RESUMO
Este ensaio procurou discutir o papel dos pacientes e das famílias na qualidade dos cuidados e na segurança do paciente. Tradicionalmente, o papel dos profissionais de saúde – especialmente, dos médicos – tem sido predominante na discussão e na definição do que constitui um cuidado de saúde de alta qualidade. Entretanto, outros atores foram reconhecidos no debate contemporâneo sobre a qualidade do atendimento e, em particular, sobre a segurança do paciente e a centralidade do atendimento. O papel dos pacientes na qualidade do atendimento e até mesmo o seu protagonismo na identificação dos principais problemas presentes na prestação de cuidados e em como contribuir para um atendimento mais seguro são destacados. Inicialmente, discute-se o papel dos pacientes e seus familiares na qualidade do atendimento e na segurança do paciente. Em seguida, são discutidos os fatores que influenciam e dificultam a sua participação. Finalmente, são propostas estratégias para aumentar a participação dos pacientes. Pacientes e familiares podem desempenhar um papel essencial na melhoria da qualidade dos cuidados de saúde e da segurança do paciente. Entretanto, eles devem estar ativamente envolvidos para que isso ocorra, com suas contribuições consideradas em um ambiente favorável a uma cultura de segurança justa.
PALAVRAS-CHAVES Segurança do paciente; Participação do paciente; Preferência do paciente
ABSTRACT
This essay sought to discuss the role of patients and families in quality of care and patient safety. Traditionally, the role of health professionals – especially physicians – has been predominant in discussing and defining what constitutes high-quality health care. However, other actors have been recognized in the contemporary debate on the quality of care and, in particular, patient safety and centrality of care. The patient’s role in the quality of care and even their protagonism in identifying the main problems in the provision of care and how to contribute to safer care are highlighted. Initially, discusses the role of patients and relatives in the quality of care and patient safety. Then, the factors that influence and hinder their participation are discussed. Finally, strategies for increasing patient participation are proposed. Patients and families can play an essential role in improving the quality of health care and patient safety. However, they must be actively involved in making this happen, with their contributions considered in an environment favorable to a just safety culture.
Keywords: Patient safety; Patient participation; Patient preference
Introdução
A segurança do paciente vem sendo discutida desde o início dos anos 2000 como uma dimensão da qualidade do cuidado em saúde1. Qualidade do cuidado em saúde pode ser entendida como resultante da aplicação do conhecimento científico e de tecnologias de saúde disponíveis associados à aplicação no cuidado ao paciente2. Já a segurança do paciente diz respeito ao conjunto de atividades organizacionais que cria culturas, processos, procedimentos, comportamentos, tecnologias e ambiente no cuidado em saúde que, consistente e sustentavelmente, diminuem riscos e a ocorrência de danos evitáveis para o paciente, tornando o erro menos provável, além de reduzirem o impacto quando este ocorre3.
Ancorada às preocupações com a qualidade do cuidado e a segurança do paciente, emerge a discussão acerca do papel do paciente. Cada vez mais, os pacientes passam de um papel passivo de recebedores de cuidados para um papel mais ativo, de parceiros dos profissionais no cuidado em saúde4. Ademais, reconhece- -se que o cuidado deve ser centrado nesse ator. Essa mudança de paradigma é de grande importância para alcançar melhorias na qualidade do cuidado e na segurança do paciente, embora aporte desafios e mudanças culturais. Assim, a perspectiva do paciente vem sendo reconhecida como um componente-chave de qualquer estratégia de melhoria de qualidade e, portanto, valorizada5. Entende-se que pacientes e familiares são capazes de se envolver na qualidade do cuidado e identificar os principais problemas que ocorrem, pois podem fornecer uma compreensão única sobre segurança do paciente6 em distintos níveis – do nível micro do cuidado individual e da experiência do paciente ao nível macro, das lacunas na formulação de políticas específicas que garantam o cuidado centrado no paciente e tomada de decisão partilhada7. Entretanto, suas contribuições são ainda pouco consideradas na literatura8 e na prática clínica.
Partindo-se desse contexto, é necessário fomentar estratégias que fortaleçam o papel do paciente na qualidade do cuidado a ele prestado e à sua segurança. Tais estratégias apoiam-se em distintos conceitos4, 9, 10, 11, 12, 13 e se desenvolvem de diversas maneiras. O envolvimento ativo do paciente, ou o seu engajamento, por exemplo, reconhece o paciente como parte integrante do cuidado em saúde e como um componente crítico da prestação de serviços centrados nas pessoas. Há consenso de que pacientes engajados estão habilitados a tomar decisões sobre as opções de cuidado. Além disso, os recursos humanos e materiais dos serviços de saúde podem ser mais bem empregados se estiverem alinhados com as prioridades dos pacientes, o que é um ponto crítico para os sistemas de saúde em todo o mundo13.
Consequentemente, o papel do paciente é entendido como fator-chave na condução de ações voltadas à melhoria de serviços de saúde14 e das iniciativas para garantir a prestação de um cuidado mais seguro. No bojo dessa discussão, em 2013, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o programa Patients for Patient Safety, que enfatizava a capacitação de pacientes, familiares e cuidadores, em conjunto com profissionais de saúde, para facilitar o seu engajamento no cuidado, a fim de aumentar a qualidade, a segurança e fomentar o cuidado centrado nas pessoas15. Desde então, fomentou-se o debate no cenário internacional.
Apesar do crescente reconhecimento da importância da perspectiva do paciente sobre a qualidade e a segurança do cuidado no cenário internacional, no Brasil, ela ainda é pouco discutida. Embora questões como controle social e satisfação do usuário tenham sido valorizadas, pouco tem sido publicado sobre o papel dos pacientes no cuidado em saúde no País. Nesse cenário, o objetivo deste ensaio é discutir o papel dos pacientes e familiares na qualidade do cuidado e na segurança do paciente à luz da literatura, a fim de refletir sobre o contexto brasileiro.
O papel dos pacientes na qualidade do cuidado e na segurança do paciente
Diversos termos são empregados para expressar o papel do paciente na qualidade do cuidado, tais como: ‘cuidado centrado no paciente’9, ‘empoderamento do paciente’13, ‘engajamento do paciente’13, ‘envolvimento do paciente’10, ‘experiência do paciente’11 e ‘participação do paciente’4, 12 (quadro 1).
Conceitos relacionados ao papel do paciente na qualidade do cuidado e na segurança do paciente
No entanto, apesar da variedade terminológica, não há uma definição universalmente aceita, nem mesmo das dimensões que as abarcam, ou consenso sobre quais aspectos devem ser abordados em cada conceito. Além disso, do ponto de vista operacional, existem poucas experiências concretas sobre como se organizar para isso, gerando confusão para pacientes, profissionais de saúde e gestores das organizações de saúde10.
O engajamento do paciente pode se dar com a participação em grupos de apoio ou ativismo relacionado à doença ou à condição de saúde16; por tomadas de decisões compartilhadas na escolha do tratamento4; incentivo a comportamentos seguros, como higiene das mãos ou uso de medicamentos4; e identificação de incidentes e eventos adversos no cuidado em saúde16, 17. Incidente, compreendido como todo evento ou circunstância que poderia ter resultado em dano desnecessário, e eventos adversos, caracterizados quando há dano físico ou psicológico para o paciente18, são dois dos principais problemas na qualidade do cuidado associados à segurança do paciente.
Os grupos de apoio e ativismo são organizados por pacientes, familiares ou outros representantes ao redor de uma doença ou condição de saúde específica, como síndrome de imunodeficiência adquirida, câncer, dor crônica, entre outras. Esses grupos têm o papel de divulgar informações, auxiliar na resolução de problemas e ajuda mútua, além de advogar pelos direitos dos pacientes e por mudanças sociais16, 19. Os grupos podem ser formados dentro das organizações de saúde ou fora delas, a partir da sociedade civil organizada e nas redes sociais. Diferentemente, decisões compartilhadas ocorrem dentro das instituições com profissionais de saúde e pacientes discutindo juntos para escolher exames, tratamentos, a gestão da doença ou medidas de apoio, baseados em evidências científicas e adequados às preferências de cada paciente. Esse processo engloba informações claras ao paciente sobre todas as opções terapêuticas, os resultados do cuidado, seus riscos e benefícios, devendo ser registradas as preferências informadas pelos pacientes20.
Os pacientes e familiares também podem e devem se envolver para garantir que atitudes e comportamentos seguros, como a adesão aos protocolos de segurança do paciente, entre os quais, higienização de mãos e identificação dos pacientes, sejam cumpridos21. O uso seguro de medicamentos, tendo em conta de quais medicamentos faz uso, em qual dosagem e qual período do dia o uso deve ser feito, e a comunicação efetiva com os profissionais, como informar claramente seus problemas de saúde à equipe e qual itinerário do cuidado foi realizado até chegar ao serviço de saúde, também são exemplos do envolvimento em atitudes e comportamentos seguros. Contudo, o envolvimento efetivo nesses comportamentos requer abertura e espaço para que essa fala seja ouvida e incorporada aos protocolos de tratamento.
Destaca-se, ainda, a identificação de incidentes e eventos adversos no cuidado em saúde. Pacientes e familiares parecem dispostos a relatar o que percebem como incidentes e eventos adversos relacionados à segurança do paciente ocorridos no seu próprio cuidado. Esses relatos potencialmente fornecem informações úteis sobre o tipo e a frequência dos incidentes, que não necessariamente espelham as informações registradas pelos profissionais nos sistemas de notificação de incidentes22. Os principais incidentes e eventos adversos apontados por eles estão relacionados a medicamentos, infecções, cirurgia e queda, possivelmente porque são os mais visíveis no cuidado em saúde. Como fatores contribuintes para a ocorrência desses incidentes e eventos adversos, destacam-se a comunicação nas suas diversas vertentes, o relacionamento profissional- paciente, as questões relacionadas ao respeito e à dignidade, à escuta do paciente, ao direito dos pacientes e ao fluxo e gerenciamento de informações17, 23.
Pacientes e familiares têm uma visão mais ampla de toda a trajetória do cuidado, atuando como parceiros dos profissionais na identificação de problemas no cuidado em saúde8, percebendo problemas no cuidado que, em geral, passam despercebidos pelos profissionais. Um em cada três incidentes notificados pelos pacientes é compatível com os incidentes de segurança do paciente identificados pelos profissionais. Os incidentes com maior concordância são os relacionados aos problemas com medicamentos, gestão das enfermarias, falhas de equipamentos e sistemas, infecção, segurança e saúde, complicações e repetições de procedimentos. As divergências surgem devido à ampla variedade de incidentes associados a danos emocionais e psicológicos, que incluem problemas relacionados à comunicação, ao tratamento dispensado pelos profissionais aos pacientes, ao treinamento dos profissionais, ao ambiente, à alimentação e à nutrição24. Desse modo, os relatos dos pacientes e familiares fornecem uma compreensão ampla sobre as experiências dos pacientes com o cuidado, em geral, não capturada pelos sistemas de informações tradicionalmente usados pelos profissionais24. O que pode ajudar os profissionais a identificar lacunas no atendimento e implementar melhorias na qualidade. Outro estudo realizado com 746 pais e cuidadores em quatro hospitais pediátricos nos Estados Unidos concluiu que as famílias forneciam informação relevante, logo, deveriam ser incluídas na vigilância de segurança hospitalar, para facilitar o melhor desenho e a melhor avalição de intervenções para melhorar a segurança25.
Estudo canadense destacou o impacto positivo da parceria com pacientes em diversas áreas16. Na segurança do paciente, referiram-se a situações quando os pacientes foram capazes de reportar informações precisas e de ser parceiros valiosos na vigilância de segurança, desde a concepção do ambiente físico e da coordenação do cuidado até as notificações relacionadas à segurança do paciente e à participação na análise de causa raiz. Para tal, o engajamento do paciente deve ser autêntico e fazer parte de todas as instâncias e âmbitos, desde a cabeceira do leito até a elaboração de políticas nacionais26, fortalecendo seu papel ativo e de interesse na segurança e qualidade do cuidado27.
Há inúmeros argumentos de pesquisadores e gestores acerca da atuação dos pacientes e da relevância de seus relatos para a melhoria de todas as dimensões da qualidade do cuidado. Contudo, mesmo diante das vantagens de incorporar a voz do paciente no cuidado em saúde, a incorporação contínua na melhoria da segurança do paciente ainda tem sido lenta28. Apesar de sua importância, esse movimento tem sido lento em vários países, sobretudo naqueles em desenvolvimento, como o Brasil.
O papel do paciente no contexto brasileiro
No Brasil, estudos relacionados à segurança e à qualidade do cuidado, na perspectiva do paciente, ainda são incipientes. Um estudo realizado em Goiás entrevistou 80 pacientes da clínica cirúrgica de um hospital de ensino, dos quais, 14 relataram ter percebido algum incidente durante o período de sua internação. O estudo ressaltou a importância do envolvimento do paciente durante sua assistência de forma a direcionar o seu próprio cuidado, visando a minimizar a ocorrência de incidentes, tornando-se a sua principal estratégia de prevenção. Entretanto, ressaltou que muitos profissionais ainda não reconhecem a importância dessa parceria para a prevenção de incidentes29.
No Rio Grande do Sul, outro estudo baseado em entrevistas com pacientes, familiares e profissionais encontrou questões relacionadas à importância dos pacientes e seus familiares como coprodutores do cuidado seguro. Isso foi percebido nos protocolos relacionados à identificação do paciente, ao uso seguro de medicamentos, cuidados e prevenção de quedas, infecções, higienização das mãos, cirurgia segura e prevenção da lesão por pressão. Entretanto, apesar da importância da participação dos pacientes e familiares nos processos de adesão aos protocolos de segurança do paciente, estes nem sempre eram seguidos pelos profissionais. Também houve dificuldade por parte dos pacientes e familiares em comunicarem aos profissionais o não cumprimento dos protocolos, principalmente no que diz respeito à identificação do paciente e à lavagem das mãos30.
Entrevistas realizadas com familiares ou cuidadores de crianças hospitalizadas na região Sul do Brasil, com objetivo conhecer a sua percepção sobre a segurança do paciente, abordou duas categorias temáticas: a primeira, relacionada a ‘pressupostos de segurança do paciente’, que englobou o conhecimento dos cuidadores sobre segurança do paciente, importância do acompanhante, barreiras que favorecem o cuidado seguro e postura perante o erro; e a segunda, ‘protocolos de segurança do paciente implementados na instituição’, contendo questões de protocolos de segurança do paciente relacionados a comunicação, identificação, medicações, prevenção de quedas e infecções. Esse estudo demonstrou que os participantes da pesquisa pareciam dispostos a desempenhar um papel ativo no cuidado em saúde das crianças como barreira na prevenção de eventos adversos, mas que, para tal, seria necessário elaborar estratégias de educação e inclusão desses na segurança do paciente31.
No interior de São Paulo, entrevistas com familiares de crianças internadas apontaram preocupações relacionadas à segurança do paciente, como ações para prevenção de infecções ligadas a higienização das mãos, limpeza do ambiente, uso de luvas e não reutilização de materiais hospitalares, administração segura de medicamentos e identificação do paciente. Dessa forma, concluíram que a abordagem centrada no paciente e na família é relevante para um cuidado seguro e deve ser empregada na assistência32.
Apesar das diferenças socioeconômicas e culturais dos cenários estudados, em todos os estudos referidos os pacientes mostraram-se dispostos e capazes de participar em prol da qualidade do cuidado e da segurança do paciente, no contexto brasileiro. No entanto, novos estudos serão necessários para melhor conhecer os incidentes e eventos adversos na perspectiva dos pacientes e familiares no Brasil e os principais fatores que motivam ou dificultam a participação do paciente e a sua notificação.
Fatores que influenciam a participação do paciente
Diversas barreiras podem dificultar ou mesmo impedir a participação, tais como fatores socioeconômicos e culturais relacionados aos pacientes, fatores relacionados aos profissionais e ao ambiente onde o cuidado em saúde é prestado (figura 1).
Fatores contribuintes ao engajamento do paciente na garantia da segurança e qualidade do cuidado
Alguns fatores podem afetar a adesão do paciente à garantia da segurança e da qualidade do cuidado14. Entre os relacionados aos pacientes, estão fatores socioeconômicos, culturais, demográficos, cognitivos, letramento em saúde e experiências anteriores no cuidado em saúde. Quanto mais bem informados forem os pacientes e familiares, maiores são as chances de envolverem-se ativamente no cuidado em saúde. Como barreiras relacionadas aos pacientes e familiares estão a compreensão dos termos engajamento e segurança do paciente, o baixo letramento em saúde, suporte social limitado para pacientes vulneráveis e a ausência de grupos de defesa nacionalmente representativos33. Já os fatores relacionados à doença incluem tipo de doença e comorbidades, sintomas, gravidade e plano de tratamento, resultados e experiência anterior com segurança do paciente4, 14, 17, 34, 35.
Entre os relacionados aos profissionais de saúde, estão o conhecimento e o treinamento em qualidade e segurança do cuidado e o engajamento dos pacientes, especialidade do profissional, suas crenças e valores, além da interação dos profissionais com os pacientes4, 14, 17, 34, 36. O relacionamento profissional-paciente tem destaque. Profissionais de saúde têm a importante função de facilitar o envolvimento do paciente na segurança do cuidado, como, por exemplo, usando suas habilidades de comunicar, ouvir, encorajar, informar e instruir pacientes para questionar ou participar de decisões e comportamentos37. Se mantida uma relação profissional-paciente distante e autoritária, tende-se a diminuir a probabilidade de o paciente participar ativamente no seu cuidado, sendo o medo de retaliação dos profissionais um temor comum nesse tipo de relacionamento.
De forma mais ampla, sugere-se que um maior envolvimento do paciente pode ser alcançado colocando pacientes e sua segurança no centro do cuidado em saúde. Os gestores têm a atribuição de fornecer um ambiente de trabalho propício a envolver os pacientes na segurança do cuidado e apoiar o foco no paciente. Isso pode ser alcançado por meio da comunicação adequada, educação e trabalho em parceria, envolvimento do paciente na prevenção de danos, suporte para reclamações dos pacientes sobre segurança do cuidado e capacitação, no que diz respeito ao aprendizado sobre sua própria condição de saúde e relato de incidentes37.
Os pacientes podem superar esses obstáculos buscando ajuda como membros de grupos de apoio e associações de pacientes, ou buscar a informação necessária para a escolha de um tratamento mais adequado por outros canais, como as plataformas de mídia digital. Essas informações os ajudam no enfrentamento de questões mais complexas que surgem na prestação do cuidado, como a escolha de um tratamento mais adequado ou no relacionamento profissional-paciente.
Alguns obstáculos para a participação do paciente, porém, extrapolam o controle de pacientes e profissionais. A participação do paciente reflete, também, normas sociais e a cultura organizacional na qual está inserido o cuidado em saúde prestado4. Como fatores relacionados à forma como o sistema de saúde está organizado, incluem-se questões relacionadas aos processos de atendimento, admissão e procedimentos administrativos, assim como a localização do serviço e mecanismos de regulação38.
Cultura e liderança organizacional, políticas e práticas institucionais podem também influenciar positivamente o engajamento dos pacientes, tornando-os parceiros ativos tanto para ações de melhoria quanto no cuidado direto recebido16, 39. Como desafios para que isso ocorra, ressaltam-se a mudança de cultura na prestação e no recebimento de cuidados e aspectos práticos no envolvimento dos pacientes durante o planejamento de seus próprios cuidados. A mudança de cultura inclui mudança de mentalidade do profissional sobre o cuidado centrado no paciente e repensar políticas, estruturas e processos envolvidos no engajamento do paciente16. Porém, a mudança da cultura organizacional nem sempre é algo fácil ou trivial.
Como fatores facilitadores do engajamento dos pacientes, elencam-se: o recrutamento e a preparação dos pacientes como parceiros e membros da equipe; o treinamento dos profissionais de saúde para envolver os pacientes como parceiros em equipes; a criação de conselhos e outros órgãos com foco na integração do paciente no cuidado; e a garantia de que as lideranças apoiem o envolvimento do paciente e o cuidado centrado no paciente e na família em toda a organização16.
Outras questões relacionaram-se à existência e ao tipo de sistema de notificações de incidentes e eventos adversos, e sua consequente facilidade em notificar também influencia a disponibilidade em engajar-se na notificação. Mesmo pacientes dispostos a relatar formalmente incidentes identificam como barreira à notificação o desconhecimento acerca do sistema de notificação de incidentes34. Esses sistemas deveriam não apenas estar à disposição dos pacientes, mas ser, também, de amplo conhecimento, de fácil acesso e uso, com perguntas claras, compreensíveis, além de garantir o anonimato nas notificações.
Todos esses fatores combinam-se de diferentes formas nas organizações de saúde ao redor do mundo. Estudo realizado com familiares de pacientes pediátricos no contexto nacional apontou a comunicação efetiva durante o processo de cuidado na hospitalização como essencial para estabelecimento de relação colaborativa entre familiares e profissionais32.
O maior desafio para profissionais de saúde e gestores é incentivar os fatores facilitadores e diminuir as barreiras à participação de pacientes e familiares. Para tal, diversas estratégias de incentivo à participação de pacientes e familiares foram criadas.
Estratégias e propostas para o aumento da participação do paciente
As estratégias para aumentar a participação dos pacientes na qualidade do cuidado e segurança do paciente podem ser sistematizadas em quatro categorias: ações educativas; ações que estimulam o desenvolvimento da autonomia do paciente para o autocuidado e o envolvimento; estratégias para aumentar a participação dos pacientes na qualidade do cuidado e segurança do paciente; e ações voltadas para incentivar os pacientes e familiares como parceiros na identificação e notificação de incidentes e eventos adversos no cuidado em saúde.
Primeiramente, estão as ‘ações educativas’ voltadas para os pacientes com vistas ao melhor conhecimento e decisão acerca do próprio tratamento22, como a elaboração de cartilhas sobre a doença ou condição do paciente29, a elaboração e implementação de planos e diretrizes institucionais em parceria com os profissionais4, e a capacitação pelos serviços de saúde dos pacientes para a percepção dos riscos e voltadas para segurança do paciente29. As ações educativas têm destaque por serem de baixo custo de implementação. No Brasil, em 2017, foi elaborado um manual para pacientes, familiares e acompanhantes com orientações sobre como estes poderiam participar mais ativamente de sua assistência e contribuir com profissionais e gestores para a segurança do paciente40.
Porém, há dificuldade de se atingir pacientes com baixo nível de escolaridade e profissionais resistentes a mudanças. Nesse sentido, identificar lideranças parceiras e multiplicadoras de informação é fundamental para que a mudança ocorra.
Na segunda categoria, estão as ‘ações que estimulam o desenvolvimento da autonomia do paciente para o autocuidado e o envolvimento dos pacientes e familiares no cuidado’29, como questionar os profissionais de saúde sobre seu diagnóstico e suas condições médicas, a fim de esclarecer todas as dúvidas, implementação das instruções médicas recomendadas, explorar as decisões compartilhadas com os profissionais com relação a outros tratamentos alternativos41. Isso pode ser particularmente difícil com pacientes e familiares com baixo nível socioeconômico, cultural e baixo letramento em saúde. Nessa condição, eles podem ter dificuldade para compreender certos termos e a importância de participarem mais ativamente. Para enfrentamento desse problema, reforça- -se a importância de campanhas de divulgação de autocuidado e a formação de grupos de autoajuda para condições e patologias específicas, como se observam em pacientes com doenças infectocontagiosas ou raras.
A terceira categoria, ‘estratégias para aumentar a participação dos pacientes na qualidade do cuidado e segurança do paciente’, engloba ações voltadas para criar situações em prol da melhoria do cuidado e da segurança do paciente, como estímulo à adoção de comportamentos seguros na identificação do paciente, prevenção de infecções relacionadas à assistência à saúde, cirurgia segura, uso seguro de medicamentos, prevenção de quedas, lesão por pressão e a comunicação aberta e efetiva entre pacientes e profissionais29, 42. Tudo isso pode ser particularmente difícil em ambientes com grande hierarquia e profissionais que resistem em tornar pacientes parceiros, enquanto estes podem ter dificuldade para aderir a essas práticas por sentimento de gratidão ou medo de retaliação por parte dos profissionais. Nesse sentido, o treinamento profissional e a mudança da cultura organizacional exercem papel primordial na melhoria da qualidade do cuidado e na segurança do paciente.
Finalmente, há as ‘ações voltadas para incentivar os pacientes e familiares como parceiros na identificação e notificação de incidentes e eventos adversos no cuidado em saúde’4, 17. Como ferramentas para capturar essas informações, podem-se citar os questionários, entrevistas, grupos focais e sistemas de notificação43. Essas ferramentas devem estar disponíveis nos serviços de saúde, e os pacientes e familiares devem se sentir confortáveis em realizar a notificação com sigilo das informações, que deverão ser analisadas em associação com as informações fornecidas pelos profissionais e empregadas em um plano de melhorias voltado para os pacientes. No cenário nacional, tem-se, na esfera governamental, o Sistema de Notificações de Vigilância Sanitária (Notivisa), módulo ‘cidadão’, voltado para receber as notificações de incidentes e eventos adversos de pacientes, familiares, amigos e outros, cujas informações são confidenciais, e as informações utilizadas para prevenção de futuros danos aos pacientes41, 44.
Esse conjunto de estratégias pode ser combinado das mais diversas maneiras de acordo com as regras sociais, o ambiente e a cultura organizacional em que o cuidado é prestado. É papel dos gestores incentivar uma cultura justa que encoraje pacientes e profissionais a serem parceiros no cuidado, com o foco na melhoria da adesão do paciente ao tratamento, na sua participação em ações preventivas de incidentes e identificação e notificação de incidentes e eventos adversos.
Considerações finais
Pacientes e familiares podem exercer um importante papel na melhoria da qualidade do cuidado em saúde e na segurança do paciente. Porém, para que isso ocorra de fato, eles devem estar ativamente envolvidos e ter suas contribuições de fato consideradas. Ademais, as organizações de saúde devem criar um ambiente favorável à parceria entre pacientes, familiares e profissionais, pautado em ações educativas para fomentar uma cultura justa e não punitiva.
Reforça-se que a perspectiva do paciente emerge com o potencial de ajudar a construir novos processos de cuidado e melhoria do desempenho de equipes clínicas e das organizações. Como proposições ao engajamento do paciente, destacam-se as ações em prol da melhoria da comunicação entre profissionais- -pacientes e ações educativas voltadas para pacientes, familiares e profissionais, no sentido de torná-los parceiros na melhoria da qualidade do cuidado, na segurança do paciente e na elaboração de políticas institucionais.
Para que isso se verifique no cenário nacional, é necessário, inicialmente, incentivar o debate, além do desenvolvimento de pesquisas para conhecer o papel dos pacientes e familiares nos diversos contextos, da atenção básica aos hospitais de alta complexidade.
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Suporte financeiro: Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq), bolsa de produtividade outorgada a MM (PQ 306100/2019-3); Programa de Pós- Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz)
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jan 2023 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2022
Histórico
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Recebido
09 Nov 2021 -
Aceito
10 Maio 2022