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Sociedade e Estado: uma contribuição às ciências sociais

A Revista Sociedade e Estado faz 30 anos! Uma data comemorativa enseja sempre um momento de congratulação e reconhecimento. Essa experiência de celebração traz em si também uma memória coletiva que se traduz em história, objeto da homenagem. No caso de uma revista acadêmica, além de abarcar um registro vívido de um tempo, expresso em suas escolhas temáticas e linha editorial, também constitui parte da história de sua instituição de origem.

Por meio de uma revista acadêmica, a instituição criadora está presente em sua expressão mais ativa na produção e difusão da ciência. Pode-se até usar a imagem de ser a revista o retrato da instituição, pois cada número representa o tecido de um tempo e de fenômenos precisos. Um flash, pode-se assim nominar! Cada edição é uma nova foto que reunidas compõem uma narrativa daquele tempo, que, por sua vez, conecta-se com outros tempos, ultrapassando o limite datado.

Como prognóstico de sucesso, a linha de tempo em um meio de difusão do conhecimento como uma revista acadêmica é bastante extensa. Perpassa muitos acontecimentos, pesquisas e contribuições, indo muito além de trajetórias individuais. É um fazer e refazer permanentes. Essa linha de tempo se distribui em um passado que a constituiu, um presente no qual compartilha experiências acadêmicas e um futuro em termos projetivos. Nesse sentido, os 30 anos da revista Sociedade e Estado representam boa parte dessa linha do tempo. Já se pode considerar que chegou a idade adulta.

No quadro das grandes universidades brasileiras, a Universidade de Brasília, fundada em 1962, é uma das mais novas, sendo também novos os seus departamentos e cursos de pós-graduação. Foram os professores pioneiros do Departamento de Sociologia da UnB que criaram a revista Sociedade e Estado, em 1986, um ano antes da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a nova Constituição Brasileira, em 1988. O tema da transição política brasileira para a democracia está presente no primeiro número da revista, como descrito pelos professores que foram também os primeiros editores da revista.

Transcorridas hoje três décadas, encontram-se e interagem na história da Sociedade e Estado três gerações: a geração pioneira; alguns de seus formandos de pós-graduação, hoje professores do Departamento, contemporâneos de outros professores que ingressaram, com formação em outras universidades; e a de um grupo expressivo de novos professores, com pós-graduação em distintos centros de excelência.

Essas três gerações de professores fazem parte da trajetória da revista, com um número expressivo das gerações mais antigas participando dessa edição comemorativa dos 30 anos. Eles detêm a memória e reproduzem a história do Departamento de Sociologia da UnB, recriando assim novas trajetórias e projetos acadêmicos.

O Departamento de Sociologia possui uma identidade construída no intercâmbio dessas gerações com sólidas bagagens teóricas, com vocação para reflexões com liberdade de pensamento, porém são as suas diferenças que permitem o diálogo. Convém observar que uma das principais características do Departamento provém do próprio legado autônomo e inovador da UnB, de estar sempre aberta a novos ideais, sem predisposições a verdades absolutas nem sectarismos, mas sempre atenta aos fatos e problemas.

A história de uma instituição e de sua revista acadêmica é tecida ao longo do tempo. Nesse sentido, se constitui em um projeto inacabado. Como foi dito, a trajetória da revista Sociedade e Estado é parte da vida do Departamento de Sociologia, mas ultrapassa seu momento atual, por congregar a experiência passada, presente e futura. A revista se constitui em elo de ligação permanente entre esses três tempos. Na realidade são dois diálogos: o existente entre o passado e o presente e o projetivo entre o presente e o futuro. Os projetos da revista para o futuro estão em aberto, mas alguns deles podemos prever, dando continuidade aos anteriores, como se estivesse cerzido na revista um destino, que encontra caminhos para atingir seus objetivos.

Nas edições atuais, Sociedade e Estado incorpora novas tecnologias, mas requer muito tempo de dedicação e trabalho de um corpo editorial atento, habilidoso e competente, sempre conhecedor de novas pesquisas e temáticas. Na composição da revista três professores do Departamento fazem parte do corpo editorial; cinco, do Comitê Editorial; e do Conselho Editorial aproximadamente duas dezenas de eminentes pesquisadores reconhecidos nacional e internacionalmente.

Como ser editora da revista Sociedade e Estado? A experiência de ser por três vezes editora diz muito de seus desafios e dificuldades, como relata Lourdes Bandeira, à frente da editoria da revista por mais de dez anos. Ela descreve que ao completar três décadas de existência, a revista registra o pensamento, a memória e a produção acadêmica no âmbito da sociologia brasileira e de uma época; e, ao mesmo tempo, contribui para a consolidação do campo acadêmico da sociologia e, por extensão, das ciências sociais no Brasil. Fomenta publicações de diversos pesquisadores/as tanto nacionais como internacionais, assim como atualiza percursos acadêmicos relativos à produção de teses do programa, contribuindo para a divulgação de futuros/as pesquisadores/as.

Todavia, no decorrer destas três décadas, muitas dificuldades se interpuseram na continuidade da revista que foram claramente percebidas na estruturação de sua editoria. Contar com a expectativa de uma longa existência para uma publicação acadêmica, nos tempos atuais, demanda a presença de uma editoria experiente e consistente. Nem sempre isso é muito evidente na compreensão de como funcionam as hierarquias de gênero de uma revista, seja no âmbito interno ou institucional.

Nos últimos anos, o ingresso de novos/as professores/as na universidade pública, e falando especificamente no Departamento de Sociologia da UnB, produziu novas segmentações. O SOL, como é chamado pela sigla o Departamento de Sociologia, é composto majoritariamente por jovens professores/as doutores/as, predominantemente do sexo masculino, cujas condições de trabalho exigidas pela revista não canalizam seus interesses imediatos.

Foi, predominantemente, com a colaboração de um corpo de professores que se disponibilizou que a revista manteve sua excelência, sobretudo porque ser membro do corpo editorial requer além de tempo, reconhecimento e legitimidade. Não é fácil lidar com a trajetória profissional junto aos pares, com a gestão institucional e as agências de fomento. Pois, são estas últimas, sobretudo, que acabam por proporcionar os recursos financeiros significativos para a manutenção da revista.

No decorrer destas três décadas, muitas atividades atribuídas ao corpo editorial - não é o caso de expô-las ao conhecimento aqui - exigiram um bom volume de trabalho e de dedicação, sobretudo, frente à tomada de decisão junto às demandas que são geometricamente desproporcionais às condições matérias, reais e efetivas de publicação. Trata-se de uma revista com classificação de excelência: Qualis A1, atribuída pela Capes, desde 2013. Na UnB existem apenas duas revistas acadêmicas com esta classificação.

Não há evidências sobre as transformações em curso na desproporção entre homens e mulheres no desempenho do exercício profissional nas universidades. As diferenças vão além da condição entre os gêneros. Estão presentes também entre o grupo de mulheres, evidenciando a diversidade de experiências, gerações, identidades e subjetividades. Em outras palavras, tais diferenças também se refletem na atuação editorial e não se pode menosprezá-las, pois se estabelecem relações de poder simbólico, nem sempre claras.

De acordo com Lourdes Bandeira, essas diferenças e outras que ela nominou de "disputa" relativa ao campo, aparecem também nas demandas para publicação de artigos e extrapolam, consideravelmente, o campo disciplinar da sociologia e das ciências sociais stricto sensu. Às vezes, outras áreas disciplinares que nem interagem com a sociologia reivindicam a publicação de seus artigos. Recusar é sempre difícil, embora os critérios sejam explícitos no site da revista. Os artigos propostos, quando na condição temática de fronteira com a sociologia, demandam procedimentos do corpo editorial, que precisa submetê-los as regras formais (dois pareceristas). Quando há divergência entre os dois pareceres dados, passa-se a demandar um terceiro, afim de que se possa tomar a decisão.

Algumas dificuldades surgem na solicitação dos pareceres. Alguns pareceristas nem sempre cumprem os prazos definidos, embora o tempo seja indicado no momento de envio do pedido de parecer. Nos aspectos formais e institucionais, quando uma revista acadêmica é pensada, no geral, dimensiona-se sua dimensão de profissionalização e de uma cultura organizacional. Os interesses que a mobilizam dizem respeito mais a visibilidade da produção acadêmica e de seus/as respectivos/as autores/as por meio da publicação no campo disciplinar de artigos, trabalhos resultados de pesquisa, entrevistas, ensaios etc. Da parte do corpo editorial como um todo, nem sempre fica evidente a lembrança sobre a necessidade de conhecer procedimentos editoriais, contatos com profissionais especializados, como revisor, gráfico, programador, designer gráfico, entre outros.

Ademais, percebe-se que na UnB ainda não se conhece uma política consolidada de apoio institucional para publicação de revistas acadêmicas. Não há uma cultura organizacional ou de gestão para tratar das publicações universitárias. Paradoxos existem, a saber: se os/as professores/as assim como os programas de pós-graduação são avaliados pelas agências de fomento e pela Capes, pela produção, em suas dimensões qualitativa-quantitativas, seria óbvio que medidas e estratégias de incentivo a publicações fossem promovidas na instituição. Isso não ocorre, ao contrário, a equipe editorial tem se defrontado, a cada número, com dificuldades e parcos recursos institucionais, ficando o/a editor/a à mercê da boa vontade da burocracia.

Este número especial da Sociedade e Estado se compõe de três partes: de um dossiê temático sobre a revista, com três artigos; de três aulas inaugurais ministradas nos últimos anos por ex-professoras do Departamento; e de um conjunto de cinco artigos. Há uma interface entre os artigos do dossiê e as aulas inaugurais com os artigos da terceira parte que têm a UnB como objeto de reflexão.

João Gabriel Teixeira e Maria Lucia Maciel, primeiros editores da revista Sociedade e Estado, contribuem com o relato de pesquisa: "O nascimento de uma revista acadêmica" e descrevem os desafios da construção de uma revista acadêmica. O texto se concentra mais no primeiro número da revista e na contribuição dos artigos dos diversos autores ao debate brasileiro vigente sobre a realização da Assembleia Nacional Constituinte. O contexto político era de inserção da universidade nesse debate, com a criação de um Centro de Estudo sobre a Constituinte, no qual o Departamento de Sociologia teve um papel ativo. Era o alvorecer da chamada Nova República e a UnB tinha acabado de eleger o primeiro reitor por eleições diretas, Cristovam Buarque.

O artigo "Três olhares: um só foco", de Maria Francisca Pinheiro Coelho, Lourdes Maria Bandeira e Mariza Veloso procura situar o lugar de relevância das ciências sociais no projeto original da UnB, como ponto de interação entre as diferentes áreas das ciências. Descreve também sobre a história do Departamento de Sociologia e o momento político de protestos estudantis vivido pela UnB em meados dos anos 1970. Relata o perfil dos/as primeiros/as professores/as, a composição das turmas de pós-graduação, destacando as preocupações, temas e objetos de estudo mais recorrentes. Procura relacionar o ethos da diversidade e pluralidade do corpo docente do Departamento de Sociologia com os ideais formadores da UnB.

O artigo "Sociedade e Estado (S&E): trinta anos de produção científica e pioneirismo na difusão do conhecimento em sociologia no Brasil", de Ana Cristina Collares, Sergio B. F. Tavolaro e Tânia Mara C. De Almeida, faz um histórico da revista e do seu perfil, descreve as composições editoriais, dossiês temáticos e autorias estrangeiras. Informa sobre os meios eletrônicos de acesso à revista, os temas de pesquisa e estudo e seleciona os artigos mais acessados durante esses trinta anos. Destaca o objetivo central da revista em colaborar com a atualização e o fomento do debate sociológico à luz de pesquisas desenvolvidas em centros de excelência acadêmica em todo mundo, construindo estatísticas dos assuntos mais abordados pela revista.

A aula inaugural de Barbara Freitag Rouanet, ministrada no Departamento de Sociologia, em 24 de setembro de 2015, foi sobre a discórdia filosófica entre Habermas e Heidegger, tendo a autora utilizado para fundamentar os elementos centrais da divergência entre os dois filósofos os Cadernos Negros de Heidegger que vieram a público em recentes anos. A aula inaugural de Fernanda A. da F. Sobral proferida em 27 de abril de 2016 foi sobre o tema da educação e ciência. Fernanda Sobral abordou o tema com base em sua experiência acadêmica e institucional na Universidade de Brasília e em outros centros de ciência e tecnologia nos quais trabalhou como pesquisadora da área. A aula inaugural de Ana Maria Fernandes foi ministrada no segundo semestre de 2016 e teve como tema a ciência como vocação, como prática e objeto de estudo. A professora discorreu sobre sua experiência de elaborar uma tese no exterior sobre a história da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Relatou sua pesquisa e os recursos utilizados no levantamento de dados no Brasil.

O artigo "Planejamento urbano, arquitetura e urbanismo: a serviços de uma outra geografia? Brasilmar Ferreira Nunes (em memória)" trata-se de um texto inédito do nosso colega que nos deixou em abril de 2016. É um texto inicial sobre as grandes metrópoles da atualidade produtos da globalização que interagem entre si como grandes centros do capitalismo financeiro, com autonomia em relação aos Estados-nações. O artigo é introduzido por Christiane Girard Ferreira Nunes e depois comentado pela arquiteta urbanista Norma Lacerda. Trata-se de um ensaio sobre uma de suas últimas reflexões, a relevância das grandes megalópoles no contexto da globalização. O quadro caleidoscópio nas metrópoles é também o espaço físico fabricado por indivíduos que o habitam e o usam no seu dia a dia.

O artigo de Helena Bomeny, "Universidade de Brasília: filha da utopia de reparação" dialoga com a primeira parte do dossiê dessa revista ao abordar os ideais fundadores da Universidade e os desafios de sua criação nos anos 1960. A autora pesquisou a documentação do acervo Darcy Ribeiro depositado na UnB e fez uma leitura da correspondência entre Darcy e um grupo de intelectuais no período compreendido entre 1958 e 1968. Esse período definiu o próprio curso da universidade, sinalizando a dimensão especial conferida ao projeto da UnB frente às demais instituições de ensino superior no Brasil.

O artigo "A teoria marxista da dependência: papel e lugar das ciências sociais da Universidade de Brasília", de Sadi Dal Rosso e Raphael Lana Seabra, resulta de uma pesquisa sobre o espaço de produção da teoria da dependência na UnB, com base nas contribuições de quatro professores: Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra e André Gunder Frank. Os autores do artigo argumentam que o estudo da contribuição desses cientistas sociais e a retomada atual dos estudos da teoria da dependência abrem um novo marco de reconsideração e interpretação dos principais elementos teóricos e analíticos dessa teoria para o estudo do desenvolvimento capitalista.

William Héctor Gómez Soto, no artigo "Sociologia e história na obra de José de Souza Martins", faz um inventário das contribuições deste sociólogo no campo da sociologia rural e das populações no campo. O autor do artigo analisa a sociologia de José de Souza Martins com foco em sua perspectiva teórica e no método dialético utilizado. Em seus estudos, Martins combinaria sociologia e história, o que conferiria uma das principais características de sua sociologia, ou seja, seu enraizamento nas condições históricas e nas peculiaridades da sociedade brasileira.

O artigo "O que as teorias do reconhecimento têm a dizer sobre as manifestações de rua em 2013 no Brasil", de Celi Regina Jardim Pinto, tem como objetivo analisar essas manifestações com base nos pressupostos dessas teorias. Com esse fim, examina as contribuições de Nancy Fraser, Axel Honneth e Judith Butler. Segundo a análise da autora do texto, nas manifestações de rua de 2013 a ausência de sujeitos coletivos organizados resultou em uma dispersão e em uma fragmentação dessas mobilizações, resultando em uma demanda por reconhecimento antipolítica e individualizada.

De certa forma, como mencionado, a maior parte dos artigos que compõem essa edição especial da revista mantêm um diálogo entre si, no qual a referência principal é a Universidade de Brasília, seus desafios e peculiaridades. Por fim, gostaríamos de agradecer a todas as participações neste número da revista que é também seu último número impresso em papel, devido aos custos presentes de produção.

Sabemos que muitos ainda preferem as edições no papel, mas essas mudanças são sinais dos tempos. Alguns professores que foram convidados a escrever não puderam participar, mas estão presentes nos acontecimentos narrados aqui. Todos, sem exceção, participaram efetivamente da construção do Departamento de Sociologia e da ciência produzida na instituição. Seus nomes estão também registrados nas páginas e na história da revista Sociedade e Estado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016
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