complexa e específica ao contexto, variando ao longo do tempo, de acordo com o local e os tipos de vacinas.

As análises mostraram que a confiança é o indicador mais importante e pode explicar o comportamento de vacinação em maior medida. Existe uma diversidade de medidas que avaliam a confiança de forma válida. Dos indicadores estudados, eram esperadas correlações positivas entre ‘atitudes em relação à vacinação, conhecimento sobre vacinação e confiança nos profissionais de saúde’ e ‘falta de autocontrole e o estresse diário percebido’. Correlações negativas eram esperadas entre ‘complacência e riscos percebidos de doenças e relações positivas com qualidade percebida do estado de saúde e invulnerabilidade’. Por último, o fator ‘responsabilidade coletiva’ correlacionou-se positivamente com ‘orientação comunal, coletivismo-individualismo e empatia’.

Em outro estudo, Sjogren3030 Sjögren E, Ask L, Örtqvist Å, et al. Parental conceptions of the rotavirus vaccine during implementation in Stockholm: A phenomenographic study. J Child Health Care. 2017 [acesso em 2020 jun 27]; 21(4):476-487. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29110528/
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abordou quatro categorias descritivas principais de concepções parentais sobre infecção por rotavírus e vacinação: 1) sem dúvida; 2) hesitação; 3) risco; e 4) desnecessário. De forma geral, os pais querem proteger seus filhos do sofrimento. Contudo, Sjogren3030 Sjögren E, Ask L, Örtqvist Å, et al. Parental conceptions of the rotavirus vaccine during implementation in Stockholm: A phenomenographic study. J Child Health Care. 2017 [acesso em 2020 jun 27]; 21(4):476-487. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29110528/
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aponta que alguns pais buscam o bem dos seus filhos vacinando-os para evitar a infecção por rotavírus; e alguns queriam evitar o sofrimento, não vacinando, devido a preocupações com os efeitos colaterais. Alguns pais sentem que a vacinação contra o rotavírus pode colocar em risco a saúde da criança em longo prazo e, em alguma medida, poderia afetar o seu sistema imunológico. Por fim, alguns pais acreditavam que não era necessário vacinar suas crianças. A maioria dos resultados apontou padrões semelhantes de atitudes dos pais em relação à vacinação.

Como já amplamente discutido, as políticas de vacinação são fundamentais para atingir a maior parte da população e têm papel fundamental para a saúde pública do País. Confiar no sistema de saúde, bem como nos imunobiológicos utilizados, é fundamental para sucesso na implementação dos planos de imunização.

Segurança das vacinas

Chirumbolo3131 Chirumbolo S, Bjørklund G. Vaccination is fundamental but can it escape from a more insightful and critical information about its action?. Environmental Toxicology and Pharmacology. 2017 [acesso em 2020 jun 27]; 55:8-13. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/318722975_Vaccination_is_fundamental_but_can_it_escape_from_a_more_insightful_and_critical_information_about_its_action
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apresenta informações sobre a segurança das vacinas e seus impactos. Em se tratando da promoção de uma campanha de vacinação, as instituições governamentais encarregadas da imunização em massa devem ser devidamente informadas sobre a carga ambiental que possivelmente pode interagir com o imunobiológico e os seus impactos sobre a saúde pública. Nesse sentido, devem ser consideradas decisões que visam melhorar a eficácia da vacina e garantir sua segurança.

Por exemplo, sabe-se que poluentes ambientais, poluentes naturais geográficos e estilos de vida podem interferir nas vacinas, especialmente nas pessoas mais pobres. A grande preocupação, que está surgindo nos anos recentes, é a quantidade de tóxicos ambientais e poluentes químicos que podem interagir com o desempenho da vacinação e como indutores de depressão imunológica.

Vale destacar que a confiança na vacinação é um dos fatores mais prevalentes na decisão da vacinação e, portanto, é grande a necessidade da manutenção de níveis altos de segurança dos imunizantes.

Determinantes sociais, demográficos e econômicos para hesitação/recusa

Nesse tema, foram identificados três artigos que abordam a condição social, demográfica e econômica das famílias e seu impacto na hesitação ou na recusa vacinal. O Brasil é um país com relevante desigualdade socioeconômica, portanto, essa categoria temática ajuda a entender alguns dos efeitos que a hesitação ou a recusa vacinal podem causar para população e suas consequências para o sistema de saúde.

Em seu estudo, Bertoncello3232 Bertoncello C, Ferro A, Fonzo M, et al. Socioeconomic Determinants in Vaccine Hesitancy and Vaccine Refusal in Italy. Vaccines. 2020 [acesso em 2020 jun 27]; 8(2):276. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7349972/
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aborda que os níveis crescentes de dificuldades econômicas foram significativamente associados à hesitação, enquanto nenhuma associação significativa foi observada entre o nível de educação dos pais e hesitação. A experiência anterior de eventos adversos após a vacinação foi associada à hesitação, especialmente em casos de eventos relatados como moderados ou graves. A nacionalidade estrangeira dos pais não foi associada à hesitação. A situação laboral dos pais não foi associada à hesitação, nem a presença na família de pelo menos um dos pais que trabalha como profissional de saúde. Nenhuma associação foi observada entre a recusa e as dificuldades econômicas da família. Por outro lado, a baixa escolaridade dos pais, tanto da mãe quanto do pai, foi significativamente associada à recusa vacinal.

Os achados sugerem a necessidade de maiores explicações sobre os fatores subjacentes às desigualdades socioeconômicas que foram observados, com foco nos diferentes papéis da educação dos pais e nas dificuldades econômicas da família e seus impactos na recusa e na hesitação em diferentes ocasiões. A compreensão desses fatores é necessária para adaptar as intervenções destinadas a melhorar a conveniência da vacina, estendendo a acessibilidade e, por fim, reduzindo as desigualdades socioeconômicas no acesso a elas.

Nicolas3333 Gilbert NL, Gilmour H, Wilson SE, et al. Determinants of non-vaccination and incomplete vaccination in Canadian toddlers. Human Vaccines Immunotherap. 2017 [acesso em 2020 jun 27]; 13(6):1447-1453. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28129028/
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demonstra que pais com diploma de ensino médio ou com menor escolaridade (em comparação com a graduação universitária) estão associados a maiores chances de não vacinação total. Os principais motivos para não ter recebido vacinas foram preocupações com a segurança da vacina e motivos filosóficos ou religiosos. Além disso, a não vacinação contra o sarampo foi significativamente maior em crianças cujos pais respondentes tinham diploma de segundo grau, ou menor escolaridade, em comparação com a graduação universitária; em filhos de famílias cuja renda era menor em crianças e cujos pais respondentes eram solteiros, quando comparados aos casados ou em união estável, na análise ajustada.

Já Piero3434 Manfredi P, Posta PD, d’Onofrio A, et al. Optimal vaccination choice, vaccination games, and rational exemption: An appraisal. Vaccine. 2009 [acesso em 2020 jun 27]; 28(1):98-109. Disponível em: https://moh-it.pure.elsevier.com/en/publications/optimal-vaccination-choice-vaccination-games-and-rational-exempti
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aponta que famílias informadas e que conhecem o princípio da imunidade de rebanho sempre vacinarão abaixo do limite crítico, enquanto uma alta cobertura coletiva é muito mais provável de ser alcançada se as famílias não estiverem cientes da imunidade de rebanho.

O estudo sugere fortemente que a vacinação universal, na maioria, decorre de: um custo muito pequeno, a falta de conhecimento do limite crítico, ou seja, pais que acreditam que uma propensão para vacinar de 100% é necessária para proteger totalmente as crianças contra doenças. Essa percepção errada é a causa provável da assimetria do jogo de vacinação do ‘mundo real’. A assimetria decorre do fato de que alguns grupos de agentes podem, em vez disso, ter um conhecimento correto da imunidade de rebanho. No entanto, essa assimetria é potencialmente perigosa para o sistema público de saúde, pois implica situação desigual em que alguém corre os riscos dos efeitos colaterais da vacina para proteger a todos em consequência de informações limitadas. Isso aumenta ainda mais o perigo de que as pessoas melhorem seu conjunto de informações e, como consequência, ‘migrem’ racionalmente para o grupo antivacinador.

Projeção de cobertura vacinal para o futuro e política de vacinação

Trentini3535 Trentini F, Poletti P, Melegaro A, et al. The introduction of ‘No jab, No school’ policy and the refinement of measles immunisation strategies in high-income countries. BMC Med. 2019 [acesso em 2020 jun 27]; 17(1):86. Disponível em: https://bmcmedicine.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12916-019-1318-5
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, em seu trabalho, faz uma projeção para a cobertura vacinal futura e apresenta que os níveis de cobertura abaixo do ideal vistos no passado e o envelhecimento progressivo da população contribuíram para uma substituição marcante de indivíduos que estavam imunes, como consequência da infecção natural por indivíduos suscetíveis que não foram infectados nem vacinados.

A baixa circulação do sarampo, por exemplo, causaria a substituição progressiva das coortes mais velhas da população que adquiriram imunidade natural durante a era pré-vacinação por novas coortes de nascimento que são apenas parcialmente imunizadas com a vacinação. Como consequência, caso os níveis de cobertura dos programas atuais permaneçam inalterados, a porcentagem de indivíduos em risco de infecção terá um aumento, entre 2018 e 2050, em mais de 50% em todos os países, exceto na Coreia do Sul, onde é esperado aumentar cerca de 17%. Isso significa que, em 2050, as proporções estimadas de indivíduos em risco de infecção ultrapassariam o limite de eliminação e colocariam a maioria dos países em risco considerável de surtos e ressurgimento de sarampo.

No estudo, foi investigado se os programas de rotina iniciais são suficientes para alcançar e manter a eliminação do sarampo (níveis de cobertura entre 60% e 100%). No entanto, os resultados destacam que, especialmente para níveis de cobertura mais realistas, a nova política de vacinação introduzida na Itália pode não ser suficiente para prevenir o ressurgimento do sarampo no país. Esses achados corroboram a teoria da mudança de paradigma entre acessibilidade e aceitabilidade, refletindo a complexidade da relação indivíduo-sociedade: onde há dificuldade de acesso a insumos e serviços de saúde, prevalece a desigualdade para os mais pobres; nos lugares em que o acesso foi garantido, esbarra-se na aceitabilidade das vacinas entre aqueles com maior renda e escolaridade3535 Trentini F, Poletti P, Melegaro A, et al. The introduction of ‘No jab, No school’ policy and the refinement of measles immunisation strategies in high-income countries. BMC Med. 2019 [acesso em 2020 jun 27]; 17(1):86. Disponível em: https://bmcmedicine.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12916-019-1318-5
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Considerações finais

De acordo com esta revisão integrativa, foi possível entender alguns dos inúmeros efeitos da recusa e da hesitação vacinal para a população e suas causas, e como estes estão interligados entre si. Diante desse cenário, fica ainda mais evidente a necessidade de comunicação clara e assertiva para que a população mantenha seu nível de confiança no sistema de saúde local. Além disso, cabe destacar a importância das atitudes e das ações dos governos em relação à vacinação, a necessidade de combater a desinformação nas redes sociais como ameaça à saúde pública, a urgência da discussão de definição de faixas de preços e métodos de aquisição conjunta das vacinas, e o aumento do financiamento total disponível para vacinação que é crucial para garantir a acessibilidade econômica da vacina em países de renda média e baixa.

Os artigos estudados tornam evidente a discussão de temas-chave que se conectam ao processo final da vacinação: a relevância das políticas públicas de imunização, o papel dos profissionais de saúde, estudos robustos que demonstrem a segurança vacinal, os efeitos dos fatores sociais, demográficos e econômicos que podem causar a hesitação ou a recusa vacinal, e a disseminação crescente das fake news que fragilizam a confiança da população nos programas de vacinação.

Nota-se que há um número significante de estudos sobre as causas da hesitação e da recusa vacinal, no entanto, poucos trabalhos de investigação têm sido produzidos sobre os claros efeitos dessas atitudes para a população brasileira, tornando evidente a necessidade de ampliar a discussão dessa temática no Brasil. Nesse sentido, há necessidade de quantificação desses fenômenos e de compreensão dos seus efeitos para a população de diversos países, com destaque para aqueles com sistemas universais de saúde.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2021
  • Aceito
    24 Out 2021
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