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Brasília: da utopia à dura realidade

RESENHAS

Brasília: da utopia à dura realidade

Por Ronaldo Conde Aguiar

Doutor em Sociologia, professor de Centro de Desenvolvimento Sustentável, da Universidade de Brasília (CDS-UnB).

PAVIANI, Aldo; GOUVÊA, Luiz Alberto de Campos (Orgs.). Brasília: controvérsias ambientais. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2003. 316 p.

Tinha tomado uma decisão que julgava definitiva: a de não mais escrever, ou ler, resenhas. Na verdade, a resenha sempre me pareceu um contra-senso, uma espécie de vazio literário. Não sendo propriamente crítica (tal como a praticavam Otto Maria Carpeaux, Álvaro Lins, Tristão de Athayde, Brito Broca, entre outros), as resenhas, em geral, não fazem análise a sério, mas dão ao resenhista a oportunidade de emitir juízos categóricos, quase sempre duvidosos e equivocados, sobre a obra resenhada. Claro, há exceções, mas estas são tão raras que não chegam, nem de longe, a absolver resenhas e resenhistas dos seus pecados, que são muitos.

O mundo, porém, dá muitas voltas. Dias atrás, chegou-me às mãos o livro Brasília: controvérsias ambientais e, com ele, o recado de um amigo: queria que eu escrevesse uma resenha sobre ele. Pensei em recusar o convite, mas ao examinar o livro mudei de opinião: trata-se de um grande livro, e eu não posso deixar de, pelo menos, recomendar a sua leitura. Mesmo correndo o risco do paradoxo, é este o objetivo da presente resenha (digo, do comentário): recomendar a leitura do livro.

Contudo, pensando bem, não basta apenas recomendar o livro. É preciso explicar por que estou sugerindo a leitura do livro. Há quem diga que a produção científica sobre Brasília é extensa mas isto, antes de tudo, atesta a dimensão das perplexidades e problemas que a cidade criou nos seus quarenta e poucos anos de vida. Nesse sentido, Brasília: controvérsias ambientais é mais um livro sobre a cidade; mas é também, e sobretudo, um livro que preenche um vazio, pois estuda de forma integrada diferentes aspectos do ambiente urbano da capital, tendo como denominador comum as questões da qualidade de vida da sua população.

Sabe-se que a evolução urbana de Brasília seguiu caminho bem diverso daquele idealizado pelos seus fundadores. Brasília foi pensada para ser o oposto das demais cidades brasileiras, as quais, como acentuou Brasilmar Ferreira Nunes, formaram-se de maneira voluntária, arbitrária, adquirindo dinâmica e contornos próprios. Supunha-se, por exemplo, que Brasília, no ano 2000, teria menos de meio milhão de habitantes. Não teria cidades satélites, nem "entornos", e proporcionaria a integração social dos seus moradores nas famosas superquadras, onde diretores e contínuos, funcionários e motoristas, ministros e ascensoristas conviveriam em doce fraternidade. Entre a utopia que norteou a sua construção e os dias de hoje, em que Brasília já mostra sinais evidentes de caos urbano, a distância se explica pelas próprias características do processo social brasileiro.

Hoje, Brasília está longe daquilo que idealizaram os seus fundadores. Um colar de cidades-satélites espalha-se pelo quadrilátero, expondo carências, dramas e problemas, que as nossas autoridades empurram com a barriga. Aliás, muitas dessas cidades-satélites foram criadas pelo poder público, uma ciranda populista e irresponsável que potencializou a miséria, o atraso e o descalabro ambiental na capital brasileira. Em geral, as cidades-satélites são carentes de abastecimento d'água, de redes de esgoto, de escolas, hospitais, policiamento, e, dependendo da época do ano, suas ruas são lamaçais ou vulcões de poeira.

Longe de garantir a integração social dos seus moradores, como sonhavam os fundadores, Brasília apresenta, quatro décadas depois da sua inauguração, os piores índices de concentração de renda do país. Contínuos, motoristas e ascensoristas foram devidamente tocados para as cidades-satélites ou para o Entorno, conjunto de cidades goianas paupérrimas que cercam o Distrito Federal. A especulação imobiliária, as invasões e os loteamentos clandestinos campeiam, com o beneplácito das autoridades. Nas famosas superquadras moram as classes médias brasilienses e uma pequena parte das elites, estas, sobretudo, nas superquadras mais nobres. A maior parte das elites vive nos palacetes e mansões dos Lagos Sul (principalmente) e Norte. A divisão de classes de Brasília encontrou na distribuição do espaço urbano a sua mais completa tradução.

Os autores de Brasília: controvérsias ambientais são unânimes em reconhecer que a capital é vítima de um "processo de urbanização submetido às pressões socioeconômicas do subdesenvolvimento brasileiro". Isto significa, segundo notou Aldo Paviani, que Brasília, hoje, demonstra problemas idênticos aos das demais cidades do Brasil. Com um agravante: apesar das inúmeras restrições legais às atividades potencialmente poluentes (o que seria um ganho urbanístico e, mesmo, civilizatório), Brasília sofre de graves problemas socioambientais. Nesse sentido, os debates e pesquisas em torno da sustentabilidade urbana de Brasília tornaram-se urgentes e inadiáveis, pois, a julgar pelas condições atuais, estamos avançando, célere e inexoravelmente, em direção a uma crise ambiental insuportável.

Mas, Brasília: controvérsias ambientais não se limita apenas a constatar os problemas. Discute soluções e propostas. É, também por isso, um grande livro. Espero que ele seja lido, discutido e divulgado. Aldo Paviani e Luiz Alberto de Campos Gouvêa reuniram os melhores especialistas brasilienses (geógrafos, sociólogos, urbanistas, psicólogos e economistas) em questões urbanas e todos eles, movidos pelo mesmo sentimento de respeito e carinho por Brasília, escreveram textos da mais fina qualidade científica e intelectual. Textos, enfim, de alerta, confiança e chamamento à consciência e ação de todos nós.

É preciso repetir: Brasília: controvérsias ambientais é um grande livro. Merece ser lido, debatido e divulgado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2003
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