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Fatores que interferem no enfrentamento da violência infantil por conselheiros tutelares

RESUMO

A presente pesquisa objetivou apresentar perspectivas de conselheiros tutelares sobre a atuação nos casos de violência contra a criança. Para tanto, foram entrevistados 16 profissionais atuantes no município de Palmas (TO), Brasil. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo. Identificou-se que interferem no enfrentamento da violência infantil, por esses atores, a falta de conhecimento e habilidades para identificar crianças em risco ou situação de violência, o envolvimento das famílias nos casos, a precariedade de recursos materiais, o quantitativo insuficiente de profissionais, falhas na rede de proteção à criança, estereótipos culturais, a desvalorização profissional e a impunidade do agressor. Sendo assim, para que o Conselho Tutelar consiga exercer plenamente suas funções e contribuir para a interrupção do ciclo de violência infantil, são necessários investimentos em diversas áreas, tais como a qualificação dos conselheiros tutelares, por meio da oferta de cursos periódicos, e a implantação de ambientes de trabalho com recursos material e humano suficientes, de modo a contribuir para que se exerçam ações integradas, intersetoriais e resolutivas.

PALAVRAS-CHAVE
Criança; Maus-tratos infantis; Violência; Serviços de proteção infantil

ABSTRACT

This research aimed to present perspectives of guardianship counselors on the action in cases of violence against children. To that end, 16 professionals were interviewed acting in the city of Palmas (TO), Brazil. The data was submitted to content analysis. It was identified that they interfere with the confrontation of child violence, by these actors, the lack of knowledge and skills to identify children at risk or situation of violence, the involvement of families in cases, precarious material resources, insufficient number of professionals, failures in the network of child protection, cultural stereotypes, professional devaluation and impunity of the aggressor. Thus, in order for the Guardianship Council to be able to fully exercise its functions and contribute to the interruption of the cycle of child violence, investments in various areas are required, such as qualification of guardianship counselors, through the provision of periodic courses, and the implementation of work environments with sufficient material and human resources, in order to contribute to the implementation of integrated, intersectoral and resolute actions.

KEYWORDS
Children; Child abuse; Violence; Child protection services

Introdução

A violência é caracterizada por ações humanas de indivíduos, grupos, classes e nações que, intencionalmente, podem provocar intimidação e danos físicos, morais, espirituais e psicológicos, inclusive, levando a óbito. Ela está presente no mundo desde os primórdios da sociedade e representa sério agravo à saúde, haja vista que resulta em consequências nocivas à vítima e às pessoas envolvidas11 Minayo MCS, Souza ER. Violência e saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva. Rev. Hist. Cienc. Saúde-Manguinhos. 1997; 4(3):513-531..

Nos cenários nacional e internacional, a violência é identificada como um problema de saúde pública que infringe os direitos humanos22 Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, et al. Institucionalização do tema da violência no SUS: avanços e desafios. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(6):2007-2016.

3 Santini PM, Williams LCA. Parenting Programs to Prevent Corporal Punishment: a Systematic Review. Paidéia (Ribeirão Preto). 2016; 26(63):121-129.

4 Dodge KA, Malone PS, Lansford JE, et al. Hostile attributional bias and aggressive behavior in global context. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. 2015; 112(30):9310-9315.

5 Lansford JE, Deater-Deckar DK, Bornstein MH, et al. Attitudes justifying domestic violence predict endorsement of corporal punishment and physical and psychological aggression towards children: a study in 25 low- and middle-income countries. J. Pediatr. 2014; 164(5):1208-1213.
-66 World Health Organization (WHO). Global status report on violence prevention 2014 [internet]. Geneva; 2014 [acesso em 2018 ago 31]. Disponível em: http://www.undp.org/content/dam/undp/library/corporate/Reports/UNDP-GVA-violence-2014.pdf.
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, sendo representada por pluricausalidades nos diversos ambientes sociais, e percebida nas relações entre diferentes grupos e culturas44 Dodge KA, Malone PS, Lansford JE, et al. Hostile attributional bias and aggressive behavior in global context. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. 2015; 112(30):9310-9315..

Estima-se que, entre indivíduos adultos, ao menos um em cada quatro tenha sofrido abuso físico na infância; uma a cada cinco mulheres foi exposta à violência sexual quando criança; e uma em cada três, submetida à violência física ou sexual, perpetrada por parceiro íntimo, em algum momento de sua vida66 World Health Organization (WHO). Global status report on violence prevention 2014 [internet]. Geneva; 2014 [acesso em 2018 ago 31]. Disponível em: http://www.undp.org/content/dam/undp/library/corporate/Reports/UNDP-GVA-violence-2014.pdf.
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Na faixa etária infantil, a violência alcança números expressivos, é responsável por prejuízos de ordem física e psicossocial às crianças33 Santini PM, Williams LCA. Parenting Programs to Prevent Corporal Punishment: a Systematic Review. Paidéia (Ribeirão Preto). 2016; 26(63):121-129.,77 Platt VB, Back IC, Hauschild DB, et al. Violência sexual contra crianças: autores, vítimas e consequências. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(4):1019-1031.,88 Servin AE, Strathdee S, Muñoz FA, et al. Vulnerabilities faced by the children of sex workers in two Mexico-US border cities: a retrospective study on sexual violence, substance use and HIV risk. AIDS Care. 2015;27(1):1-5. e pode refletir negativamente na saúde do indivíduo quando adulto77 Platt VB, Back IC, Hauschild DB, et al. Violência sexual contra crianças: autores, vítimas e consequências. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(4):1019-1031.,88 Servin AE, Strathdee S, Muñoz FA, et al. Vulnerabilities faced by the children of sex workers in two Mexico-US border cities: a retrospective study on sexual violence, substance use and HIV risk. AIDS Care. 2015;27(1):1-5..

Pesquisas indicam que, apesar dos esforços para a sua prevenção, as agressões infantis ainda se configuram como realidade alarmante em diversos países55 Lansford JE, Deater-Deckar DK, Bornstein MH, et al. Attitudes justifying domestic violence predict endorsement of corporal punishment and physical and psychological aggression towards children: a study in 25 low- and middle-income countries. J. Pediatr. 2014; 164(5):1208-1213.,66 World Health Organization (WHO). Global status report on violence prevention 2014 [internet]. Geneva; 2014 [acesso em 2018 ago 31]. Disponível em: http://www.undp.org/content/dam/undp/library/corporate/Reports/UNDP-GVA-violence-2014.pdf.
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,99 Malta DC, Bernal RTI, Teixeira BS, et al. Fatores associados a violências contra crianças em Serviços Sentinela de Urgência nas capitais brasileiras. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(9):2889-2898.,1010 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Agenda pela infância 2015-2018: desafios e propostas eleições 2104 [internet]. Brasília, DF; 2014 [acesso em 2018 ago 31]. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/UNICEF_agenda2014.pdf.
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. Em 2014, por exemplo, somente no Brasil foram notificados 30.324 casos de violência contra menores de 10 anos1111 Brasil. Ministério da Saúde. Frequência por Região de notificação segundo faixa etária, período 2014 [internet]. Ministério da Saúde; 2014 [acesso em 2018 ago 31]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/cnv/violebr.def.
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. Destaca-se que o quantitativo de registros representa somente a ponta do iceberg das violências cotidianas que efetivamente acontecem. Sob este quantitativo visível, existe um enorme número de maus-tratos que não alcança visibilidade social1212 Ribeiro IMP, Ribeiro AST, Pratesi R, et al. Prevalence of various forms of violence among school students. Acta Paul. Enferm. 2015; 28(1):54-59..

Como estratégia para mudar esses indicadores, no Brasil, é obrigatória a notificação dos casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos infantis. Eles devem ser comunicados ao Conselho Tutelar, instituição criada a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e que tem a importantíssima função de zelar pelo cumprimento dos direitos dessa clientela1313 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. 14 Jul 1990..

Com o intuito de proteger as crianças, diversas atividades devem ser desenvolvidas pelos conselheiros tutelares, tais como atender crianças e adolescentes com direitos violados; orientar pais ou responsáveis; pleitear serviços públicos nas diversas áreas, como saúde, educação e previdência; deliberar notificações e auxiliar na elaboração da proposta orçamentária do município para garantir que sejam disponibilizados os serviços que assegurem os direitos da criança1414 Brasil. Ministério da Saúde. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes pelos profissionais de saúde: um passo a mais na cidadania em saúde [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2002 [acesso em 2018 ago 31]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/notificacao_maustratos_criancas_adolescentes.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
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Para cada município brasileiro e região administrativa do Distrito Federal, está previsto o funcionamento de, pelo menos, um Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto por cinco membros escolhidos pela população e com mandato de quatro anos1313 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. 14 Jul 1990..

O Brasil possui cerca de 5.472 Conselhos Tutelares, com cobertura de 98,3% dos municípios. Todavia, apesar de tamanha abrangência, esta instância ainda enfrenta desafios comuns, tais como o de alcançar a universalização do atendimento, tanto nos grandes centros urbanos quanto nos longínquos e pequenos municípios, e o de qualificar os serviços prestados1010 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Agenda pela infância 2015-2018: desafios e propostas eleições 2104 [internet]. Brasília, DF; 2014 [acesso em 2018 ago 31]. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/UNICEF_agenda2014.pdf.
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. De modo geral, é possível identificar inúmeras falhas no funcionamento de tal entidade1515 Deslandes SF, Campos DS. Guardianship Councilors' views on the effectiveness of the existing network in providing full protection to children and teenagers in situations of sexual violence. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(7):2173-2182.,1616 Moreira MCN, Bastos OM, Bastos LC, et al. Violência contra crianças e adolescentes com deficiência: narrativas com conselheiros tutelares. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(9):3869-3878..

Frente a esses dados, a seguinte questão norteou o desenvolvimento desta pesquisa: ‘Os conselheiros tutelares estão preparados para identificar e atuar nas situações de violência contra a criança?’. Aqui, objetivou-se apresentar perspectivas de conselheiros tutelares sobre a atuação nos casos de violência contra a criança.

Acredita-se que os resultados encontrados proporcionam visibilidade às vivências e dificuldades desses atores sociais, colaborando para a implementação, por parte do poder público e de instituições responsáveis, de ações que efetivamente qualifiquem o trabalho dos conselheiros tutelares e, consequentemente, favoreçam a prevenção, a identificação, o manejo dos casos e a interrupção do ciclo de violência perpetrado contra a criança.

A origem da história da violência remonta ao período pré-civilizatório, desta maneira, sua desconstrução requer conscientização e comprometimento da sociedade diante das iniquidades do mundo contemporâneo. Nesta perspectiva, a universalização da garantia dos direitos da criança, expressos em constituições e declarações por todo o mundo, deve ser uma busca de movimentos sociais, de profissionais ligados à área e de toda a população1717 Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, et al. Violência infantil: uma análise das notificações compulsórias, Brasil 2011. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(3):655-665..

Material e métodos

Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória, de abordagem qualitativa, realizada nos Conselhos Tutelares de Palmas (TO), Brasil, nos quais foram entrevistados, individualmente, conselheiros tutelares atuantes no município.

Para o atendimento às crianças e famílias em risco ou situação de violência, o referido município possui quatro unidades de Conselho Tutelar, duas contemplando a região norte e central, e duas na região sul. Atuam, em cada unidade, cinco conselheiros tutelares, responsáveis pelo atendimento a uma população estimada em aproximadamente 242 mil habitantes, com 64.468 (26,63%) crianças com até 14 anos de idade1818 Brasil. Ministério da Saúde. Estimativa dos dados da população residente no município de Palmas em 2012 [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012 [acesso em 2018 ago 31]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/cnv/popto.def.
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Para a etapa de coleta de dados, uma pesquisadora contatou os conselheiros tutelares e agendou as entrevistas, que ocorreram no serviço, em sala privativa, respeitando sempre a disponibilidade dos sujeitos. As entrevistas foram semiestruturadas e gravadas em mídia digital, com a anuência dos sujeitos, realizadas nos meses de setembro de 2015 a janeiro de 2016, e transcritas ao término da gravação.

Submeteram-se, visando a compreender a totalidade das informações coletadas, os dados à análise de conteúdo1919 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2010.. Para tanto, foi realizada a exploração do material, por meio de leitura exaustiva e compreensiva, de modo a sistematizar as ideias iniciais. Posteriormente, essas ideias foram agregadas e sistematizadas em unidades, que permitiram a descrição dos conteúdos. Finalizou-se o procedimento com o tratamento dos resultados obtidos e interpretação, por meio da elaboração de textos e formação da categoria ‘Dificuldades para atuar nos casos de violência contra a criança’ e suas subcategorias, que apresentam as experiências que contribuem para caracterizar e compreender os limites, desafios e potencialidades da profissão de conselheiro tutelar (figura 1).

Figura 1
Categoria e subcategorias referentes à análise dos depoimentos dos conselheiros tutelares. Palmas (TO). 2016

Dos 20 conselheiros tutelares atuantes no município de Palmas (TO), 16 atenderam ao critério de inclusão (atuar há, pelo menos, seis meses como conselheiro tutelar) e 4 foram excluídos, pois se encontravam afastados das atividades laborais por motivo de férias, tratamento de saúde ou outros.

Nos resultados, os entrevistados foram representados pela letra ‘E’ e sistema alfanumérico, visando a manter sigilo em relação à identidade dos participantes e evitar exposição e constrangimento.

Esta pesquisa atendeu aos preceitos éticos propostos na Resolução nº 466/2012 e foi aprovada pela Secretaria Municipal de Saúde e pelo Conselho Tutelar do município de Palmas (TO) e, ainda, pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Tocantins (UFT), sob o protocolo nº 008-02/2015.

Resultados e discussão

A idade dos entrevistados variou de 24 a 54 anos; todos (16; 100%) eram do sexo feminino e apresentaram ensino fundamental completo; quatro (25%) apresentaram ensino superior. O tempo de atuação variou de três a dez anos, e a maioria (13; 81,3%) encontrava-se no exercício da função havia, pelo menos, cinco anos.

A análise dos depoimentos permitiu identificar fatores que interferem na prática dos conselheiros tutelares. Embora estes profissionais se esforcem para uma atuação efetiva, notou-se que diversos aspectos podem comprometer a execução das ações e colaborar para a assistência fragmentada e inadequada às crianças e famílias em risco ou em situação de violência, como evidenciam as subcategorias abaixo.

Falta de habilidades para identificar crianças em risco ou situação de violência

Nesta pesquisa, embora os conselheiros tutelares tenham informado não possuir dificuldades para identificar situações de violência física, especialmente nos casos em que é possível observar marcas no corpo da criança que indiquem a agressão, nas falas, foi consensual que enfrentam dificuldades para identificar os demais tipos de violência.

Bom, os de lesões aparentes, lesões físicas, não encontramos dificuldades – nem eu, nem o Conselho Tutelar e nem os outros órgãos de atendimento, como hospitais, IML [Instituto Médico Legal]. Agora, violência psicológica, ela já é bem mais complexa de ser identificada. [E1].

As físicas, elas são perceptíveis. Então, você olhou a criança, você já constata que ela vem sendo maltratada ou foi agredida por algum membro familiar ou, então, por terceiros. A psicológica, ela já é mais difícil porque ela já requer um acompanhamento de profissionais da área da psicologia e assistente social para identificar. [E4].

[...] porque a violência psicológica não tem como a gente identificar, porque nós não temos um preparo, nós não estudamos, não temos um preparo técnico. [E10].

O Conselho Tutelar é uma instituição permanente e autônoma, não jurisdicional, encarregada por zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Para a candidatura a membro desta instituição, o sujeito precisa apresentar reconhecida idoneidade moral, idade superior a 21 anos e residir no município em que atuará1313 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. 14 Jul 1990., ou seja, não são exigidos, dos candidatos, conhecimentos relacionados ao ECA e a estratégias para identificar e atuar no enfrentamento da violência.

Nesse sentido, pode-se inferir que os conselheiros tutelares nem sempre estão preparados para o exercício profissional, já que a falta de conhecimentos e habilidades se configura em entraves para prevenir, identificar e atuar nos casos de agressões infantis2020 Silva SR, Carvalho ER. A atuação do Conselho Tutelar com crianças e adolescentes vítimas de violência. Org. Soc. 2017; 6(6):126-137.

21 Nunes AJ, Sales MCV. Violência contra crianças no cenário brasileiro. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(3):871-880.
-2222 Batista DSM, Cerqueira-Santos E. Um estudo sobre conselheiros tutelares diante de práticas de violência sexual. Rev. Psicol. Saúde. 2012; 4(2):116-125.
. Destaca-se que não ter competência para reconhecer crianças em situação de violência contribui para a manutenção do ciclo de agressão e para a invisibilidade deste agravo à saúde2323 Morais RLGL, Sales ZN, Rodrigues VP, et al. Actions of protection for children and teenagers in situations of violence. Rev. Pesqui. Cuid. Fundam. 2016; 8(2):4472-4486..

Nessa perspectiva, é imprescindível a capacitação dos conselheiros tutelares, de modo a dar-lhes condições técnicas e científicas para identificar e atuar nos diversos casos de violência, e não somente naqueles em que é possível visualizar lesões2020 Silva SR, Carvalho ER. A atuação do Conselho Tutelar com crianças e adolescentes vítimas de violência. Org. Soc. 2017; 6(6):126-137.. Há vários tipos de violência que podem ser perpetrados contra a criança, e a maioria não deixa hematomas ou lesões no corpo. Para muito além das sequelas físicas, estão os prejuízos emocional, social e psicológico, aos quais, independentemente do tipo de violência, a criança nesta situação está exposta, e que podem gerar danos que comprometem negativamente seu presente e sua vida futura.

Envolvimento da família nas situações de violência contra a criança

Estudos realizados em diferentes países99 Malta DC, Bernal RTI, Teixeira BS, et al. Fatores associados a violências contra crianças em Serviços Sentinela de Urgência nas capitais brasileiras. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(9):2889-2898.,2121 Nunes AJ, Sales MCV. Violência contra crianças no cenário brasileiro. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(3):871-880.,2424 Souto DF, Zanin L, Ambrosano GMB, et al. Violência contra crianças e adolescentes: perfil e tendências decorrentes da Lei nº 13.010. Rev. Bras. Enferm. 2018; 71(supl3):1313-1323.,2525 Sena CA, Silva MA, Falbo Neto GH. Incidência de violência sexual em crianças e adolescentes em Recife/Pernambuco no biênio 2012-2013. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(5):1591-1599. apontam a família como a principal perpetradora da agressão infantil. Tal situação apresenta-se como desafio para a atuação profissional dos conselheiros tutelares, pois dificulta a identificação e o manejo deste agravo à saúde, como demonstram os depoimentos abaixo:

[...] tentam esconder de qualquer forma, né? Tipo assim: ele fala para a criança não falar certas coisas. Mas a gente, com a experiência, quando a gente chega, a gente acaba identificando, né? Por mais que o pai tenta, ameaça, mas a criança, ela sempre deixa escapar alguma coisa. [E5].

[...] a maioria das questões de abuso sexual é da própria família. São tio, padrasto. Então, assim, a própria mãe não aceita, acha que a criança fantasiou. Então, a gente tem essa dificuldade. [E9].

[...] quando ‘tá acontecendo um tipo de violência dentro de uma casa ou dentro de algum local, os pais, eles, a tendência deles é esconder. Eles não deixam que essa criança fale com alguém, com uma diretora da escola, com a professora, com a conselheira tutelar. Então, essa é a maior dificuldade. [E12].

Nota-se que, nos casos em que o agressor é um integrante da família, é comum que a criança negue a situação de violência, inclusive, sob coação, pois ela é forçada a ocultar e a mentir sobre fatos que possam comprovar a agressão. Percebe-se, deste modo, que o enfrentamento da violência se mantém como desafio atual, especialmente por tratar-se de um fenômeno complexo, que envolve aspectos culturais, econômicos e sociais22 Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, et al. Institucionalização do tema da violência no SUS: avanços e desafios. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(6):2007-2016..

Nesse cenário, em que a família participa do círculo de violência contra a criança, seja por cometer os atos de agressão, omiti-los ou mesmo negá-los, o conselheiro tutelar é percebido como invasor, como uma figura capaz de provocar algum dano à família. Como consequência, rotineiramente, estes profissionais precisam lidar com a falta de receptividade por parte da comunidade e, muitas vezes, com desrespeito e ameaças, como evidenciam as falas abaixo:

[...] nos atendimentos, tem família que não gosta da nossa presença, de jeito nenhum. A gente chega lá, eles correm com a gente da casa. Então, essa é a minha dificuldade: é de manter contato com uma pessoa, que eles nos evita a gente, a nossa presença. [E8].

Muitas vezes, ameaçadas; muitas vezes, vista com outros olhos. [...] se entra no Conselho Tutelar dizendo ‘eu só quero um emprego’, ele vai se frustrar. Na primeira vez que alguém pegar uma faca e mostrar pra ele ou mandar ‘sai daqui, bando de vagabunda!’. [E12].

[...] porque, quando chega na casa da pessoa, ela já fica assustada: ‘Quem foi que denunciou, foi vizinho? Eu vou matar fulano’. Eles já vão logo para aquela agressão. [E14].

Percebe-se que a interação entre conselheiros tutelares e família é permeada por experiências complexas, nas quais o profissional, muitas vezes, não é tratado com dignidade e como ator social indispensável para interromper o ciclo de violência infantil. Assim, são necessárias ações que deem visibilidade, para a sociedade, ao papel desempenhado pelo conselheiro tutelar, de maneira a contribuir para a valorização deste profissional e para a efetividade das ações por ele desempenhadas1616 Moreira MCN, Bastos OM, Bastos LC, et al. Violência contra crianças e adolescentes com deficiência: narrativas com conselheiros tutelares. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(9):3869-3878..

Também configura um desafio para os conselheiros tutelares o fato de a violência contra a criança – em especial, as agressões física e psicológica – apresentar-se como fenômeno culturalmente aceito pela sociedade. O castigo corporal, por exemplo, embora possa causar inúmeros prejuízos ao desenvolvimento da criança, é uma prática familiar tolerada e recorrente33 Santini PM, Williams LCA. Parenting Programs to Prevent Corporal Punishment: a Systematic Review. Paidéia (Ribeirão Preto). 2016; 26(63):121-129..

Nos relatos, é possível notar que as famílias não se percebem como agressoras, pois acreditam que as punições fazem parte do processo de educação da criança.

[...] eles não entendem que aquilo que eles estão praticando com a criança e com o adolescente seja uma violência. [...] então, aquela violência, principalmente a violência psicológica, ela é naturalizada dentro da família, ou seja, eles criam aquele ritmo de... ritmo de convivência. [E1].

[...] e nós temos uma cultura que ela é muito assim, passada de geração, que acha que é normal a questão do bater, né? Fala ‘não é espancar, eu ‘tô batendo’, né? Mas, na verdade, é espancar. [E15].

Os casos de violência, comumente, apresentam-se com normatividade cultural e social2626 Mandelbaum B, Schraiber LB, d'Oliveira AFPL. Violence and family life: psychoanalytic and gender approaches. Saúde Soc. 2016; 25(2):422-430., e a família, que deveria exercer o papel de proteger a criança, configura-se como um dos principais provedores de agressões, comprometendo-lhe o bem-estar e o desempenho psicossocial77 Platt VB, Back IC, Hauschild DB, et al. Violência sexual contra crianças: autores, vítimas e consequências. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(4):1019-1031.,2727 Costa DKG, Reichert LP, França JRFS, et al. Concepções e práticas dos profissionais de saúde acerca da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes. Trab. Educ. Saúde. 2015; 13(supl2):9-95.,2828 Nakaya N. Mother's attributions regarding children's behavior and maltreatment. J. Shinrigaku Kenkyu. 2016; 87(1):40-49..

Percebe-se, assim, que urgem esforços de diversos atores sociais, tais como profissionais da educação, saúde, justiça e gestão pública, no sentido de implementar ações capazes de colaborar para a desconstrução da ideologia da violência como mecanismo educador, e que empoderem famílias e sociedade para a promoção e a proteção do desenvolvimento infantil saudável. Atividades de orientações, palestras, campanhas e divulgação dos direitos da criança e do adolescente, por diferentes meios, configuram-se como ações que podem colaborar para a prevenção da violência infantil2323 Morais RLGL, Sales ZN, Rodrigues VP, et al. Actions of protection for children and teenagers in situations of violence. Rev. Pesqui. Cuid. Fundam. 2016; 8(2):4472-4486..

É válido salientar, ainda, que a violência é uma questão da práxis sociopolítica, e sua superação requer conhecimento das condições que a engendram. O contrário da violência não é a não violência, mas a cidadania e a valorização da vida humana em geral, e de cada indivíduo, no contexto de seu grupo11 Minayo MCS, Souza ER. Violência e saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva. Rev. Hist. Cienc. Saúde-Manguinhos. 1997; 4(3):513-531..

Recursos materiais insuficientes para a assistência adequada à criança em situação de violência

Além de conhecimentos e habilidades para atuar nas situações de violência contra a criança, os conselheiros tutelares também precisam de condições adequadas para o trabalho2222 Batista DSM, Cerqueira-Santos E. Um estudo sobre conselheiros tutelares diante de práticas de violência sexual. Rev. Psicol. Saúde. 2012; 4(2):116-125.. Entretanto, nesta pesquisa, os entrevistados referiram que a estrutura física das unidades dos Conselhos Tutelares é inapropriada, não permitindo o mínimo de privacidade e conforto às crianças e famílias atendidas, e que não há equipamentos necessários para o trabalho, conforme demonstram as falas abaixo:

[...] que hoje é o nosso maior problema aqui em Palmas: a gente não tem um sistema de informação específico no atendimento do Conselho Tutelar. [...] os atendimentos do Conselho Tutelar se tornam muito lentos porque os conselheiros ainda fazem praticamente tudo à mão. Então, nós enfrentamos essa grande dificuldade. [E1].

[...] o espaço físico não é adequado. Temos uma sala boa, ampla, mas o que é preconizado pelo Conanda [Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente], que o local de atendimento do Conselho Tutelar precisa ser uma casa, porque quando a criança entrar por ali, ele tem que sentir como se ele estivesse entrando na própria casa dele, e tem que ser um ambiente aconchegante. [...] e aqui não dá privacidade. [E13].

[...] e a estrutura física não é adequada. Até a secretária veio aqui essa semana e nós falamos sobre a salinha de atendimento, que é aberta em cima. Se entrar lá dentro para falar alguma coisa, quem ‘tá aqui fora escuta tudo. [...] o banheiro sem lâmpada, nunca ligou essa lâmpada. [E14].

[...] vamos falar sobre questão de espaço: esse espaço que nós estamos aqui, ele deixa muito a desejar. [E15].

A literatura corrobora os achados desta pesquisa ao apresentar que os conselheiros tutelares são obrigados a desempenhar suas atividades sem que haja condições satisfatórias para o trabalho1616 Moreira MCN, Bastos OM, Bastos LC, et al. Violência contra crianças e adolescentes com deficiência: narrativas com conselheiros tutelares. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(9):3869-3878.,2020 Silva SR, Carvalho ER. A atuação do Conselho Tutelar com crianças e adolescentes vítimas de violência. Org. Soc. 2017; 6(6):126-137.. Muitas vezes, a atuação profissional é prejudicada pela inadequabilidade de infraestrutura física, e pela falta de incentivo financeiro e de meios de transporte para atender aos casos de agressão2222 Batista DSM, Cerqueira-Santos E. Um estudo sobre conselheiros tutelares diante de práticas de violência sexual. Rev. Psicol. Saúde. 2012; 4(2):116-125..

Além da estrutura física inadequada dos locais onde se situam os Conselhos Tutelares, outro aspecto que compromete o trabalho é a não implantação de um sistema informatizado, no qual os profissionais possam registrar suas atividades, bem como buscar informações de outras instâncias que atuam na proteção à criança. Tal situação dificulta o atendimento, tornando-o lento e, até mesmo, pouco resolutivo.

Apesar de a legislação vigente apontar os Conselhos Tutelares como importantes ferramentas para a proteção dos direitos da criança1313 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. 14 Jul 1990., notou-se a precarização dessa instituição, que pode refletir em insatisfação profissional e atendimento inadequado às crianças e famílias em risco ou situação de violência1616 Moreira MCN, Bastos OM, Bastos LC, et al. Violência contra crianças e adolescentes com deficiência: narrativas com conselheiros tutelares. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(9):3869-3878.,2020 Silva SR, Carvalho ER. A atuação do Conselho Tutelar com crianças e adolescentes vítimas de violência. Org. Soc. 2017; 6(6):126-137.,2222 Batista DSM, Cerqueira-Santos E. Um estudo sobre conselheiros tutelares diante de práticas de violência sexual. Rev. Psicol. Saúde. 2012; 4(2):116-125..

Percebe-se que, de modo geral, os conselheiros tutelares se preocupam com as crianças, mas nem sempre conseguem atuar conforme prevê o ECA. As falhas no funcionamento dos Conselhos Tutelares estão relacionadas à precariedade de diversos tipos de recursos e corroboram o sofrimento e o adoecimento de seus trabalhadores, especialmente, por vivenciarem rotineiramente situações de violações dos diversos direitos da criança e de desvalorização profissional1616 Moreira MCN, Bastos OM, Bastos LC, et al. Violência contra crianças e adolescentes com deficiência: narrativas com conselheiros tutelares. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(9):3869-3878.,2020 Silva SR, Carvalho ER. A atuação do Conselho Tutelar com crianças e adolescentes vítimas de violência. Org. Soc. 2017; 6(6):126-137.. Sendo assim, é indispensável, ao poder público, investir em condições dignas de trabalho para estes profissionais.

Fragilidades na rede de proteção à criança em situação de violência

A literatura indica, como problemas presentes na rede de enfrentamento da violência infantil, a morosidade do sistema de defesa e de responsabilização (segurança pública, Ministério Público e Justiça), a insuficiência de políticas socioassistenciais e educacionais, a escassez e, mesmo, a inexistência de vários serviços e ações fundamentais, em especial, os de saúde mental, além do reduzido número de profissionais que atuam nas organizações e nos serviços1515 Deslandes SF, Campos DS. Guardianship Councilors' views on the effectiveness of the existing network in providing full protection to children and teenagers in situations of sexual violence. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(7):2173-2182.. Esses aspectos também foram identificados nas falas dos participantes do presente estudo.

[...] nós temos quatro Conselhos Tutelares, nós temos 20 conselheiros tutelares atendendo à população e fazendo medidas de proteção e encaminhamentos para um só lugar, que é para o Creas [Centro de Referência Especializado de Assistência Social], para uma só psicóloga e dois assistentes sociais. Então, a demanda é muito grande para um único serviço atender. [E1].

[...] falta de psicólogo, falta da equipe técnica, às vezes, no Creas. Então, às vezes, isso que, às vezes, deixa a desejar. [E3].

Sempre há uma morosidade, por parte dos órgãos, porque... eu não sei... assim, principalmente o Creas. Ele só é um local e parece que tem uma psicóloga que atende. [...] a demanda de Palmas, a população, a tendência, o número é muito alto. [E15].

Nota-se que há somente um centro especializado no município para o qual são encaminhadas as crianças e famílias em situação de violência, e o número de profissionais da saúde atuando neste local é insuficiente. Tal fato corrobora a assistência fragmentada e pouco resolutiva.

Destaca-se que proporcionar cuidados de alta qualidade e serviços de apoio às vítimas, com profissionais em número suficiente e com competência para atuar no enfrentamento desse agravo à saúde, representa importante ferramenta para reduzir o trauma da criança e para prevenir a reincidência da agressão1010 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Agenda pela infância 2015-2018: desafios e propostas eleições 2104 [internet]. Brasília, DF; 2014 [acesso em 2018 ago 31]. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/UNICEF_agenda2014.pdf.
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.

Também foi possível identificar, nos depoimentos dos conselheiros tutelares, que não há comunicação efetiva entre as instituições responsáveis por atender às crianças e famílias em situação de violência. Nota-se que a falta de uma rede especializada e interligada pode favorecer a reincidência da violência, a não implementação de medidas cautelares aos agressores e a pouca resolutividade dos casos, como demonstram as falas abaixo:

[...] outra dificuldade é do sistema funcionar. Porque é muito bonito falar que o sistema funciona, mas quem trabalha nele sabe que ele não funciona. [E4].

[...] os encaminhamentos feitos pelo Conselho Tutelar chegam nas instâncias maiores e ficam amarrados [...] o Conselho é a porta de entrada das famílias que precisam do trabalho do Conselho. Quando você encaminha lá para as instâncias maiores, para por ali. [E6].

[...] a gente faz a nossa aplicação de medida, e lá, o órgão da frente, tem que dar continuidade. E ali, se perde. [E11].

A desarticulação entre os serviços de proteção à criança dificulta a execução das atividades dos conselheiros tutelares. Como consequência, percebem-se profissionais frustrados e crianças e famílias desamparadas pelo poder público1515 Deslandes SF, Campos DS. Guardianship Councilors' views on the effectiveness of the existing network in providing full protection to children and teenagers in situations of sexual violence. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(7):2173-2182.,1616 Moreira MCN, Bastos OM, Bastos LC, et al. Violência contra crianças e adolescentes com deficiência: narrativas com conselheiros tutelares. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(9):3869-3878..

Destaca-se que, para o enfrentamento da violência infantil, é preciso superar as fragilidades da rede e promover ações integradas e efetivas entre os diversos serviços e atores sociais1010 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Agenda pela infância 2015-2018: desafios e propostas eleições 2104 [internet]. Brasília, DF; 2014 [acesso em 2018 ago 31]. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/UNICEF_agenda2014.pdf.
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,2020 Silva SR, Carvalho ER. A atuação do Conselho Tutelar com crianças e adolescentes vítimas de violência. Org. Soc. 2017; 6(6):126-137.

21 Nunes AJ, Sales MCV. Violência contra crianças no cenário brasileiro. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(3):871-880.

22 Batista DSM, Cerqueira-Santos E. Um estudo sobre conselheiros tutelares diante de práticas de violência sexual. Rev. Psicol. Saúde. 2012; 4(2):116-125.
-2323 Morais RLGL, Sales ZN, Rodrigues VP, et al. Actions of protection for children and teenagers in situations of violence. Rev. Pesqui. Cuid. Fundam. 2016; 8(2):4472-4486.
. Para superar estas condições, exigem-se movimento intenso e contínuo, articulação de vontades, diálogo permanente entre os atores, busca de parceiros e capacitação permanente para o trabalho coletivo e intersetorial1515 Deslandes SF, Campos DS. Guardianship Councilors' views on the effectiveness of the existing network in providing full protection to children and teenagers in situations of sexual violence. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(7):2173-2182.,2929 Egry EY, Apostolico MR, Morais TCP. Notificação da violência infantil, fluxos de atenção e processo de trabalho dos profissionais da Atenção Primária em Saúde. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(1):83-92.,3030 Deslandes SF, Vieira LJES, Cavalcanti LF, et al. Atendimento à saúde de crianças e adolescentes em situação de violência sexual, em quatro capitais brasileiras. Interface (Botucatu). 2016; 20(59):865-877..

A sociedade desconhece o real papel do Conselho Tutelar

Na prática cotidiana, os conselheiros tutelares precisam lidar com a falta de reconhecimento em relação à sua função de agente protetor dos direitos da criança. Para a sociedade, este profissional exerce o papel de repressor, a quem se deve temer1616 Moreira MCN, Bastos OM, Bastos LC, et al. Violência contra crianças e adolescentes com deficiência: narrativas com conselheiros tutelares. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(9):3869-3878.,2222 Batista DSM, Cerqueira-Santos E. Um estudo sobre conselheiros tutelares diante de práticas de violência sexual. Rev. Psicol. Saúde. 2012; 4(2):116-125..

Além disso, a população e os demais equipamentos sociais veem os conselheiros tutelares como solucionadores de todos os problemas da comunidade, e a instituição como uma mini ‘delegacia’, uma prisão para as crianças desobedientes ou os pais agressores2222 Batista DSM, Cerqueira-Santos E. Um estudo sobre conselheiros tutelares diante de práticas de violência sexual. Rev. Psicol. Saúde. 2012; 4(2):116-125..

Os achados desta pesquisa corroboram esses dados. Segundo os entrevistados, as famílias, os profissionais da educação e da saúde, entre outros, demonstram falta de conhecimentos em relação às atribuições do Conselho Tutelar e de seu papel na proteção dos direitos da criança. Tal situação contribui para que esses atores sociais não apoiem as ações desenvolvidas pelos conselheiros tutelares e para criar estereótipos referentes a estes profissionais.

[...] até as pessoas costumam falar para os filhos: ‘Ah, eu vou te entregar para o Conselho’, ‘O Conselho vai te pegar!’, né?, que, na verdade, isso é uma visão destorcida, né? [...] que o Conselho Tutelar é aquele órgão que ele está mais para punir, né?, que é um órgão de repressão. [E2].

[...] Conselho Tutelar, ele não é bem visto na comunidade. A comunidade não enxerga o Conselho como um órgão de proteção. Tanto a comunidade quanto as instituições; as próprias escolas não têm a gente como parceiras, como proteção, como garantia de direitos; têm o Conselho Tutelar como órgão de punição. [E7].

[...] a visão da comunidade é um pouco distorcida, entendeu? Por mais que a gente explica como que é a atuação do Conselho, elas não entendem, acham que o Conselho é órgão de punição, que o Conselho é só pra proteger bandido. [E16].

A sociedade percebe o Conselho Tutelar como uma instituição de repressão e usa a figura dos conselheiros tutelares para amedrontar as crianças. Neste sentido, é importante que o poder público implemente ações que, efetivamente, esclareçam o papel desta instituição junto à comunidade1515 Deslandes SF, Campos DS. Guardianship Councilors' views on the effectiveness of the existing network in providing full protection to children and teenagers in situations of sexual violence. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(7):2173-2182.,2020 Silva SR, Carvalho ER. A atuação do Conselho Tutelar com crianças e adolescentes vítimas de violência. Org. Soc. 2017; 6(6):126-137., tais como divulgações midiáticas, capacitação de professores e profissionais de saúde, entre outras, contribuindo para dar visibilidade às ações desenvolvidas por esses profissionais e sua importância no enfrentamento da violência infantil.

Convivendo com a impunidade do agressor

Os conselheiros tutelares relataram que, apesar de todos os esforços para proteger as crianças em situação de violência e para atuar conforme prevê o ECA, se percebem impotentes frente às situações de impunidade, em que não são aplicadas quaisquer penas aos agressores, como evidenciam as falas abaixo:

[...] uma pessoa que agrediu uma criança e aquela pessoa foi presa, quando você vê, já ‘tá solta, já ‘tá dentro da família. Então, o quê que não funcionou? Foi a rede? [E3].

[...] o agressor tem que ser tirado, afastado da casa, mas quem termina sendo afastado da própria casa é a própria vítima. Então, pra nós, isso dificulta muito, isso aí. A gente acaba tirando a criança da casa, até mesmo colocando em abrigo. [E9].

O estatuto diz que quem tem que sair é o agressor, mas a nossa lei, ela termina sendo falha, porque quem continua na residência é o agressor. [E10].

As falas revelam que, frequentemente, o ECA não é respeitado, pois os direitos da criança não são garantidos pelo poder público e pela sociedade. Frente à impunidade do agressor, os conselheiros sentem-se frustrados, restando-lhes a opção de se adaptarem às inúmeras falhas do sistema e de terem resiliência para conviver com o sentimento de impotência em seu dia a dia profissional1616 Moreira MCN, Bastos OM, Bastos LC, et al. Violência contra crianças e adolescentes com deficiência: narrativas com conselheiros tutelares. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(9):3869-3878..

Isso interfere negativamente na atuação do conselheiro tutelar, colaborando para a impunidade dos agressores e a não resolutividade dos casos encaminhados e notificados. A burocracia do sistema e a falta de provas e de confiabilidade à fala da criança contribuem para que os agressores não respondam por seus atos1515 Deslandes SF, Campos DS. Guardianship Councilors' views on the effectiveness of the existing network in providing full protection to children and teenagers in situations of sexual violence. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(7):2173-2182..

Nesse cenário, é válido pontuar que a punição do agressor é um dos meios sociais para desfazer o ciclo de violência infantil. Assim, o enfrentamento da violência deve incluir revelar-notificar-atender-proteger e responsabilizar os autores da agressão1515 Deslandes SF, Campos DS. Guardianship Councilors' views on the effectiveness of the existing network in providing full protection to children and teenagers in situations of sexual violence. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(7):2173-2182.,3131 Arpini DM, Savegnago SDO, Witt CS. O ponto de vista de adolescentes em situação de vulnerabilidade social sobre o agressor sexual. Pesqui. Prát. Psicossociais. 2017; 12(2):247-262.. A promulgação e a aplicação de legislação sobre a violência são fundamentais para o estabelecimento de normas de comportamento aceitável e inaceitável, e para a criação de sociedades seguras e pacíficas1010 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Agenda pela infância 2015-2018: desafios e propostas eleições 2104 [internet]. Brasília, DF; 2014 [acesso em 2018 ago 31]. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/UNICEF_agenda2014.pdf.
https://www.unicef.org/brazil/pt/UNICEF_...
.

Considerações finais

O Conselho Tutelar é um espaço legítimo da sociedade, uma instituição de controle social que tem o papel de proteger os direitos de crianças e adolescentes previstos constitucionalmente. Entretanto, diversos fatores interferem no enfrentamento da violência infantil pelos profissionais que atuam neste local, em especial, a falta de conhecimento e de habilidades para identificar crianças em risco ou situação de violência, o envolvimento das famílias nos casos, a precariedade de recursos materiais, o quantitativo insuficiente de profissionais, falhas na rede de proteção à criança, estereótipos culturais, a desvalorização profissional e a impunidade do agressor.

Sendo assim, para que o Conselho Tutelar consiga exercer plenamente suas funções e contribuir para a interrupção do ciclo de violência infantil, são necessários investimentos em diversas áreas, tais como a qualificação dos conselheiros tutelares, por meio da oferta de cursos periódicos, e a implantação de ambientes de trabalho com recursos materiais e humanos suficientes, de modo a contribuir para que se exerçam ações integradas, intersetoriais e resolutivas.

A prevenção e o manejo adequados dos casos de violência infantil requerem ações conjuntas da sociedade, do Conselho Tutelar e de outras instituições de proteção à criança. Para tanto, é preciso que cada ator social se reconheça como peça fundamental neste processo e tenha condições adequadas para atuar, de maneira sistematizada e integrada, tendo o respeito ao outro como princípio norteador das ações.

Frente aos resultados, sugere-se a implementação de políticas públicas direcionadas ao esclarecimento da população, em relação às diversas formas de expressão da violência e suas consequências, visando a mudar padrões culturalmente enraizados, nos quais as condutas violentas são comumente e equivocadamente implementadas como estratégias para a educação da criança.

Também se reforça a necessidade de parcerias entre diversos setores, tais como saúde e educação, visando a colaborar para o esclarecimento da população em relação ao real papel do Conselho Tutelar e a dar visibilidade à importância do profissional desta instituição para o enfrentamento da violência infantil e a proteção dos direitos da criança.

Apresenta-se, como limitação desta pesquisa, a não inclusão de outros atores sociais, o que poderia dar maior visibilidade às potencialidades e limitações da rede de proteção dos diretos da criança.

Agradecimentos

A Pesquisa foi desenvolvida pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde da Criança (Gepesc/UFT). ■

  • Suporte financeiro: não houve
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2018
  • Aceito
    07 Dez 2018
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