Open-access Fundamentos da performance

Resumos

Neste artigo, esboço as principais concepções de performance que têm norteado trabalhos linguisticamente orientados acerca do tema, suas origens e como se relacionam ou divergem. Considero primeiramente o potencial pouco desenvolvido do trabalho orientado para a performance na sociolinguística variacionista, para depois examinar a performance enquanto exibição virtuosística, conforme tem se desenvolvido sobretudo na antropologia linguística. Em seguida, foco a performance enquanto teatralidade, com atenção especial para a análise da ordem da interação, bem como a performance cultural como evento destacado e relevado que fornece uma perspectiva ricamente reflexiva sobre a cultura. Concluo com uma discussão sobre a performance mediatizada e a produtividade do conceito de remediatização na redução da distância entre a performance copresente e a performance mediatizada.

ordem da interação; performance; remediatização; teatralidade; exibição virtuosística


In this article, I outline the principal conceptions of performance that have guided language-oriented work on performance, where they come from, and how they relate to or diverge from one another. I consider first the underdeveloped potential for performance-oriented work in variationist sociolinguistics, and than turn to performance as virtuosic display, as developed principally in linguistic anthropology, performance as theatricality, with special attention to the analysis of the interaction order, and cultural performance as a marked, heightened event that affords a richly reflexive vantage point on culture. I conclude with a discussion of mediated performance and the productiveness of the concept of remediation in bridging the gap between co-present performance and mediated performance.

Interaction order; performance; remediation; theatricality; virtuosic display


DOSSIÊ

ESTUDOS DA PERFORMANCE

Fundamentos da performance*

Richard Bauman

Department of Folklore and Ethnomusicology, Indiana University 504N Fess, Bloomington, Indiana, IN 47405. Estados Unidos. <bauman@indiana.edu>

RESUMO

Neste artigo, esboço as principais concepções de performance que têm norteado trabalhos linguisticamente orientados acerca do tema, suas origens e como se relacionam ou divergem. Considero primeiramente o potencial pouco desenvolvido do trabalho orientado para a performance na sociolinguística variacionista, para depois examinar a performance enquanto exibição virtuosística, conforme tem se desenvolvido sobretudo na antropologia linguística. Em seguida, foco a performance enquanto teatralidade, com atenção especial para a análise da ordem da interação, bem como a performance cultural como evento destacado e relevado que fornece uma perspectiva ricamente reflexiva sobre a cultura. Concluo com uma discussão sobre a performance mediatizada e a produtividade do conceito de remediatização na redução da distância entre a performance copresente e a performance mediatizada.

Palavras-chave: ordem da interação; performance; remediatização; teatralidade; exibição virtuosística.

ABSTRACT

In this article, I outline the principal conceptions of performance that have guided language-oriented work on performance, where they come from, and how they relate to or diverge from one another. I consider first the underdeveloped potential for performance-oriented work in variationist sociolinguistics, and than turn to performance as virtuosic display, as developed principally in linguistic anthropology, performance as theatricality, with special attention to the analysis of the interaction order, and cultural performance as a marked, heightened event that affords a richly reflexive vantage point on culture. I conclude with a discussion of mediated performance and the productiveness of the concept of remediation in bridging the gap between co-present performance and mediated performance.

Keywords: Interaction order, performance, remediation, theatricality, virtuosic display.

Introdução

As perspectivas linguisticamente orientadas começaram a ganhar espaço nos estudos brasileiros sobre performance, especialmente a partir das pesquisas e dos ensinamentos de Esther Jean Langdon, na Universidade Federal de Santa Catarina. Mesmo assim, para muitos leitores desta revista talvez seja útil contextualizar um pouco o presente artigo. A concepção de performance desenvolvida nos meus trabalhos está baseada na antropologia linguística, um dos quatro subcampos da disciplina da antropologia na América do Norte (os demais campos são a antropologia sociocultural, a antropologia biológica e a arqueologia). Meu trabalho está mais especificamente inserido na linha de pesquisa conhecida como etnografia da fala, focada na reconhecida utilização da língua na realização da vida social. Visto que as formas de performance estão caracteristicamente entre os componentes mais públicos, altamente valorizados, memorizáveis e reprisados do repertório verbal de uma comunidade, eles têm desempenhado um papel proeminente como foco de atenção na etnografia da fala e na antropologia linguística de modo geral.

Desde sua primeira consolidação como programa de pesquisa, entre meados dos anos 1960 e meados dos anos 1970, a etnografia da fala e as abordagens relacionadas à antropologia linguística têm criado ligações intelectuais com outras linhas de pesquisa com enfoque nas relações entre linguagem e sociedade. Uma conexão inicial e frutífera estabeleceu a ligação entre a etnografia da fala – incluindo a etnografia da performance oral – e uma área da sociolinguística que se configurou essencialmente na mesma época, ao se investigar as dimensões da variação na língua falada em comunidades de falantes, isto é, os padrões linguísticos e sociais de se "falar 'a mesma coisa'" (Weinreich, Labov & Herzog, 1968). A linguística variacionista, como passou a ser chamada, centra a atenção nas variações linguísticas em relação a variáveis sociais (classe social, grau de alfabetação, gênero, região, etnia), variáveis situacionais (formal versus informal, conversas informais versus entrevistas estruturadas), e relações sociais (exemplo: redes sociais, a relação entre quem fala e seu interlocutor). Como exemplo, poder-se-ia estudar a omissão da letra "r" ao final das palavras por pessoas que falam o português brasileiro (exemplo: lugá em vez de lugar, governadô em vez de governador; extraído de Bortoni-Ricardo, 1985: 55) em relação a quem é alfabetizado e a quem é analfabeto, o contexto rural, caipira versus o contexto urbano, gênero, e assim por diante. A maioria dos estudos variacionistas baseia-se em variáveis fonológicas, embora às vezes também tenham enfoque em variáveis morfológicas e sintáticas. Embora parte das investigações variacionistas envolva uma dimensão etnográfica, a sua meta é mapear a distribuição estatística das formas variantes dentro de comunidades ou redes de falantes.

Para os leitores brasileiros, merece observar que a sociolinguística variacionista – que se desenvolveu nos Estados Unidos e se concentrou inicialmente nas variações na língua inglesa – foi adotada relativamente cedo por estudiosos brasileiros e internacionais interessados no português brasileiro. Vários sociolinguistas brasileiros estudaram na Universidade de Pensilvânia com William Labov, o principal fundador desse campo de pesquisa (Matos & Bortoni, 1991: 6; Tarallo 1991: 10; ver, também, Guy, 1981) e, desde meados dos anos 1980, essa abordagem se estabeleceu rapidamente no Brasil. O livro influente de Fernando Tarallo intitulado A pesquisa sociolinguística (1985), tem tido um papel fundamental no desenvolvimento desse processo, e já estão disponíveis vários estudos variacionistas importantes (Bortoni-Ricardo, 2004; Soares, 2004; Tarallo, 1991). O único trabalho de que tenho ciência que trata de dimensões da performance é A linguagem regional popular na obra de Patativa do Assaré, de Maria Silvana Militão de Alencar (1997).

Pelos motivos expostos no corpo deste artigo, a etnografia da fala e a sociolinguística variacionista divergiram significativamente a partir do final dos anos 1970 e, à medida que a performance foi excluída do programa de pesquisa da última, ela teve um papel proeminente na primeira. No entanto, recentemente, a performance surgiu novamente como foco de interesse e pesquisa entre os variacionistas. Esse desdobramento foi marcado de maneira especialmente significativa pela publicação de uma edição especial do Journal of Sociolinguistics, a principal publicação da área, que proporcionou destaque para a performance. Muitas das pessoas que contribuíram foram influenciadas por meu trabalho e os editores convidaram-me para comentar este retorno à performance manifestada nessa edição da revista. O excerto do artigo que segue apresenta a minha resposta à questão.

O crescimento da performance enquanto foco analítico na sociolinguística já vinha ganhando ímpeto nos últimos anos. No entanto, esta edição da revista líder nesse campo parece marcar um afloramento total da performance, o que é um acontecimento extremamente bem-vindo. À medida que os sociolinguistas enfocam a performance, encontram um campo conceitual de complexidade considerável. O termo "performance" e suas variantes gramaticais e formas compostas são abrangentes, e o terreno está longe de estar claramente delineado. Portanto, é compreensível a razão de vários dos pioneiros sociolinguistas que se aventuraram nesse território terem dedicado esforços para mapear seus contornos e traçar os marcos deixados por desbravadores anteriores atuantes em disciplinas adjacentes (Bell & Gibson, nesta edição do Journal of Sociolinguistics; Coupland, 2007: 146-176; Thornborrow & Coates, 2005; Threadgold, 2005). Na atual conjuntura, alguns dos principais pontos de referência são facilmente reconhecíveis, outros nem tanto. Enquanto estudioso que tem passado a carreira toda neste campo, talvez eu possa ajudar a esclarecer quais são as principais concepções de performance que têm norteado os trabalhos linguísticos nesta área, de onde vieram e como se relacionam ou divergem uns dos outros (ver, também, Bauman, 1987; Bauman & Briggs, 1990). Não obstante, devo dizer logo que não há incompatibilidade mútua entre quaisquer dessas abordagens e que, muitas vezes, essas se associam de forma bastante irrestrita.

A performance e a sociolinguística variacionista

É significativo que o enfoque da performance, no âmbito da sociolinguística, nesta1 e em outras publicações, muitas vezes é anunciado como correção crítica das tendências predominantes no campo que excluiriam, por motivos de princípios, as formas altamente trabalhadas, autoconscientes e reflexivas de falar que estão na vanguarda dos estudos da performance. Allan Bell e Andy Gibson, em sua "Introdução" a esta edição2, argumentam que a

linguagem performativa disponibiliza uma janela para o mundo do criativo e do autoconsciente, o tipo de linguagem excluída dos trabalhos sociolinguísticos que visava a "fala natural e desinibida" (ver, também, Coupland, 2007: 4-5, 25; Schilling-Estes, 1998: 53-54).

É interessante que o potencial para o que agora se coloca como dissidência crítica voltada para a performance esteve presente desde o início no próprio trabalho que parecia evitá-la. A seguir, apresentamos um trecho da obra de William Labov, o padrinho da sociolinguística e a autoridade mais citada por sua insistência na fala "natural" ou "desinibida", fazendo um comentário sobre um dos textos em seu estudo fundacional da estrutura das narrativas:

Este é um dos três relatos de Larry sobre lutas que se iguala em termos de habilidade verbal à sua performance ímpar nas áreas de discussão, insultos rituais e outros eventos falados da cultura vernácula negra (Labov 1972a: 356).

Em seu foco na "habilidade verbal", a avaliação que Labov faz da "performance" de Larry destaca exatamente aquela qualidade de virtuosidade que está no cerne de uma das concepções produtivas da performance na antropologia linguística.

O problema, eu sugeriria, está no princípio amplamente aceito de que "os dados mais importantes para a teoria linguística" derivam do estilo que Labov descreve como "o vernáculo", no qual "se presta o mínimo de atenção à fala" (Labov, 1972b: 112-113; ver, também, Labov, 1984). A implicação é de que a fala autoconsciente e reflexiva esteja, por sua própria natureza, comprometida no que diz respeito à análise linguística produtiva. Labov identifica o estilo vernacular ao qual concede lugar de destaque na teoria linguística como a "fala informal", a fala "encontrada em condições informais da vida cotidiana", caracterizando-a também como "espontânea e livre". Ele define a "fala informal", no senso mais restrito, como "a fala cotidiana utilizada em situações informais, nas quais não se presta atenção à linguagem" (Labov ,1966: 100). "Discurso espontâneo", também aceitável para propósitos linguísticos,

se refere a padrões utilizados em um discurso inflamado, carregado de emoções, quando se passa por cima dos constrangimentos [ou seja, da autoconsciência] de uma situação formal (Labov, 1966: 100).

Mas... espere. Por outro lado, incluídas explicitamente no corpo dos dados utilizados por Labov em seu estudo da estratificação da língua inglesa na cidade de Nova York estão as formas de fala que ocorrem em contextos situacionais de brincadeiras de crianças (contexto A4 de Labov), como as cantigas que entoam ao pular corda e as cantigas de contagem de números, que certamente são veículos para a exposição da virtuosística verbal, sujeitos à avaliação quanto à habilidade e à eficácia de sua performance (Labov, 1966: 105-107). Também incluídos estão os relatos contados em contextos em que o/a narrador/a está contando uma experiência em que ele ou ela estava "sob perigo de morrer" (contexto A5 de Labov; Labov, 1966: 107-109). A seguir está a descrição feita por Labov da Sra. Rose B., "uma das mais talentosas contadoras de histórias e uma das pessoas mais expressivas da amostra" (Labov, 1966: 108):

Os muitos exemplos de narrativas espontâneas que ela forneceu demonstram um domínio extraordinário de tom, volume e ritmo para fins de expressão (Labov, 1966: 108).

"Domínio" implica nada menos que a atenção à linguagem, a manipulação reflexiva das características formais do ato de expressar-se de uma forma tal que chame a atenção para si – em outras palavras, a poética. E "talentosa" indica que o domínio da Sra. Rose B. é muito bom – um reconhecimento avaliativo de sua virtuosidade na performance.

Contudo, o que Labov tem em mente ao dispensar a linguagem autoconsciente e reflexiva não é tanto a poética, e sim o que ele percebe como a fala organizada irregularmente (ver Schilling-Estes, 1998: 59-64) produzida pelas pessoas em contextos "formais", tais como sessões de obtenção de informações, entrevistas e observação sistemática, nas quais o foco direto da atenção está no dialeto social e regional, isto é, no repertório estratificado das variedades linguísticas – incluindo a norma culta – que indexam grupos ou coletividades de falantes e que contêm relevância ideológica especialmente destacada. Ademais, o que interessa Labov – e também outros sociolinguistas variacionistas – são sobretudo as características e os padrões fonológicos e gramaticais desses dialetos, não obstante suas investigações iniciais de gênero (insultos rituais, narrativas de experiências pessoais; Labov, 1972a: 297-396). O problema é que, na medida em que o paradigma variacionista tornou-se mais rotineiro e restrito em seus objetivos e métodos, a performance – na qual o foco reflexivo é a organização formal do ato "entextualizado" do expressar-se e não a palavra ou a frase – ficou prejudicada por sua própria ordem de atenção reflexiva à fala e saiu de cena. Mas agora, felizmente, está de volta – e é bem-vinda.

A performance enquanto exibição virtuosística

Nas várias linhas de pesquisa dedicadas à linguagem na sociedade que começaram a coalescer nos anos 1960, a performance ganhou um papel significativo inicialmente como princípio organizador conceitual na etnografia da fala. Em seu sentido mais geral, a performance foi um termo alternativo para a prática discursiva, ou o que Harold Garfinkle denominou "praxe de fala"3, uma perspectiva centrada em agentes a respeito da reconhecida utilização de meios linguísticos na conduta da vida social. Na "Introdução" de Explorations in the ethnography of speaking, Joel Sherzer e eu identificamos a performance como o fio unificador que ligava as contribuições para o trabalho:

Concebemos a performance em termos da interação entre recursos e competência individual, dentro do contexto de determinadas situações. Portanto, as performances têm uma qualidade emergente, estruturada pelo exercício situado e criativo da competência (Bauman & Sherzer, 1989: 7).

O enquadramento (framing) dessa formulação programática reflete o que àquela época era uma das principais preocupações da etnografia da fala: fornecer um corretivo crítico para a concepção de performance predominante na linguística transformacional-gerativa da época, na qual a performance era essencialmente marginalizada como a realização inevitavelmente imperfeita da competência na "fala natural", vista como desviada, onerada por fatores "gramaticamente irrelevantes" como distrações, limitações de memória, erros, mudanças de foco de atenção e de interesse, entre outros (Chomsky, 1965: 3-4). O contra-argumento da antropologia linguística teve sua expressão máxima em uma série de críticas enérgicas feitas por Dell Hymes (1971; 1972; 1973; ver, também, Briggs, 1988). Em uma formulação sucinta, Hymes insiste:

a preocupação diz respeito à performance, não como algo mecânico ou inferior, como ocorre em algumas discussões linguísticas, mas a performance como algo criativo, realizado, conquistado e até transcendendo o curso dos acontecimentos corriqueiros (Hymes, 1975: 13).

Com sua ênfase na performance enquanto realização criativa, a proposta de Hymes pressagia um segundo e mais marcado sentido de performance que começou a coalescer na antropologia linguística concomitantemente com a noção ampla da performance como prática. A citação imediatamente acima foi tirada do ensaio fundamental de Hymes, "Breakthrough into performance", publicado originalmente em uma coletânea de ensaios que exploravam a proficuidade de perspectivas orientadas para a performance no folclore, e que indexava a proeminência dos folcloristas no desenvolvimento dessa linha de pesquisa na etnografia da fala de modo geral. Para aqueles folcloristas motivados de longa data pela poética verbal em seu campo, seja sob o rótulo "literatura oral", "arte verbal", "literatura folclórica" ou outro parecido, parte da atração da performance como conceito estava em sua implicação como astúcia, virtuosidade, afetação de poder, bem como a intensificação e o aprimoramento da experiência.

Assim, alguns folcloristas que foram fortalecidos pelo programa intelectual da etnografia da fala direcionaram seus esforços para a articulação de uma concepção da performance verbal como forma especial e astuciosa de falar. Minha própria contribuição para esse esforço, publicada pela primeira vez no mesmo ano do "Breakthrough into performance" de Hymes (Bauman, 1975) e incorporada subsequentemente em uma versão maior do ensaio original (Bauman, 1977), continua a se basear na reconceituação da díade da competência-performance no âmbito da etnografia da fala, incorporando também a noção de Goffman (1974) sobre o enquadramento (framing):

A performance envolve, por parte de quem a faz, assumir a responsabilidade perante um público pela maneira com que a comunicação se dá, para além do seu conteúdo referencial. Do ponto de vista do público, o ato do expressar-se por parte de quem está fazendo a performance é... marcado como estando sujeito a ser avaliado pela forma como é realizado, pela habilidade relativa e efetividade da exposição de competência por quem realiza a performance. Além disso, é marcado como estando disponível para o aprimoramento da experiência, por meio do prazer real proporcionado pelas qualidades intrínsecas do próprio ato de expressar-se. Assim, a performance chama atenção especial, aumenta a consciência do seu ato de expressar-se e permite ao público assistir com intensidade especial ao ato do expressar-se e a quem faz a performance (Bauman 1975: 293).

Ao utilizar a terminologia da sociolinguística mais contemporânea, a performance é um ato de tomada de posição (stance-taking) (Jaffe, 2009). Isto é, a pessoa que faz a performance, ao invocar o enquadramento (frame) da performance, adota uma determinada postura reflexiva, ou alinhamento, para seu ato de expressar-se, assumindo responsabilidade por uma exposição de habilidade e eficácia comunicativas. Cada comunidade terá seus próprios enquadramentos (frameworks) orientadores metapragmáticos por meio dos quais um indivíduo poderá projetar-se para o público:

Isto é performance. Estou no palco! Convido vocês a assistirem e a escutarem com atenção, e eu vou impressioná-los, entretê-los, emocioná-los. Também convido vocês a julgarem até que ponto eu consigo fazer um espetáculo habilidoso, efetivo e emocionante.

Os inventários específicos das formas de comunicação capazes de fazer com que a performance atinja uma determinada comunidade têm de ser descobertos etnograficamente, e não presumidos a priori. Embora as formas de comunicação possam incluir meios não linguísticos, como gestos miméticos ou olhares fixos, são os componentes e padrões formais da organização textual, incluindo registros especiais, partículas iniciais, fala formulaica, paralelismo gramático, discurso direto, padrões métricos, contornos entonacionais, timbre, pausas na respiração e assim por diante, que têm chamado preponderantemente a atenção enquanto indicadores metapragmáticos de performance na antropologia linguística e no folclore. A investigação da organização formal da performance tem estimulado várias linhas relacionadas de pesquisa, três das quais merecem menção aqui.

A primeira é gênero (genre). O gênero, na realidade, foi outro ponto de convergência entre os folcloristas e os antropólogos linguistas envolvidos no desenvolvimento da etnografia da fala (Hymes, 1972). Desde a época dos Irmãos Grimm, minimamente a noção de gênero tem desempenhado um papel central – ainda que não teorizado o suficiente – como princípio classificatório na folclorística filologicamente orientada. No entanto, o gênero surgiu como conceito-chave na etnografia da fala enquanto perspectiva de estilo, textualidade, performance e formas culturalmente embasadas de se falar de modo geral. Com um estímulo adicional do trabalho do Bakhtin Circle, o gênero passou a ser compreendido na antropologia linguística como esquema metapragmático orientador da "entextualização" (Bauman & Briggs, 1990; Briggs & Bauman, 1992; Hanks, 1987; Silverstein & Urban, 1996), isto é, a produção, a recepção e a circulação de determinadas ordens de textos e para a produção da intertextualidade.

Uma segunda grande ramificação da atenção à forma na performance é a etnopoética (Blomaert, 2006; Hymes, 1981; Sherzer & Woodbury, 1987; Tedlock, 1983). Esta linha de pesquisa tem mantido um impulso duplo. De um lado, seus praticantes buscam descobrir e analisar a poética da performance – principalmente na forma narrativa –, com atenção especial para unidades de medida e sua organização em textos utilizando mecanismos como partículas iniciais, pausas de respiração, estruturas sintáticas, contornos entonacionais e assim por diante – sendo estes os meios que constam de maneira tão proeminente entre as culturas no mundo como elemento-chave da performance. Outra preocupação da etnopoética, também relacionada com a organização formal da performance, é como traduzir e transcrever as performances verbais de uma forma tal que sua organização poética fique aparente na versão impressa, tanto para fins de análise como para o aprimoramento estético da experiência literária.

Esta última motivação, evidentemente, depende da capacidade da própria performance de intensificar a experiência por meio da manipulação de formas significativas. A organização poética da performance estabelece padrões de expectativas e satisfação no público que servem como meios poderosos para trazer à tona seu envolvimento participativo (Burke, 1968: 124, 140-141). À medida que o público envolve-se na arregimentação formal da performance, "indo no embalo" por assim dizer, o poder que a performance tem de afetar aumenta, e a experiência do envolvimento fica enriquecida.

O envolvimento de um público, é claro, faz-nos relembrar que a tomada de posição (stance-taking) é um processo recíproco. Ao fazer a performance, quem o faz invoca inevitavelmente a postura complementar do público, convidando os coparticipantes a assumirem um alinhamento com a performance que exige uma resposta avaliativa e talvez mais, tal como o reconhecimento verbal, comentários, encorajamento ou ratificação, no que corresponde à construção conjunta da performance (Duranti e Brenneis, 1986). As normas e os termos da avaliação vão variar de comunidade para comunidade, de pessoa para pessoa, de situação para situação. Podem ser explícitos ("Essa foi boa!"), ou implícitos (risos responsivos) nas respostas dos integrantes do público. Neste aspecto, a performance está fortemente saturada pela postura (stance): em suas manifestações mais completas, faz com que a tomada de posição seja praticamente obrigatória. Digo "em seu sentido mais completo" e "praticamente obrigatória", porque a performance não é um fenômeno caracterizado pelo tudo ou nada. Assim como qualquer outro enquadramento (frame), a performance é instável, suscetível a alterações em seus elementos chave, pode ser relatada, demonstrada, imitada, ensaiada, transmitida, traduzida, citada ou relatada de maneira alternativa, em vez de ser performada (Bauman, 2004: 128-158; Goffman, 1974: 40-82; Hymes, 1975; Sherzer, 1983: 18-20).

A performance e a ordem da interação

Erving Goffman teve uma influência significativa sobre as concepções de performance no meio da etnografia da fala, mas sua contribuição para uma perspectiva complementar a respeito da performance foi ainda mais central. Refiro-me ao seu trabalho excepcionalmente influente na construção social do Eu enquanto processo representacional parecido com a construção e execução de um papel teatral (Goffman, 1959). Na medida em que a abordagem adotada por Goffman, em relação à moldagem situada da identidade na interação, influenciou a forma da análise da interação social de modo geral, ele é reconhecido como pessoa chave no desenvolvimento de múltiplas linhas de pesquisa da linguagem na interação social seja na antropologia e na sociologia, seja na linguística. No entanto, é apropriado reconhecer, a partir dessa perspectiva, que o enquadramento orientado para performance estabelecido por Goffman não deriva de qualquer uma das disciplinas relativas à linguagem, e sim da metáfora-raiz venerável e difundida da vida como teatro. Igual a todas as metáforas-raiz, a da vida como teatro também tem muitos campos possíveis, e Goffman, assim como todos que empregam o tropo, é seletivo quanto aos campos nos quais ele constrói. Mais importante de tudo: ele argumenta contra concepções essencialistas e inatistas de identidade, insistindo ao contrário que a identidade social é uma construção criada colaborativamente, produzida e reproduzida para apresentação, reconhecimento e ratificação perante um público, com parte do processo de produção realizado nos bastidores, por assim dizer, antes de ser apresentada no palco, na frente de todo mundo. Se a performance virtuosística tem um olhar – e um ouvido – reflexivo para as qualidades intrínsecas do ato do expressar-se, a construção performativa da identidade coloca em primeiro plano a capacidade reflexiva do Eu em se tratar como objeto.

Se bem que a abordagem dramatúrgica de Goffman continue a ser amplamente citada como talvez a mais influente das disciplinas sociais no que diz respeito à identidade produzida na performance, vale observar que a noção da performance como exposição criativa e virtuosística, conforme discutida na seção anterior, tem conquistado espaço nos últimos anos como perspectiva da moldagem situada e emergente da identidade na interação. A análise feita por Schilling-Estes da exposição performativa do dialeto do inglês falado em Ocracoke, por um pescador nativo, é um exemplo disto (Schilling-Estes, 1998; ver, também, Pagliai & Farr, 2000). Esta linha de pesquisa também tornou-se um componente de vários artigos teóricos de escopo e sofisticação impressionantes escritos por Mary Bucholtz, que contribuiu para esta edição do Journal of Sociolinguistics, e Kira Hall (Bucholtz & Hall 2004a; 2004b; 2005). Além de recorrer a conceitos da literatura sobre a performance verbal virtuosística, Bucholtz e Hall também integram, em sua abordagem sintética ampla, a teoria de J. L. Austin (1962) sobre o ato da fala na performatividade, que não se enquadra propriamente como exposição ou teatralidade, mas se alia mais estreitamente a concepções da performance como prática circunstanciada.

Em minha opinião, as contribuições para esta edição do Journal of Sociolinguistics sugerem que a investigação da performance e da identidade é uma área especialmente fértil da pesquisa sociolinguística que promete aprimorar o estudo da linguagem na performance de modo geral. Praticamente todos os artigos oferecem análises detalhadas e matizadas da utilização de recursos linguísticos – especialmente os fonológicos – na exploração reflexiva e na manipulação criativa das relações indexicais entre a linguagem e a identidade social. Os etnógrafos da fala tenderam a focar sua atenção em outras ordens de estilo de fala, isto é, gênero (genre) e registro (no sentido de estilos de fala que indexam situações recorrentes de uso), mas os sociolinguistas têm liderado a investigação de variedades linguísticas que indexam categorias sociais: gênero, etnia, ocupação, classe, subcultura, região, idade etc. A mudança sociolinguística de estilo para estilização, na qual a identidade é o produto criativo e emergente da prática discursiva, é muito apropriada para o estudo da performance.

Retornemos a Goffman. Vale observar que sua abordagem dramatúrgica em relação ao Eu performado foi explicitamente metafórica, e ele desmonta o andaime elaborado em torno do teatro no final do trabalho em que ele mais se esforça para construí-lo (Goffman, 1959: 254-255). Surpreendentemente, embora Goffman recorresse repetidas vezes a metáforas construídas sobre representações simbólicas formalizadas – incluindo rituais e jogos, além de teatro – ele só chegou a analisar performances de fato e o papel da fala dentro delas relativamente tarde em sua carreira, em Frame analysis (1974) e Forms of talk (1981).

O capítulo 5 de Frame analysis mostra explicitamente a mudança. Ao observar que "a linguagem do teatro passou a ser profundamente embutida na sociologia da qual este estudo se deriva", Goffman sugere que seria útil examinar o palco diretamente. Assim, a definição de performance proposta por Goffman, ainda está voltada para o palco:

Uma performance, no sentido restrito em que vou utilizar o termo, é aquele arranjo que transforma um indivíduo em um artista (performer) de palco, e o artista, por sua vez, é um objeto que pode ser observado por todos os ângulos e longamente sem ofensa. E dele é esperado um comportamento envolvente por pessoas desempenhando o papel de "público" (Goffman, 1974: 124).

Além disso, há uma separação espacial entre a área do palco e a área ocupada pelo público. Ao focar assim a performance no palco, Goffman reconhece que sua perspectiva difere daquela proposta por Hymes, para quem a noção não se restringe ao palco, e se estende a qualquer comportamento comunicativo pelo qual um indivíduo assume a responsabilidade perante outrem, sujeito à avaliação (Goffman, 1974: 124). Em termos do enquadramento (framework) do próprio Goffman para o entendimento do que ele denominou a "ordem da interação", o domínio da presença conjunta, talvez possamos dizer que para Hymes, e também para a maioria dos antropólogos linguistas que tratam do assunto da performance, o lócus da atenção começa em encontros focados (e no que os editores desta edição chamam de "performance cotidiana") e se estende para fora, em escala crescente para eventos de plataforma e ocasiões sociais de celebração, enquanto para Goffman a metáfora dramatúrgica abrange encontros focados e a performance real somente passa a ser relevante em eventos de palco e mais além (Goffman, 1983). Com efeito, a atenção dada por Goffman à performance no "sentido restrito" dele, é em grande medida parte de seus esforços para elucidar a ordem da interação de modo geral. A performance, no sentido que Goffman confere ao termo, faz com que ele passe para além das formas mais elementares da ordem da interação – contato e encontros focados – para eventos que são espacial, temporal e organizacionalmente mais complexos. Retornarei a esta questão.

Além do conceito do enquadramento, a contribuição mais significativa das obras posteriores de Goffman para a análise da performance nas disciplinas voltadas para a linguagem é sua abordagem decomposicional à produção e à recepção nos enquadramentos de participação da interação cara a cara (Goffman, 1974: 516-540; 1981: 124-157). Ao reconhecer que modelos diádicos de falante-ouvinte ou performer-público são totalmente inadequados para a tarefa de se determinar como os participantes estão alinhados com eventos comunicativos, a análise que Goffman faz do formato da produção de uma fala entre o diretor, o autor e o animador, bem como a análise de enquadramentos de recepção entre participantes ratificados e não ratificados de um lado, decompostos ainda mais em recipiente a quem a palavra foi dirigida, quem ouve por acaso, quem escuta às escondidas e o observador passivo por outro, tem proporcionado uma heurística muito útil para a performance. Embora a abordagem de Goffman tenha tido elaboração adicional (a exemplo da de Levinson, 1988) e aperfeiçoamento crítico (como o de Irvine, 1996), seus insights básicos têm sido especialmente produtivos na análise das formas e práticas da performance, tais como aquelas reconhecidas como "tradicionais", que envolvem interações e retransmissões de falas anteriores (independentemente de terem sido performances) e expectativas de falas futuras (Bauman, 2004: 128-158).

Performances culturais

A caracterização feita por Goffman para eventos de plataforma (palco) e ocasiões sociais de celebração (Goffman, 1982: 165, 168; 1983: 6-7) converge com outra linha proeminente de análise voltada para performance nas disciplinas sociais, a saber, o estudo sobre o que Milton Singer denomina "performances culturais" (Singer 1955; 1958). Lembremos que, para Goffman, o formato da plataforma (palco) é aquela ordem de interação "na qual uma atividade é posta diante de um público", o qual mantém uma postura essencialmente espectatorial, tendo quem faz a performance como o "único foco da atenção visual e cognitiva". Isto é, o que Goffman destaca ao considerar eventos de palco (palestras, peças de teatro, concertos) como performances não é o comportamento histriônico, e sim a ecologia espacial da interação e o manejo do olhar e da atenção. A ocasião social de celebração envolve

o encontro de indivíduos cujo ingresso no local foi controlado por outros, onde todo o evento ocorre sob os auspícios e para honrar alguma circunstância valorizada coletivamente (Goffman, 1983: 7).

Tais ocasiões (festivais, feiras, espetáculos, reuniões anuais de sociedades acadêmicas) envolvem caracteristicamente uma estrutura planejada, coordenada e programada, um ou mais espaços delimitados de atividades que permitam tanto uma multiplicidade de encontros, quanto a união dos participantes em uma atividade central ou oficial mais unificada, talvez uma performance de plataforma de destaque, na qual a produção e a coordenação do evento como um todo estejam nas mãos de especialistas culturais. "O acontecimento como um todo é esperado e lembrado como um evento reportável unitário" (Goffman, 1893: 7).

Para Goffman, a classificação e caracterização dos eventos de palco e das ocasiões sociais de celebração estão a serviço da definição dos limites da ordem da interação. A questão predominante é a ecologia, a organização, os alinhamentos participativos e o manejo da interação cara a cara, isto é, o que as pessoas fazem quando estão copresentes. A descrição mais completa feita por Goffman sobre o escopo total da ordem da interação ocorre, infelizmente, no último artigo que escreveu, apenas meses antes de sua morte prematura porém esperada. Contudo, embora nunca chegasse a explorar completamente as complexidades dos eventos de palco e ocasiões sociais de celebração, os tipos de eventos que ele incluiu sob estas rubricas foram o objeto direto de uma perspectiva complementar, focada principalmente não em linguagem ou organização social, mas em cultura. Esta abordagem tem suas raízes na tradição durkheimiana que vê nas performances culturais eventos de exposição altamente reflexiva – formas culturais acerca da cultura – nas quais os significados e valores mais profundos de uma cultura estão incorporados, representados e postos em exposição diante de um público. Assim materializadas e exibidas, estas representações permitem não somente a contemplação de verdades reconhecidas e que possuem autoridade, mas também a experimentação, a crítica e até a subversão. Assim, as performances culturais, nesta linha de pesquisa, fornecem ao antropólogo, ao teólogo, ao sociólogo ou ao historiador uma perspectiva privilegiada da cultura, uma porta de entrada iluminadora para perceber como os participantes se veem da forma como são e da forma como poderiam ser.

É esta abordagem da performance cultural, mediada por meu resumo sobre seus principais focos e preocupações (Bauman, 1992), que proporciona a base para o enquadramento mais abrangente que tem norteado trabalhos recentes sobre a performance na sociolinguística, incluindo vários artigos nesta edição do Journal of Sociolinguistics. Nikolas Coupland e seus colegas têm reorientado o que foi principalmente uma perspectiva sobre a cultura centrada em performance, para a análise de performance enquanto comunicação, tornando-a assim mais compatível que a noção antropológica da performance cultural em relação às linhas de análise da linguística (Coupland, 2007: 146-176; Coupland, Garret & Williams, 2005). Coupland, especificamente, aborda a performance em termos de focalização comunicativa, isto é, a ênfase reflexiva em forma, significado, situação, performer, público, realização (em termos tanto de eficácia como de habilidade) e repertório. É interessante que esse conjunto de focos corresponda estreitamente aos principais elementos do modelo clássico de Jakobson (1960), na linha da Escola de Praga, para a análise de um evento comunicativo, no qual a focalização na forma corresponde à função poética de Jakobson, a focalização no significado corresponde à função referencial, a focalização no performer corresponde à função conativa e a focalização do relacional também corresponde à função conativa. A focalização de Coupland em realização acrescenta o elemento de avaliação, uma consideração central na concepção de performance identificada com Bauman e Hymes, enquanto a focalização no repertório chama a nossa atenção tanto para a tensão dinâmica entre os elementos pressupostos e emergentes na performance, quanto para a importância da intertextualidade no domínio da performance.

Performance mediatizada

Como sugerido em vários momentos na discussão acima, as performances culturais – as ocasiões sociais de celebração de Goffman – levam-nos até os limites da ordem da interação. E como toda essa discussão deve deixar claro, este é o domínio da copresença, do estado de ser imediato, que tem sido o foco predominante dos estudiosos voltados para a performance nas disciplinas linguísticas. Além da esfera do imediato, evidentemente, há a comunicação mediatizada – a mídia. Certamente, o próprio Goffman – o decano da ordem da interação – estendeu seu campo de atuação para a comunicação mediatizada em sua exploração de "Radio Talk" (Goffman, 1981: 197-327). Nesse ensaio, Goffman aborda a avaliação da competência e, especialmente, da incompetência na performance (é este o termo que ele utiliza) de radialistas, um foco que ao menos pressagia as preocupações da análise voltada para a performance. Da mesma forma, várias das pessoas que contribuíram para esta edição fazem um trabalho de base para a análise centrada em performance em trabalhos anteriores sobre a linguagem na mídia. Há uma década, Coupland identificou a "criatividade estilística" de uma personalidade de rádio de Cardiff, Frank Hennessy, como "performance" (Coupland, 2001: 208-209), e a matriz exploratória de Allan Bell para o estudo de públicos e do formato de públicos, baseado em sua investigação do noticiário veiculado por rádios. Foi um esforço pioneiro rumo àquele componente vital, embora pouco explorado, do relacionamento ligado à performance (Bell, 1984; 2001).

Fundamentos da performance

Esta edição temática do Journal of Sociolinguistics, contudo, na qual todos os artigos tratam da comunicação mediatizada, representa um marco no estudo da performance mediática. Os aspectos fonológicos do dialeto ainda se destacam nestas páginas, como se pode esperar do trabalho de sociolinguistas, mas, como os editores convidados apontam na "Introdução", há muito mais aqui, com atenção sendo particularmente focada em gênero, registros, nos correlatos não verbais de estilos linguísticos, na intertextualidade, nos públicos, nas contribuições das tecnologias midiáticas e mais, todos indicando direções altamente produtivas para pesquisas futuras na sociolinguística da performance. Basta comparar, por exemplo, os artigos nesta edição que tratam de música popular com os esforços da sociolinguística anteriores, como o muito citado artigo de Peter Trudgill sobre a pronúncia em músicas populares britânicas (Trudgill, 1983), que consegue ignorar tanto a mediação como a performance, para reconhecer a maior sofisticação e riqueza dos trabalhos atuais que levam ambas em conta. Como estes artigos metodologicamente inovadores deixam claro, o florescimento das tecnologias mediáticas digitais e dos protocolos para o arquivamento virtual tornou possível a construção de corpos de performance que facilitam a análise detalhada de processos como a atribuição de registros, a intertextualidade e as mudanças históricas nas formas e nos estilos de performance.

Para encerrar, tomo a liberdade de sugerir uma direção potencialmente frutífera a ser seguida por pesquisas futuras: como reduzir a distância entre a performance imediata e a performance mediatizada, explorando o que passou a ser chamado remediatização (Bolter & Grusin, 1999), investigando as continuidades e as transformações resultantes da adaptação de formas de performance com as quais os participantes estão acostumados em contextos copresentes para tecnologias de mediatização comunicativa? O advento de novas tecnologias de comunicação, na medida em que os usuários aprendem o que essas ferramentas podem fazer e como utilizá-las, proporciona insights especialmente iluminadores sobre o processo de remediatição (Bauman, 2010; Bauman & Feaster, 2005), mas a ordem da interação nunca se faz ausente, e toda tecnologia mediática vai envolver algum grau de remediação. A julgar pelos insights oferecidos pelos artigos desta edição do Journal of Sociolinguistics, e levando em consideração as fortalezas gerais do campo, a sociolinguística da performance pareceria estar muito bem equipada para iluminar esse aspecto onipresente e acelerador da vida social.

Recebido: 26.11.13

Aprovado: 14.05.14

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  • *
    Publicado, inicialmente, no
    Journal of Sociolinguistics, v. 15, n. 5, 2011, p. 707-720, com o título
    Commentary: foundation in performance. Foi adaptado para a edição brasileira pelo autor e por João Gabriel L. C. Teixeira, traduzido para o português por David Harrad, e revisado por Ana Cristina M. Collares.
  • 1
    .
    Journal of Sociolinguistics, v. 15, n. 5, 2011, p. 707-720.
  • 2
    . Idem, p. 553.
  • 3
    . Garfinkel empregou o termo durante comentários verbais no XXIII Encontro Anual de Mesas Redondas sobre Linguística e Estudos de Linguagem, na Universidade de Georgetown, Washington, D.C., 1972.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 2014

    Histórico

    • Aceito
      14 Maio 2014
    • Recebido
      26 Nov 2013
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