Resumos
Objetiva-se descrever o perfil dos usuários de substâncias psicoativas de João Pessoa com dados de 706 usuários, analisados no R Project, aplicando o Qui-quadrado. Em sua maioria, os usuários eram do sexo masculino, de pardos, solteiros, de 21 a 30 anos, de baixa escolaridade, desempregados, cuja relação familiar era boa. A maior parte adentrou no serviço por demanda espontânea e era acompanhada na modalidade semi-intensiva, consumiam de 01 a 10 tipos de drogas, sendo as mais frequentes álcool, tabaco, crack e maconha. Faz-se importante conhecer o perfil dos usuários de drogas, de modo a orientar as equipes de saúde para lidar com sua diversidade e a promover ações conforme a realidade da clientela.
Perfil de saúde; Usuário de drogas; Serviços de saúde mental
The aim is to describe the profile of drug users of João Pessoa with datas from 706 users analyzed in the R Project software, applying the Chi-square. It was found that the majority of users were male, mulatto, single, 21-30 years old, with low educational level, unemployed, with good family relationship. Most entered the service through spontaneous demand and were accompanied in the semi-intensive modality. They were consuming 01-10 types of drugs, being the most common alcohol, tobacco, crack and marijuana. It is important to know the profile of drug users, in order to guide health teams to deal with their diversity and promote actions according to the reality of the clientele.
Health profile; Drugs users; Mental health services
Introdução
Desde os remotos tempos, o ser humano já fazia uso de substâncias psicoativas. Antigamente, tais usos faziam parte de hábitos sociais e ajudavam a integrar as pessoas na comunidade através de cerimônias, rituais e festividades, mas, hoje, tais costumes encontram-se esvaziados em consequência das grandes mudanças socioeconômicas e dos prejuízos advindos do seu uso abusivo (ARAÚJO ET AL., 2004).
Atualmente, vivencia-se, com grande intensidade, um crescimento acelerado do uso de Substâncias Psicoativas (SPA). Tal fenômeno repercute na sociedade e se expande, atingindo os mais diversos espaços e segmentos sociais. Segundo o United Nations Office for Drugs and Crimes (UNODC), globalmente, de 2007 para 2011, a estimativa do número de pessoas que consumiram alguma droga ilícita cresceu de cerca de 172-250 para o intervalo entre 167-315 milhões de pessoas (UNODC, 2013).
O uso cada vez mais abusivo e a consequente dependência, aliados ao surgimento de novas substâncias, contribuem para a ocorrência de problemas individuais e sociais causados pelas dependências física e psíquica, corroborando uma problemática de saúde pública (SPRICIGO; ALENCASTRE, 2004).
Dados indicam que, mundialmente, em 2011, ocorreram 211 mil mortes em decorrência do uso abusivo de drogas (UNODC, 2013). Com base nos dados do Departamento de Informática do SUS (Datasus), a Confederação Nacional de Municípios (2012) analisou que, no Brasil, de 2006 para 2010, correspondeu a 40.692 o número de pessoas que foram a óbito em decorrência do uso de drogas, culminando com uma média de 8 mil mortes ao ano.
Pesquisas relativas ao uso de substâncias psicoativas têm se direcionado a levantar os fatores associados a esse comportamento, a partir da definição do perfil epidemiológico das populações.
Nessa linha de raciocínio, compreendendo a problemática do uso abusivo de drogas e pressupondo que as ações e os serviços de saúde mental requerem avaliações e análises para subsidiar gestores e técnicos no processo de tomada de decisão, este estudo se justifica pela necessidade de identificar o perfil dos usuários de SPAs de João Pessoa, de modo a proporcionar uma base para decisões políticas por parte dos gestores municipais, de acordo com a realidade e as características dos indivíduos acometidos. Isso se fará, através de ações e serviços direcionados aos usuários, cujos resultados poderão também ter impacto sobre a comunidade, a partir da experiência da redução do uso, abuso e dependência e do favorecimento da reinserção social dos usuários nas atividades econômicas, devolvendo sua autonomia e sua cidadania.
No âmbito da dependência química, esses tipos de estudos assumem um papel primordial, tendo em vista que podem proporcionar uma visão geral e conceitual da problemática a partir de respostas para os seguintes questionamentos:
Quais são as características demográficas e a realidade socioeconômica dos usuários de drogas de João Pessoa? De que forma esses usuários se inserem no serviço? Quais são as principais drogas de abuso e o padrão de consumo dos usuários?
Assim sendo, esse artigo objetiva descrever o perfil dos usuários de substâncias psicoativas do município de João Pessoa - PB.
Metodologia
A pesquisa foi realizada em um CAPSAD modalidade III (24h) do município de João Pessoa, utilizou-se da abordagem quantitativa conduzida por um estudo de base metodológica descritivo-exploratória para analisar os dados de fevereiro de 2010 a junho de 2013, período de atuação do referido CAPS.
Os dados foram coletados no período de maio a junho de 2013, por instrumento previamente construído que contemplou informações referentes aos dados dos usuários cadastrados no serviço, constantes nos prontuários.
Foram coletados dados nos prontuários dos usuários que estavam frequentando o serviço regularmente (arquivo corrente), bem como dos que já haviam se desligado (arquivo morto).
A seleção da amostra se deu por conveniência, considerando todo o período de atuação do serviço, incluindo os prontuários que contemplassem todas as variáveis elencadas no instrumento devidamente preenchidas e que tivessem a assinatura do Termo de Responsabilidade (pelo usuário ou responsável), ficando a amostra composta por 706 prontuários.
Foram obtidas informações sobre: número do prontuário, data do início do tratamento e do desligamento, modalidade de acompanhamento (não intensiva, semi-intensiva e intensiva), sexo, idade, raça/cor, demanda (forma de inserção no serviço: referenciado ou não/espontâneo), estado civil, escolaridade, ocupação, relações familiares, antecedentes familiares, histórico de internação psiquiátrica, infrações contra a lei, drogas de abuso, tempo de permanência no serviço e, situação acompanhamento (abandono ou continuidade do tratamento).
Após a coleta, os dados foram digitados e organizados em planilhas do Microsoft Office Excel, versão 2010. Feitas as adequações no banco de dados, a planilha foi salva em arquivo de extensão do tipo Texto - separado por tabulações - e transportada para um programa de análise estatística, o R Project, versão 2.15.3, um software livre, utilizado em análises estatísticas.
Tendo em vista a possibilidade de reduzir os dados a proporções mais facilmente entendidas, a estatística descritiva foi empregada para caracterizar os usuários do serviço (proporção, média, desvio padrão, mediana e moda). Utilizando-se da Estatística Inferencial procedeu-se ao Teste Qui-quadrado para comparação de médias e proporções, ao nível de 5%.
Os dados do estudo foram apresentados em gráficos e tabelas que sumarizaram os resultados da pesquisa e, posteriormente foram discutidos e confrontados com a literatura pertinente à temática.
A pesquisa foi desenvolvida atendendo às novas diretrizes e normas regulamentadoras das pesquisas envolvendo seres humanos do Conselho Nacional de Saúde, dispostas na resolução nº 466/2012, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba sob protocolo nº 0590/13 e CAAE 23077913.0.0000.5188.
Resultados
A começar pela procedência dos usuários, a maioria deles, em ordem decrescente, é, principalmente, dos bairros Rangel (99) - Bairro onde se localiza o CAPSAD - Cristo Redentor (87), Mangabeira (73), Valentina Figueiredo (49), Jaguaribe (48), Cruz das Armas (29) e Ernesto Geisel (23).
A tabela 1 dispõe sobre a caracterização sociodemográfica dos usuários, no que se refere às variáveis sexo, faixa etária, raça/cor, estado civil e escolaridade.
Com relação ao sexo, a ocorrência do uso abusivo de drogas foi, significativamente, mais prevalente entre os usuários do sexo masculino, com 612 (86,68%) sujeitos, diferença estatisticamente significativa em relação ao sexo feminino (p-valor <2,2 e-16; IC 95% = [0,6968; 0,7706]).
A idade dos usuários variou entre 18 e 80 anos (média = 36,88; Desvio Padrão = 12,38; Mediana = 35; Moda = 30). O maior número de usuários foi observado na faixa etária dos 21 aos 30 anos de idade (31,02%), concentrando-se na faixa etária dos 21 aos 40 anos e declinando no sentido das maiores idades. Entre os usuários com mais de 60 anos, havia 04 com mais de 70 anos de idade e um com 80 anos de idade. A média de idade dos homens foi de 36,84 anos (DP = 12,59; Mediana = 35, Moda = 23). A média de idade das mulheres foi de 37,18 anos (DP =11,52; Mediana = 34,50; Moda = 31).
Sobre a raça/cor, foi verificada uma maior porcentagem de usuários pardos, o que correspondeu a mais da metade da amostra (66,15%). A cor/raça branca foi mencionada em 136 casos (19,26%), sendo a segunda mais frequente. No que tange ao estado civil, são mais frequentes os usuários solteiros (64,02%); os viúvos se apresentaram em menor proporção (1,98%).
Para a variável escolaridade, dos 706 usuários incluídos no estudo, 4,11% declararam não ter nenhum nível de instrução escolar. A maioria havia completado o ensino fundamental (56,80%) e apenas dois (0,28%) usuários eram pós-graduados, correspondendo à menor frequência em relação aos demais níveis de escolaridade. Do total de usuários 2,83% deles ainda continuavam cursano os ensinos fundamental (05), o médio (06) e o superior (09).
Dando continuidade, verificou-se que, a respeito das relações dos indivíduos com a família, a maior parte dos usuários (43,34%) afirmou ter uma boa relação com a família, porém, em proporção bem próxima (41,35%), outros confirmam que a relação familiar era ruim ou conflituosa. Aproximadamente 14,44% não se relacionavam mais com a família. Destes, 52,94% estavam vivendo em situação de rua e os demais habitavam sozinhos, sem manter qualquer contato com os membros da família.
Sobre os usuários em situação de rua, esses foram em número de 60 (tabela 2), dos quais, 54 não se relacionavam com a família. Os outros 06, apesar da condição, mantinham uma relação do tipo boa (02) ou ruim (04) com os familiares.
Ao analisar-se a questão do trabalho/ocupação e da renda, foi verificado que 394 (55,81%) usuários do serviço não estavam trabalhando, seja por estarem desempregados (340) ou apenas estudando (19). Um dos estudantes também trabalhava. Outros 35 não estavam trabalhando, porém, tinham renda proveniente de algum benefício social (35) (tabela 2).
Entre os indivíduos que recebiam algum tipo de benefício social, 27 eram aposentados, 02 recebiam benefício do Programa Bolsa Família, 04 recebiam o Benefício de Prestação Continada (BPC) e 02 eram pensionistas. Da amostra total, 167 (23,65%) indivíduos tiveram algum envolvimento com a justiça, cujos motivos foram: o tráfico de drogas, tráfico de armas, furto, roubo, assalto, brigas, desordem, problemas com pensão alimentícia, lesão corporal, agressão física, homicídio e tentativa de homicídio, desacato e sequestro, entre outros delitos não especificados (tabela 2).
Para as variáveis dicotômicas situação de rua, trabalha, estudante, recebe benefício e envolvimento com a justiça, apresentadas na tabela 2, verificou-se que há uma diferença estatística significativa entre as proporções de cada evento (p-valor < 0,05), também confirmada pelo intervalo de confiança (95%).
Aproximadamente, 42,35% (299) dos usuários do CAPSAD passaram por um processo de internação psiquiátrica na tentativa de reabilitação. Tal proporção foi estatisticamente significativa (p-valor = 1,33e-08; X2 = 32,4334) em relação à proporção de usuários que nunca haviam sido internados (tabela 3).
Verifica-se que, no que concerne à modalidade de acompanhamento, a maioria (45,89%) dos usuários foi indicada para a modalidade semi-intensiva. Comparando o p-valor com o α, confirma-se que, pelo menos uma das proporções diverge das demais, sendo a diferença estatisticamente significativa (tabela 3).
Ao analisar a questão dos antecedentes familiares, com relação ao uso de drogas, 273 (38,67%) informaram ter algum ascendente usuário de SPA, sendo que 259 referiram os avôs, avós, mãe e pai. Os demais (14) não especificaram o parentesco. Dos usuários (433) que afirmaram não ter antecedentes de uso de drogas, 203 (46,88%) informaram que ao menos um (variando até três) dos entes (tios, sobrinhos, filhos, irmãos) fez/faz uso de alguma SPA (tabela 3).
Retomando, ainda, à tabela 3, tem-se que a maior parte (54,81%) dos usuários do CAPSAD adentrou no serviço por demanda espontânea (p-valor = 0,004; X2 = 12,7167), ou seja, por iniciativa própria ou por indicação de algum amigo, colega de trabalho, por familiares, entre outros.
Entre os usuários que foram encaminhados pelos serviços de saúde (45,19%), se sobressaíram os encaminhados pelo Pronto Atendimento de Saúde Mental (36,68%), seguido dos Hospitais Psiquiátricos (15,36%), dos Consultórios na Rua (13,48%) e das Unidades de Saúde da Família (11,28%). Mas o papel da referência não foi restrito apenas aos serviços diretamente relacionados à saúde. Serviços sociais, como Centro de Referência de Assistência Social/Centro Especializado de Assistência Social, Centro POP, Conselho Tutelar e Casa da Acolhida, também contribuíram no encaminhamento de 10,03% dos usuários ao CAPSAD. Alguns usuários também foram encaminhados pela Polícia Militar, pela Escola e por uma instância maior, a Casa Civil do Governador.
Em termos gerais, no CAPSAD de João Pessoa, variou de 01 até 10 o número de drogas consumidas pelos usuários. Entre as drogas foram citadas: álcool, tabaco, crack, maconha, cocaína, medicamentos (Rohypnol, Artane), inalantes (51 usavam cola), ecstase, heroína e ópio, utilizadas de forma isolada e, principalmente, em várias combinações, caracterizando o consumidor como um poliusuário. O uso de álcool foi referido por 561 (79,46%) indivíduos, os quais o consumiam isoladamente (141) ou em associação com duas ou mais drogas (420). O gráfico 1 apresenta o número de usuários do CAPSAD versus o número de drogas consumidas por eles.
Verificou-se que a maioria (34,42%) consome duas drogas, sendo a principal combinação álcool e tabaco (147), seguida por tabaco e crack (26). Dos que fazem uso de apenas uma droga, 140 consomem apenas álcool, 23 apenas crack e 06 apenas maconha. Havia apenas dois usuários de ecstase, e esses também consumiam álcool, tabaco, maconha, crack, cocaína e medicamentos.
Quinhentos e sessenta e um (561) indivíduos consumiam álcool, 422 tabaco, 358 crack, 273 maconha, 86 cocaína, 69 inalantes, 40 medicamentos e 02 ecstase. Um único usuário consumia heroína e ópio, associado às demais drogas refereridas, exceto ecstase. Destaca-se, aqui, que esses dados não dizem respeito ao uso isolado de cada droga, tendo em vista a variedade de combinações entre as 10 drogas consideradas na amostra.
Discussões
Neste estudo foram mais frequentes os indivíduos do sexo masculino, da faixa etária dos 21 aos 40 anos, pardos, solteiros, de baixa escolaridade e desempregados.
Sobre o sexo, foi verificada uma proporção de 86,68% de usuários homens, maioria também confirmada nos estudos de Jorge (2010), Faria e Schmeider (2009), Araújo (2012) e Monteiro et al. (2011), os quais encontraram taxas de 84,60%, 88,15%, 78,40% e 89,90% de usuários do sexo masculino, respectivamente.
Faria e Schmeider (2009) explicam que a população masculina é a mais atingida pelo problema da dependência de drogas. Segundo Alves e Kossobudzky (2002), os estereótipos sexuais prescrevem limites de comportamento para homens e mulheres, com exigências particulares para os papéis sexuais, o que favorece o uso de drogas pelo sexo masculino.
A média de idade calculada para os 706 casos incluídos neste estudo, entre 18 e 80 anos de idade, foi de 36,88 anos, próxima à calculada por Ferreira e colaboradores (2012), de 35,80 anos, entre os frequentadores de uma unidade de reabilitação para dependência química do Estado do Paraná.
Foi observado que, em João Pessoa, o uso de drogas se concentra entre as pessoas mais jovens e declina no sentido dos mais velhos. O mesmo achado foi publicado no trabalho de Batista, Batista e Constantino (2012), que confirmaram a tendência do aumento do uso de drogas por pessoas mais jovens, acompanhado da diminuição com o aumento da idade.
Com base nos 788 prontuários analisados por Batista, Batista e Constantino (2012), foi verificado que houve maior prevalência de indivíduos com idade entre 21 e 40 anos (49,53%), tal como encontrado neste estudo, cuja proporção para esse grupo etário correspondeu a 58,07%.
Com relação à caracterização da raça/cor, 66,15% dos usuários do CAPSAD foram identificados com pardos, correspondendo à maioria. No estudo de Costa et al. (2011) foi identificada uma maioria de indivíduos da raça/cor branca (57,10%), bem como confirmado por Ribeiro e colaboradores (2008), cuja proporção de brancos foi de, aproximadamente, 70,00% da amostra.
Verificou-se que os solteiros constituíam-se em maioria (64,02%), seguidos dos casados/união estável (26,20%). Os estudos de Jorge (2010) e Monteiro et al. (2011) também confirmaram maiores frequências entre solteiros (59,80% e 50,20%, respectivamente), quando comparados aos compromissados (27,50% e 45,40%, respectivamente).
No que tange ao grau de instrução educacional, várias são as pesquisas que relatam a prevalência da baixa escolaridade entre os usuários de drogas. Entre as pessoas acompanhadas pelo CAPSAD de João Pessoa, em apenas 2,83% dos prontuários foi registrado nível superior, quando em 88,23% dos casos foi registrada a baixa escolaridade. Velho (2010) apresentou que cerca de 66,80% dos usuários de sua amostra possuíam baixa escolaridade, assim como Monteiro et al. (2011), que encontraram taxa de 80,17% para a proporção de dependentes químicos analfabetos ou com ensino fundamental incompleto ou completo, incluindo ensino médio incompleto.
A associação entre uso de SPA e baixa escolaridade é consenso nas pesquisas (VELHO, 2010). Isso porque as drogas ocasionam prejuízos cognitivos de percepções, memória e pensamentos, resultando em déficit de aprendizagem, de rendimento e no consequente abandono escolar (PECHANSKY; SZOBOT; SCIVOLETTO, 2004).
Entre os problemas associados ao uso abusivo de drogas, além dos aspectos relacionados à escolaridade, destaca-se também a presença de comportamentos antissociais, evidenciados por condutas de agressividade (ALVES; KOSSOBUDZKY, 2002). O resultado deste estudo demonstrou que cerca de 23,65% dos indivíduos relataram algum tipo de envolvimento com a justiça. Da mesma forma, um estudo realizado com os usuários do CAPSAD de Campos dos Goytacazes/RJ constatou que, aproximadamente, 32,02% dos pesquisados tinham algum conflito com a lei (BATISTA; BATISTA; CONSTANTINO, 2012).
Tem-se que a compulsão pela droga instiga o dependente a buscar, obcecadamente, a substância por meio de comportamentos de risco, o que implica impactos sociais e pessoais (FERREIRA ET AL., 2011).
Ao discutir sobre a questão econômica, é imperativa a questão do desemprego entre as pessoas que fazem uso abusivo de drogas (JORGE; CORRADI-WEBSTER, 2012). Neste estudo, apenas 44,19% dos indivíduos trabalhavam, enquanto 55,81% não desempenhavam nenhum tipo de atividade profissional. Destes, 4,96% recebiam algum benefício social e 2,84% apenas estudavam, culminando com uma frequência de 48,01% de usuários sem nenhuma ocupação ou renda.
No estudo realizado por Monteiro et al. (2011), a taxa de desemprego foi de 35,70%, ao tempo que 48,50% estavam empregados, 12,30% estudavam e 3,50 eram aposentados. Outros estudos também encontraram valores aproximados para a proporção de desempregados (ALMEIDA; SILVA; SILVA, 2010; FERREIRA ET AL., 2012).
Outro ponto de relevante destaque é a inconstância na vida dos usuários. Dada a instabilidade de seus padrões de vida, os usuários ficam vulneráveis a viver em situação de rua. Nessa lógica, "traça-se uma linha que liga momentos de abstinência à consecução de trabalho, moradia e ao restabelecimento de ligações afetivas importantes", em que a pessoa deixa seu lar para viver nas ruas (RAUP; ADORNO, 2011, p.57). Essa foi a condição encontrada em 60 (8,49%) usuários de SPA de João Pessoa, e é nesse cenário que se inserem as Equipes de Consultório na Rua (ECR), para lidar com os diferentes problemas e as necessidades de saúde da população em situação de rua, promovendo atividades in loco, de forma itinerante, desenvolvendo ações compartilhadas e integradas com os serviços de Atenção Básica e direcionando os usuários de drogas para os CAPSAD (BRASIL, 2011).
Ainda no município, as ECR encontraram e referenciaram para o CAPSAD 43 (13,48%) usuários de drogas, mas os principais (36,68%) encaminhamentos foram oriundos do Pronto Atendimento em Saúde Mental - localizado em um Hospital Geral -, a porta de entrada para as urgências psiquiátricas provenientes da capital e da região metropolitana adscrita, o que justifica a maioria dos encaminhamentos por esse serviço. Uma considerável quantidade de usuários também veio encaminhada de hospitais psiquiátricos (15,36%).
Para Velho (2010, p.40), "a diversidade de serviços que encaminharam usuários para o CAPSAD sugere que a instituição é reconhecida como serviço de referência para tratamento de usuários de drogas psicoativas".
Ainda que vários usuários chegassem ao CAPSAD encaminhados por outros serviços, foi a demanda espontânea que prevaleceu (54,82%), assim como relatado nos trabalhos de Carvalho, Silva e Rodrigues (2010) - 68,20%, Monteiro et al. (2011) - 49,30%, e no de Almeida, Silva e Silva (2010), em que 75,00% dos usuários vieram por demanda livre, acompanhados apenas por um familiar.
Ferreira et al. (2012) encerram que o uso abusivo de SPA compromete as relações e os vínculos familiares. Nesse tocante, retomam-se aqui aos resultados deste estudo que mostraram que 14,45% dos usuários tinham uma relação rompida com a família e outros 41,35% tinham uma relação ruim.
A pesquisa de Araujo (2012) evidenciou relação familiar satisfatória em apenas 41,60% da amostra, quando a relação conflituosa se sobressaiu com 47,20% e a rompida com 4,00%. Outro estudo encontrou uma porcentageme de 83,12% na frequência de conflitos familiares (BATISTA; BATISTA; CONSTANTINO, 2012).
Schenker e Minayo (2003) afirmam que família é um dos elos mais fortes da cadeia que forma o uso abusivo de drogas, famílias disfuncionais podem transmitir normas desviantes de comportamento dos pais para os filhos.
Do exposto, quando pai e/ou mãe não fazem uso abusivo de SPA, contribuem igualmente para a não utilização de drogas pelos filhos, já que os comportamentos sociais são desenvolvidos nas relações primárias de socialização: a família, a escola e os amigos (VELHO, 2010).
No CAPSAD em análise, 273 (38,67%) usuários informaram ter algum ascendente usuário de SPA. Entre os que negaram, 203 (46,88%) revelaram que, pelo menos, um ente fazia/faz uso abusivo de alguma SPA. Para Alves e Kossobudzky (2002), esses resultados remetem ao pressuposto de que a influência parental e/ou genética parece ser considerável na adoção de um comportamento determinado diante das drogas.
Continuando a adentrar a discussão das variáveis clínicas, sobre a modalidade de tratamento, ao serem acolhidos no CAPSAD, os pacientes foram indicados, majoritariamente, para a modalidade semi-intensiva de tratamento (45,89%), cuja frequência mensal mínima é de 12 dias. O estudo de Monteiro et al. (2011) contabilizou 55,00% para a modalidade intensiva.
Mesmo sem corresponder à maioria, foi verificado que 42,35% dos usuários do CAPSAD já tiveram, pelo menos uma internação psiquiátrica. Outros autores também confirmam essa observação (BATISTA; BATISTA; CONSTANTINO, 2012; FERREIRA ET AL., 2012; RUSSOET AL., 2011).
Na pesquisa de Carvalho e Rodrigues foi verificada uma frequência de 97,90% de internações psiquiátricas entre os dependentes químicos estudados. Ferreira et al. (2011) registraram que 82,00% das internações são decorrentes do uso de álcool (45,10%) e do uso de múltiplas drogas (36,90%). Almeida, Silva e Silva (2010) também afirmaram ser o álcool a principal droga que leva às internações, quando verificaram um percentual de 85,00% de dependentes dessa substância nas unidades de internação (ALMEIDA; SILVA; SILVA, 2010).
No que diz respeito às drogas de abuso, entre os usuários do CAPSAD, a principal foi o álcool (79,46%), seguido do tabaco (59,77%), do crack (50,71%) e da maconha (38,67%). Ressalta-se, aqui, que os dados não se referem ao uso isolado, mas, sim, a este e ao uso combinado com outras drogas, variando de um a até dez tipos diferentes. Sobre isso, Faria e Schmeider (2009)discorrem que levantar dados epidemiológicos acerca dos tipos de SPA constitui-se em tarefa bastante complexa, pois boa parte dos usuários faz uso de mais de uma substância.
No estudo de Velho (2010), o uso de álcool foi registrado em 46,10% dos usuários, seguido por crack (44,4%) e maconha (5,80%). Costa e colaboradores (2011) registraram que o álcool (68,60%), a maconha (17,10%) e o crack (4,3%) estavam entre as drogas mais consumidas.
Outro dado alarmante diz respeito ao poliusuário de drogas. Alves e Kossobudzky (2002) registraram que 69,50% dos dependentes químicos consumiam mais de um tipo de droga. A maioria fazia uso simultâneo de 03 a 04 drogas, com uso de 09, 10 e mais drogas. Nessa pesquisa, a maioria dos indivíduos consumia de 01 a 02 tipos de drogas (58,50%). Os usuários de 03 ou 04 tipos de drogas corresponderam a 22,10% da amostra de 706 usuários.
Compreende-se a magnitude do poliuso de drogas e os seus danos à vida do usuário, mas não dá pra negar que o poliuso advém, principalmente, das combinações das drogas, cujas maiores prevalências de uso são: álcool, maconha e crack. Na amostra deste estudo, poucos são os usuários que fazem uso de 05 ou mais drogas (8,41%), enquanto verifica-se que cerca de 77,28% consumem de 01 a 03 tipos de drogas.
A literatura evidencia que há associação entre o múltiplo uso e os transtornos mentais, inclusive com tentativas de suicídio e associação com a prática de crimes (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2012).
No que tange à adesão ao tratamento, aproximadamente 60,00% dos usuários do CAPSAD abandonaram o tratamento, entre os quais, 24,20% abandonaram logo após a triagem inicial, não retornando mais ao serviço. O tempo médio de permanência no serviço foi de 32,61 semanas (7,60 meses), quando incluídos os usuários que abandonaram no primeiro momento, e 42,07 semanas (9,81 meses) excluindo-os. Em uma pesquisa com 227 usuários de um CAPSAD do município Terezina/PI, foi encontrado que apenas 39,21% aderiram ao tratamento, permanecendo por mais de 03 meses em acompanhamento, enquanto 56,83% interromperam o tratamento e, destes, a maioria não procurou o serviço. A média de permanência foi de 6,40 meses (MONTEIRO ET AL., 2011).
A literatura discorre que os usuários mais jovens abandonam mais cedo o tratamento (MONTEIRO ET AL., 2011; RIBEIRO ET AL., 2008), bem como os solteiros e os desempregados (RIBEIRO ET AL., 2008).
Álvarez (2007) concorda que alcoolismo, conflitos interpessoais, fundamentalmente com a família e estados emocionais negativos (ansiedade, depressão, raiva) colaboram para o abandono do tratamento.
Conclusões
O estudo apresentou o perfil dos usuários de drogas de João Pessoa, respondendo às questões norteadoras e, consequentemente, atendendo ao objetivo proposto.
Foi observado que os perfis sociodemográfico, econômico e clínico dos usuários seguem, em seus traços gerais, as características descritas de outros indivíduos em tratamento para dependência de drogas referidos em outras pesquisas nacionais, permitindo inferir que as drogas afetam de várias formas a vida do indivíduo, trazendo prejuízos pessoais e sociofamiliares.
Os resultados desse estudo podem contribuir, de forma significativa, para a reorientação das ações, de forma a promover a melhoria da assistência e da qualidade de vida das pessoas que vivenciam a dependência química, uma vez que, conhecidas as características desse público, outras estratégias podem ser implementadas ou moldadas de acordo com a realidade local.
Do ponto de vista científico, este artigo pode alavancar pesquisas no âmbito da saúde mental no que concerne à dependência química - um tema relativamente novo e em ascensão -, abrindo novos horizontes e despertando a curiosidade para o desenvolvimento de outros estudos que possam aprofundar ainda mais a temática.
Na prática profissional, os resultados deste estudo trazem informações que podem ajudar as equipes de saúde a conhecer e a lidar com a diversidade desse público, de modo a promover ações de promoção e prevenção no âmbito da estratégia de redução de danos, destacando a necessidade de priorizar as ações para os grupos de risco, tendo como base o perfil da clientela, respeitando suas debilidades e reforçando suas potencialidades.
Assim sendo, os usuários se sentirão mais acolhidos e compreendidos, criando vínculos com o serviço e com os profissionais que os acompanham, o que contribuirá significativamente, para a adesão ao tratamento, especialmente no CAPS estudado, tomado como referência para traduzir a situação dos usuários de drogas do município.
Faz-se importante afirmar a necessidade de melhoria das informações registradas nos prontuários, bem como é preciso que haja uma iniciativa por parte das autoridades gestoras para informatizar os dados referentes à área da saúde mental, cujos indicadores são escassos e precários.
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Suporte financeiro: não houve
Referências
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Set 2014
Histórico
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Recebido
Ago 2013 -
Aceito
Abr 2014