Acessibilidade / Reportar erro

Judicialização do sofrimento negro. Maternidade negra e fluxo do Sistema de Justiça Criminal no Rio de Janeiro

Judicialization of black suffering. Black maternity and the flow of the Criminal Justice System in Rio de Janeiro

Judicialización del sufrimiento de los negros. Maternidad negra y el flujo del Sistema de Justicia Penal en Rio De Janeiro

Resumo

Este artigo é baseado em etnografia realizada entre os anos de 2015 e 2017 no Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (NUDEDH), mais especificamente no programa de Proteção às Vítimas de Violência Praticada por Agentes Estatais ou Particulares. No contexto de antinegritude vigente no Rio de Janeiro, esta linha de atuação do NUDEDH se tornou uma ferramenta utilizada por mães de vítimas de violência policial em favelas e periferias, que passam a atuar como assistentes de acusação nos processos penais dos assassinatos de seus filhos e filhas. Este artigo, ao mobilizar literatura sobre a Teoria Crítica da Raça e Estudos Negros, tem por objetivo examinar os usos do sofrimento negro e da maternidade negra para a movimentação do Fluxo do Sistema de Justiça Criminal.

Palavras-chave:
sofrimento negro; maternidade negra; Sistema de Justiça Criminal; raça; justiça

Abstract

This article is based on ethnography carried out between 2015 and 2017 at the Human Rights Nucleus of the Public Defender’s Office in Rio de Janeiro (NUDEDH), specifically in the Program for the Protection of Victims of Violence Practiced by State or Private Agents. In the context of anti-blackness in Rio de Janeiro, this line of action by NUDEDH has become a tool used by mothers of police violence killings in slums and peripheries. In this scenario, the mothers support and impel the accusing entity in the criminal proceedings on the murder of their sons and daughters. This article, by mobilizing Critical Race Theory and Black Studies literature, aims to examine the uses of black suffering and black motherhood for the Flow of the Criminal Justice System.

Keywords:
black suffering; black maternity; Criminal Justice System; race; justice

Resumen

Este artículo esta sustenido en la etnografía realizada entre los años 2015 y 2017 en el Centro de Derechos Humanos de la Defensoría Pública de Río de Janeiro (NUDEDH), más específicamente, en el Programa de Protección a Víctimas de Violencia Practicada por Agentes del Estado o Privados. En el contexto de anti-negritud vigente en Río de Janeiro, esta línea de acción del NUDEDH se ha convertido en una herramienta utilizada por madres de jóvenes asesinados en el marco de la violencia policial en barrios marginales y periferias. En este escenario, las madres apoyan e impulsan a los entes acusadores que llevan los procesos penales por los asesinatos de sus hijos e hijas. Este artículo, busca movilizar la literatura sobre la Teoría Crítica de la Raza y los Estudios Negros, y tiene como objetivo examinar los usos del sufrimiento negro y de la maternidad negra para el impulso del flujo del Sistema de Justicia Penal.

Palabras clave:
sufrimiento negro; maternidad negra, Sistema de Justicia Penal; raza; justicia

Introdução

Na noite do dia 25 de novembro de 2015, policiais militares dispararam contra sete jovens negros em Barros Filho, bairro economicamente pobre na zona norte do Rio de Janeiro. Cinco dos jovens, que estavam no carro que foi atingido 111 vezes, foram executados no local, outros dois jovens que estavam numa moto são considerados sobreviventes deste crime. Os policiais foram presos em flagrante e o Ministério Público ofereceu denúncia em face dos quatro policiais, imputando-lhes cinco homicídios dolosos triplamente qualificados consumados e duas tentativas de homicídio, além dos crimes de fraude processual e porte ilegal de arma de fogo de numeração raspada. As famílias dos jovens foram assistidas pelo Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro para acompanhamento do Fluxo do Sistema de Justiça Criminal e abertura de processo civil indenizatório1 1 Esta etnografia foi realizada no âmbito da pesquisa “Determinantes das Mortes Violentas Sem Solução: Fluxo do registro, apuração, esclarecimento, denúncia e julgamento das mortes violentas na cidade do Rio de Janeiro”, dirigida por Joana Vargas. .

Meses depois, no dia 4 de julho de 2016, aconteceu a terceira audiência de instrução desse extermínio que ficou conhecido como Chacina de Costa Barros. Como estratégia de visibilização e pressão política, familiares deste e de outros crimes cometidos por policiais organizaram um ato em frente ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Em mais de três horas de protesto, as mães se revezaram ao microfone sendo observadas por dezenas de pessoas que passavam no habitual ir e vir desse centro urbano. Ao relembrarem as mortes de seus filhos e filhas, elas deram testemunho do continuum de violência e terror vigente no Estado2 2 Joao Vargas (2010), dialogando com Nancy Sheper-Huges, aborda o ganho político e analítico da abordagem da violência de estado contra corpos negros como um continuum genocida. , trocaram experiências sobre sua interação com o Sistema de Justiça Criminal (SJC) e, fundamentalmente, se solidarizaram através do principal vínculo que elas têm em comum, o sofrimento negro.

Neste ato, Luiza3 3 Este é um nome fictício e presta homenagem a Luiza Mahin, liderança negra que transformou sua casa em quartel-general das principais revoltas negras que ocorreram em Salvador em meados do século XIX. Participou da Grande Insurreição, a Revolta dos Malês, última grande revolta de escravos ocorrida na Capital baiana em 1835. , uma das mães que apoiavam esses familiares expõe:

Meu filho era negro, jovem, pobre e favelado, mas tinha seus sonhos, que foram interrompidos por esses policiais assassinos. Policiais que deveriam nos defender, acabaram com a vida do meu filho, mas não só com a dele. Acabaram com a minha e da minha família toda. Eu vivia a poder de remédio, em depressão, abandonei serviço... eu tenho mais três filhas. Eu saí do meu luto para a luta. [...] Meu filho só tinha 17 anos quando foi assassinado. Eles estão lá para nos defender e nos matam. A bala que matou meu filho não foi de graça, foi paga com o meu suor. [...] São os sangues dos nossos filhos derramados. Queremos justiça! Não a justiça deles, que chegam matando e desonrando a gente, nos chamando de tudo o que é nome. Nós somos pais, mães e familiares de vítimas desse Estado. Queremos justiça, saúde pública e colégio para nossos filhos estudarem.

A fala de Luiza revela vários aspectos da “guerra das mães” (Farias & Vianna, 2011FARIAS, Juliana; VIANNA, Adriana. 2011. A Guerra das Mães: Dor e Política em Situações de Violência Institucional. Cadernos pagu (37), jul-dez:79-116.) e da “maternidade ultrajada” (Rocha, 2018ROCHA, Luciane O. 2018. Maternidad indignada: Reflexiones sobre el activismo de las madres negras y el uso de las emociones en investigación activista. Anthropologica, ISSN 0254-9212, Vol. 36, Nº. 41, , págs. 35-46), tais como: indicar a interseccionalidade de opressões de raça, classe, idade e local de moradia; nomear o opressor - o Estado; reivindicar transformações sociais; evidenciar consequências físicas, financeiras e emocionais causadas pela morte; e, sobretudo, reivindicar justiça. Estes aspectos mostram a importância dos atos públicos diante do Tribunal de Justiça e outras instituições do SJC. Quando Luiza terminou sua fala, outras mães exclamaram: “Os mortos têm voz!” Esta é uma expressão usada por mães de vítimas de violência policial no Brasil como uma maneira de afirmar a continuidade da maternidade, mesmo depois da morte violenta, cruel e evitável de seus filhos e filhas (Carvalho, 2014CARVALHO, Deize. 2014. Vencendo as Adversidades: Autobiografia de Deize Carvalho. São Paulo: Nós por Nós). Dar voz ao morto significa uma mudança de paradigma onde, ao invés do silêncio e do recolhimento usual para o luto, as mães vão a público confrontar a sociedade com o sofrimento negro através da denúncia da morte e do uso político das suas dores. É através desse luto ultrajado que elas questionam a precariedade das vidas negras e recusam o desaparecimento gradual da dor causada pela morte, evitando assim a bruma do esquecimento. Pelo contrário, é a dor da ausência que as incitam a lutar pelas mudanças estruturais necessárias na sociedade e demandar justiça.

Neste artigo, analiso a atuação do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (NUDEDH) em casos nos quais familiares de vítima de violência policial, sobretudo mães, tenham papel relevante na movimentação do Fluxo do Sistema de Justiça Criminal. Através de observação participante no NUDEDH, em atos públicos, audiências de instrução, e julgamentos entre os anos de 2015 e 2017, neste artigo analiso os usos do sofrimento negro no SJC a partir das seguintes perguntas: De que maneira o Sistema de Justiça ouve as vozes das mães de vítima de violência? Qual a importância das narrativas das mães para o debate racial no Sistema de Justiça Criminal? Que ferramentas políticas e jurídicas elas ativam com os atos antes das audiências e julgamentos? O artigo está dividido em três partes. Primeiro esboço a metodologia utilizada e alguns questionamentos apresentados pelos familiares sobre sua relação com a Defensoria Pública. Na segunda seção, apresento as premissas da Teoria Crítica da Raça e do Sofrimento Negro. Finalmente, na terceira seção, analiso três casos jurídicos de violência cometida pelo Estado e assistidas pelo NUDEDH.

“É o Estado Contra ele mesmo” - investigando a Defensoria Pública

As pesquisadoras Klarissa Silva e Ludmila Ribeiro (2010) definem o SJC como “a articulação das organizações policiais, com o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Poder Judiciário e o Sistema Penitenciário, com o objetivo de viabilizar o processamento dos conflitos classificados como delitos (crimes ou contravenções) nas leis penais existentes no país” (:15). Textos que analisam a atuação da Defensoria Pública no SJC a definem como uma instituição fundamental para a democracia, para a garantia dos direitos humanos e para o equilíbrio do SJC (Sadek, 2010; Roig, 2012)4 4 Em revisão a respeito dos estudos sobre o Sistema de Justiça Criminal, destacam-se: Adorno, 2002; Cano, 1997; Kant de Lima, 2008; Misse e Vargas, 2007; Misse, 2009; Oliveira e Machado, 2018; Rifiotis et al, 2010; Sapori, 2006; Vargas e Rodrigues, 2011; Vargas, 1999 e 2014; Vianna, 2014. . De acordo com Cunha & Borges (2009), a Defensoria Pública atua em promover o equilíbrio de desigualdades no sentido de punir aqueles que estão “para cima” da lei e da constituição, e defender aqueles que estão “para baixo”, buscando assim maior simetria entre aqueles diferenciados pela cor, razões econômicas, políticas, culturais, corporativas ou burocráticas (:21-23).

Contudo, é igualmente importante entendermos a Defensoria Pública a partir da perspectiva dos familiares de vítimas de violência5 5 Existe vasta literatura sobre o ativismo de mães e familiares no Rio de Janeiro, dentre elas, destacam-se: Carvalho, 2014; Leite 2004; Nobre, 1994; Soares, Moura e Afonso, 2009; Vianna, 2015. . Por exemplo, antes de uma reunião entre um defensor público e familiares da Chacina de Costa Barros, o pai de um deles compartilhou comigo a sua desconfiança a respeito da função da Defensoria Pública e sua atuação nos casos de violência policial. Disse ele:

Você veja só. Eu até que vejo boa-fé nesses caras [os defensores], mas se pararmos para pensar, estamos totalmente nas mãos do Estado. O Estado nos mata e nos defende? A Defensoria Pública também é Estado. É o Estado contra ele mesmo? Que loucura! Nós temos que ficar desconfiados.

O genocídio negro no Brasil6 6 Por genocídio negro entende-se a negação - física, cultural, simbólica - aos membros das comunidades negras na diáspora africana o direito de sobreviver plenamente como cidadãos plenos ou seres humanos. Ver Nascimento, 1978; e Vargas, 2010. tem como face mais visível os homicídios de homens jovens pobres, mas ele se manifesta também no sofrimento de milhares de mães, pais, familiares e comunidades (Rocha, 2012ROCHA, Luciane O. 2012. Black Mothers’ experiences of Violence in Rio de Janeiro. Cultural Dynamics. 24 (1). p. 59-74. e 2015ROCHA, Luciane O. 2015. De-matar: Maternidade Negra como Ação Política na “Pátria Mãe Gentil”. In Antinegritude O Impossível Sujeito Negro na Formação Social Brasileira. Cachoeira: Editora UFRB, p. 197-202.). Cada vida perdida acarreta dor, penetrando profundamente na rede de parentes e amigos dos assassinados, mas especialmente na vida das mães, que muitas vezes são as principais provedoras da família. Elas são as diretamente afetadas por essa violência e as que estão na linha de frente demandando justiça. É exatamente nessas experiências de dor e resistência das mães junto ao SJC que centramos este estudo junto à Defensoria Pública no Rio de Janeiro.

Devido à parceria previamente estabelecida com rede formada por familiares de vítima de violência7 7 Refiro-me à Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, formada em 2004 como fruto da luta organizada das comunidades e dos movimentos sociais contra a violência de Estado. , identifiquei dentre esses familiares os que eram assistidos pela Defensoria Pública. Identificadas as duas primeiras famílias, foram feitas entrevistas preliminares sobre a atuação desta instituição nos casos. O objetivo da entrevista com os familiares foi elaborar uma estratégia de aproximação com a Defensoria Pública. Identificamos que as famílias não tinham conhecimento do trabalho desses operadores do direito até que foram procuradas pelos mesmos oferecendo assistência aos casos; e que os familiares de vítimas de violência policial eram atendidos pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública - NUDEDH.

A então coordenadora da rede de mães me deu o contato telefônico do coordenador do NUDEDH, e logo consegui agendar uma conversa para ser apresentada aos programas do núcleo. Identifiquei ser o Programa de Defesa dos Direitos Humanos o que atua nos casos de homicídios sem solução, e, portanto, o ideal para desenvolver o estudo sobre o Fluxo do Sistema de Justiça Criminal. Após pedido formal para condução da pesquisa, o coordenador encaminhou seu parecer favorável à realização desta ao Defensor Geral, que autorizou minha observação e acesso aos procedimentos ativos no NUDEDH para análise qualitativa e quantitativa.

Iniciei a etnografia fazendo consultas aos procedimentos ativos. Investi na leitura dos procedimentos a fim de identificar as regras que orientam as receitas profissionais dos Defensores Públicos e seus principais interlocutores: Polícia Civil, diretores de hospitais públicos, funcionários do Instituto Médico Legal (IML) e os próprios familiares. A este estudo processual soma-se o acompanhamento de reuniões de instrução dos defensores com seus assistidos, acompanhamento das audiências de instrução dos casos assistidos pelo NUDEDH, observação participante e documentação visual dos atos públicos organizados pelos familiares de vítima de violência, entrevista com Defensores Públicos e familiares.

O Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro divide sua atuação em dez programas8 8 A seguir, listamos os programas e o número de casos ativos em julho de 2017: Ação Civil Pública - 77; Advocacia Internacional -16; Biodireito - 8; Cidadão tem nome e sobrenome - 16; Defesa dos Grupos Socialmente Vulneráveis - 85; DH dos agentes estatais - 7; Direito Internacional dos Refugiados - 11; Intercâmbio Intersetorial - 50; Monitoramento Carcerário - 65 e Vítima de Violação de DH - 309. . Dentre eles, o programa com o maior número de casos no período desta investigação foi o programa denominado Vítimas de Violação de Direitos Humanos. Este programa somava 285 casos, quando iniciei o trabalho de campo em janeiro de 2016, subindo para 309 em julho de 2017, quando terminei a etnografia. Dos 285 casos analisados em julho de 2016, 126 se referiam a acontecimentos com o envolvimento de agente estatal. Identificamos que em 18 deles a Defensoria Pública atuava como assistente de acusação9 9 Há outros dez casos em que a Defensoria atua patrocinando o assistente de acusação em outros temas, como por exemplo, violência praticada por milicianos, violência praticada contra policial, dano ambiental, sequestro e tráfico de pessoas. . Vimos aí uma janela importante de investigação ainda pouco explorada na literatura.

O artigo 288 do Código de Processo Penal estabelece que a legitimidade para ser assistente de acusação é do ofendido, seu representante legal no caso de ser menor de 18 anos, ou ainda, os sucessores em caso de morte ou ausência declarada: cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Lopes Jr. (2010LOPES Jr, Aury. 2010. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional V. II. 3ed. Ver e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris .) alerta que “não há que se confundir o assistente com o advogado que o representa. Assistente é a vítima, seu ascendente ou irmão, mas em qualquer caso, necessita de advogado para postular em juízo” (:41). É comum que a Defensoria Pública atue como a instituição responsável pela defesa dos réus nos processos criminais com o fim de garantir a assistência jurídica integral, bem como a ampla e plena defesa. Nos casos em que a Defensoria Pública é procurada para atuar criminalmente em favor da vítima, não tendo o interessado capacidade financeira para contratá-lo, o Defensor Público deve se habilitar como assistente de acusação, atuando ao lado do Ministério Público no plenário do júri, em algumas vezes em lado oposto a outro defensor público que atuará em defesa do réu.

O NUDEDH tem atuado como assistente de acusação majoritariamente para os casos de homicídio praticados por policiais decorrentes de balas perdidas ou confrontos em favelas10 10 É comum nas grandes cidades os confrontos entre policiais e envolvidos no varejo das drogas em favelas. Em decorrência desses confrontos pessoas não envolvidas são atingidas por disparos de arma de fogo, muitas vezes fatal. . Neste sentido a Defensoria Pública passa a ocupar espaço no cenário jurídico-político-midiático, sendo o defensor recorrentemente convidado para dar entrevistas para jornais, participar de documentários e eventos organizados por lideranças comunitárias. Nesta investigação, devido ao calendário de audiências, nos foi possível acompanhar a atuação dos defensores do NUDEDH habilitados como representantes legais em três casos: Caso Eduardo de Jesus, Caso Costa Barros e Caso Johnatha Oliveira.

Perguntado sobre a importância da atuação como assistente de acusação, o Defensor Jorge Empatia11 11 Os nomes dos Defensores Públicos são fictícios para preservar suas identidades. Contudo, estou ciente de que os mesmos, os familiares envolvidos nos casos e outros ativistas poderão identificá-los através das falas. Empatia e lisura foram as principais qualidades que observei neles. afirmou:

O defensor acaba sendo o mais próximo das famílias no Sistema de Justiça. Como assistentes de acusação nós temos que demonstrar, temos que comprovar em juízo, o que aconteceu e como aconteceu, pois, a primeira narrativa é a dos policiais. Demonstramos também as consequências do fato para a família porque isso pode ter reflexo na fixação da pena. A gravidade, peculiaridades, circunstâncias, enfim... e já antevendo qual vai ser a tese da defesa. Eles vão falar que alguns tinham passagem pela polícia, isso é usado para inocentar o policial, pois já está muito naturalizado, então torna a morte automaticamente legítima. Então... quem vai julgar não é o juiz, são os jurados e a gente nunca sabe quem vai estar lá. Vão falar também que eles reagiram, que é área conflagrada etc., então interessa para a gente provar o que realmente aconteceu.

Para comprovar estas circunstâncias, o defensor estuda todos os documentos produzidos pelo Fluxo do Sistema de Justiça Criminal no referido processo - boletim de ocorrência, inquérito policial e denúncia (Vargas, 2014VARGAS, Joana Domingues. “Fluxo do Sistema de justiça criminal”. 2014. In LIMA, Renato Sergio; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Crime, Justiça e Polícia no Brasil. São Paulo: Contexto. p. 411-426.). Disse o defensor Luiz Lisura:

Nós tentamos encontrar contradições entre os depoimentos dos réus e testemunhas de defesa, comparamos com as provas técnicas, tentamos encontrar brechas para desnaturalizar estereótipos raciais que justifiquem o delito e, sobretudo, nos informamos com familiares das vítimas sobre o ocorrido.

Nos dias das audiências, principalmente em dias em que testemunhas de acusação prestam depoimento, o defensor informa às familiares o que deve acontecer, preparando-as para o sofrimento necessário em juízo. Após a audiência, ele conversa com as familiares ainda dentro do Tribunal de Justiça para passar suas primeiras impressões sobre a sessão e sobre os próximos passos. Em alguns casos, o NUDEDH agenda reunião com familiares para tirar maiores dúvidas. No que segue, apresento o aporte teórico para a análise da atuação da Defensoria em colaboração com as mães.

Teoria Crítica da Raça e sofrimento negro síntese da abordagem teórica

A Teoria Crítica da Raça (CRT - do inglês Critical Race Theory) é um amplo arcabouço teórico criado pela síntese dos principais temas de acadêmicos que desafiaram as concepções contemporâneas dominantes de raça e direito, bem como outros aspectos das desigualdades estruturais sociais. A CRT emergiu como uma reação contra o Movimento Crítico de Estudos Jurídicos (CLS - do inglês Critical Legal Studies) devido ao fracasso deste movimento em reconhecer como a raça é um componente central para os próprios sistemas de direito contestados. A CRT é também informada pelo pensamento feminista, reunindo questões tais como gênero, branquitude e racismo para abordar os desequilíbrios de poder. Em 1989, após a contínua insatisfação com o CLS, várias advogadas e advogados deixaram este grupo e constituíram a Teoria Crítica da Raça.

Desde a década de 1990, a CRT aumentou seu alcance e popularidade, fornecendo os fundamentos intelectuais e metodológicos para o trabalho na academia jurídica e em várias ciências sociais (Graham, 2007GRAHAM, Barbara Luck. 2007. “Toward a critical race theory in political science: A new synthesis for understanding race, law, and politics”. In: Wilbur C.R. (ed.) African American Perspectives on Political Science. Philadelphia, PA: Temple University, 212-231.; Zuberi, 2011ZUBERI, Tukufu. 2011. Critical race theory of society. Connecticut Law Review 43: 1573-1591.). Simplificadamente, a CRT está preocupada com a forma como o Estado cria e perpetua a raça e o racismo. Por exemplo, Bonilla-Silva (1997BONILLA-SILVA, Eduardo. 1997. “Rethinking racism: Toward a structural interpretation”. American Sociological Review 62: 465-480.) oferece uma “interpretação estrutural” do racismo que explica “sistemas sociais racializados”. Da mesma forma, Feagin (2006FEAGIN, Joe. 2006. Systemic Racism: A Theory of Oppression. New York, NY: Routledge.) demonstra como os brancos estruturaram o Estado americano em sua fundação para promover a supremacia branca e traça os efeitos do “racismo sistêmico” até os dias atuais.

As tradições da Teoria Crítica da Raça são caracterizadas por premissas. Apesar de terem sido pensadas para analisar a realidade dos Estados Unidos, podemos afirmar que as experiências retratadas também estão presentes no Brasil e o seu estudo é pertinente principalmente se entendemos essas duas sociedades como pertencentes à experiência afro-diaspórica (Rocha, 2012ROCHA, Luciane O. 2012. Black Mothers’ experiences of Violence in Rio de Janeiro. Cultural Dynamics. 24 (1). p. 59-74.). No contexto dos Estados Unidos, a CRT complementa e estende a produção sociológica sobre raça especificando e analisando premissas e estruturas racistas em instituições legais e leis escritas que institucionalizam a supremacia branca. A CRT de Estado, portanto, fornece uma análise aprimorada dos processos e regras que formam a espinha dorsal do Estado e garantem a desigualdade racial. No Brasil, Thula Pires e Caroline Silva (2015PIRES, Thula Rafaela de Oliveira; LYRIO, Caroline. 2014. Racismo institucional e acesso à justiça: uma análise da atuação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nos anos de 1989-2011. In: COUTO, M. B.; ESPÍNDOLA, A.A.S.; SILVA, M.R.F (coord.). Acesso à justiça I. Florianópolis: CONPEDI.) discutem como o direito representa e reproduz as dinâmicas de opressão. Segundo as autoras, a CRT permite “a possibilidade de que o critério raça seja utilizado como lente privilegiada de análise dessa realidade” (:62).

A primeira premissa afirma que o racismo é parte central, permanente e “normal” da sociedade (Solórzano & Delgado, 2001SOLÓRZANO, Daniel. G., & Delgado Bernal, Dolores. 2001. “Examining transformational resistance through a critical race and LatCrit theory framework: Chicana and Chicano students in an urban context”. Urban Education, 36, 308-342.; Stefancic, 312). Como declara Delgado Bernal (2002DELGADO BERNAL, Dolores. 2002. “Critical Race Theory, Latino Critical Theory, and Critical Raced Gendered Epistemologies: Recognizing Students of Color as Holders and Creators of Knowledge.” Qualitative Inquiry 8.1: 105-126.) “porque o racismo é uma característica arraigada, parece comum e natural para as pessoas na sociedade” (:xvi). Taylor (1998TAYLOR, Edward. 1998. A Primer on Critical Race Theory. The Journal of Blacks in Higher Education, No. 19, pp. 122-124.) afirma que “as suposições da superioridade branca estão tão enraizadas nas estruturas políticas, legais e educacionais que são quase irreconhecíveis [...] [e] porque é abrangente e onipresente, não podendo ser facilmente reconhecida por seus beneficiários” (:73- 74). Ironicamente, o resultado é que os brancos não podem ver ou entender o mundo que eles criaram e, em muitos casos, são rápidos em dispensar ou negar o privilégio herdado associado à brancura.

Bell (1987BELL, Derrick. 1987. And We Are Not Saved: The Elusive Quest for Racial Justice. New York: Basic Books.) afirma que “o racismo está no centro, não na periferia; no permanente, não no fugaz; na vida real de […] pessoas não brancas e brancas” (:198). No entanto, as não brancas, sobretudo as negras, têm conhecimento experiencial de terem vivido sob tais sistemas de racismo e opressão e, assim, desenvolveram metodologias que servem como mecanismos de enfrentamento e como formas de aumentar a conscientização sobre questões que as afetam e que são frequentemente negligenciadas, não consideradas.

A segunda premissa da CRT reside no seu compromisso com a centralidade do conhecimento experiencial, conforme detalhado através do uso de narrativas (Solórzano & Delgado Bernal, 2001: 314SÓLORZANO, Daniel; DELGADO BERNAL, Dolores. 2001. “Examining Transformational Resistance through Critical Race and LatCrit Theory Framework: Chicana and Chicano Students in an Urban Context.” Urban Education 36.3 : 308-342.; Delgado & Stefancic: xvii-xviiiDELGADO, Richard and Jean Stefancic, eds. 2000. Critical Race Theory: The Cutting Edge. 2nd ed. Philadelphia: Temple UP,.). Como os brancos nem sempre reconhecem ou entendem as experiências das pessoas não brancas, a CRT desenvolveu a metodologia da contra narrativa para relacionar as realidades raciais das pessoas não brancas, ao mesmo tempo em que proporcio na a possibilidade dessas pessoas desafiarem os mitos, pressuposições e saberes recebidos. No entanto, as pessoas negras podem reproduzir estruturas, sistemas e práticas de racismo também. Escrevendo e falando contra as muitas histórias unilaterais existentes em um mundo de supremacia branca, estudiosos da CRT iluminam o fato de que o mundo social não é estático, mas é construído por pessoas com palavras, histórias e também silêncios (Lorde, 1984LORDE, Audre. 1984. “The Uses of Anger: Women Responding to Racism.” In Sister Outsider. California: The Crossing Press Feminist Series. 124-133.).

O uso da narrativa na CRT reconhece o conhecimento experiencial do não-

-dominante como “legítimo, apropriado e crítico para compreender e analisar a subordinação racial” (Solórzano & Delgado Bernal, 2001: 314SOLÓRZANO, Daniel. G., & Delgado Bernal, Dolores. 2001. “Examining transformational resistance through a critical race and LatCrit theory framework: Chicana and Chicano students in an urban context”. Urban Education, 36, 308-342.) e um estudioso da CRT utiliza essas narrativas com um profundo compromisso com a justiça social e a eliminação da discriminação racial como parte do amplo objetivo de acabar com todas as formas de opressão (Dixson & Rousseau, 2006: 4DIXSON, Adrienne D. & Celia K. Rousseau. 2006. Critical Race Theory in Education: All God’s Children Got a Song. New York: Routledge.).

Neste esforço, a terceira premissa da CRT desafia as afirmações dominantes de neutralidade racial, igualdade de oportunidades, objetividade, daltonismo e mérito (Dixson & Rousseau, 2006DIXSON, Adrienne D. & Celia K. Rousseau. 2006. Critical Race Theory in Education: All God’s Children Got a Song. New York: Routledge.). Esse desafio assume a difícil tarefa de questionar a ideologia dominante e os “paradigmas ideológicos raciais atuam como camuflagem para o interesse pessoal, o poder e o privilégio dos grupos dominantes na sociedade” (Solórzano & Delgado Bernal, 2001: 313SOLÓRZANO, Daniel. G., & Delgado Bernal, Dolores. 2001. “Examining transformational resistance through a critical race and LatCrit theory framework: Chicana and Chicano students in an urban context”. Urban Education, 36, 308-342.). Esse interesse próprio foi mais notavelmente discutido por Derrick Bell (2004BELL, Derrick. 2004. Silent Covenants: Brown v. Board of Education and the Unfulfilled Hopes for Racial Reform . New York: Oxford University Press.) através de seu desenvolvimento da teoria da convergência de interesses. A teoria de Bell sustenta que “as elites brancas irão tolerar ou encorajar avanços raciais na justiça apenas quando tais avanços também promoverem o interesse branco” (:xvii), ou seja, seus próprios interesses.

Como a tarefa de desafiar a ideologia dominante é um empreendimento enorme, as estudiosas da CRT desenvolveram abordagem que consiste na quarta premissa do CRT, a valorização de uma perspectiva interdisciplinar. Essa proposição desafia “uma histórica exigência do enfoque unidisciplinar da maioria das análises” insistindo “na análise da raça e do racismo [...] colocando-os em um contexto histórico e contemporâneo usando métodos interdisciplinares” (Solórzano & Delgado Bernal, 2001: 314SOLÓRZANO, Daniel. G., & Delgado Bernal, Dolores. 2001. “Examining transformational resistance through a critical race and LatCrit theory framework: Chicana and Chicano students in an urban context”. Urban Education, 36, 308-342.).

Análises de gênero e feministas são conceitos fundamentais na CRT. Kimberlé Crenshaw (1995CRENSHAW, Kimberlé. 1995. “Mapping the Margins: intersectionality, identity politics, and violence against women of color”. In CRENSHAW, Kimberlé, et al (Org). Critical Race Theory: The Key Writings that Formed the Movement. New York: The New Press.), Cheryl Harris (1995HARRIS, Charyl. 1995. “Whiteness as Property”. In CRENSHAW, Kimberlé et al. Critical Race Theory: The Key Writings that Formed the Movement. New York: The New Press .), Dorothy E. Roberts (1995ROBERTS, Dorothy E. 1995. Punishing Drug Addicts Who Have Babies: Women of Color, Equality, and the Right of Privacy. In CRENSHAW, Kimberlé et al. Critical Race Theory: The Key Writings that Formed the Movement. New York: The New Press ), Linda Greene (1995GREENE, Linda 1995 “Race in the Twenty-First century: Equality through Law?”. In CRENSHAW, Kimberlé et al (org). Critical Race Theory: The Key Writings that Formed the Movement. New York: The New Press , 1995.) e outras contribuíram com um discurso feminista negro para a esta teoria. CrenshawCRENSHAW, Kimberlé. 2002. The First Decade: Critical Reflections, or “A Foot in the Closing Door. In Valdes, F. et al. Crossroads, Directions, and a New Critical Race Theory. Philadelphia: Temple University Press. introduziu a interseccionalidade para demonstrar como raça, classe, gênero, identidade sexual, estado civil, status de cidadania e outras identidades sociais frequentemente servem como pontos de marginalidade e influenciam o SJC (Crenshaw, 1989CRENSHAW, Kimberlé. 1989. “De-marginalizing the intersection of race and sex: A Black feminist critique of anti-discrimination doctrine, feminist theory and antiracist policy”. University of Chicago Legal Forum, 139-168.). Diversas produções acadêmicas empregam a intervenção analítica de Kimberlé CrenshawCRENSHAW, Kimberlé; Gotanda, Neil; Peller, Gary; Thomas, Kendall. (Eds.). 1995. Critical Race Theory: The Key Writings that Formed the Movement. New York: The New Press . para examinar e entender a desigualdade persistente que atinge mulheres e a identificam como uma das contribuições mais importantes para os estudos de gênero e justiça dos últimos vinte anos (McCall, 2005MCCALL, Leslie. 2005. The complexity of intersectionality. Signs, 30(3), 1771-1800.; Nash, 2008NASH, Jennifer C. 2008. Re-thinking intersectionality. Feminist Review, 89(1), 1-15.).

Sobre a abordagem do sofrimento negro, Frank Wilderson III (2020), afirma que a narrativa não pode expressar a experiência do sofrimento negro sem sujeitar essa experiência a um ajuste estrutural. Ou seja, é preciso transcrever esse sofrimento para algo tangível para não-negros. Ao analisar a tentativa de comunicar o sofrimento negro durante a escravidão, Saidiya Hartman (1997) explica que “a senciência [capacidade de sentir] negra é inconcebível e inimaginável, mas, na própria facilidade de possuir o corpo humilhado e escravizado, em última análise, elide a compreensão e o reconhecimento da dor do escravo” (: 19). Ou seja, a necessidade de comunicar a dor negra para e/ou através do corpo branco elimina a possibilidade de entendimento da dor negra. Na próxima seção, analiso os usos do sofrimento pela Defensoria Pública no SJC.

Estudos de Caso. Aplicando o modelo da Teoria Crítica da Raça na atuação do NUDEDH

Caso Eduardo de Jesus - Princípio de convergência de interesse e a importância das evidências técnicas

O resultado do inquérito policial e a decisão de desembargadores sobre a morte do menino Eduardo de Jesus, de 10 anos, ocorrida no dia 02 de abril de 2015, no Complexo do Alemão na cidade do Rio de Janeiro, pode ser analisado a partir da premissa da convergência de interesses da CRT. Teresinha de Jesus, mãe de Eduardo, me contou em entrevista que não havia confronto no momento em que seu filho foi morto. Ela afirma que ele estava sentado na frente de casa esperando a irmã e brincava com o celular. Terezinha ouviu um estrondo, correu para a calçada e já viu os policiais tentando modificar a cena do crime retirando o corpo do seu filho, o que só não ocorreu devido à mobilização da família e vizinhos. Ela relata ainda que teve um fuzil apontado para ela e foi ameaçada de morte.

A Divisão de Homicídios da Polícia Civil conferiu legitimidade à ação dos policiais militares com a alegação de que estariam em confronto com traficantes e que erraram o tiro. Contudo, laudo anexo aos procedimentos do caso no NUDE DH mostra que o crime aconteceu à luz do dia e que os policiais estavam a cerca de cinco metros de distância de Eduardo. Este fato reitera a percepção de que, nas favelas, o estado de exceção (Agamben, 2004AGAMBEN, Giorgio. 2004. Homo Sacer. São Paulo: Boitempo) é normalizado e as mortes são legitimadas no sistema jurídico.

No dia 29 de novembro de 2016, realizei observação participante na Plenária de Desembargadores da 2ª Câmara Criminal no Tribunal de Justiça que arquivou o Caso Eduardo de Jesus. Havia uma folha na porta relacionando os processos que seriam analisados na sessão e sua ordem. O caso do assassinato do Eduardo era o terceiro da lista. A sessão atrasou em uma hora e nos reunimos - mãe de Eduardo, defensor, apoiadoras e pesquisadoras - num corredor paralelo, pois havia policiais fardados na porta da sala e a mãe de Eduardo não quis ficar lá.

O defensor tentava acalmar Dona Terezinha e relatou para os presentes que um dia antes havia conversado com um dos desembargadores que julgava ser mais receptivo ao seu pedido de votar contrariamente ao arquivamento do processo. Segundo o defensor, “por ele ser mais experiente que o outro, se ele votar primeiro pode ser que sensibilize também o outro desembargador que ainda falta votar, mas nunca se sabe. Ele garantiu que seu entendimento era para o não arquivamento”.

A desembargadora designada como relatora apresentou argumento favorável ao pedido da defesa para arquivar o processo. Segundo ela, “os desembargadores tinham o dever de arquivar o caso para dar uma mensagem aos policiais de que eles podem exercer sua função sem serem criminalizados”. Para além deste argumento, ela considerou a inépcia da acusação e a falta de provas para seguir com o processo, pois a investigação da Divisão de Homicídios não apontou qual policial fez o disparo que matou Eduardo. O segundo desembargador a votar, sem muitos rodeios, deu seu voto: “sou favorável ao entendimento da relatora”. O terceiro desembargador considerou a decisão “extrema e prematura”, mas foi voto vencido. “Houve legítima covardia, não legitima defesa”, disse Terezinha de Jesus, com os olhos marejados ao sair da sala.

Através do princípio de convergência de interesses é possível entender que, fosse recusado o arquivamento do processo sem a identificação do policial que matou Eduardo, abriria jurisprudência para a responsabilização do Estado em outras mortes que acontecem em favelas sem a identificação do policial atirador. Agindo de forma protecionista de seus interesses, o Estado, através da 2ª Câmara Criminal, resolveu manter os interesses das elites e arquivar o processo, dando assim um recado não somente para os policiais, “eles podem exercer sua função sem serem criminalizados”, como também para negros e pobres, “o seu sofrimento não é de nosso interesse”.

O defensor público que acompanha o caso levantou a possibilidade de tentar reverter a anulação no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para isso será fundamental a mobilização política para não deixar que o caso seja esquecido. Como lição deste caso, para que o fluxo do sistema não seja interrompido, aponto ser fundamental que as populações marginalizadas exijam a preservação da cena do crime, perícia no local e uma investigação minuciosa da Polícia Civil. Apesar de todo o desespero e sofrimento causado pela morte de um ente querido, é fundamental o entendimento de que o Estado não é imparcial e que cabe à população pressionar para que o Fluxo do Sistema de Justiça Criminal flua também a seu favor.

Caso Johnatha Oliveira - O desafio da ideologia dominante, maternidade e evidências morais

Quando meu filho morreu eu não acreditava. Eu entrei numa espécie de coma. Eu não comia, não me levantava da cama. Um dia eu consegui levantar e fui assistir televisão. Quando começou o jornal, falaram do caso do meu filho e disseram que ele “supostamente tinha envolvimento com o tráfico”. Falaram no finalzinho, logo depois de mostrar o protesto da população. Bem no finalzinho como quem diz que ele foi apenas mais um desimportante. Aquilo me deixou indignada. No outro dia eu juntei minhas coisas e fui correr atrás de justiça para o meu filho.

É desta forma que Ana Paula Oliveira, mãe do Johnatha Oliveira, relata como iniciou sua busca por justiça. Como muitas mães que transformam o seu luto em luta política, Ana Paula transformou sua indignação pela naturalização da morte de seu filho em combustível para sair do seu coma social, ser a protagonista na movimentação do Fluxo do Sistema de Justiça e se tornar uma ativista contra a violência policial no Rio de Janeiro. Sua luta está relacionada com um aspecto fundamental da CRT, o desafio da ideologia dominante. Antes da comum onda de divulgação de notícias falsas - fake news - que associam pessoas que foram assassinadas em favelas com a criminalidade, a mídia já fazia este papel ao utilizar frases do tipo: “teve passagem pelo sistema” ou “possível traficante”, com a mesma intenção de justificar a morte. Isto porque existe uma desumanização da vida nas favelas e a consequente naturalização das mortes nesses territórios, o que gera mais sofrimento.

Neste sentido, a luta política de Ana Paula passa fundamentalmente pela desnaturalização dessas narrativas visto que a criminalização dos jovens, especialmente dos jovens negros, é também transferível para as mães à medida que elas continuam a gerenciar sua maternidade dentro das instituições de justiça. Ana Paula contou em entrevista que não vai “permitir ser chamada de mãe de bandido - uma categoria que também as criminaliza - e que os verdadeiros bandidos serão responsabilizados”. Ela afirma: “Não é só o policial que puxou o gatilho que tem que ser responsabilizado. O Governador, o Secretário de Segurança Pública e todo o Judiciário têm as mãos sujas com o sangue do meu filho, de todos os outros jovens e crianças que estão sendo exterminados”.

Johnatha Oliveira foi assassinado por policiais militares em maio de 2014 com um tiro nas costas quando voltava da casa de sua namorada na favela de Manguinhos. Ele foi socorrido por moradores, mas já chegou morto à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) local. Ao analisar o procedimento do caso no NUDEDH, verifiquei que o inquérito policial mostra que nos termos de declaração registrados na delegacia, os policiais dizem que “progrediam na favela em busca de uma boca de fumo quando ouviram tiros e revidaram. Imediatamente foram surpreendidos com o protesto de moradores que atiravam pedras na direção deles e recuaram, não vendo se houve feridos”. Afirmam ainda que “reconhecem Johnatha por seu envolvimento com a criminalidade local”.

O trabalho de Ana Paula para conseguir a justiça pela morte de seu filho passa fundamentalmente pela apresentação de evidências morais a respeito de Johnatha que desqualifiquem a narrativa que diz que seu filho era criminoso. Para tal, ela foi arrolada como testemunha para falar sobre a vida dele, contrapondo a imagem criada pelos policiais e o defensor público habilitou-se como assistente de acusação para, segundo ele, “fazer as perguntas certas a ela”.

Segundo o Defensor Empatia, este é um dos casos com maior celeridade acompanhado pelo NUDEDH. Ele atribui essa velocidade à visibilidade do caso devido à militância de Ana Paula, que acionou moradores e ONGs para colaborarem com a pressão junto ao sistema. Avaliando sua experiência, ela conta:

Além de eu estar muito nervosa por nunca ter pisado num Tribunal de Justiça, eu não sabia como agir, estava ali o assassino do meu filho e era a primeira vez que eu o via. A audiência estava marcada para as 13h e só começou às 18h. Eu tinha muito medo de as testemunhas irem embora. Eu tive um trabalho grande de persuasão e carinho para que as pessoas ficassem lá comigo. Era a primeira vez de todos naquele prédio. Na primeira audiência eu ainda não estava com a Defensoria Pública, mas com um advogado voluntário. Uma mãe de vítima que me indicou e ele ajudou muito. Nas outras eu já fui com o defensor e fiquei mais segura por eles serem especialistas na área criminal. Eu sabia que era muito difícil agir contra o Estado, por isso busquei minha melhor opção, pois eles têm uma equipe bastante aberta a ajudar e fazem um bom trabalho. Eu continuei cuidando do meu filho mesmo depois de morto. Sabemos que este sistema é racista. Eu sei que se o Johnatha não fosse um jovem negro morador de favela ele nem seria um alvo da polícia. Eu cumpri o meu papel enquanto mãe antes e depois da morte dele.

Fundamental na ação de Ana Paula são os atos políticos organizados por ela antes de cada audiência e a preservação da memória do seu filho através de fotos divulgadas em suas redes sociais, mostrando que seu ativismo não se limita para dentro do Sistema de Justiça. Ana Paula expõe fotos do início da vida de Johnatha associados à detalhes de sua execução. Essas exposições mostram uma dinâmica que as mães na luta contra o Estado utilizam. Primeiro, precisam mostrar ao Estado e à sociedade que seus filhos foram amados e que elas eram boas mães. Segundo, Ana Paula afirma que as mães precisam revelar o caráter cruel da morte e traduzir seu sofrimento para o juiz e para a corte. Finalmente, elas precisam mostrar o reconhecimento de suas demandas e a validação de sua luta.

Parte da estratégia de Ana Paula tem sido utilizar fotos de festas de aniversário, batizado, de saída com familiares, sorrisos e abraços, trabalhando na construção de contra narrativas que visam mostrar que seu filho era uma boa pessoa, foi cuidado e cuidava de sua família. Essa narrativa de afeto e saudade também é documentada no Sistema de Justiça. Como consta em termo de declaração da mãe e da tia de Jhonatha, “ele estava em casa quando recebeu uma mensagem da tia pedindo para que ele fosse em sua casa pois ela havia feito a sobremesa preferida dele. Ele pula e agarra a mãe e parte para a casa da tia, passando depois na casa da namorada”. A validação da luta dessa mãe também é documentada através do recorrente encaminhamento de reportagens de jornais sobre sua luta para a Defensoria Pública, o que contribui para a comprovação de seu ultraje e para mostrar que ela não desistiu de lutar pelo seu filho. Seu sofrimento é visível, pressiona, movimenta.

O Defensor Empatia considera que toda esta mobilização desde o início do inquérito policial fez com que fossem produzidas provas suficientes para que o caso tenha sido encaminhado para júri popular. Até o momento ainda se aguarda o agendamento. Contudo, Ana Paula já vê sinais de justiça sendo feita. Segundo ela, “para mim a justiça tem sido feita a cada dia que eu abro a boca e consigo agregar mais uma mãe aqui da favela. Elas se espelham em mim para não deixarem o caso dos filhos delas impune. A luta tem resultado.”

Caso Costa Barros - Contra narrativa e judicialização de emoções

Wilton, Wilkerson, Lourival, Wesley, Cleiton, Carlos Eduardo e Roberto são os sete jovens negros de 16 a 30 anos vitimados no evento conhecido como Caso Costa Barros. Entretanto, também é possível incluir como vítimas secundárias deste episódio Joselita de Souza, mãe de Roberto, que morreu devido a um mal súbito em decorrência de sua depressão, e o irmão de outra vítima que sofreu um acidente vascular cerebral e veio a óbito.

No registro de ocorrência, os policiais alegam que houve um intenso tiroteio e que os jovens teriam ficado entre eles e os traficantes. Contudo, as testemunhas do caso, incluindo os dois sobreviventes e outros familiares das vítimas, os contradizem e informam que os policiais atiraram nos jovens assim que viraram a esquina sem ao menos pedir-lhes que parassem para passar por averiguação. Os policiais foram presos em flagrante no dia seguinte ao ocorrido, por homicídio e fraude processual. Por certo tempo seguiram acompanhando o processo em liberdade, mas em novembro de 2019 foram condenados a 52 anos de prisão pelo júri popular.

A aproximação do NUDEDH no caso aconteceu logo após o enterro dos jovens, quando os defensores públicos procuraram as famílias das vítimas para oferecer assistência no caso. Durante a pesquisa no NUDEDH constatei que foram feitas quatro reuniões preparatórias dos defensores com as famílias e ocorreram três audiências de instrução no Tribunal de Justiça.

A Teoria Crítica da Raça permite a análise das construções da defesa e da acusação dos indiciados. A denúncia apresentada pela Promotoria considera, dentre outras questões, que “os crimes foram praticados por motivo torpe, visto que os denunciados atiraram contra as vítimas por acreditarem que estas tinham envolvimento com o crime e, por esta razão, poderiam exterminá-las.” Já os advogados de defesa indicam, através das perguntas feitas durante as audiências, que construíram suas argumentações tendo por base os roubos e o tráfico de drogas existentes próximos ao local do crime, e o despreparo dos policiais envolvidos. Contudo, para os defensores atuando no caso, bem como para os familiares entrevistados, o que possibilitou esta ocorrência e as consequentes fraudes foi o fato de se tratar da morte de cinco jovens negros pobres.

De acordo com o Defensor Empatia,

Esse é um caso indefensável e o papel da Defensoria como assistentes de acusação é muito mais o de provar em juízo os danos causados para a família e responsabilizar o Estado pela normalização das mortes de jovens negros. Os garotos estavam passando, os policiais não deram a ordem de parar e já começaram a atirar absurdamente. Só que alguma coisa deu errada. Eles tentaram forjar um flagrante colocando uma arma. O tempo que levaram para fazer o simulacro, chamou muita atenção, deu muita repercussão, teve muitas testemunhas e houve uma pressão da sociedade para chamá-los à responsabilidade. E isso começou com o delegado de plantão que deu voz de prisão a eles. Foram presos em flagrante. As pessoas foram achando luvas e outras coisas. As pessoas foram voluntariamente falar na delegacia. Todas essas coisas tornam o caso diferente e com maior celeridade. Diferente do caso que aconteceu semana passada em Acari. Foi uma morte brutal e forjada, mas o rapaz tinha realmente envolvimento com o tráfico. Infelizmente isso está tão naturalizado que a família acabou retirando a denúncia. Tem algo também que afeta o fluxo que é a vulnerabilidade, o medo das pessoas de falar. Isso faz muita diferença.

De fato, por ser um caso considerado indefensável, a proposição de acordos extrajudiciais de pensionato e concessão de entrevistas para a mídia formal e alternativa têm sido duas atividades importantes dos defensores do caso.

Temos protocolo com eles [Procuradoria do Estado]. Um convênio. Este mês até vamos formalizar isso, pois já é uma coisa que fazemos. Já sabemos que os acordos judiciais são muito mais rápidos do que os processos judiciais. Os processos judiciais com o Estado necessariamente vão levar muitos anos. Às vezes até dez anos porque eles levam até a última instância e depois ainda tem o precatório. [inaudível] Então fazemos o acordo e seguimos com o processo criminal. E assim fazemos uma reparação “imediata”, quer dizer, o mais rápido que a gente consegue. Poderiam ganhar mais? Talvez poderiam. Poderiam ganhar menos? Também. Poderiam até não ganhar. Mas certamente saberiam disso muito tempo depois.

Outra função da Defensoria no caso tem sido a administração de falhas no SJC. Exemplo disso foi a revogação da prisão preventiva dos policiais, que segundo o defensor foi devido a uma falha na “argumentação do juiz [que acompanha o caso no Rio de Janeiro] e a defesa se apegou a essa brecha. Mas o juiz já negou esse pedido de liberdade várias vezes com decisões bem fundamentadas”.

Este caso também pode ser analisado por outro aspecto da CRT: contra narrativas. Na CRT, contar histórias é poderoso porque revela os atos racistas que pessoas enfrentam diariamente, desafiando as crenças universalmente mantidas pela maioria. A interpretação da experiência do racismo é muito diferente com base no grau de poder e autoridade que uma pessoa detém na sociedade. Neste sentido, essas histórias e experiências vividas precisam ser contadas, ouvidas e analisadas para se entender de que forma o racismo opera no SJC.

A valorização das histórias e da evidência da violência racial são utilizadas no SJC através dos relatos das testemunhas do Caso Costa Barros. Uma das mães narrou:

Meu filho queria servir à Marinha e ele foi executado dentro de um carro com 111 tiros. Acabaram com a vida do meu filho e em seguida acabaram com a minha também. Porque eu não conseguia nem me levantar da cama. Agradeço ao meu ex-marido que cuidava da minha filha, porque eu não conseguia nem me levantar. Quando eu abria os olhos eu sentia tristeza na alma em saber que meu filho foi metralhado sem fazer nada.

Para o Defensor Empatia, essas narrativas são importantes para ajudar na sensibilização do Júri. Contudo, a emoção é racionalizada, judicializada. Uma vez que a história é contada, o exame dos elementos-chave da história deve se basear nos princípios, proposições e argumentos legais. A CRT diz que essa análise também deve se basear na compreensão e representação como uma forma de análise jurídica crítica.

Considerações Finais

Em resumo, as premissas da CRT são: racismo como parte central da sociedade; o desafio às afirmações dominantes de neutralidade racial, igualdade de oportunidades, objetividade, daltonismo e mérito; a teoria da convergência de interesses; a valorização de uma perspectiva interdisciplinar e; a interseccionalidade. Acredito que estes aportes teórico-metodológicos sejam fundamentais para o estudo das mortes violentas sem solução e do sofrimento negro no sistema de justiça criminal no Brasil.

Primeiramente, nunca é demais reforçar que o racismo é fundante do policiamento e do sistema de justiça brasileiro. A criação da guarda real em 1809 marca a institucionalização da contínua presença do Estado na vida dos negros. Essa força foi criada para proteger a corte real portuguesa que se estabeleceu em meio às massas de negros escravizados que ocupavam a cidade na época (Batista 2003). Segundo o historiador Thomas Holloway (1993),

Uma razão importante para estabelecer a polícia foi suplementar a disciplina coercitiva que os proprietários de escravos tradicionalmente forneciam, dadas as dificuldades de manter a vigilância sobre os escravos em um ambiente urbano cada vez mais complexo e impessoal (:282).

Isso mostra que o Estado, através da polícia, trabalhou para manter os interesses econômicos da elite, uma vez que os negros escravizados eram bens possuídos por ela. Para fazer isso, métodos brutais de punição foram aplicados. Holloway afirma: “No Rio de Janeiro, as lesões físicas continuaram fazendo parte de um arsenal de técnicas usadas para manter o comportamento da população dentro dos limites e instilar medo” (1993: 282).

O Estado sempre foi brutalmente opressivo contra comunidades negras e o SJC legaliza essas ações. A criminologia no Brasil tem suas raízes no determinismo biológico e na ideologia do racismo, o dogma de que os negros são inerentemente inferiores em inteligência e em tipos de temperamento e personalidade em comparação com as pessoas brancas. Nina Rodrigues (2011RODRIGUES, Raimundo N. 2011. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Social, 2011, 95p. ISBN 978-85-7982-075-5.), conhecido como o primeiro antropólogo brasileiro, inspirou-se no criminologista italiano Cesare Lombroso e dedicou seu trabalho ao estudo das raças que constituíam a sociedade brasileira pós-escravidão: branca, preta e indígena. O antropólogo focou na busca do que esta nova sociedade herdou das características destas três raças principais e destacou suas permanências, conflitos, e o lugar a ser ocupado por cada uma delas na estrutura social brasileira. Arthur Ramos (1979RAMOS, Arthur. 1979. As Culturas Negras no Novo Mundo. São Paulo: Editora Nacional, . p.5) alude que em seus estudos deterministas, Nina Rodrigues defendeu que os negros eram vistos como criminosos naturais e que a inferioridade dos negros era “um fenômeno de ordem natural perfeita, o produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões e seções” (Rodrigues, 2010: 12RODRIGUES, Raimundo Nina. 2010. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.). No ambiente de recente abolição da escravatura, as ideias de Nina Rodrigues criaram a justificação moral para as estruturas das agências de controle social, no interesse até então constituído pela precaução contra possíveis ações de “não civilizados” e “raças inferiores”. Apesar da criação de contra-argumentos (Nascimento, 1981NASCIMENTO, Abdias. 1981. Sitiado Em Lagos: Autodefesa de Um Negro Acossado Pelo Racismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.), os discursos de Nina Rodrigues sobre a degeneração negra, atavismo e soluções eugênicas foram hegemonizados e legitimaram a base ideológica do genocídio no Brasil, expresso pelo super encarceramento e pelo homicídio de jovens negros pobres. Após esta hegemonização, se fez possível a naturalização de mortes e o endosso da ideologia genocida através da criminologia. Apresentados como suspeitos potenciais (Ramos 1979), “elementos suspeitos” (Musumeci & Ramos, 2005MUSUMECI, Barbara Soares; MOURA, Tatiana Moura; AFONSO Carla (orgs). 2009. Auto de Resistência. Relatos de Familiares de Vítimas da Violência Armada. Rio de Janeiro: 7 Letras.) ou sob sujeição criminal (Misse, 2014MISSE, Michel. 2014. “Sujeição Criminal”. In Lima, Renato Sergio de; Ratton, José Luiz; Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli. Crime, Polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: Editora Contexto.), a experiência dos jovens negros revela a anti negritude no país (Vargas, 2016VARGAS, João H.C. 2016. Introdução: “Desidentificação”: A Lógica de Exclusão Antinegra do Brasil. Em Pinho, Osmundo & Vargas, João H.C. Antinegritude O Impossível Sujeito Negro na Formação Social Brasileira. Cachoeira: Editora UFRB , p. 197-202.). Conforme exposto, as mães de vítima de violência policial tentam através de suas contra narrativas apresentar outras leituras possíveis sobre os corpos de jovens negros.

Segundo, é importante destacar o desafio do daltonismo no SJC e na Política de Segurança no Rio de Janeiro. Um dos entraves apontados pelas mães de vítima de violência em busca de justiça é o caráter elitista de defensores, promotores e juízes, que são em sua maioria brancos, homens e de classes sociais elevadas. Em 2011, 76% dos defensores se identificavam racialmente como brancos, 0% como pretos e 12% como outros (Cunha, 2013: 138CUNHA, Jose Ricardo (ed). 2013. Direitos Humanos e Sistema de Justiça: Uma pesquisa empírica com defensores públicos e promotores de justiça no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Grandma.). De acordo com Cunha, “a identificação entre o agente que representa e a população que demanda pode ser um indicativo de maior promoção de direitos” (2013: 138). Cunha aponta que esta realidade pode mudar conforme os estudantes de direito oriundos das ações afirmativas passem a adentrar o SJC e gradualmente fazer com que a composição destas instituições reproduza a dinâmica racial brasileira. Vestena et al. (2014VESTENA, Carolina. A.; CUNHA, J. R.; NORONHA, R. 2014. “Direitos Humanos e Sistema de Justiça no Rio de Janeiro: cruzando os dados sobre o perfil, a formação e a prática dos defensores públicos e promotores de justiça”. In: Cunha, J. R. (ed.): Direitos Humanos e Sistema de Justiça: uma pesquisa empírica com defensores públicos e promotores de Justiça no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gramma Editora, 133-154.) apontam que mudança promissora pode ser observada com a gradual feminização da Defensoria Pública, uma vez que a população feminina tem experiência com situações de violação de direitos humanos, o que as fazem sensíveis ao assunto.

Terceiro, as mortes violentas que ocorrem no Rio de Janeiro estão majoritariamente relacionadas à chamada guerra às drogas e à criminalidade violenta (Silva, 1999SILVA, Luís Antônio Machado da. 1999. “Criminalidade violenta: por uma nova perspectiva de análise”. Rev. Sociol. Polit. [online]. n.13, pp.115-124.), que somente arranham a superfície do problema do tráfico de drogas no país. Em diálogo com a premissa da teoria de convergência de interesses da CRT, é possível afirmar que não é de interesse das elites e do Estado brasileiro que se altere a forma como diferentes crimes e criminosos são tratados no sistema de justiça criminal.

Quarto, para se entender o SJC e como funciona seu fluxo, é fundamental o engajamento com outras disciplinas para além do Direito e da Sociologia. Neste artigo, por exemplo, para revelar aspectos do funcionamento do SJC relaciono literatura dos Estudos Negros, de gênero, performance, criminologia e antropologia das emoções, pois cada disciplina acrescenta suas especificidades e entrelaces.

Por último, é importante destacar a importância da narrativa e da experiência racial em estudos centrados na CRT. Não é por acaso que ao expressar o sofrimento causado pela violência policial ou mortes por balas perdidas as mães de vítimas tenham que traduzir o seu sofrimento através da estratégia de situá-

-lo no corpo branco para gerar empatia. Por exemplo, em ato que antecedeu uma audiência do Caso Eduardo de Jesus, sua mãe disse: “É muita dor. É muita dor. Eu tinha acabado de entrar e deixei meu filho vivo no portão. Escuto um barulho e ele já está morto. Imagina se fosse seu filho. Imagina se fosse o filho de uma branca da Zona Sul.”

Procurei neste artigo refletir sobre as maneiras pelas quais o sistema de justiça dá atenção ao sofrimento negro expresso nas narrativas das mães de vítimas de violência policial e sobre a sua importância para o funcionamento do Fluxo do Sistema de Justiça Criminal. Para isso, investiguei três casos em que familiares tiveram papel importante em sua visibilização e/ou atuaram como assistentes de acusação em parceria com o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro ,através do programa de Defesa dos Direitos Humanos. Aplicando a teoria para analisar os casos, evidencio que o que acontece nesta parceria é a judicialização do sofrimento negro na tentativa de comunicar a dor negra e desnormalizar a violência estrutural, gratuita e esperada contra estes corpos.

Referencias Bibliográficas

  • ADORNO, Sérgio. “Crise no sistema de justiça criminal”. Ciência e cultura, São Paulo, 2002. Vol. 54, nº 1, p. 50-51.
  • AGAMBEN, Giorgio. 2004. Homo Sacer. São Paulo: Boitempo
  • BELL, Derrick. 1987. And We Are Not Saved: The Elusive Quest for Racial Justice. New York: Basic Books.
  • BELL, Derrick. 2004. Silent Covenants: Brown v. Board of Education and the Unfulfilled Hopes for Racial Reform . New York: Oxford University Press.
  • BONILLA-SILVA, Eduardo. 1997. “Rethinking racism: Toward a structural interpretation”. American Sociological Review 62: 465-480.
  • CANO, Ignacio. 1997. Letalidade da ação policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ISER.
  • CARVALHO, Deize. 2014. Vencendo as Adversidades: Autobiografia de Deize Carvalho. São Paulo: Nós por Nós
  • CRENSHAW, Kimberlé. 1989. “De-marginalizing the intersection of race and sex: A Black feminist critique of anti-discrimination doctrine, feminist theory and antiracist policy”. University of Chicago Legal Forum, 139-168.
  • CRENSHAW, Kimberlé. 1995. “Mapping the Margins: intersectionality, identity politics, and violence against women of color”. In CRENSHAW, Kimberlé, et al (Org). Critical Race Theory: The Key Writings that Formed the Movement. New York: The New Press.
  • CRENSHAW, Kimberlé. 2002. The First Decade: Critical Reflections, or “A Foot in the Closing Door. In Valdes, F. et al. Crossroads, Directions, and a New Critical Race Theory. Philadelphia: Temple University Press.
  • CRENSHAW, Kimberlé; Gotanda, Neil; Peller, Gary; Thomas, Kendall. (Eds.). 1995. Critical Race Theory: The Key Writings that Formed the Movement. New York: The New Press .
  • CUNHA, Jose Ricardo (ed). 2013. Direitos Humanos e Sistema de Justiça: Uma pesquisa empírica com defensores públicos e promotores de justiça no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Grandma.
  • DELGADO BERNAL, Dolores. 2002. “Critical Race Theory, Latino Critical Theory, and Critical Raced Gendered Epistemologies: Recognizing Students of Color as Holders and Creators of Knowledge.” Qualitative Inquiry 8.1: 105-126.
  • DELGADO, Richard and Jean Stefancic, eds. 2000. Critical Race Theory: The Cutting Edge. 2nd ed. Philadelphia: Temple UP,.
  • DIXSON, Adrienne D. & Celia K. Rousseau. 2006. Critical Race Theory in Education: All God’s Children Got a Song. New York: Routledge.
  • FARIAS, Juliana; VIANNA, Adriana. 2011. A Guerra das Mães: Dor e Política em Situações de Violência Institucional. Cadernos pagu (37), jul-dez:79-116.
  • FEAGIN, Joe. 2006. Systemic Racism: A Theory of Oppression. New York, NY: Routledge.
  • GRAHAM, Barbara Luck. 2007. “Toward a critical race theory in political science: A new synthesis for understanding race, law, and politics”. In: Wilbur C.R. (ed.) African American Perspectives on Political Science. Philadelphia, PA: Temple University, 212-231.
  • GREENE, Linda 1995 “Race in the Twenty-First century: Equality through Law?”. In CRENSHAW, Kimberlé et al (org). Critical Race Theory: The Key Writings that Formed the Movement. New York: The New Press , 1995.
  • HARRIS, Charyl. 1995. “Whiteness as Property”. In CRENSHAW, Kimberlé et al. Critical Race Theory: The Key Writings that Formed the Movement. New York: The New Press .
  • KANT DE LIMA, Roberto. 2008. Ensaios de antropologia do direito - Acesso à justiça e processos institucionais de administração de conflitos e produção da verdade jurídica em uma perspectiva comparada. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
  • LEITE, Márcia. 2004. “As mães em movimento”. In: Birman, Patrícia; Leite, Márcia Pereira. (orgs.). Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre, Editora da UFRGS, pp.141-190.
  • LIPSITZ, George. 2011. Constituted by a series of contestations: Critical race theory as a social movement. Connecticut Law Review 43: 1459-1478.
  • LOPES Jr, Aury. 2010. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional V. II. 3ed. Ver e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris .
  • LORDE, Audre. 1984. “The Uses of Anger: Women Responding to Racism.” In Sister Outsider. California: The Crossing Press Feminist Series. 124-133.
  • MUSUMECI, Barbara Soares; MOURA, Tatiana Moura; AFONSO Carla (orgs). 2009. Auto de Resistência. Relatos de Familiares de Vítimas da Violência Armada. Rio de Janeiro: 7 Letras.
  • MCCALL, Leslie. 2005. The complexity of intersectionality. Signs, 30(3), 1771-1800.
  • MISSE, Michel; GRILO, Carolina Chrisoph; TEIXEIRA, César Pinheiro; NERI, Na-tasha Elbas. 2013. Quando a Polícia Mata: Homicídios por “Autos de Resistencia” no Rio de Janeiro (2001-2011). Rio de Janeiro: NECVU; Booklink.
  • MISSE, Michel; VARGAS, Joana Domingues. 2007. O fluxo do processo de incriminação no Rio de Janeiro na década de 50 e no período 1997-2001: comparação e análise. In: XIII Congresso Brasileiro de Sociologia. Recife.
  • MISSE, Michel. 2014. “Sujeição Criminal”. In Lima, Renato Sergio de; Ratton, José Luiz; Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli. Crime, Polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: Editora Contexto.
  • MISSE, Michel. 2008. Acusados & Acusadores: Estudos sobre Ofensas, Acusações e Incriminações. Rio de Janeiro: Renavan.
  • MISSE, Michel. 2009. “O inquérito policial na cidade do Rio de Janeiro”, in Reflexões sobre a investigação brasileira através do inquérito policial. Brasília: Ministério da Justiça.
  • NASCIMENTO, Abdias. 1978. O Genocídio Do Negro Brasileiro: Processo de Um Racismo Mascarado. Coleção Estudo Brasileiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • NASCIMENTO, Abdias. 1981. Sitiado Em Lagos: Autodefesa de Um Negro Acossado Pelo Racismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
  • NASH, Jennifer C. 2008. Re-thinking intersectionality. Feminist Review, 89(1), 1-15.
  • NOBRE, Carlos. 1994. Mães de Acari: Uma historia de luta contra a impunidade. Rio de Janeiro: Dumará
  • OLIVEIRA, Marcus Vinicius Berno N. de; MACHADO, Bruno Amaral. Junho 2018. O fluxo do sistema de justiça como técnica de pesquisa no campo da segurança pública. Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro , v. 9, n. 2, p. 781-809.
  • PERES, Maria F.T. 2007. “Homicídios, Risco e Vulnerabilidade: Para Uma Discussão Da Dinâmica Da Vitimização Por Homicídios”. In Homicídios No Brasil, 125-139. Rio de Janeiro: Editora FGV.
  • PIRES, Thula Rafaela de Oliveira; LYRIO, Caroline. 2014. Racismo institucional e acesso à justiça: uma análise da atuação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nos anos de 1989-2011. In: COUTO, M. B.; ESPÍNDOLA, A.A.S.; SILVA, M.R.F (coord.). Acesso à justiça I. Florianópolis: CONPEDI.
  • RAMOS, Arthur. 1979. As Culturas Negras no Novo Mundo. São Paulo: Editora Nacional, . p.5
  • RIFIOTIS, Theophilus; VENTURA, Andressa Burigo; CARDOSO, Gabriela Ribeiro. 2010. Reflexões críticas sobre a metodologia do estudo do fluxo de justiça criminal em casos de homicídios dolosos. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, v. 53, n. 2, p. 689-714.
  • ROBERTS, Dorothy E. 1995. Punishing Drug Addicts Who Have Babies: Women of Color, Equality, and the Right of Privacy. In CRENSHAW, Kimberlé et al. Critical Race Theory: The Key Writings that Formed the Movement. New York: The New Press
  • ROCHA, Luciane O. 2018. Maternidad indignada: Reflexiones sobre el activismo de las madres negras y el uso de las emociones en investigación activista. Anthropologica, ISSN 0254-9212, Vol. 36, Nº. 41, , págs. 35-46
  • ROCHA, Luciane O. 2017. Morte Íntima: A Gramática do Genocídio Antinegro na Baixada Fluminense. In João Costa Vargas e Ana Flauzina. Motím: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Editores Brasília: Brado Negro.
  • ROCHA, Luciane O. 2015. De-matar: Maternidade Negra como Ação Política na “Pátria Mãe Gentil”. In Antinegritude O Impossível Sujeito Negro na Formação Social Brasileira. Cachoeira: Editora UFRB, p. 197-202.
  • ROCHA, Luciane O. 2012. Black Mothers’ experiences of Violence in Rio de Janeiro. Cultural Dynamics. 24 (1). p. 59-74.
  • RODRIGUES, Raimundo N. 2011. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Social, 2011, 95p. ISBN 978-85-7982-075-5.
  • RODRIGUES, Raimundo Nina. 2010. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.
  • SOLÓRZANO, Daniel. G., & Delgado Bernal, Dolores. 2001. “Examining transformational resistance through a critical race and LatCrit theory framework: Chicana and Chicano students in an urban context”. Urban Education, 36, 308-342.
  • SAPORI, Luis Flávio. 2006. “A justiça criminal brasileira como um sistema frouxamente articulado”. In SLAKMON, Catherine et al (Orgs.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça, p. 763-782.
  • SILVA, Luís Antônio Machado da. 1999. “Criminalidade violenta: por uma nova perspectiva de análise”. Rev. Sociol. Polit. [online]. n.13, pp.115-124.
  • SÓLORZANO, Daniel; DELGADO BERNAL, Dolores. 2001. “Examining Transformational Resistance through Critical Race and LatCrit Theory Framework: Chicana and Chicano Students in an Urban Context.” Urban Education 36.3 : 308-342.
  • TAYLOR, Edward. 1998. A Primer on Critical Race Theory. The Journal of Blacks in Higher Education, No. 19, pp. 122-124.
  • VARGAS, Joana Domingues; RODRIGUES, Juliana Neves Lopes. 2011. “Controle e cerimônia: o inquérito policial em um sistema de justiça criminal frouxamente ajustado”. Soc. estado., Brasília, v. 26, n. 1, p. 77-96, Apr. 2011.
  • VARGAS, Joana Domingues. “Fluxo do Sistema de justiça criminal”. 2014. In LIMA, Renato Sergio; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Crime, Justiça e Polícia no Brasil. São Paulo: Contexto. p. 411-426.
  • VARGAS, Joana Domingues. 1999. “Indivíduos sob suspeita: a cor dos acusados de estupro no fluxo do sistema de justiça criminal”. Dados, Rio de Janeiro , v. 42, n. 4, p. 729-760.
  • VARGAS, João H.C. Julho 2010. “A Diáspora Negra Como Genocídio: Brasil, Estados Unidos ou Uma Geografia Supranacional da Morte e Suas Alternativas”. Revista da ABPN. Vol.1, n.2 . p. 31-65.
  • VARGAS, João H.C. 2016. Introdução: “Desidentificação”: A Lógica de Exclusão Antinegra do Brasil. Em Pinho, Osmundo & Vargas, João H.C. Antinegritude O Impossível Sujeito Negro na Formação Social Brasileira. Cachoeira: Editora UFRB , p. 197-202.
  • VESTENA, Carolina. A.; CUNHA, J. R.; NORONHA, R. 2014. “Direitos Humanos e Sistema de Justiça no Rio de Janeiro: cruzando os dados sobre o perfil, a formação e a prática dos defensores públicos e promotores de justiça”. In: Cunha, J. R. (ed.): Direitos Humanos e Sistema de Justiça: uma pesquisa empírica com defensores públicos e promotores de Justiça no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gramma Editora, 133-154.
  • VIANNA, Adriana. 2015. “Tempos, dores e corpos: considerações sobre a “espera” entre familiares de vítimas de violência policial no Rio de Janeiro”. In: Patricia Birman; et al. (Org.). Dispositivos Urbanos e Trama dos Viventes: ordens e resistências. 1ed. Rio de Janeiro: EdFGV, v. , p. 374-387.
  • VIANNA, Adriana. 2014. Etnografando documentos: uma antropóloga em meio a processos judiciais. In: Sergio Ricardo Rodrigues Castilho; Antonio Carlos de Souza Lima; Carla Costa Teixeira. (Org.). Antropologia das Práticas de Poder: reflexões etnográficas sobre burocratas, elites e corporações. 1ed. Rio de Janeiro: Contra Capa/ LACED, v. 1, p. 43-70.
  • ZUBERI, Tukufu. 2011. Critical race theory of society. Connecticut Law Review 43: 1573-1591.
  • 1
    Esta etnografia foi realizada no âmbito da pesquisa “Determinantes das Mortes Violentas Sem Solução: Fluxo do registro, apuração, esclarecimento, denúncia e julgamento das mortes violentas na cidade do Rio de Janeiro”, dirigida por Joana Vargas.
  • 2
    Joao Vargas (2010VARGAS, João H.C. Julho 2010. “A Diáspora Negra Como Genocídio: Brasil, Estados Unidos ou Uma Geografia Supranacional da Morte e Suas Alternativas”. Revista da ABPN. Vol.1, n.2 . p. 31-65.), dialogando com Nancy Sheper-Huges, aborda o ganho político e analítico da abordagem da violência de estado contra corpos negros como um continuum genocida.
  • 3
    Este é um nome fictício e presta homenagem a Luiza Mahin, liderança negra que transformou sua casa em quartel-general das principais revoltas negras que ocorreram em Salvador em meados do século XIX. Participou da Grande Insurreição, a Revolta dos Malês, última grande revolta de escravos ocorrida na Capital baiana em 1835.
  • 4
    Em revisão a respeito dos estudos sobre o Sistema de Justiça Criminal, destacam-se: Adorno, 2002ADORNO, Sérgio. “Crise no sistema de justiça criminal”. Ciência e cultura, São Paulo, 2002. Vol. 54, nº 1, p. 50-51.; Cano, 1997CANO, Ignacio. 1997. Letalidade da ação policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ISER.; Kant de Lima, 2008KANT DE LIMA, Roberto. 2008. Ensaios de antropologia do direito - Acesso à justiça e processos institucionais de administração de conflitos e produção da verdade jurídica em uma perspectiva comparada. Rio de Janeiro: Lumen Juris.; Misse e Vargas, 2007MISSE, Michel; VARGAS, Joana Domingues. 2007. O fluxo do processo de incriminação no Rio de Janeiro na década de 50 e no período 1997-2001: comparação e análise. In: XIII Congresso Brasileiro de Sociologia. Recife.; Misse, 2009MISSE, Michel. 2009. “O inquérito policial na cidade do Rio de Janeiro”, in Reflexões sobre a investigação brasileira através do inquérito policial. Brasília: Ministério da Justiça.; Oliveira e Machado, 2018OLIVEIRA, Marcus Vinicius Berno N. de; MACHADO, Bruno Amaral. Junho 2018. O fluxo do sistema de justiça como técnica de pesquisa no campo da segurança pública. Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro , v. 9, n. 2, p. 781-809.; Rifiotis et al, 2010RIFIOTIS, Theophilus; VENTURA, Andressa Burigo; CARDOSO, Gabriela Ribeiro. 2010. Reflexões críticas sobre a metodologia do estudo do fluxo de justiça criminal em casos de homicídios dolosos. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, v. 53, n. 2, p. 689-714.; Sapori, 2006SAPORI, Luis Flávio. 2006. “A justiça criminal brasileira como um sistema frouxamente articulado”. In SLAKMON, Catherine et al (Orgs.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça, p. 763-782.; Vargas e Rodrigues, 2011VARGAS, Joana Domingues; RODRIGUES, Juliana Neves Lopes. 2011. “Controle e cerimônia: o inquérito policial em um sistema de justiça criminal frouxamente ajustado”. Soc. estado., Brasília, v. 26, n. 1, p. 77-96, Apr. 2011.; Vargas, 1999VARGAS, Joana Domingues. 1999. “Indivíduos sob suspeita: a cor dos acusados de estupro no fluxo do sistema de justiça criminal”. Dados, Rio de Janeiro , v. 42, n. 4, p. 729-760. e 2014VARGAS, Joana Domingues. “Fluxo do Sistema de justiça criminal”. 2014. In LIMA, Renato Sergio; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Crime, Justiça e Polícia no Brasil. São Paulo: Contexto. p. 411-426.; Vianna, 2014VIANNA, Adriana. 2014. Etnografando documentos: uma antropóloga em meio a processos judiciais. In: Sergio Ricardo Rodrigues Castilho; Antonio Carlos de Souza Lima; Carla Costa Teixeira. (Org.). Antropologia das Práticas de Poder: reflexões etnográficas sobre burocratas, elites e corporações. 1ed. Rio de Janeiro: Contra Capa/ LACED, v. 1, p. 43-70..
  • 5
    Existe vasta literatura sobre o ativismo de mães e familiares no Rio de Janeiro, dentre elas, destacam-se: Carvalho, 2014; Leite 2004LEITE, Márcia. 2004. “As mães em movimento”. In: Birman, Patrícia; Leite, Márcia Pereira. (orgs.). Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz. Porto Alegre, Editora da UFRGS, pp.141-190.; Nobre, 1994NOBRE, Carlos. 1994. Mães de Acari: Uma historia de luta contra a impunidade. Rio de Janeiro: Dumará; Soares, Moura e Afonso, 2009; Vianna, 2015VIANNA, Adriana. 2015. “Tempos, dores e corpos: considerações sobre a “espera” entre familiares de vítimas de violência policial no Rio de Janeiro”. In: Patricia Birman; et al. (Org.). Dispositivos Urbanos e Trama dos Viventes: ordens e resistências. 1ed. Rio de Janeiro: EdFGV, v. , p. 374-387..
  • 6
    Por genocídio negro entende-se a negação - física, cultural, simbólica - aos membros das comunidades negras na diáspora africana o direito de sobreviver plenamente como cidadãos plenos ou seres humanos. Ver Nascimento, 1978NASCIMENTO, Abdias. 1978. O Genocídio Do Negro Brasileiro: Processo de Um Racismo Mascarado. Coleção Estudo Brasileiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra.; e Vargas, 2010VARGAS, João H.C. Julho 2010. “A Diáspora Negra Como Genocídio: Brasil, Estados Unidos ou Uma Geografia Supranacional da Morte e Suas Alternativas”. Revista da ABPN. Vol.1, n.2 . p. 31-65..
  • 7
    Refiro-me à Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, formada em 2004 como fruto da luta organizada das comunidades e dos movimentos sociais contra a violência de Estado.
  • 8
    A seguir, listamos os programas e o número de casos ativos em julho de 2017: Ação Civil Pública - 77; Advocacia Internacional -16; Biodireito - 8; Cidadão tem nome e sobrenome - 16; Defesa dos Grupos Socialmente Vulneráveis - 85; DH dos agentes estatais - 7; Direito Internacional dos Refugiados - 11; Intercâmbio Intersetorial - 50; Monitoramento Carcerário - 65 e Vítima de Violação de DH - 309.
  • 9
    Há outros dez casos em que a Defensoria atua patrocinando o assistente de acusação em outros temas, como por exemplo, violência praticada por milicianos, violência praticada contra policial, dano ambiental, sequestro e tráfico de pessoas.
  • 10
    É comum nas grandes cidades os confrontos entre policiais e envolvidos no varejo das drogas em favelas. Em decorrência desses confrontos pessoas não envolvidas são atingidas por disparos de arma de fogo, muitas vezes fatal.
  • 11
    Os nomes dos Defensores Públicos são fictícios para preservar suas identidades. Contudo, estou ciente de que os mesmos, os familiares envolvidos nos casos e outros ativistas poderão identificá-los através das falas. Empatia e lisura foram as principais qualidades que observei neles.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2020
  • Aceito
    01 Dez 2020
Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ) R. São Francisco Xavier, 524, 6º andar, Bloco E 20550-013 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel./Fax: (21) 2568-0599 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: sexualidadsaludysociedad@gmail.com