Open-access Mobilidade ativa como prática corporal promotora da saúde no contexto escolar: oportunidades e desafios no Brasil

Active mobility as a health-promoting body practice in the school context: Opportunities and challenges

RESUMO

Mobilidade ativa é uma prática corporal importante para a promoção da saúde quando realizada como direito. Ela é complexa e desafiante, uma vez que requer enfrentar questões estruturais baseadas nas dimensões sociais e comerciais de saúde. A escola é um ambiente estratégico para favorecer a promoção da saúde por meio de processos formativos emancipatórios, que considerem os contextos de vida dos estudantes. Durante a infância, o indivíduo constrói gostos e preferências que podem permanecer por toda a vida. Iniciativas que fomentem hábitos saudáveis em idade escolar constituem relevante estratégia de promoção da saúde. Algumas políticas, projetos e agendas têm potencial para impulsionar a mobilidade ativa na escola na perspectiva da intersetorialidade, ajudando a superar a visão utilitarista da prática. Este ensaio debate o tema aproximando os campos da educação (física), da saúde (coletiva) e do planejamento (urbano). Apresenta limites e desafios para a materialização da mobilidade ativa no contexto escolar e aponta algumas contribuições do Programa Saúde na Escola. A mobilidade ativa deve ser tratada como devir de justiça e direito social, e, ao promover a saúde, pode favorecer o desenvolvimento humano, fortalecer a participação social, o acesso democrático aos territórios e serviços e a articulação de saberes e práticas.

PALAVRAS-CHAVE
Mobilidade sustentável; Saúde do estudante; Exercício físico.

ABSTRACT

Active mobility is an important bodily practice for health promotion when practiced as a right. It is complex and challenging, as it requires addressing structural issues based on the social and commercial dimensions of health. Schools are a strategic environment for fostering health promotion through emancipatory educational processes that consider students’ life contexts. During childhood, individuals develop tastes and preferences that can last a lifetime. Initiatives that foster healthy habits at a school age constitute a relevant health promotion strategy. Some policies, projects, and agendas have the potential to boost active mobility in schools from an intersectoral perspective, helping to overcome the utilitarian view of the practice. This essay discusses the topic by bridging the fields of (physical) education, (public) health, and (urban) planning. It presents the limits and challenges of implementing active mobility in schools, highlighting some contributions of the Health in Schools Program. Active mobility should be treated as a development of justice and a social right, and by promoting health, it can favor human development, strengthen social participation, democratic access to territories and services, and the articulation of knowledge and practices.

KEYWORDS
Sustainable mobility; Student health; Exercise.

Introdução

Mobilidade ativa se refere ao deslocamento que não utiliza veículos motorizados, como andar a pé ou de bicicleta, e envolve, portanto, uma atividade física. É o modo de deslocamento mais praticado pelas pessoas na maioria dos municípios brasileiros com menos de 100 mil habitantes - e quanto menor o porte populacional, maior a participação das viagens ativas1. Tal modo de deslocamento é frequente entre estudantes no trajeto escolar2,3. Mais do que um meio de se deslocar para/da escola, a mobilidade ativa pode oportunizar aos escolares o enriquecimento de suas práticas e vivências cotidianas, com impactos na socialização, na capacidade de aprendizagem e no bem-estar4,5.

No nível individual, pensada como atividade física no deslocamento, a mobilidade ativa pode ampliar a aptidão cardiorrespiratória e a resistência muscular, além da produção de hormônios que regulam o bem-estar. Estudos epidemiológicos reportam que tais alterações amenizam o adoecimento e o mal-estar físico e mental, particularmente os de origem crônica, tais como: estresse, depressão, ansiedade, cardiopatias e outras doenças, reduzindo a morbimortalidade prematura3. No âmbito social, essa prática pode fortalecer a interação, a percepção das dinâmicas espaciais da cidade e as relações de pertencimento ao território4. No contexto urbano, melhora a qualidade do trânsito e contribui para a democratização dos espaços públicos, estimulando o uso adequado de áreas de pedestres e ciclistas em contraposição à hegemonia dos automóveis nas vias urbanas. Contribui ainda para a qualidade ambiental, a redução da poluição sonora, visual, do ar e das águas, e a melhora da qualidade dos espaços públicos, como calçadas, ciclovias, praças e parques6,7.

Tais aspectos tornam-se mais relevantes ao reconhecer que a infância é a fase de construção e fixação de hábitos e preferências que podem permanecer por toda a vida2. Assim, é importante desenvolver políticas e programas que incentivem comportamentos saudáveis nessa etapa como um meio de promover o bem-estar8. Ao se envolverem em práticas corporais, as crianças e os adolescentes aprendem a gostar do movimento, favorecendo a constituição de gerações fisicamente ativas e saudáveis9.

No entanto, a inatividade física e os comportamentos sedentários são bastante prevalentes - mesmo entre crianças e jovens no Brasil2 -, e a mobilidade ativa não tem sido priorizada na maioria dos países3. No contexto brasileiro, o modelo de mobilidade urbana vigente está marcado por deficiências estruturais, como a precariedade da infraestrutura destinada a pedestres e ciclistas, os percursos longos a serem percorridos, o grande tempo dos deslocamentos e a insuficiência e falta de qualidade dos sistemas de transporte público, o que ficou mais evidente após a pandemia da covid-1910. Reunidas, tais características potencializam os efeitos nocivos do modelo de mobilidade urbana adotado sobre a saúde e o meio ambiente11.

Em diálogo com diversas políticas e agendas que apontam a relação da mobilidade ativa com a promoção da saúde individual, coletiva e ambiental, buscamos defendê-la como uma estratégia interessante na perspectiva das práticas corporais promotoras da saúde, com particular relevância na instituição escolar. Aqui, o conceito de prática corporal difere epistemologicamente do termo atividade física ao destacar suas dimensões socioculturais e históricas. Trata-se de uma disputa conceitual que expressa tensões epistemológicas e políticas no campo da Educação Física (EF), tanto no plano conceitual quanto nas práxis do campo12.

Assim, incentivar a mobilidade ativa como prática corporal promotora da saúde é um desafio complexo - no contexto escolar, mais ainda - por agregar outras dimensões da vida social e da formação. Requer explicitar e enfrentar questões estruturais de desigualdade para além dos fatores individuais, bem como problematizar também a culpabilização do indivíduo introjetada em nossa subjetividade pelo pensamento hegemônico neoliberal, em particular, para estilos de vida, como a atividade física10. Deve ainda considerar o ambiente urbano geralmente com condições adversas à mobilidade ativa, com fragilidades na acessibilidade, segurança viária e segurança pública11. Para tal, há que articular diferentes atores, setores e campos do conhecimento13, considerando as condições socioeconômicas e culturais em que vivem os estudantes, as condições socioterritoriais relativas às escolas e as condições climáticas cada vez mais extremas no Brasil.

Uma iniciativa relevante em termos de promoção da saúde no ambiente escolar é o Programa Saúde na Escola (PSE), criado em 2007 como uma política intersetorial entre os Ministérios da Saúde e da Educação para promover a qualidade de vida dos estudantes da rede pública por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde13. Desde a sua implementação, o programa tem avançado em termos de adesão, indo de 87,3% dos municípios em 2013 para 90,5% em 2017-2018, chegando a 97,3% em 2021-202214. Em comemoração aos seus 15 anos, o Ministério da Saúde lançou o ‘Guia de bolso do Programa Saúde na Escola: promoção da atividade física’, para apoiar na realização de propostas que estimulem as atividades físicas e as práticas corporais15.

Vale refletir, todavia, que, mesmo com os progressos do PSE, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) vem apontando várias questões relativas à saúde dos escolares: em 2019, 61,8% dos estudantes brasileiros de 13 a 17 anos eram insuficientemente ativos; e 8,7%, inativos, contribuindo para o excesso de peso e adoecimentos correlatos que afetam crianças e jovens2. Reconhecendo a relevância dos dados epidemiológicos apresentados para empreender as análises pretendidas, cabe destacar que a produção e o uso desses dados não devem ser fragmentados, circunscritos à perspectiva de risco epidemiológico, o que representa um desafio a ser superado em diversos âmbitos da Saúde Coletiva (SC).

Aspectos imprescindíveis para garantir os direitos à saúde, educação, lazer e mobilidade, já formalmente assegurados na Constituição de 1988, perpassam por superar a fragmentação das ações (setorialização), a visão utilitarista e a culpabilização individual reforçada pelo referencial biomédico hegemonicamente adotado pelos campos da saúde. Uma visão mais realista dos desafios é aportada quando interpretados consoante o conceito de Determinação Social da Saúde (DSS), que destaca os fatores econômicos, políticos, socioculturais e ambientais como determinantes dos estilos de vida10,11,16.

Nessa direção, o presente ensaio se propõe a pensar criticamente e intersetorialmente na mobilidade ativa como prática corporal promotora da saúde no contexto escolar. Aporta estudos de outros países (33%), mas enfoca o Brasil (77%). Para tal, apresenta uma breve contextualização dos campos da EF; da SC; e do Planejamento Urbano (PU), em diálogo com o referencial da promoção da saúde. A seguir, apresenta políticas públicas, agendas e programas oriundos desses campos como oportunidades para a defesa do tema; posteriormente, discorre sobre os limites e desafios dessa temática. Por fim, tece algumas considerações sobre o PSE como um caminho para a efetividade da intersetorialidade entre EF, SC e PU no Brasil.

Breve contextualização dos campos da EF, SC e PU em diálogo com a promoção da saúde

Enquanto campo científico, a EF brasileira se desenvolveu historicamente a partir do militarismo, em seu tecnicismo, ancorada em referenciais biomédicos. Desde seu surgimento, suas práticas foram fortemente orientadas pela perspectiva da aptidão física ligada à eficiência, disciplina e higiene dos corpos. Contudo, em meados de 1980, um movimento crítico e renovador começou a ganhar força, buscando desnaturalizar os paradigmas da aptidão física e da esportivização que sustentavam o campo.

Tal movimento se deu a partir da EF escolar que, apoiada no materialismo dialético e na concepção histórico-crítica, desenvolveu o conceito (e a práxis) da cultura corporal do movimento, aportando uma contextualização social e histórica à EF, em uma relação dialética entre a ação intencional do indivíduo e os condicionantes sociais que orientam e ressignificam essa ação12.

No Brasil, também na década de 1980, em meio à luta pela redemocratização do País, a SC floresceu com a proposta de criação de um Sistema Único de Saúde (SUS), fruto do movimento político-ideológico-intelectual da Reforma Sanitária, em resposta às demandas sociais acirradas pelo período de ditadura militar na América Latina, que visava enfrentar as iniquidades em saúde por meio de políticas públicas. Nessa direção, o SUS assumiu um modelo de gestão descentralizada e participativa que considera os cenários regionais e favorece a equidade17.

A partir do final dos anos 1990, já é possível destacar uma aproximação dos campos da EF com a SC, particularmente a partir dos debates e da defesa das práticas corporais e atividades físicas como uma estratégia emergente de promoção da saúde no SUS18. Aqui usamos ambos os conceitos - práticas corporais e atividades físicas -, alinhando-nos aos documentos oficiais do Ministério da Saúde13,19. O uso conjunto visa problematizar o jargão popularmente aceito de que atividades físicas promovem saúde, destacando que é fundamental problematizar o caráter reducionista que o permeia ao considerar a aptidão física como sinônimo de saúde, reforçando a noção biomédica e individualizada da saúde e do estilo de vida.

Nesse encontro, a SC contribui para a compreensão ampliada das práticas corporais baseada na DSS, explicitando a inter-relação dos fatores econômicos, políticos, socioculturais e ambientais nos estilos de vida20. Um documento que alicerça essa interface entre EF e SC é a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), publicada em 2006 e revista em 2014, ao contemplar as práticas corporais e as atividades físicas como temas prioritários para que todos alcancem seu potencial de saúde19.

A institucionalização dos princípios do SUS e da promoção da saúde (equidade, participação social, autonomia, empoderamento, inter e intrassetorialidade, sustentabilidade, integralidade, territorialidade) conclama para a ampliação do escopo das intervenções em saúde considerando a relevância do acesso democrático a ambientes favoráveis à saúde17,19. Essa perspectiva abre espaço para que o PU seja considerado um campo de conhecimento estratégico para a promoção da saúde, pois as condições dos territórios e espaços urbanos incidem diretamente nos modos e na qualidade de vida das populações11.

No Brasil, o PU ganhou força crítica a partir da década de 1980 com os movimentos pela reforma urbana, que defendiam a gestão democrática dos territórios e a efetivação do direito à cidade, articulando-se inclusive com princípios que nortearam os movimentos da Reforma Sanitária. O reconhecimento da função social da cidade, consagrado na Constituição de 1988, reflete a importância de um espaço urbano que promova o bem comum, condição essencial para a promoção da saúde11. Tal perspectiva contribui para a produção de territórios mais seguros, acessíveis e democráticos, possibilitando condições para que a mobilidade ativa se efetive como promotora da saúde.

Apesar disso, a despeito dos citados movimentos contra-hegemônicos de aproximação desses campos, há inflexões importantes, já que provocam tensionamentos e oposições teóricas e práticas à visão positivista e fragmentada que perpassa toda a sociedade. As disputas ideológicas internas aos campos seguem fortemente acirradas pelo contexto vigente17,20. As transformações ocorrem de maneira lenta e desigual, especialmente em face das pressões impostas pelo modelo econômico neoliberal, influenciando profundamente as políticas e os programas públicos que definem as condições de vida das pessoas10,21.

O modelo hegemônico de desenvolvimento urbano adotado no Brasil intensifica desigualdades, evidenciando a necessidade de repensar em cidades que priorizem a justiça social e a promoção de cidades saudáveis11. Ele é configurado por interesses do mercado imobiliário, que tendem a concentrar a infraestrutura de qualidade, bem como a oferta mais eficiente de transporte e serviços, nas áreas urbanas de maior renda, reforçando desigualdades socioespaciais, especialmente para os mais vulneráveis. Nesse contexto, planos diretores frequentemente se tornam alvo de lobbies corporativos que buscam privilegiar a especulação imobiliária em detrimento do direito à cidade, ampliando processos de gentrificação e segregação.

Políticas, programas e agendas: oportunidades para atuação intersetorial

Considerar a mobilidade ativa como prática corporal promotora da saúde no contexto escolar pelas lentes articuladas da EF, da SC e do PU requer transcender as lógicas setoriais que orientam parte significativa das políticas e dos programas públicos, fortalecendo a intersetorialidade em algumas iniciativas.

A PNPS visa promover a equidade e a melhoria dos modos de viver, ampliando a potencialidade da saúde individual e coletiva e reduzindo as vulnerabilidades e os riscos à saúde decorrentes dos determinantes sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais19. Nesse contexto, o PSE contribuiu para a materialização de ações que primem pela saúde integral e pelo enfrentamento das vulnerabilidades que comprometem o pleno desenvolvimento dos escolares13. Já a Agenda Convergente de Mobilidade Sustentável e Saúde22 da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) propõe ampliar a qualidade de vida das populações, com vistas à garantia da sustentabilidade social, econômica e ambiental, por meio de iniciativas que promovam espaços saudáveis, na perspectiva do direito à cidade. A Agenda abarca três dimensões: a mobilidade urbana, a atividade física e a qualidade do ar; que devem ser integradas e alinhadas para contribuir para a consolidação desse projeto.

Em uma relação mais próxima entre as práticas corporais e a promoção da saúde, temos algumas outras oportunidades. As Residências Multiprofissionais em Saúde (2005) são voltadas para a educação em serviço, orientadas pelos princípios e diretrizes do SUS, a partir das necessidades e realidades locais e regionais. A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (2006) visa implementar essas práticas no SUS, com ênfase na atenção básica, na perspectiva da promoção da saúde e do cuidado integral e humanizado. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (2008) é composto por equipes multiprofissionais que compartilham e apoiam as práticas em saúde nos territórios. Instituído em 2011, o Programa Academia da Saúde configura-se como uma estratégia de promoção da saúde e cuidado no âmbito do SUS, por meio da implantação de espaços públicos - denominados polos - destinados à oferta de práticas corporais, atividades educativas e ações intersetoriais que incentivam modos de vida mais saudáveis. Há ainda o Guia de Atividade Física para a População Brasileira (2021) que, também vinculado ao SUS, incentiva e aponta recomendações para uma vida ativa e com mais qualidade de vida para todas as idades.

Em âmbito internacional, o Plano de Ação Global para Atividade Física 2018-2030, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ressalta a importância de incorporar a atividade física na vida cotidiana (trabalho, estudo, lazer e deslocamento) para favorecer um mundo mais saudável. Em alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)23, o Plano destaca o transporte sustentável como uma ação política voltada para a promoção da atividade física. Nesse contexto, propõe ações estratégicas, como a capacitação de profissionais, o incentivo ao uso de bicicletas como meio de transporte, a criação e manutenção de ciclovias, a garantia de espaços públicos seguros para a prática de atividades físicas, o investimento na cultura do lazer ativo e a consolidação de políticas públicas acompanhadas de financiamento adequado.

No campo do PU, vale destacar o Estatuto da Cidade de 2001, a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU)24 de 2012 e o Programa Bicicleta Brasil25 de 2018. O Estatuto da Cidade estabelece instrumentos jurídicos, financeiros, tributários e urbanísticos que visam ao ordenamento territorial e ao cumprimento da função social da cidade, promovendo o bem-estar, a segurança e o equilíbrio ambiental. Além disso, determina que cidades com mais de 20 mil habitantes devam ter um plano diretor alinhado à elaboração de um plano de rotas acessíveis. Outrossim, que cidades com mais de 500 mil habitantes elaborem um plano de transporte urbano integrado e alinhado ao plano diretor, favorecendo uma mobilidade urbana mais inclusiva e sustentável.

A PNMU tem como diretriz priorizar os modos de transportes não motorizados sobre os motorizados, integrando o transporte e o desenvolvimento urbano, por meio de uma mobilidade mais sustentável e acessível, que atenda às necessidades de deslocamento das pessoas, valorize o espaço público e mitigue os custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos nas cidades24. O Programa Bicicleta Brasil incentiva o uso da bicicleta como meio de transporte, a ser implementado em todas as cidades com mais de 20 mil habitantes, para contribuir para a melhoria das condições de mobilidade urbana25.

Há ainda conceitos específicos que são estimulados a compor os planos diretores e planos de transporte urbano integrado como o de Ruas Completas, almejando transformar ruas em espaços públicos acessíveis, seguros e integrados, priorizando a mobilidade ativa e sustentável; e o de Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável que incentiva a criação de bairros e zonas urbanas densas e mistas, onde moradia, trabalho, comércio e lazer estejam próximos ao transporte público, reduzindo a necessidade de deslocamentos longos e a dependência de veículos particulares11.

Internacionalmente, podemos destacar a Agenda 203023 e a Nova Agenda Urbana26, ambas publicadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). A Agenda 2030 apresenta 17 ODS integrados que contemplam ideias ousadas e transformadoras em prol do desenvolvimento planetário, conectando três dimensões - social, econômica e ambiental -, tendo por base os princípios da universalidade, integração, direitos humanos, soberania nacional e inclusão, sob o lema: não deixar ninguém para trás23.

Por sua vez, a Nova Agenda Urbana26 objetiva garantir o direito à cidade com orientações práticas sobre como o PU pode fomentar ações rumo aos ODS, para constituir cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. Essa Agenda relaciona o desenvolvimento urbano sustentável com melhores oportunidades e qualidade de vida nas cidades, convocando todos os atores e setores a dialogarem sobre a elaboração de políticas e ações, apresentando prioridades, iniciativas e ferramentas a serem utilizadas em nível local, regional, subnacional e nacional. Um dos principais temas é a apropriação dos espaços públicos pela sociedade, considerando-os como lugares de diversidade, do exercício das relações das comunidades, do lazer e do fortalecimento da cidadania25.

Por fim, os relevantes debates encampados pela OMS, tais como as abordagens Saúde em Todas as Políticas e One Health, colaboram para enfrentar os desafios emergentes no campo da saúde. A primeira aspira garantir o direito à saúde por meio de políticas públicas articuladas, buscando enfrentar os Determinantes Sociais da Saúde em sua amplitude por meio do fortalecimento intersetorial do poder público e da população, almejando a construção de municípios saudáveis. A abordagem integrada do One Health (‘Uma Só Saúde’ em português) surge com a finalidade de reconhecer a integração entre a saúde humana, animal, vegetal e ambiental, buscando soluções sustentáveis e conectadas para os problemas por meio da comunicação, cooperação, coordenação e colaboração partilhadas entre os atores e setores.

As políticas e os programas citados evidenciam a necessidade de uma nova governança intersetorial entre saúde, educação, PU, com universidades e terceiro setor para pensar em estratégias que defendam a mobilidade ativa, bem como para implementá-las. Tal intersetorialidade é necessária e viável, tendo o potencial de reduzir as barreiras da mobilidade ativa e de amenizar a perspectiva utilitarista e individualizada da prática, auxiliando na constituição de cidades e ambientes escolares saudáveis e sustentáveis, favorecendo a formação cidadã, particularmente entre crianças e adolescentes. Em um esforço para acelerar a implementação de ações intersetoriais de impacto sinérgico nos municípios, incluindo mudanças estruturais e comportamentais, um debate importante é a necessidade de criar indicadores de saúde urbana de forma intersetorial, que avaliem a saúde não apenas das pessoas, mas também das cidades, onde a promoção da saúde seja o alvo.

Mobilidade ativa como estratégia de promoção da saúde

Pensar na mobilidade ativa como estratégia de promoção da saúde e desenvolvimento sustentável não é inédito6,23. Contudo, sua relevância para o enfrentamento das desigualdades estruturais e dos crescentes desafios que impactam a vida e a saúde das populações, em meio a mudanças climáticas e à recente pandemia, é urgente e exige consistência intersetorial6,10. A busca por cidades saudáveis, sustentáveis e inclusivas evidencia o espaço urbano como limitador ou potencializador das agendas promotoras (ou não) da saúde, já que o PU impacta a forma de apropriação, permanência e deslocamento das pessoas e comunidades no seu existir cotidiano11.

Instrumentos já citados, como a PNMU24 e o Programa Bicicleta Brasil25, oferecem diretrizes e mecanismos que priorizam modos ativos de deslocamento ao propor melhorias na qualidade física e funcional dos percursos, maior segurança e conforto para os deslocamentos ativos e sustentabilidade ambiental. Além disso, apresentam interfaces possíveis com a PNPS19, especialmente na elaboração e implementação de planos de mobilidade e seus detalhamentos sobre rotas seguras e acessíveis para equipamentos públicos, como escolas e unidades de saúde.

Embora esses instrumentos institucionais (políticas, planos e indicadores governamentais) sejam necessários no fortalecimento das lutas pelo direito a uma mobilidade ativa promotora da saúde, colocá-la em prática, em especial no contexto urbano neoliberal, requer enfrentar imensos desafios. Desafios esses relativos ao processo de exclusão socioespacial e à precariedade das estruturas físicas e funcionais dos espaços e dos serviços que deveriam garantir a circulação democrática e segura das pessoas de todas as classes sociais, gênero, idade, raça/cor e etnia nas cidades10,11.

Um desafio global para estimular a mobilidade ativa se refere à dimensão comercial da DSS em que, por exemplo, veículos motorizados e infraestrutura acionada para seu funcionamento geram mais lucro do que outros modos de deslocamento, favorecendo que as indústrias automotivas e do petróleo se posicionem contrárias às iniciativas de desenvolvimento saudável e sustentável. Ou ainda, os lobbies do setor imobiliário que reforçam a lógica da cidade como mercadoria e dificultam o acesso a serviços e oportunidades principalmente para os mais vulneráveis. Tal desafio precisa ser encarado para que seja possível avançar no financiamento público e na construção de estruturas que favoreçam a mobilidade ativa, a exemplo de ciclovias, calçadas e bicicletários. Cabe ainda a criação de uma agenda intersetorial de pesquisa e advocacy sobre os impactos da indústria automotiva na mobilidade ativa e para desvelar os determinantes sociais e comerciais envolvidos na mobilidade urbana e a sua relação com a promoção da saúde10,21.

Um relatório sobre a situação global da atividade física27, incluindo dados sobre a mobilidade ativa, aponta que 76% dos países afirmam ter normas nacionais de segurança para pedestres e ciclistas, contudo, somente 42% têm uma política nacional de promoção da caminhada e do ciclismo e 40% promovem a caminhada e o ciclismo. O relatório aponta ainda falhas no monitoramento do Plano 2018-2030, por exemplo, ausência de dados globais de transporte ativo. Além disso, conclui que a ausência de uma legislação definida com práticas efetivas e a falta de normas para construir novas vias ampliam os riscos para praticantes de mobilidade ativa.

O direito a uma mobilidade ativa promotora da saúde está intimamente relacionado com o direito à cidade e diz respeito a um projeto de luta dos movimentos sociais para criar outra sociedade a partir da produção de um novo espaço que não seja regido pelo capitalismo, já que a cidade se transformou em fonte de lucro e disputa de poder pela coação do uso, expresso no acesso à moradia e serviços, que se desdobra na problemática da mobilidade, resultando na necessidade de grandes deslocamentos. Um estudo corrobora a estreita e complexa relação entre a sociedade e os espaços públicos, advogando por uma cidade humana, que prioriza sua função social e é planejada para que as pessoas se encontrem, convocando-nos a contribuir para a constituição de cidades vivas, seguras, saudáveis e sustentáveis7.

A mobilidade é um componente essencial à saúde da cidade. As cidades não podem ser pensadas para os carros. O ritmo do encontro é o ritmo da caminhada. Precisamos desenhar as nossas cidades para que o espaço do pedestre seja determinante e que outros modos leves de deslocamento, como a bicicleta, também sejam favorecidos7(12).

Efetivar materialmente a mobilidade ativa promotora da saúde como direito requer reconhecer sua íntima relação com as iniquidades sociais. A mobilidade urbana impacta a todos, mas afeta de forma mais intensa aqueles que residem em áreas periféricas das cidades e precisam se deslocar longas distâncias diariamente para trabalhar ou acessar serviços essenciais, como educação e saúde. Em muitos casos, parte desses trajetos é realizada a pé ou de bicicleta como forma de reduzir os custos com transporte, que frequentemente representam um peso financeiro significativo, especialmente entre mulheres negras de baixa renda1. Tal aspecto dificulta ainda mais o deslocamento devido à falta de recursos financeiros e/ou à limitada acessibilidade aos meios de transporte disponíveis. É fundamental lembrar que o direito à livre locomoção é assegurado pelo art. 5º, enquanto o direito ao transporte é garantido pelo art. 6º da Constituição Federal.

Para enfrentar essa questão no Brasil, destaca-se o atual e relevante debate sobre a tarifa zero, uma iniciativa que propõe a isenção do pagamento pelos usuários no transporte público. Essa política visa incentivar o uso do transporte coletivo, ampliando a mobilidade e facilitando os deslocamentos, especialmente para populações de baixa renda. Atualmente, 124 cidades brasileiras adotam a tarifa zero, sendo que, em 106 delas, a medida abrange todas as linhas durante todos os dias da semana, demonstrando ser uma estratégia eficaz para aumentar a utilização do transporte público e promover maior inclusão social28. Vale destacar que, mesmo nos casos em que há utilização do transporte público, as pessoas ainda realizam parte do deslocamento a pé, configurando o recente conceito da micromobilidade. Isso inclui o trajeto de casa até o ponto de embarque e, posteriormente, do ponto de desembarque até o destino, por exemplo, o caminho até a escola11,28.

Assim, é relevante definir se a mobilidade ativa está sendo realizada como uma necessidade para mitigar dificuldades socioeconômicas ou uma escolha consciente relativa aos referidos benefícios dessa prática. Tal debate merece ser aprofundado, uma vez que pesquisas nacionais sobre atividade física no deslocamento não diferenciam se essa prática é feita por escolha ou por necessidade, o que reforça o caráter utilitarista que ainda se atribui à atividade física2,10,29.

Desenvolver cidades mais justas e saudáveis e o direito ao transporte e à livre locomoção previstos na Constituição brasileira significa reconhecer também a fragilidade e a fragmentação de suas práticas para além da teoria. Promover a mobilidade ativa como um direito à saúde e à cidade, e um devir de justiça social, requer decisão política, mobilização e articulação social. É fundamental conceber estratégias que viabilizem a implementação de ações integradas nos territórios, pois sustentar o diálogo a partir da intersetorialidade pode fortalecer a conexão entre saberes, potencialidades e experiências de indivíduos, grupos e setores, facilitando a construção de intervenções compartilhadas. Esse processo é crucial para o estabelecimento de vínculos, corresponsabilidade e cogestão em torno de objetivos comuns. Um desafio relevante nesse contexto reside na conexão entre setores e redes durante o planejamento e a execução dessas ações, o que, inclusive, já foi evidenciado em programas de natureza intersetorial, como o PSE14,30,31.

O PSE como caminho para a materialização da intersetorialidade necessária

Partindo do repertório de políticas e programas citados a partir dos três campos (EF, SC e PU), e ao considerar o contexto escolar a partir da DSS, o PSE parece emergir como potência para favorecer as abordagens multidisciplinares, intersetoriais e em rede, especialmente em nível local, tão necessárias para a efetivação da mobilidade ativa como prática corporal promotora da saúde no contexto escolar. Algumas potencialidades já mapeadas do PSE são: poder acompanhar as condições de saúde dos escolares, aumentar o acesso à informação e a integração entre os setores, e fortalecer a relação com a comunidade31. Não que ele, por si só, abranja todos os aspectos necessários, mas pode ser um roteador dos aspectos relevantes já apresentados. Ou seja, o PSE pode ser o elemento que direciona e articula essas políticas de maneira integrada na proposta de uma mobilidade ativa que se efetive como prática corporal promotora da saúde no contexto escolar.

A escola, por ser um âmbito que comporta grande parte dos adolescentes e jovens, tornou-se instrumento ativo de disseminação e incentivo a hábitos e práticas saudáveis, realizadas, em sua maioria, por intermédio de programas e ações de educação em saúde, a exemplo do Programa Saúde na Escola (PSE)32(63).

No entanto, entre as fragilidades já identificadas do programa, estão: o desconhecimento do programa por parte dos profissionais da educação, sua cobertura parcial, o excesso de atividades e eventos pontuais, a falta de recursos humanos e de infraestrutura31. Um dos aspectos importantes para qualificar criticamente o PSE seria a superação da visão utilitarista, setorializada e individualizada presente em parte de seus documentos e intervenções. A criação de câmaras técnicas intersetoriais pode favorecer a aproximação dos gestores de programas de diferentes secretarias, ampliando as chances de diálogo e da implementação de iniciativas nos locais de interesse.

Nessa direção, o ‘Guia de bolso do Programa Saúde na Escola: promoção da atividade física’ conecta os temas ao propor uma oficina sobre os tipos e a história dos meios de transporte15, sendo relevante expandir as ações educativas que fomentem a mobilidade ativa na comunidade escolar. Todavia, é fundamental considerar que os comportamentos são modificáveis, não a partir de escolhas meramente individuais, mas fruto de uma cultura e de oportunidades coletivas.

Ao buscar identificar os determinantes e os contextos da prática da mobilidade ativa no contexto escolar, revisões de literatura apontam que os desafios para essa prática estão, em sua maioria, relacionados com fatores socioeconômicos, ambientais e culturais. Alguns exemplos de barreira à prática foram: maior distância do destino; melhor status econômico; ter veículo motorizado; maior nível de escolaridade da mãe; ser do sexo feminino; maior tempo de trabalho dos pais; estar em zona urbana; criminalidade; ausência de árvores; presença de animais soltos; muita coisa para carregar; e bullying5,33.

Assim, algumas ações para reduzir as adversidades da mobilidade ativa escolar podem ser: pensar no entorno da escola; garantir calçadas e ciclovias com integração aos diferentes modos de transportes; implementar zonas com redutores de velocidade; ampliar a segurança pública; desenvolver programas de carona solidária a pé e de bicicleta; criar corredores monitorados no trajeto escolar; incluir o tema da mobilidade ativa na matriz curricular e desenvolvê-lo por meio de ações educativas; implementar armários e bicicletários nas escolas.

Já os facilitadores da mobilidade ativa no contexto escolar identificados na literatura foram: ter pais que usam transporte ativo; pais com boa percepção e expectativa sobre estruturas e segurança; presença de um adulto no trajeto; ser do sexo masculino; ter menor satisfação nas relações familiares; morar em grandes cidades; e temperaturas matinais mais quentes5,34. Em adição, estratégias que associam atividades educacionais com mudança na infraestrutura e iniciativas práticas que mobilizam a comunidade têm resultados mais positivos no fomento da mobilidade ativa no trajeto escolar do que apenas oficinas educativas e sessões informativas3,6.

Cabe destacar que diferentes contextos podem revelar barreiras ou facilitadores distintos à prática, reiterando a importância de propor intervenções a partir do território. Como exemplo, dados de mobilidade ativa na população brasileira indicam que cidades menores tendem a apresentar maiores índices dessa prática1; em contrapartida, nos Estados Unidos da América, morar em grandes cidades parece ser um facilitador para a mobilidade ativa de estudantes no trajeto escolar4, um aspecto que necessita ser mais bem analisado futuramente.

Para fomentar a mobilidade ativa no trajeto escolar, devemos buscar aproximar teoria e prática considerando a DSS, consolidando princípios como a integralidade (do saber, do sujeito e do cuidado), a intersetorialidade (metodológica e prática) e a participação social. Tais desafios também se impõem à efetivação do PSE31. Ademais, a consolidação de políticas e programas intersetoriais, bem como o desenvolvimento de ações multiestratégicas voltadas à construção coletiva de um ambiente escolar mais saudável, requerem uma atuação profissional crítica e emancipadora - com ênfase na dimensão pedagógica -, capaz de potencializar a formação cidadã e promover a criação de vínculos que fortaleçam o ideal da promoção da saúde.

Para que tal atuação crítica seja possível, os atores dos campos e setores envolvidos precisam se apropriar efetivamente de referenciais das ciências humanas e sociais que sustentam o entendimento dos estilos de vida e da saúde como resultado da DSS11,16. A falta de consciência política da sociedade, reproduzida e reforçada pela atuação profissional tradicional (em pesquisas, intervenções, documentos, programas e na formação escolar), é um desafio relevante à efetivação da mobilidade ativa como prática corporal promotora da saúde no contexto escolar. Nesse contexto, o professor é um importante formador de opiniões e pode fortalecer as relações horizontais entre os campos de conhecimento e a comunidade, em prol da qualidade de vida.

Cabe destacar que, para além do PSE, que não tem enfoque na prática da atividade física, inexistem, no Brasil, programas ou ações governamentais de promoção de atividade física para estudantes. O professor de EF, atuando na escola ou no setor saúde, é um ator relevante para favorecer a parceria saúde-educação, já prevista no PSE, oportunizando que as escolas cumpram sua missão formativa e promotora da saúde, democratizando as práticas corporais, inclusive por meio da mobilidade ativa. Na escola, a EF pode propor práticas corporais que sejam prazerosas, culturalmente adaptadas e sustentáveis, propiciando o desenvolvimento de habilidades, a socialização e a segurança entre os estudantes; além de favorecer estilos de vida saudáveis e melhorar a qualidade de vida nas comunidades e cidades2,31.

Mais ainda, ao se articular com a SC e o PU, o campo da EF deve ultrapassar os muros da escola para conhecer os territórios e compreender as condições de vida das pessoas, promovendo escuta atenta e diálogos profícuos, ampliando as possibilidades de transformação dos ambientes. Para tal, deve enfrentar o status quo que difunde práticas tecnicistas e se manter vigilante para não sustentar uma defesa utilitarista e alienada da mobilidade ativa10,16,20.

Em síntese, promover a mobilidade ativa, sobretudo a partir do contexto escolar, como um direito à saúde e à cidade, requer uma visão integral, que não fragmente as iniciativas nem suas relações multidimensionais; e combater as iniquidades, favorecendo a universalidade e a integralidade na saúde. Para tal, é fundamental também problematizar o arcabouço teórico-metodológico adotado não só na epidemiologia tradicional, mas também em grande parte das formações profissionais e no fazer político.

Para que a mobilidade ativa seja, de fato, promotora de saúde, precisamos caminhar rumo a uma efetiva articulação intersetorial e à mobilização popular para inserir o tema da saúde em todas as políticas. Ademais, é necessário articular esforços e trabalhar coletivamente com vistas à construção de uma sociedade em que a atividade física seja priorizada e integrada ao cotidiano das pessoas9. O PSE tem a oportunidade de contribuir significativamente para ampliar as práticas corporais e a atividade física dos escolares, favorecendo que a instituição escolar propicie um ambiente saudável e eficiente para o aprendizado e o desenvolvimento plenos13,35.

Considerações finais

Apresentamos aqui reflexões sobre a mobilidade ativa como prática corporal, alicerçadas no referencial da promoção da saúde, para além de uma visão utilitária positivista da atividade física. Ao reconhecer que a mobilidade urbana está intrinsecamente vinculada ao modelo de cidade e de sociedade em que se insere, compreende-se a correlação de sua prática com a DSS. A mobilidade ativa deve ser tratada como um devir de justiça e direito social. No contexto escolar, deve ser uma temática desenvolvida de forma transversal no currículo, contribuindo para a formação de cidadãos ativos e participativos e para a construção de escolas mais saudáveis e cidades mais sustentáveis. O deslocamento realizado por meio de uma prática corporal pode promover a saúde de indivíduos, comunidades e territórios ao favorecer o desenvolvimento humano, fortalecer a participação social, o acesso democrático aos serviços e a articulação de saberes e práticas a partir das realidades dos ambientes. Ainda que o desenvolvimento da mobilidade ativa no contexto escolar seja um desafio complexo, tem no alinhamento com o PSE uma oportunidade para fomentar a intersetorialidade, as ações multiestratégicas, a sustentabilidade e o protagonismo juvenil, incluindo a pactuação de indicadores de sucesso. Os atores envolvidos no processo devem, coletivamente, trabalhar na perspectiva de fortalecer as redes colaborativas entre os setores para desenvolver ambientes escolares mais saudáveis e sustentáveis, como um direito social.

  • Suporte financeiro:
    não houve

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os dados de pesquisa estão contidos no próprio manuscrito

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Editado por

  • Editora responsável:
    Ingrid D’avilla Freire Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2025
  • Aceito
    05 Set 2025
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