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No Greenfield também há resistência

RESENHAS

No Greenfield também há resistência

por Jacqueline Oliveira Silva

Professora titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo (RS). E-mail: jacquelines@unisinos.br

FRANCISCO, Elaine Marlova Venzon. A comissão enxuta: ação política na fábrica do consórcio modular em Resende. Bauru (SP): Edusc, 2005. 352 p.

Premiado na edição 2004 do concurso da Editora da Universidade do Sagrado Coração (Edusc) & Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e prefaciado por José Ricardo Ramalho, o livro de Elaine Marlova Venzon Francisco, assistente social, doutora em Sociologia e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresenta uma abordagem inovadora sobre "o chão de fábrica" através do estudo de caso no consórcio modular da fábrica de veículos Volkswagen, em Resende, no Rio de Janeiro, surgido no contexto da política industrial implantada nos anos 90.

A autora vai buscar na experiência, no sentido dado por E. P. Thompson, a ação política nas relações de sociais de trabalho, num greenfield sindical, onde se implanta uma forma de arranjo empresarial ainda novo no Brasil: o consórcio modular.

Este formato de gestão empresarial tem, dentre outras características, parcerias inter firmas que estabelecem dentro da fábrica relações condominiais entre si, a produção flexível e a cooperação entre parceiros, aqui incluídos os representantes dos trabalhadores sob a forma de sindicato ou comissão de fábrica.

Na pesquisa empreendida pela autora, a comissão de fabrica é o objeto central. Sua hipótese é que, no interior do consórcio modular, a cultura existente é pautada na busca de soluções de consenso, afetando as ações políticas da comissão de fábrica. A cultura política do consenso é potencializada pelas características de greenfield do caso em estudo.

A forma de organização produtiva chamada consórcio modular, dadas as suas características, fartamente descritas neste livro, fundamenta-se em uma cultura de cooperação e de formação de consensos, tendendo a configurar no espaço da fábrica um campo de "não política", sem a presença de conflitos. Mas a autora refutará esta assertiva apresentando ao leitor, com grande detalhamento, a existência de uma forma de ação política que, no cotidiano da fábrica, legitima um sujeito político distinto do sindicalismo típico. No cumprimento desta tarefa, resgatará a história das comissões de fábrica no Brasil, permitindo ao leitor a contextualização desta forma de organização coletiva no bojo do movimento sindical e da reestruturação produtiva.

A abordagem adotada traz à luz as principais polêmicas em torno das comissões de fábrica, problematizando seu potencial revolucionário ou reformista, dado o seu caráter de representação direta e autônoma dos trabalhadores. Na sustentação de sua análise, Elaine Marlova percorre produções da sociologia do trabalho e enuncia pesquisas das mais significativas sobre as complexas tramas do mundo do trabalho.

Considerando o espaço da fábrica como um lugar de conflito, a autora consegue em sua pesquisa caracterizar que, apesar do uso de sofisticadas estratégias de anulação política dos trabalhadores, estes criam formas de defesa de seus interesses reinventando a ação política no cotidiano, principalmente no que se refere à democratização das relações no trabalho.

A autora consegue demonstrar que a ação política existe mesmo sob a égide do "consenso" e da cooperação. Para tanto, além dos dados de pesquisa, de grande importância são as contribuições de Jacques Rancière e Chantal Mouffé, discutindo que também as tentativas de domesticação do político se configuram como política. Tem-se neste livro uma demonstração dos inúmeros arranjos e tensões que se dão no interior do consórcio modular em sua busca de redução dos antagonismos de interesses e de soluções consensuadas.

Em que pesem as estratégias de negociação permanente contidas no consórcio modular e a existência de obrigações mútuas pactuadas entre os atores, a autora nos demonstra a impossibilidade de tais estratégias superarem o conflito básico de interesses entre o capital e o trabalho, presentes também na "nova fábrica".

Nas palavras da autora, "o perfil do consórcio modular restringe e molda a ação política, mas não impede que a comissão de fábrica vá formando a sua própria identidade na relação com os demais sujeitos. Isso é mais perceptível quando expressa a sua ação política revelando o espaço da fábrica como um espaço de consenso e de dissenso, de cooperação e de conflito, de tolerância e de disputa."

O livro de Elaine Marlova Venzon Francisco é uma importante referência para a compreensão das dimensões políticas contidas nas novas estratégias de gestão capitalista e na descoberta da política onde ela parece não mais existir ou ser impossível de incrementar.

Neste sentido, o estudo de Elaine Marlova traz uma grande contribuição para as Ciências Sociais, sobretudo acerca das relações de trabalho surgidas ao longo do processo de reestruturação produtiva na economia globalizada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2006
  • Data do Fascículo
    Abr 2006
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