Open-access Soberania tecnológica vs. colonialidade digital: Estado inteligente e políticas públicas para uma IA Bethânia

Technological sovereignty vs. digital coloniality: Smart state and public policies for an AI Bethânia

Resumo:

O desenvolvimento tecnológico impõe novos desafios ao Estado e requer um exame teórico crítico. Por esse quadro, esta pesquisa dedica-se a analisar o desenvolvimento do colonialismo e da colonialidade para - a posterior - indicar o conceito de colonialidade digital e a necessidade de enfrentamento desse fenômeno, sobretudo para garantir a soberania tecnológica e o desenvolvimento de uma Inteligência Artificial (IA) própria ao contexto brasileiro, evitando a concentração do poder tecnológico e a pilhagem informacional. Constitui objetivo primordial da investigação uma abordagem de decolonialidade digital, a indicar a possibilidade de o Brasil adotar configuração de Estado inteligente, criando e orientando o desenvolvimento de algoritmos próprios e alinhados aos fundamentos e objetivos da Constituição de 1988, a implementar um modelo de IA Bethânia (brasileira) que antropofagize as características e necessidades do país, tendo sua construção a partir de políticas públicas de Estado para a soberania tecnológica e o desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: Soberania tecnológica; Colonialidade digital; Estado inteligente; Políticas públicas; Inteligência Artificial (IA).

Abstract:

Technological development imposes new challenges on the State and requires a critical theoretical examination. In this context, this research is dedicated to analyzing the development of colonialism and coloniality in order to, later, introduce the concept of digital coloniality and the need to confront this phenomenon, especially to ensure technological sovereignty and the development of an Artificial Intelligence (AI) that is tailored to the Brazilian context, avoiding the concentration of technological power and informational plundering. The primary objective of this investigation is to propose a digital decolonial approach, indicating the possibility for Brazil to adopt the configuration of an intelligent State, creating and guiding the development of algorithms that are aligned with the foundations and objectives of the 1988 Constitution. This would involve implementing a Bethânia (Brazilian) AI model that adapts the country’s characteristics and needs, building it through state public policies aimed at technological sovereignty and sustainable development.

Keywords: Technological sovereignty; Digital coloniality; Intelligent State; Public policies; Artificial Intelligence (AI).

1 Introdução

A revolução tecnológica, com destaque para o desenvolvimento e utilização de Inteligência Artificial (IA), tem demonstrado uma outra forma de colonialidade, que ultrapassa, agora, os limites da dominação econômica, territorial e política, expressando-se na concentração do poder tecnológico e pilhagem informacional via grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs.

A colonialidade digital impõe e prolonga a subalternização de países em desenvolvimento, incluídos na periferia do capitalismo, principalmente aqueles do Sul Global, que passam a assumir um papel de mero consumidor de modelos de IA produzidos por empresas que dominam o setor. Uma configuração que não limita somente a capacidade de os Estados exercerem sua soberania tecnológica, mas igualmente a concretização dos objetivos constitucionais internos, o avanço na pauta da promoção dos direitos fundamentais e o aprofundamento de uma adequada e mesmo impostergável dimensão de desenvolvimento sustentável.

Diante desse quadro, a pesquisa tem como problemática o enfrentamento da colonialidade digital no contexto brasileiro e o papel do Estado diante das constantes inovações em matéria de IA, com destaque para uma atuação estatal mais proativa e que alinhe os meios disponíveis para o desenvolvimento de um modelo de IA nacional.

Constitui objetivo precípuo do estudo uma abordagem de decolonialidade digital, a indicar a possibilidade de o Brasil adotar uma configuração enquanto Estado inteligente para além da regulação em matéria de IA, criando e orientando algoritmos próprios, alinhados aos fundamentos e objetivos constitucionais definidos na Constituição de 1988. Ainda, pugna pela implementação de uma IA Bethânia, brasileira, que antropofagiza características sociais, econômicas e políticas peculiares ao país como instrumento de soberania e desenvolvimento sustentável.

Metodologicamente, a investigação tem abordagem procedimental de caráter dedutivo, com apoio nas técnicas de pesquisa bibliográfica, documental e legislativa. Inicialmente é feita análise histórico-crítica dos processos de colonização e colonialidade, resultando no conceito de colonialidade digital. Em seguida, aborda-se a noção de Estado inteligente como reação de decolonialização tecnológica. Por fim, são tratadas as políticas públicas como ferramentas de alinhamento dos meios disponíveis ao Estado para a construção de uma IA Bethânia, a promover soberania nacional em IA e modelos de algoritmos adequadamente treinados e capazes de atender o interesse público.

Apenas para antecipar algumas das conclusões, parece essencial e mesmo urgente reconhecer a indispensabilidade de uma reação estatal à colonialidade digital com a decolonialização da Inteligência Artificial. A ideia de uma IA Bethânia, modelo de IA brasileiro, surge enquanto resposta para ordenar o desenvolvimento e treinamento de algoritmos com o interesse público e as disposições da Constituição de 1988, impulsionando a soberania tecnológica e o desenvolvimento sustentável. Ainda, mostra-se imperativa e impostergável a discussão sobre um Estado mais ativo e inteligente, devotado à formulação, implementação e avaliação de políticas públicas baseadas em IA própria, a mirar na direção de políticas públicas de Estado para o longo prazo.

2 Colonialidade digital e soberania tecnológica: da reviravolta histórica à independência nacional?

Parece seguro afirmar que, sobretudo desde os últimos anos, o desenvolvimento tecnológico tem acelerado fortemente e gerado diversas possibilidades para o aperfeiçoamento de processos e técnicas empregados nas mais variadas áreas da vida humana, seja no âmbito do trabalho, comunicação, relações pessoais e, até mesmo, nas relações entre cidadãos/cidadãs e Estados e, também, entre Estados em nível global.

Inclusive, ao referir-se ao avanço da tecnologia, Klaus Schwab utiliza o termo “revolução” para enfatizar uma alteração abrupta e radical, especialmente para esclarecer que “as revoluções têm ocorrido quando novas tecnologias e novas formas de perceber o mundo desencadeiam uma alteração profunda nas estruturas sociais e nos sistemas econômicos” (Schwab, 2016, p. 15).

Schwab compreende que o despontar tecnológico, com dimensão digital manifestada na chamada Internet das Coisas (IoT), significa não uma outra expressão da Revolução Industrial que conhecemos tradicionalmente, mas sim uma verdadeira “Quarta Revolução”, impulsionada sobretudo pela velocidade, amplitude, profundidade e impacto sistêmico provocados na organização humana (Schwab, 2016, p. 13).

Com relação ao impacto sistêmico, escreve o autor que ele “envolve a transformação de sistemas inteiros entre países e dentro deles, em empresas, indústrias e em toda a sociedade” (Schwab, 2016, p. 13). Vale, então, ampliar este prisma de análise da Revolução Tecnológica para analisar as relações (re)estabelecidas no mundo pós-moderno, de forma particular para compreender as (re)configurações da colonialidade no contexto digital.

Na obra de Aníbal Quijano (2005) encontra-se uma diferenciação contundente entre os termos colonialismo e colonialidade. Enquanto o primeiro diz respeito ao processo de dominação direta e impositiva na perspectiva eurocêntrica, a colonialidade significa a continuidade da dominação, porém com um padrão de poder cognitivo,1 “uma nova perspectiva de conhecimento dentro da qual o não-europeu era o passado e desse modo inferior, sempre primitivo” (Quijano, 2005, p. 116).

O eurocentrismo ditou não somente as práticas de expansão comercial e territorial, pelo colonialismo e imperialismo, mas também - com a colonialidade - dedicou-se à construção de “padrões intelectuais” próprios da Modernidade como, v.g., a racionalidade e a secularização do pensamento.

Avançando em sua teoria, Quijano (2005, p. 116) explica que houve um processo de consolidação do conhecimento na perspectiva eurocêntrica - com a colonialidade - baseado no dualismo (europeu-não europeu, civilizado-primitivo, moderno-tradicional), na evolução linear, na admissão da ideia de raça e a consideração de tudo o que não for europeu enquanto “passado” da humanidade.

Historicamente, o colonialismo e, consequentemente, a colonialidade, podem ser observados a partir das duas primeiras ondas da colonização europeia. Sobre o tema, Mary Gilmartin (2009, p. 130) registra que a primeira onda de expansão colonial e imperial europeia visou as Américas, o Norte e o Sul, assim como as Caraíbas. Nesse quadro, Espanha e Portugal foram os principais responsáveis pela colonização. Posteriormente, na segunda onda, britânicos, franceses e holandeses avançaram principalmente na América do Norte e no Caribe. Não à toa estabeleceu-se hegemonicamente a “alma do novo mundo” na zona centro-norte da Europa Ocidental (Quijano, 2015, p. 114).

Para uma breve discussão sobre o tema, apenas nos limites deste estudo e sem qualquer pretensão de aprofundamento/exaurimento, cabe recuperar que o colonialismo europeu foi caracteristicamente violento e prejudicial ao tempo em que criou uma identidade superior e subalternizou outras comunidades e culturas.2 A chamada colonialidade do poder é configuração de poder sistemático “que tornou a dominação e a ideia de superioridade europeia concepções naturais difundidas no mundo inteiro, primeiro na América, depois na África e Ásia” (Maia; Farias, 2020, p. 582).

Mas, se por um lado a colonização promovida pela Europa Ocidental teve inicialmente “seus sucessos”, por outro, não conseguiu explicar-se e manter-se no contexto da América do Norte. Entre outras razões, a Revolução Americana, iniciada em 1775, decorreu da insatisfação pela forma como o domínio britânico era exercido sobre as colônias americanas após a Guerra dos Sete Anos. Como resultado, houve a independência das trezes colônias e a formação dos Estados Unidos da América (04 de julho de 1776), reconhecida formalmente sua independência em 1783 pelo extinto Reino da Grã-Bretanha com o Tratado de Paris (Rodrigues, 2002).

Após esses acontecimentos, Fulvio Lorefice (2015) esclarece que no desenrolar fático a independência americana e, igualmente, a sua colocação enquanto nação hegemônica implicou em um processo significativamente multiforme. O autor afirma que “a transição da hegemonia britânica à hegemonia americana foi, de facto, um processo complexo e não-linear, que terminou apenas após a segunda guerra mundial” (Lorefice, 2015, p. 02).

Nesse intermédio, é possível contemplar a força estadunidense em contrapor-se ao domínio da Europa Ocidental, inclusive com a sua liberdade de capital que viabilizou investimentos em grande escala no interior e exterior, situação distinta da britânica, que se viu limitada quanto ao seu capital e comprometida com a insuficiência de reservas para a regulação do sistema monetário mundial (Lorefice, 2015).3

Essa sorte, claro, não alcançou a realidade da América Latina, que foi lançada ao que posteriormente ficou conhecido como periferia econômica do mundo, incluindo países subdesenvolvidos e em desenvolvimento que tentavam (ou pelo menos tentaram) trilhar os mesmos passos que os países desenvolvidos em termos de progresso técnico (Nassif, 2021).

Os Estados Unidos, a partir de 1910, mesmo que a despeito de duas recessões menores que se seguiram e da Primeira Guerra Mundial, estabeleceu-se como potência econômica, controlando parte significativa da reserva mundial de ouro. O dólar tornou-se a moeda forte - contrapondo ainda mais os interesses norte-americanos aos interesses europeus.

Para Lorefice foi “um período de prosperidade extraordinária que caracterizou os anos de 1925 a 1929” (2015, p. 05), facilitando “esse país [EUA] no seu desafio em superar a primazia da burguesia comercial europeia” (2015, p. 06). Ainda, segundo o autor, ficou evidente o aumento expressivo (e desigual) de renda, a diversificação de produtos e de mercados, além da cultura do consumo (2015, p. 11).4

Mesmo com a crise de 1929, que ficou conhecida como a grande depressão, os EUA permaneceram ocupando lugar central no cenário capitalista. Após a Segunda Guerra, atuaram para a organização do sistema monetário internacional, definição de taxa de câmbio em dólar e ouro, além da criação de instituições internacionais econômicas, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial (Santos, 2006).

As tratativas para a concretização de um mercado internacional multipolar, lideradas por outros países capitalistas como Japão e Alemanha, por exemplo, foram boicotadas pelos EUA, impondo o padrão dólar e a mobilidade de capitais financeiros, a partir de 1972 (Santos, 2006, p. 41).

Somado a isso, o capitalismo, antes baseado no investimento industrial, passou a ter um caráter puramente financeiro. O Banco Internacional, após adquirir certa independência com relação ao EUA, tentou novamente um outro sistema monetário, mas unilateralmente foi reforçada a imposição do dólar e sua hegemonia no sistema internacional - “cristalizaram-se os interesses do capital financeiro de Wall Street e a supremacia dos EUA no sistema monetário-financeiro internacional” (Santos, 2006, p. 42).

Assim, percebe-se uma “verdadeira reviravolta” em termos de posições de poder no plano global que foi sendo consolidada com o decorrer do tempo. Se, incialmente, houve um sucesso da ação colonialista europeia nas Américas, África e Ásia, após a independência dos EUA e com as afirmações econômicas unilaterais adotadas a posteriori a Europa passou a ser, de certo modo, refém do sistema capitalista ditado hegemonicamente pelos estadunidenses, que deslocou seu caráter industrial para o eixo financeiro (ou financeirizado), rompendo as barreiras territoriais com a globalização.

Os efeitos do colonialismo deram lugar à colonialidade. Primeiro, a lógica da colonialidade perpassa questões como raça e gênero, a própria construção da ideia de “o outro” com o modelo eurocêntrico. Após o esvaziamento de poder da Europa Ocidental, remanescendo as principais características de diferenciações, a colonialidade passou a ser exercida por uma potência em termos econômicos, subalternizando países da própria Europa, além dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos.

Atualmente, essa colonialidade tem sido reforçada por uma nova configuração: o capitalismo financeiro, tido como terceira fase do capital, baseado na globalização, na ampliação do comércio internacional e o fluxo livre de capitais, que passou a ter gradativamente uma característica informacional, o que se pode definir como quarta fase do capital - para fins de organização lógica do pensamento.

Nesse contexto, o capitalismo informacional é baseado na supervalorização que as informações, mormente com o desenvolvimento de tecnologias da informação e comunicação (TICs),5 têm adquirido nos últimos anos, tornando-se verdadeiros ativos para o sistema financeiro e especulativo. Manuel Castells (2020) reconhece o valor da informação para a nova onda do capitalismo, além de caracterizá-la como excludente, tanto aos seres humanos quanto aos Estados em desenvolvimento.

Sobre o tema, Rodolfo da Silva Avelino (2021, p. 70) pondera:

O monopólio com base nas TIC permite uma rápida concentração de sua principal matéria-prima, os dados pessoais. É possível afirmar que na economia informacional a concentração de dados pessoais é a principal matéria para que as empresas produzam seus produtos e serviços em uma velocidade jamais vista em momentos anteriores da evolução tecnológica.

Nessa esteira, compreende-se que as informações, especialmente as pessoais, produzidas pelo uso de TICs tornaram-se espécies de comodities, agora mineradas nas redes, muitas vezes a título gratuito e com potencial para que grandes empresas de tecnologia possam moldar os comportamentos individuais e coletivos.

Avelino faz a definição de colonialismo digital, identificando-o como a “prática de aprisionamento tecnológico no ecossistema digital de dispositivos eletrônicos, protocolos de rede, linguagens de máquinas e programação” (2021, p. 73). Entretanto, mesmo considerando a aceitabilidade de tal conceito, quer-se, aqui, destacar a lógica do exercício da colonialidade digital, que é bem mais insidiosa e opaca.

Retomando o conceito de Quijano (2005), a colonialidade é uma forma de dominação cognitiva que dispensa uma formalização da subalternidade. Assim, a colonialidade digital constitui a prática de controle/hegemonia pela utilização de dados e informações pessoais ou coletivas capazes de opacamente influenciar as ações individuais e/ou públicas em determinados contextos, com destaque para os países periféricos da economia global.

Nesse ambiente, é patente o exercício da colonialidade digital por grandes empresas de tecnologia, mormente estadunidenses.6 O exercício da tecnologia tem se revelado, de fato, como um exercício de poder. Evgeny Morozov, ao denunciar que a ideia de “aldeia global” não se concretizou, pontua que não se vê “muito problema no modelo básico hipercapitalista da plataforma/monopólio adotado por muitas empresas do Vale do Silício” (Morozov, 2018, p. 15).

Com efeito, a opacidade da colonialidade digital pode ser conferida pela proteção integral de algoritmos sob o argumento da propriedade intelectual: “no caso de gigantes da web como Google, Amazon e Facebook, esses algoritmos precisamente talhados valem sozinhos centenas de bilhões de dólares” (O’Neil, 2020, p. 47).

No mesmo rumo, o Índice Global de Inovação aponta para a centralidade hegemônica estadunidense: “por mais um ano, os Estados Unidos apresentam o melhor desempenho no maior número de indicadores de inovação do IGI, ocupando a primeira posição mundial em 13 dos 80 indicadores em 2023” (WIPO, 2023, p. 14).

A concentração tecnológica e os superpoderes do Vale do Silício, ainda que os EUA tenham perdido certa competitividade - agora ladeado também por países como China, Japão e Coréia do Sul, é sinal de alerta para os rumos do desenvolvimento mundial e a necessidade de recalcular a rota do Sul Global, inclusive do Brasil, no sentido de questionar essa colonialidade em termos de soberania. Até mesmo a Europa depende disso para garantir sua soberania, sendo que Morozov aponta que “a região parece ter se conformado com o predomínio do Vale do Silício” (2018, p. 15).

Não se quer negar, entretanto, que as empresas tenham seus ativos e respectivas atividades - pelo contrário. Quer-se alertar para o perigo da aceitação gradual e lenta (ou não gradual e célere!) de que a tecnologia se concentre basicamente no setor privado, prejudicando a existência da esfera e da ação pública.

Aqui, surge questão central e incontornável: num mundo cada vez mais tecnológico, como pensar a soberania como fundamento do Estado, prevista no art. 1º, §1º, da Constituição de 1988, se o Brasil sequer está entre os mais bem colocados clusters de ciência e tecnologia? (Conte, 2024).

Na racionalidade do capitalismo informacional e da colonialidade digital, é premente que o Brasil, para a garantia de sua soberania no ambiente virtualizado, avance em termos de ciência e tecnologia questionando, reconhecendo suas diferenças e reagindo às práticas de captura tecnológica (noção de decolonialidade digital), de maneira a trabalhar interna e externamente iniciativas para a sua independência tecnológica e comprometimento com o desenvolvimento humano sustentável e integral.7 Se a reviravolta histórica concentrou a tecnologia, seguramente a independência nacional não prescinde da decolonialidade digital e da atuação contundente dos Estados.

3 Estado “acima da manada”: releitura da ação pública para uma IA adequada e sustentável

O que se percebe, com o breve panorama de avaliação do colonialismo e da colonialidade no sistema capitalista, é a concentração de um enorme poder nas mãos de grandes empresas de tecnologia, que subtraem inclusive as possibilidades de acordos de desenvolvimento cooperados internacionalmente para os Estados, uma vez que tais empresas estão fora ou dissociadas da estrutura estatal e podem prejudicar a ideia de soberania - afeta ao modelo de Estado que conhecemos atualmente.

Há, portanto, a necessidade de atuação concisa e protagonizada pelos Estados de modo que o desenvolvimento tecnológico, especialmente o uso da IA, não constitua óbice à estrutura pública e às ações de integração sustentável de cidadãos e cidadãs numa racionalidade puramente determinista.

Sobre a temática, importante reconhecer a premência da atuação do Estado para garantir que as tecnologias sejam utilizadas de maneira compatível com as disposições constitucionais internas, com respeito aos direitos humanos e ao complexo de responsabilidades que são imputadas ao poder público:

A regulação de grandes atores privados do setor de tecnologia consiste na determinação do complexo de ações e técnicas aplicáveis nesse espaço, a prevenir e corrigir práticas que violem aspectos nucleares da dignidade humana, os direitos fundamentais e o próprio funcionamento equilibrado da configuração de Estado (Sousa, Cristóvam e Machado, 2022, p. 184).

Em orientação semelhante, Mariana Mazzucato explica que “além de impor restrições às empresas privadas de IA, os Estados devem assumir um papel ativo no desenvolvimento da tecnologia, projetando sistemas e moldando mercados para o Comum” (2024, p. 01). Daí a importância do papel do Estado nesse momento evolutivo da humanidade e das comunidades organizadas coletivamente em torno de pactos constitucionais.

Mundialmente, há uma preocupação legítima em regular a utilização dos sistemas de IA visando a aplicação dos sistemas de processamento de informações com ética, respeito à privacidade e aos direitos fundamentais. Essa apreensão pode ser observada na experiência da União Europeia, que recentemente aprovou marco regulatório de IA (EU Artificial Intelligence Act), estabelecendo uma posição avançada no contexto global no tema (EU, 2024).

Por sua vez, o Brasil discute no âmbito legislativo o Projeto de Lei n.º 2.338, de 2024, de iniciativa do senador Rodrigo Pacheco, com o objetivo de regular e desenvolver o uso de IA no Brasil. Tema inegavelmente sensível e que, desde o início da sua tramitação legislativa, já conta com mais de 140 emendas (Senado Federal, 2024).

A título de informação, o projeto Participe, que colhe opinião pública sobre matérias que tramitam no Poder Legislativo brasileiro, aponta evidente divisão quanto ao apoio - pelo menos pela parcela popular que registrou voto - sobre a necessidade de regulação da IA, em que pese a maioria ter se posicionado favoravelmente ao projeto de lei:

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Participe: Projeto de Lei nº 2338, de 2023.

Tudo isso remete a pensar em decolonialidade digital enquanto reação à possibilidade de colonização digital e captura tecnológica do Estado, suas funções e objetivos definidos constitucionalmente, sobretudo no bojo da Constituição de 1988, que declara de forma explícita, no seu art. 3º, os objetivos fundamentais da República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza e da marginalização; redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos indistintamente.

O alcance desses objetivos, numa contextualização tecnológica e, portanto, digital, só será possível a partir de uma interpretação constitucional adequada e que reconheça a legitimidade do Estado em atuar em prol da coletividade, a adotar ações públicas que evitem e ou minimizem a pilhagem de dados e informações pessoais e coletivas por grandes hubs e empresas de tecnologia.

Implica, assim, no reconhecimento de que a realização dos objetivos constitucionais, na realidade atual, considerando a revolução tecnológica ou revolução 4.0, está diretamente vinculada ao exercício da soberania estatal (art. 1º, I, CF/88) e, por consequência lógica, da independência nacional (art. 4º, I, CF/88).

Recuperando os ensinamentos de Paulo Bonavides (2018, p. 119) , a soberania, na qualidade de fundamento do país, é expressão máxima de poder do Estado, “qualidade de poder supremo, apresenta duas faces distintas: a interna e a externa”. Assim, na sua dimensão interna a soberania explica o poder do Estado sobre o território e a população, ao passo que na sua dimensão externa significa a “manifestação independente do poder do Estado perante outros Estados” (Bonavides, 2018, p. 219).

Mas se em Bonavides há uma crítica clara contra um entendimento absoluto e histórico da soberania, atualmente faz-se imprescindível reconhecer que sua manifestação depende não somente de poder impositivo - respeitados os limites aplicáveis - com relação ao território, população e independência na relação com outros Estados. Relevante assegurar o poder do Estado em relação aos atores privados que dominam a esfera tecnológica - a afastar a captura pública e garantir o cumprimento do projeto constitucional de 1988.

Aqui toma centralidade a noção de Estado inteligente: organização político-administrativa que formula, implementa e avalia políticas públicas com foco na criação, orientação e regulação de tecnologias, mormente em matéria de IA, com vistas a garantir sua soberania, independência e alcance dos objetivos tatuados no respectivo tecido constitucional.

Como resposta à colonialidade digital e característica que vai se tornando cada vez mais indispensável ao Estado, especialmente para países em desenvolvimento como o Brasil, uma formatação inteligente - no sentido expresso anteriormente - traduz-se no dever que a ação pública tem de ir além e estabelecer compromissos estatais alinhados aos objetivos públicos e fora da “manada” centrada apenas na regulação, como se esta fosse a única possibilidade de atuação concreta.

Ao Estado inteligente não cabe apenas a função regulatória. Igualmente, cumpre-lhe a inevitabilidade de construir e orientar o desenvolvimento tecnológico, de forma colaborativa, integrada e dialógica, para que a máquina pública também desenvolva sua capacidade de agregar, minerar e analisar grandes volumes de dados e informações (big data), fundado na persecução do interesse público8 e na gramática constitucional humanística da defesa/promoção dos direitos fundamentais,9 respeitando os limites éticos e de privacidade dos cidadãos e cidadãs.

Essa concepção protagonista de Estado inteligente poderia sofrer objeção no sentido de que, especialmente em caso de Estados semiperiféricos como o brasileiro, não caberia a função de criar e orientar a criação/uso/manutenção de sistemas de IA. Mas seria uma crítica sem eco na Constituição de 1988, sobretudo desde a Emenda Constitucional (EC) n.º 85/2015 e a estruturação constitucional do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Informação (SNCTI), com o mandamento em seu art. 218, caput, de que o Estado “promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação”. E o §1º do mesmo art. 218 torna indelével essa dimensão, ao afirmar que constitui prioridade do Estado brasileiro a pesquisa científica básica e tecnológica, com orientação primeira para a realização do bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação nacionais (Brasil, 1988).

Com efeito, a ordem constitucional brasileira confirma um modelo de Estado inteligente do ponto de vista tecnológico, inclusive atribuindo-lhe características próprias: (i) criação compartilhada; (ii) coordenação colaborativa; e, (iii) responsabilidade no esteio do SNCTI.

Na criação compartilha, que brota da interpretação conjunta do arts. 218, §1º e 219, o Estado passa a ter responsabilidade de criar e incentivar, inclusive junto ao setor privado, soluções tecnológicas capazes de atender ao interesse público e as demandas coletivas necessárias ao desenvolvimento cultural, socioeconômico, bem-estar da comunidade e autonomia tecnológica do país.

A partir da coordenação colaborativa, prevista no art. 219-A, todos os entes federativos poderão estabelecer instrumentos de cooperação técnica com órgãos e entidades públicas ou privadas, com o compartilhamento de recursos humanos específicos, para execução de pesquisas, desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, desde que haja uma contrapartida pelo ente beneficiado pelo acordo.

Por fim, do art. 219-B compreende-se a responsabilidade estatal pela organização em regime de colaboração do SNCTI, agregando atores públicos e privados na promoção do desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação.

Da configuração do Estado inteligente na Constituição de 1988, a partir da EC n.º 85/2015, ancora-se a responsabilidade pública pela criação, orientação e regulação de sistemas de IA que sejam adequados e sustentáveis. Em reforço, Mariana Mazzucato pontua:

Para assegurarem que inovações transformadoras produzam crescimento inclusivo e sustentável, não basta que os Estados corrijam os mercados. Eles precisam moldá-los e cocriá-los. Quando os Estados contribuem para a inovação por meio de investimentos ousados, estratégicos e orientados para missões, eles podem criar novos mercados e atrair o setor privado (2024, p. 01).

Assim, o Estado brasileiro, além de regular, tem a imposição normativo-constitucional e mesmo o compromisso político-institucional de criar e orientar sistemas próprios de IA, de forma a atender o caráter de adequação dos serviços públicos e a necessidade de promoção do desenvolvimento sustentável, precipuamente a partir de políticas públicas de Estado em contraposição à colonialidade digital.

4 Estratégias de organização de meios disponíveis ao Estado: políticas públicas para uma IA Bethânia

Pensar num modelo de Estado inteligente no contexto brasileiro, assim como para o Sul Global, com as devidas ressalvas, exige o emprego de estratégias públicas capazes de superar a negligência tecnológica que não observa as características internas e pode potencializar situações de injustiça no plano técnico, no plano da Inteligência Artificial.

Sobre o tema, Diogo Cortiz da Silva (2020) tem apontado que a configuração geográfica de desenvolvimento de ferramentas de IA afeta diretamente o desenvolvimento comprometido com a dimensão social e a ideia de justiça. Aqui, evidencia-se - de forma particular - o desenvolvimento de projetos com racionalidades alheias aos objetivos constitucionais definidos na Constituição de 1988. Neste sentido, o autor pontua:

A questão geográfica é também um ponto relevante em projetos de IA. A maior parte das ferramentas utilizadas hoje no Sul Global foi desenvolvida por empresas do Norte, desconsiderando, em geral, aspectos culturais específicos da nossa realidade. Os conjuntos de dados mais populares são centrados nos Estados Unidos e na Europa ocidental, e dados de outras localidades, quando existem, costumam ser negligenciados pelos arquitetos de sistemas que desconhecem aquela cultura (Silva, 2020, p. 03-04).

Justo por isso, primordial refletir e debater a indispensabilidade de o Estado brasileiro não apenas regular a IA, mas também criar e orientar criações no sentido de gerar soluções inteligentes aplicáveis de forma adequada, sustentável e independente, inclusive a constranger práticas incomuns de gigantes tecnológicas que, de maneira opaca, possam mais ou menos facilmente se desvencilhar das normas regulatórias.

Acerca dessas práticas incomuns (ou atípicas), uma big tech ao invés de adquirir comercialmente startups inteiras, prefere somente comprar o direito de patente de determinadas criações de IA e “contratar/recontratar” os recursos humanos responsáveis pela tecnologia (Griffith; Metz, 2024). Dessa forma, em tese legítima, os interesses privados são negociados e a pilhagem tecnológica é reforçada, contribuindo para a fuga regulatória e a privatização de uso/acumulação de dados, inclusive sob pena de prejuízo coletivo - dado que a ordem econômica também se orienta, pelo menos no Brasil, para garantir a justiça social (art. 170, CF/88).

Por esse quadrante, Silva afirma ser “essencial e estratégico que as sociedades construam uma visão coletiva de futuro para trilhar um caminho social compartilhado” (Silva, 2015, p. 136). Isso justifica sustentar uma espécie de antropofagização da Inteligência Artificial para o cenário brasileiro, incumbindo ao Estado não somente regular, mas também criar e orientar estratégias por políticas públicas para uma “IA Bethânia”.

A lógica da antropofagização da IA diz respeito ao processo de inclusão, em termos técnicos, de elementos que originalmente não integram os sistemas de processamento de informação que constituem as abordagens de IA, seja no mapeamento/codificação de dados, seja no treinamento estatístico com o machine learning. Com isso, avança-se para uma modelagem de IA que observe as peculiaridades do Brasil e respeite, em tempo, os direitos fundamentais e a função do Estado especialmente na mediação e atuação concretizadora dos compromissos civilizatórios da Constituição de 1988.

Aqui, importa explicitar que a expressão “IA Bethânia” é uma analogia ao mui singular e visceral processo de antropofagia musical promovido por Maria Bethânia, intérprete brasileira, que a partir do espetáculo Opinião passou a empregar na música elementos que antes não estavam presentes no contexto, mas que deram a sua musicalidade uma epifania de brasilidade e, mais, de realidade sobre o Brasil como é (Florêncio; Trapiá Filho; Santos, 2021).

Uma IA Bethânia implica em sistemas e algoritmos competentes para a realização de tarefas complexas com eficiência e autonomia, observando ética, uso e treinamento responsáveis, segurança/proteção e concretização do catálogo de direitos humanos fundamentais tatuados na ordem constitucional brasileira, além da observância a características que integram, tanto do ponto de vista social, quanto do ponto de vista econômico e político, as necessidades do país.

Nesta altura, cumpre recuperar que as políticas públicas são no contexto brasileiro, com o permissivo da Constituição de 1988, verdadeiras estratégias de organização dos meios disponíveis ao Estado para a concretização de uma “IA Bethânia” - com a autenticidade brasileira em suas dimensões social, econômica e política. Em outras palavras:

A leitura da Constituição de 1988 permite observar que as políticas públicas podem ser concebidas como uma ação precisamente estatal, destinada a alterar condições primárias e avançar em termos civilizatórios - garantia e tutela de direitos constitucionalmente definidos (Cristóvam; Sousa, 2021, p. 308).

Aliada a essa interpretação, a consagração do direito ao desenvolvimento sustentável ou o chamado princípio da sustentabilidade na Constituição de 1988 (Freitas, 2019) viabiliza o entendimento de que a atuação estatal pelas políticas públicas é ferramenta indispensável à criação de uma IA propriamente brasileira.

Sobre o tema, Freitas ensina que o Estado sustentável reorganiza sua governança tendo em mira objetivos superiores, pois “cumpre, sem preguiça macunaímica, as incumbências indelegavelmente suas e vivifica, ao máximo, a democracia participativa, distribuída e bem informada” (Freitas, 2019, p. 294). E prossegue a sustentar que, “não por mera coincidência, o paradigma da sustentabilidade reivindica outro modo de olhar, no tocante à responsabilidade do Estado” (2019, p. 294).

Ao contrário de países como a França, por exemplo, em que a teoria questionou a capacidade constitucional em lidar com as novas tecnologias e o mundo digital (Roques-Bonnet, 2010), no Brasil o condicionamento digital - numa interpretação sistemática e teleológica - praticamente impõe uma leitura conforme e impositiva para a instalação de um Estado inteligente, a prever a utilização de políticas públicas enquanto instrumentos comprometidos com o desenvolvimento de IA ético, responsável, seguro e sustentável a longo prazo.

Numa perspectiva prática, acredita-se que a reação estatal à colonialidade digital, por intermédio das políticas públicas como estratégia, deve focar na criação de uma base de dados própria do (para o) país (em língua portuguesa), a partir de sistemas de processamento de dados de código aberto e recursos humanos - a garantir, portanto, o interesse público e a criação de iniciativas em IA que favoreçam a co-criação de soluções realmente inteligentes, do ponto de vista constitucional, para o enfrentamento dos problemas públicos brasileiros.

Em questionamento ao Chat GPT, da OpenAI, perguntou-se: “Você é inteligente?”

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Consulta ao Chat GPT

Pela resposta da máquina, talvez para uma das perguntas mais polêmicas em torno da IA, percebe-se que não há neutralidade de rede e que há, obviamente, um interesse por trás da programação de algoritmos de processamento de dados e treinamento para retornos preditivos com grande probabilidade de relevância, mas que decorre exatamente dos dados utilizados, da infraestrutura de treinamento e do capital humano que desenvolve esses grandes modelos de linguagem (large language model, LLM).

Portanto, urgente considerar que o Estado brasileiro deve adotar políticas públicas para: (i) consolidação de centro de dados públicos nacional, concentrando dados sob sua guarda; (ii) implementação de sistemas computacionais capazes de processar dados obtidos pela Administração Pública; e, (iii) formação maciça em capital humano suficiente para o desenvolvimento de soluções em IA e conformação de modelos de linguagem/algoritmos que atendam ao interesse público que promova aquele diálogo sinfônico com a poesia político-normativa imperativa dos objetivos fundamentais do art. 3º da Constituição de 1988 e a respectiva carta de direitos fundamentais.

A essa posição poderia ser oposta objeção no sentido de compreender como dispensáveis políticas públicas nas áreas indicadas, ao argumento de ser atribuído atualmente ao Estado um perfil “mais regulador” e que não haveria razões constitucionais e/ou públicas que pudessem fundamentar essa posição efetivamente inteligente.

Todavia, o Estado brasileiro deve ter o tamanho que o projeto constitucional exige, sobretudo para salvaguardar o interesse público e tutelar os direitos fundamentais de cidadãos e cidadãs. Não à toa o art. 1º da Constituição de 1988 define enquanto fundamentos da República a soberania, a cidadania, a dignidade humana e o valor social do trabalho, que devem ser conciliados também com a livre iniciativa e o pluralismo político.

Nesse quadrante, mostra-se insuficiente e mesmo desarrazoado impor ao Estado apenas o papel passivo de consumidor de grandes modelos de linguagem, algoritmos, ao invés de reconhecer-lhe a indispensabilidade de uma atuação pré-ativa, proativa e coordenada para a construção de capacidade interna de competitividade frente aos interesses alienígenas.

Se há muito tempo “a concentração de capital também exigiu a mercantilização da terra” (Capra; Mattei, 2018, p. 239), atualmente a concentração de informações tende a pilhar e mercantilizar dados, não podendo o Estado adotar posição pública em favor ou, pelo menos omissiva, da criação de comodities informacionais para satisfação de interesses alheios à Constituição de 1988.

Para reforçar, em termos empíricos, a premência de políticas públicas de dados, infraestrutura e recursos humanos, importante citar as posições do Brasil no Índice Global de IA 2023 (The Global AI Index), realizado pelo Tortoise desde 2019.10 No ranqueamento de 2023, o Brasil ocupou a posição geral n.º 35, num processo de avaliação de 62 países em sete eixos distintos, em investimento, inovação e implementação de IA (Tortoise, 2023).

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The Global AI Index.

A imagem mostra uma distorção entre critérios relevantes para a identificação do desenvolvimento de IA no país. Para mais exatidão, no eixo investimento, obteve-se os seguintes números: talento, 21; infraestrutura, 42;11 operações, 44. No eixo inovação: pesquisa, 36; desenvolvimento, 36. No eixo implementação: estratégia pública, 30; comércio, 39 (Tortoise, 2023).

Pelos números, pode-se inferir que o Brasil tem recursos humanos capacitados em IA, porém o número é considerável em relação à infraestrutura e operações em desenvolvimento, de forma que os profissionais da área acabam sem ter espaço apropriado para exercício de suas habilidades.12 O mesmo padrão pode ser observado na pesquisa e desenvolvimento, o país tem uma posição relativamente melhor com relação à infraestrutura e operações, represando o avanço no desenvolvimento de modelos de linguagem propriamente brasileiros. Além disso, a estratégia pública não está alinhada com as áreas de investimento e inovação, inclusive em disparidade com relação ao comércio nacional, que por sua estratégia ainda tímida conduz para a posição do Brasil como mero consumidor de tecnologia estrangeira.

A Academia Brasileira de Ciências (ABC), em recomendações para o avanço da IA no Brasil reforça:

O Brasil não pode correr o risco de ser apenas um usuário de soluções IA concebidas no exterior. A dependência de outros países e de grandes empresas nesta área pode prejudicar a segurança e a soberania nacional, além da competitividade das empresas nacionais no país e no exterior (ABC, 2023, p. 04).

Diante desse cenário, a construção de uma IA realmente brasileira, sugestivamente batizada aqui como IA Bethânia, enquanto comportamento público de enfrentamento à colonialidade digital, requer que os meios disponíveis ao Estado sejam alinhados, especificamente com a adoção de políticas públicas estatais para criação de base de dados nacional, infraestrutura computacional e atração de profissionais da área, comportamento fundamental para o desenvolvimento de um modelo de Estado inteligente, em consonância com a Constituição de 1988, impondo utilização ética, segura e sustentável para os algoritmos, promovendo o interesse público.

O Plano IA para o bem de todos 2024-2028, apresentado pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia - do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - ao Governo Federal, em julho de 2024, de maneira preliminar contempla as principais questões indicadas neste estudo, mormente a urgência de políticas públicas de infraestrutura, formação de profissionais e base de dados nacional para treinamento de IA. O plano contém cinco eixos de atuação pública para ações estruturantes em IA, que estabelece desafios, metas e recursos. O futuro, em diante, é monitorar a análise e implementação do plano, identificando se o país é capaz de forma factível de responder as demandas que a Inteligência Artificial impõe na esfera pública.

5 Conclusão

A análise do processo de colonização promovido pela Europa e, posteriormente, compreender o contragolpe nesse movimento pelos Estados Unidos, que em seguida firmou-se enquanto potência econômica e tecnológica mundialmente, conduziu à compreensão de como a colonialidade se prolonga, especialmente no contexto digital e com relação aos países em desenvolvimento, particularmente aos países do Sul Global.

Neste contexto, o que chama atenção é o deslocamento do fator de colonialidade do capitalismo que contemporaneamente é, sobretudo, baseado na instrumentalização tecnológica por grandes empresas (as chamadas big techs), concentrando informações e criando grandes modelos de linguagem, subalternizando os países que se tornam consumidores desse mercado impulsionado predominantemente pelo Vale do Silício - ainda que a Ásia já faça uma contraposição clara ao mercado dominante.

A colonialidade digital, marcada pelos interesses privados no capitalismo informacional, impõe ao Estado uma potencial limitação em sua função e seus objetivos. Assim, imprescindível decolonializar a esfera digital, mormente pelo reconhecimento da ausência de neutralidade dos algoritmos e atendimento a interesses que, em regra, não guardam sinergia com os interesses coletivos definidos nas constituições. A soberania tecnológica é essencial para a independência, autonomia e desenvolvimento pleno dos países.

No contexto brasileiro, a decolonialidade digital - enquanto resposta à colonialidade - é uma reação que evidencia a premência de um Estado mais ativo, não somente na atividade regulatória da tecnologia, em especial a questão da IA, mas também na criação e orientação de algoritmos e máquinas que sejam utilizáveis eticamente, com respeito à privacidade, aos direitos fundamentais e ao desenvolvimento sustentável.

Em síntese, aqui ganha destaque a figura do Estado inteligente como definição de um Estado voltado não somente à regulação da IA, mas igualmente na sua criação e orientação internamente, com a potencialidade de formular, implementar e avaliar políticas públicas a partir de sistemas de Inteligência Artificial que atendam primordialmente ao interesse coletivo.

Nesse cenário, há consolidação de uma interpretação da Constituição de 1988 que viabiliza ao Estado brasileiro a adoção dessa face inteligente, seja pelos fundamentos e objetivos da República, definidos nos artigos 1º e 3º, seja pela instituição do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação pela EC n.º 85/2015. Somada a essa lógica interpretativa, o desenvolvimento sustentável desponta como justificador do modelo de Estado inteligente.

Dessarte, a face inteligente do Estado brasileiro no contexto digital desagua na necessária adoção de políticas públicas como estratégias essenciais para a organização dos meios disponíveis à construção de uma IA ética, segura, adequada e sustentável, uma IA verdadeiramente brasileira - IA Bethânia, que, assim como Maria Bethânia - promova uma antropofagia nos algoritmos, absorvendo elementos que são fundamentais ao contexto brasileiro nas perspectivas social, econômica, política e jurídica.

A IA Bethânia, a ser construída a partir de políticas públicas próprias e adequadas ao Brasil, tem de focar notadamente na composição de banco de dados nacional, com qualidade, integridade e transparência; construção de infraestrutura computacional capaz de processar e “aprender” a partir de dados brasileiros em larga escala, além de fomentar a formação e atração de recursos humanos para suas operações e desenvolvimentos.

Políticas públicas para a implementação de uma IA brasileira têm a potencialidade de atribuir ao país capacidade criativa e concorrente no âmbito global, além de retirá-lo da posição de mero consumidor de algoritmos estrangeiros, de modo a alinhar seu desenvolvimento em IA com os objetivos definidos constitucionalmente e a centralidade do cidadão e cidadã - que são a razão de ser do Brasil, um possível e promissor caminho para a superação da dependência tecnológica e soberania em termos de IA.

O Plano IA para o Bem de Todos 2024-2028, elaborado pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, aponta importantes passos iniciais para a construção de um modelo de IA puramente brasileiro. Todavia, é prudente a atenção, em particular com os indicadores da execução do Plano na condição de política pública de Estado a longo prazo. Seguramente, o caminho é longo e aqui foram dados somente os primeiros passos - oxalá que tenham apontado na direção correta!

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Notas

  • 1
    Nesse sentido, a colonialidade pressupõe a ausência de um pacto colonial, ou seja, dispensa a dominação direta e clara sobre territórios, comunidades e/ou Estados (Quijano, 2005, p. 116).
  • 2
    Sobre o tema, recomenda-se o texto “A Europa no banco dos réus: reflexões sobre as permanências da violência do colonialismo nos dias atuais”, de Daniel Alves Azevedo (2022).
  • 3
    Em que pese este recorte histórico esteja limitado em termos de profundidade, parece suficiente para manifestar a ideia de reviravolta econômica que posicionou os EUA e, posteriormente, deu lugar à liderança tecnológica. Sobre o tema, para um acompanhamento histórico mais detalhado, ver: Lorefice, 2015.
  • 4
    A título de conhecimento, recomenda-se a obra O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, que retrata a riqueza e prosperidade sem precedentes nos EUA na década de 20, especificamente na cidade de Long Island, em Nova York, no verão de 1922. Ainda que com outras conotações, a crítica feita ao materialismo sem limites da época persiste atualmente.
  • 5
    Sobre a questão das TICs e seu impacto no âmbito da prestação de serviços públicos digitais e a concretização dos direitos sociais no Brasil, ver: Cristóvam; Saikali; Sousa, 2020, p. 209-242.
  • 6
    No mesmo sentido, Deivison Faustino e Walter Lippold oferecem uma contundente crítica, ao afirmarem que “esse novo arranjo técnico produtivo subsume cada vez mais a vida humana, o ócio, a criatividade, a cognição e os processos telecnológicos extrativistas, automatizadas e panópticas do colonialismo digital. não se trata, aqui, de simples alteração dos ritmos de vida ou mesmo da percepção humana em decorrência da introdução de novas tecnologias,como poderia se presumir, e sim da manipulação intencional da cognição humana por grandes corporações empresariais a partir dessas tecnologias com vistas à ampliação da acumulação de capitais. é um verdadeiro saque por corporações imperialistas que extraem, armazenam e processam dados, expertisis e padrões sociais, quantificando parte fundamental de nossa vida para mercantilizá-la” (Faustino; Lippold, 2023, p. 95).
  • 7
    Neste sentido, a crítica de Miguel Nicolelis: “Para os menos atentos cidadãos e governantes brasileiros, o escândalo de espionagem da NSA não só expôs explicitamente os riscos que as liberdade civis individuais, o direito inalienável à privacidade e, no limite, a democracia pluralista como um todo correm num mundo que se vale, para todas suas funções essenciais, de meios e ferramentas de comunicação eletrônica monopolizados por um único país; na realidade, essa revelação também serviu para trazer à tona do debate nacional um dos mais conhecidos e menos discutidos segredos estratégicos dessa nossa aldeia global: no mundo de hoje, investir em ciência, desenvolvimento tecnológico, educação científica e formação do capital humano para a indústria do conhecimento é uma questão de soberania nacional” (Nicolelis, 2016, p. 35).
  • 8
    Ultrapassam os limites desse estudo o debate mais aprofundado sobre o conceito de interesse público e sua centralidade para o regime jurídico-administrativo. Apenas em breves considerações, pode-se dizer que o “conceito de interesse público confunde-se com os valores indisponíveis assegurados pela Constituição, sob o signo inafastável dos direitos fundamentais e da centralidade do princípio da dignidade da pessoa humana (personalização da ordem constitucional)”. Sobre a noção de interesse público, ver: Cristóvam, 2015, p. 98-117.
  • 9
    Para uma análise acerca da inter-relação entre interesse público e direitos fundamentais, ver: Cristóvam, 2020, p. 785-804.
  • 10
    O ranqueamento utiliza posições numéricas, quanto mais distante de 1 menor a capacidade nos eixos analisados em termos de investimento (talento, infraestrutura, operações), inovação (desenvolvimento e pesquisa) e implementação (estratégia pública e comércio).
  • 11
    A título de informação, Vírgilio Almeida (2023, p. 01) afirma: “o Brasil ainda tem poucos centros com essa capacidade dos chamados supercomputadores, que é o 14 Bis e o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, de São José dos Campos”.
  • 12
    Essa configuração nacional tem contribuído para o fenômeno conhecido como “fuga de cérebros”. Profissionais brasileiros capacitados em IA acabam por produzir para empresas e países estrangeiros ante a ausência de espaço tecnológico adequado no Brasil, reforçando uma posição de subalternidade com relação aos modelos de linguagem exteriores (Vilicic, 2023).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2024
  • Aceito
    12 Nov 2024
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