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Conhecimentos, percepções e itinerários terapêuticos de travestis e mulheres trans no cuidado a infecções sexualmente transmissíveis em Salvador, Brasil

Knowledge, perceptions and therapeutic itineraries of travestis and transgender woman in the care of sexually transmitted infections in Salvador, Brazil

Conocimientos, percepciones e rutas terapéuticas de travestis y mujeres trans en la atención de enfermedades de transmisión sexual en Salvador, Brasil

Resumo

O artigo objetivou analisar conhecimentos, percepções, práticas de cuidado e Itinerrários Terapêuticos (IT) para o diagnóstico e tratamento das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), com destaque para sífilis, entre Travestis e Mulheres Trans (TrMT) em Salvador, Brasil. Foram realizados 05 grupos focais e 06 entrevistas semiestruturadas com 30 TrMT. Os achados apontam amplo desconhecimento e percepções contraditórias sobre as IST, especialmente a sífilis; identificação de duas importantes trajetórias de cuidado às IST e o destaque para IT marcados por estigmas e discriminação nos serviços de saúde. Sugere-se a ampliação das ações de saúde para essa população reconhecendo suas necessidades e a construção de novas estratégias de prevenção e tratamento para IST, dialogadas com as TrMT, e garantia de autonomia, ética e sigilo na produção do cuidado.

Palavras-chave:
itinerários terapêuticos; travestis; mulheres trans; IST; Sífilis

Abstract

The article aimed to analyze knowledge, perceptions, care practices and Therapeutic Itineraries (TI) for the diagnosis and treatment of Sexually Transmitted Diseases (STD), with emphasis on syphilis, among travesti and transgender women (TGW) in Salvador, Brazil. 05 focus groups and 06 semi-structured interviews with travesti/TGW were carried out with a total of 30 participants. The findings point to a wide lack of knowledge and contradictory perceptions about STD, especially syphilis; identification of two important trajectories of care for STD and the emphasis on TI marked by stigma and discrimination in health services. The expansion of health actions for this population is suggested, recognizing their needs and the construction of new prevention and treatment strategies for STD, in dialogue with the travesti/TGW, and guaranteeing autonomy, ethics and confidentiality in the production of care.

Keywords:
therapeutic itineraries; transvestites; trans women; STD; syphilis

Resumen

El artículo tuvo como objetivo analizar conocimientos, percepciones, prácticas de atención y Rutas Terapêuticas (RT) para el diagnóstico y tratamiento de las Enfermedades de Transmisión Sexual (ETS), con énfasis en la sífilis, entre las travestidas y mujeres trans (TrMT) en Salvador, Brasil. Se realizaron 05 grupos focales y 06 entrevistas semiestructuradas con 30 TrMT. Los hallazgos apuntan a una amplia falta de conocimiento y percepciones contradictorias sobre las ETS, especialmente la sífilis; identificación de dos importantes trayectorias de atención a las ETS y el énfasis en las RT marcadas por el estigma y la discriminación en los servicios de salud. Se sugiere ampliar las acciones de salud para esta población, reconociendo sus necesidades y la construcción de nuevas estrategias de prevención y tratamiento de las ETS, en diálogo con el TrMT, y garantizando la autonomía, ética y confidencialidad en la producción de cuidados.

Palabras clave:
rutas terapéuticas; travestidas; mujeres trans; ETS; sífilis

Introdução

Travestis e mulheres transexuais (TrMT) são mais afetadas por HIV, sífilis e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST) no Brasil (Bassichetto et al., 2021BASSICHETTO, K et al., 2021. P409 Testing and treating syphilis in transgender women a point-of-care approach in Brazil. Sexually Transmitted Infections [em linha]. 1 julho 2021. vol. 97, no. Suppl 1, p. A167 LP-A167. DOI 10.1136/sextrans-2021-sti.437
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; Bastos et al., 2018BASTOS, F. I. et al., 2018. HIV, HCV, HBV, and syphilis among transgender women from Brazil: Assessing different methods to adjust infection rates of a hard-to-reach, sparse population. Medicine. maio 2018. vol. 97, no. 1 Suppl. DOI 10.1097/MD.0000000000009447.
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; Costa et al., 2015COSTA, A. B. et al., 2015. Population-based HIV prevalence and associated factors in male-to-female transsexuals from Southern Brazil. Archives of sexual behavior. fevereiro 2015. vol. 44, no. 2, p. 521-524. DOI 10.1007/s10508-014-0386-z
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) e em outros países (Hung et al., 2020HUNG, P. et al., 2020. High lifetime prevalence of syphilis in men who have sex with men and transgender women versus low lifetime prevalence in female sex workers in Lima, Peru. Sexually Transmitted Diseases. 1 agosto 2020. vol. 47, no. 8, p. 549-555. DOI 10.1097/OLQ.0000000000001200
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; Reisner et al., 2019REISNER, S. L et al., 2019. Situated Vulnerabilities, Sexual Risk, and Sexually Transmitted Infections’ Diagnoses in a Sample of Transgender Youth in the United States. AIDS Patient Care and STDs. março 2019. vol. 33, no. 3, p. 120-130. DOI 10.1089/apc.2018.0249
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; MacCarthy et al., 2017MACCARTHY, S. et al., 2017. Current research gaps: a global systematic review of HIV and sexually transmissible infections among transgender populations. Sexual Health [em linha]. 2017. vol. 14, no. 5, p. 456-468; McNulty, Bourne, 2017MCNULTY, A. e BOURNE, C., 2017. Transgender HIV and sexually transmissible infections. Sexual Health [em linha]. 2017. vol. 14, no. 5, p. 451-455. DOI 10.1071/SH17050
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; Baral et al., 2013BARAL, S. D. et al., 2013. Worldwide burden of HIV in transgender women: a systematic review and meta-analysis. The Lancet Infectious Diseases [em linha]. 1 março 2013. vol. 13, no. 3, p. 214-222. DOI 10.1016/S1473-3099(12)70315-8. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(12)70315-8
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). Tal disparidade pode ser explicada por uma diversidade de fatores socioestruturais, comportamentais e epidemiológicos (Baral et al., 2013). Entre eles, destaca-se a dificuldade de acesso aos serviços de testagem e tratamento de HIV/ aids e outras IST(Alencar Albuquerque et al., 2016ALENCAR ALBUQUERQUE, G et al., 2016. Access to health services by lesbian, gay, bisexual, and transgender persons: systematic literature review. BMC International Health and Human Rights [em linha]. 2016. vol. 16, no. 1, p. 2. DOI 10.1186/s12914-015-0072-9. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12914-015-0072-9
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; Socías et al., 2014SOCÍAS, M. E. et al., 2014. Factors associated with healthcare avoidance among transgender women in Argentina. International Journal for Equity in Health [em linha]. 2014. vol. 13, no. 1, p. 81. DOI 10.1186/s12939-014-0081-7
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; Poteat, German, Kerrigan, 2013POTEAT, T., GERMAN, D. e KERRIGAN, D., 2013. Managing uncertainty: a grounded theory of stigma in transgender health care encounters. Social science & medicine (1982). maio 2013. vol. 84, p. 22-29. DOI 10.1016/j.socscimed.2013.02.019
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).

Importante barreira de acesso a esses serviços de saúde são o estigma e a discriminação relacionadas à identidade de gênero em sociedades predominantemente patriarcais e machistas (Leite et al., 2021LEITE, B. O. et al., 2021. Association between gender-based discrimination and medical visits and HIV testing in a large sample of transgender women in northeast Brazil. International Journal for Equity in Health [em linha]. 2021. vol. 20, no. 1, p. 199. DOI 10.1186/s12939-021-01541-z
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; Magno et al., 2019MAGNO, L. et al., 2019. Estigma e discriminação relacionados à identidade de gênero e à vulnerabilidade ao HIV/aids entre mulheres transgênero: revisão sistemática. Cadernos de Saúde Pública [em linha]. 2019. vol. 35, no. 4. DOI 10.1590/0102-311X00112718
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; Carrara, Vianna, 2006CARRARA, S. e VIANNA, A. R. B., 2006. “Tá lá o corpo estendido no chão...”: a violência letal contra travestis no município do Rio de Janeiro. Physis: Revista de Saúde Coletiva [em linha]. 2006. vol. 16, no. 2, p. 233-249. DOI 10.1590/S0103-73312006000200006
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; Islam Khan et al., 2009ISLAM KHAN, S. et al., 2009. Living on the Extreme Margin: Social Exclusion of the Transgender Population (Hijra) in Bangladesh. Journal of Health, Population and Nutrition. 2009. vol. 27, no. 4, p. 441-541; Poteat et al., 2015POTEAT, T. et al., 2015. HIV risk and preventive interventions in transgender women sex workers. Lancet (London, England) [em linha]. 2014/07/22. 17 janeiro 2015. vol. 385, no. 9964, p. 274-286. DOI 10.1016/S0140-6736(14)60833-3
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). Além disso, as TrMT não conseguem obter a identificação jurídica adequada à sua identidade de gênero, e não tem acesso às técnicas seguras de mudança corporal (de Haan et al., 2015DE HAAN, G. et al., 2015. Non-Prescribed Hormone Use and Barriers to Care for Transgender Women in San Francisco. LGBT health [em linha]. 2015. vol. 2, no. 4, p. 313-323. DOI 10.1089/lgbt.2014.0128
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), já garantidas no Brasil através da portaria nº 2803/2013, que redefiniu e ampliou o processo de transexualização para travestis e pessoas trans no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 2013aBRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. PORTARIA N o 2.803,DE 19 DE NOVEMBRO DE 2013. Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde(SUS). 2013a. Brasilia/DF: Ministério da Saúde). Cita-se também, na garantia de equidade e em resposta às demandas de saúde da população LGBT, a portaria 2836/2011, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que formalizou objetivos, diretrizes e responsabilidades das três esferas de gestão para promoção da saúde e eliminação da discriminação e preconceito institucionais incidentes no processo saúde-doença do público LGBTQIA+ (Brasil, 2013bBRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. 2013b. Brasília, Ministério da Saúde.).

À guisa de comparação, nos Estados Unidos, pessoas trans e não-binárias enfrentam barreiras de acesso relacionadas à discriminação por parte de profissionais de saúde, bem como uma diminuição da busca por serviços e ausência de seguro saúde quando comparados com pessoas cis (Gonzales, Henning-Smith, 2017GONZALES, G. e HENNING-SMITH, C., 2017. Barriers to Care Among Transgender and Gender Nonconforming Adults. The Milbank Quarterly [em linha]. 1 dezembro 2017. vol. 95, no. 4, p. 726-748. DOI https://doi.org/10.1111/1468-0009.12297
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). Outro estudo naquele país mostrou que todos os participantes (mulheres e homens trans) destacaram experiências negativas quando se referiram à identidade de gênero e também relacionada a cor de pele preta, evidenciando a intersecção de marcadores sociais de gênero e raça (Howard et al., 2019HOWARD, S. D. et al., 2019. Healthcare Experiences of Transgender People of Color. Journal of General Internal Medicine [em linha]. 2019. vol. 34, no. 10, p. 2068-2074. DOI 10.1007/s11606-019-05179-0
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). Além disso, observa-se que, devido à dificuldade de acesso aos serviços de saúde, há um aumento da busca por serviços de emergência para tratamento de quadros agudos, situações que poderiam ser resolvidas nos outros níveis de atenção (Bonvicini, 2017BONVICINI, K. A., 2017. LGBT healthcare disparities: What progress have we made? Patient Education and Counseling [em linha]. 2017. vol. 100, no. 12, p. 2357-2361. DOI https://doi.org/10.1016/j.pec.2017.06.003
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).

Na Austrália, um estudo mostrou que as TrMT relataram pouco respeito pelo quesito identidade de gênero por parte de profissionais de saúde (Rosenberg et al., 2021ROSENBERG, S. et al., 2021. Cisgenderism and transphobia in sexual health care and associations with testing for HIV and other sexually transmitted infections: Findings from the Australian Trans & Gender Diverse Sexual Health Survey. PLoS ONE. 2021. vol. 16, no. 7. DOI 10.1371/journal.pone.0253589
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). Uma revisão apontou sofrimento com as experiências nos serviços de saúde por falta de conhecimento dos profissionais no atendimento a pessoas trans (Safer et al., 2016SAFER, J. D. et al., 2016. Barriers to healthcare for transgender individuals. Current opinion in endocrinology, diabetes, and obesity. abril 2016. vol. 23, no. 2, p. 168-171. DOI 10.1097/MED.0000000000000227
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).

Ainda em perspectiva comparativa, na Argentina, estudo realizado com 452 mulheres trans, observou que 40,7% relataram evitar o uso dos serviços de saúde em razão de sua identidade de gênero. Além disso, verificou-se que a experiência prévia de discriminação no serviço de saúde por parte dos profissionais ou por outros pacientes e de agressão pela polícia aumentou a chance de mulheres trans evitarem buscar cuidados de saúde (Socías et al., 2014SOCÍAS, M. E. et al., 2014. Factors associated with healthcare avoidance among transgender women in Argentina. International Journal for Equity in Health [em linha]. 2014. vol. 13, no. 1, p. 81. DOI 10.1186/s12939-014-0081-7
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).

No Brasil, os desafios presentes no acesso aos serviços do SUS por TrMT, se não impedem tais usuárias de acessarem os serviços, tal acesso é marcado por estigma e discriminação manifestos por constrangimentos e desrespeito ao uso do nome social (Monteiro, Brigeiro, 2019MONTEIRO, S. e BRIGEIRO, M., 2019. Experiências de acesso de mulheres trans/travestis aos serviços de saúde: avanços, limites e tensões. Cadernos de Saúde Pública . 2019. vol. 35, no. 4, p. e00111318-e00111318. DOI 10.1590/0102-311X00111318
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; Braga, Ornat, 2019BRAGA, R. O. B. e ORNAT, M. J., 2019. Relações entre saúde e doença nas espacialidades discursivas das mulheres trans e travestis em Ponta Grossa, Paraná. TerraPlural. 2019. vol. 13, no. 1, p. 189-207). Além disso, elas apontam enormes barreiras no atendimento de algumas necessidades pelos serviços do SUS, tais como cirurgias de redesignação sexual e hormonização (Monteiro, Brigeiro, 2019).

A pesquisa sobre itinerários terapêuticos (IT) pode mostrar cenários e práticas alternativas de saúde, e a recusa (ao menos temporária) de serviços formais de saúde por serem considerados estigmatizantes e violentos (Souza, Pereira, 2016SOUZA, Matha e PEREIRA, Pedro Paulo Gomes, 2016. Em busca de atendimento à saúde: IT das travestis de Santa Maria-RS. Em: IT: integralidade no cuidado, avaliação e formação em saúde. Rio de Janeiro: CEPESC / IMS/UERJ - ABRASCO. p. 289-306). Na cidade de Santa Maria/RS, um estudo sobre IT de travestis na busca por atendimento à saúde realizou o acompanhamento de atendimentos em serviços de saúde e espaços alternativos de cuidado (religião afro) (Souza, Pereira, 2016). As trajetórias das travestis fora do sistema formal de saúde foram tomadas como referência de cuidado (Demétrio, Santana, Pereira-Santos, 2020DEMÉTRIO, F., SANTANA, E. R. e PEREIRA-SANTOS, M., 2020. O Itinerário Terapêutico no Brasil: revisão sistemática e metassíntese a partir das concepções negativa e positiva de saúde. Saúde em Debate [em linha]. 13 julho 2020. vol. 43, no. spe7, p. 204-221. [Acesso em 5 outubro 2021]. DOI 10.1590/0103-11042019S716
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). No Maranhão, os IT de população trans nos serviços de saúde destacam diferenças significativas no acesso, quando comparado com a população em geral e a utilização de redes informais de cuidado, incluindo automedicação de hormônios e busca de serviços formais em outras cidades distantes do local de moradia (Silva et al, 2021SILVA, R.A., TAJRA, F.S., LUZ, P.C.M., SILVA SALES, J.C. Itinerários Terapêuticos da população trans em um município do nordeste brasileiro. 2021. Sexualidad, Salud y sociedad - Revista Latinoamericana, n; 37,).

A produção científica sobre os IT de TrMT durante o processo saúde-doença-

-cuidado ainda é uma lacuna na literatura brasileira, especialmente quando se trata de outras IST que não sejam o HIV/aids. Por exemplo, uma análise de dissertações e teses produzidas no Brasil sobre a saúde de TrMT, entre os anos 1992 a 2019, mostrou que 13% discutiam HIV e outras IST, 8% abordavam o atendimento e acesso aos serviços de saúde e unidades de saúde e apenas 4% sobre cuidado à saúde e IT (Braga, Benato, 2021BRAGA, R. O. B. e BENATO, A. P., 2021. Saúde e doença do corpo das travestis e mulheres transexuais: análise das dissertações e teses brasileiras nas ciências da saúde entre 1992-2019. Revista Periódicus [em linha]. 16 agosto 2021. vol. 1, no. 16 SE-Seção Livre, p. 352-372).

Neste sentido, o recurso aos IT como abordagem teórico-metodológica potencializa as análises em torno das trajetórias de cuidados de TrMT, buscando compreender os principais aspectos que se apresentam na busca por diagnóstico e tratamento de sífilis e outras IST. Desse modo, o presente estudo teve como objetivo analisar conhecimentos, percepções, práticas de cuidado e IT para o diagnóstico e tratamento das IST, com destaque para sífilis, entre TrMT na cidade de Salvador, Brasil.

Metodologia

Desenho e população do estudo

Trata-se de um estudo qualitativo com vistas a conhecer os IT de 30 TrMT para busca do diagnóstico e cuidado da sífilis e outras IST. Este estudo, realizado entre outubro-dezembro de 2019, integrou a fase de pesquisa formativa do projeto intitulado “Estudo da prevalência de sífilis e outras infecções sexualmente transmissíveis entre travestis e transexuais brasileiras: cuidado e prevenção (Estudo TransOdara)”. A pesquisa formativa busca incorporar múltiplos olhares na construção do estudo, tornando este processo participativo. Na literatura, as lacunas sobre esta metodologia envolvem necessidade de definição clara de objetivos, planos de intervenção e metas (Gittelsohn et al., 2020GITTELSOHN, J., STECKLER, A., JOHNSON, C. C., PRATT, C., GRIESER, M., PICKREL, J., STONE, E. J., CONWAY, T., COOMBS, D., & STATEN, L. K. Fevereiro 2006. Formative research in school and community-based health programs and studies: “state of the art” and the TAAG approach. Health education & behavior: the official publication of the Society for Public Health Education, vol. 33, no. 1, p. 25-39. https://doi.org/10.1177/1090198105282412
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). Neste estudo, tais lacunas foram contornadas a partir da explicitação clara de seu objeto com as participantes. Foram conduzidas e analisadas entrevistas com roteiro semiestruturado e grupos focais (GF) com TrMT realizados na cidade de Salvador/BA. As TrMT autodeclararam as identidades de gênero, tinham idade maior que 18 anos e expressaram sua concordância em participar da pesquisa através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Perspectiva teórico-metodológica: IT

Na análise sobre os IT, consideram-se os procedimentos utilizados pelos atores sociais na interpretação de suas experiências e delineamento de suas ações, incluindo o domínio dos macroprocessos culturais (Alves, Souza, 1999ALVES, P. C. B. e SOUZA, I. M. A., 1999. Escolha e Avaliação de Tratamento para Problemas de Saúde: considerações sobre o itinerário terapêutico. Em: Experiência de doença e narrativa [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ. p. 125-138). O IT não foi concebido apenas como oferta ou disponibilidade de serviços ou sua utilização, mas enquanto distintas experiências, trajetórias individuais e projetos que se viabilizaram em um campo de possibilidades socioculturais (Alves, Souza, 1999).

A escolha pelos IT conduz a uma análise sobre as trajetórias de cuidado, destacando-se as principais concepções de saúde-doença enquanto experiência subjetiva e as necessidades de saúde trazidas à tona a partir das histórias e vivências das pessoas analisadas (Rodrigues, Maksud, 2017RODRIGUES, M. e MAKSUD, I., 2017. Abandono de tratamento: IT de pacientes com HIV/Aids Abandonment of treatment: therapeutic itineraries of HIV/Aids patients.. 2017. DOI 10.1590/0103-1104201711314
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). IT destacam, de um modo geral, duas dimensões de análise: 1) significados, decisões e valores, e 2) condições de vida, aspectos socioculturais e desigualdades sociais. Estas não são excludentes e, juntas, permitem compreender as estratégias de cuidado utilizadas para resolutividade dos problemas de saúde, incluindo as escolhas que conformam padrões de trajetórias e de organização e funcionamento dos sistemas e serviços de saúde (Alves, 2016ALVES, P. C., 2016. Itinerário terapêutico, cuidados à saúde e a experiência do adoecimento. Em: IT: integralidade no cuidado, avaliação e formação em saúde. Rio de Janeiro: CEPESC, IMS/UERJ, ABRASCO. p. 125-146).

Essa pesquisa considera e se situa no sistema e serviços de saúde brasileiros, em Salvador/BA. Serviços de saúde representam um conjunto de elementos inter-

-relacionados que operacionalizam a resposta social aos problemas de saúde (Souza, Bahia, 2014SOUZA, L. E. P. F. de e BAHIA, L., 2014. Componentes de um sistema de serviços de saúde. Em: Saúde Coletiva: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Medbook. p. 49-68). A análise destacou elementos constitutivos do sistema de saúde que se entrecruzam nos IT: a população; a infraestrutura (trabalhadores de saúde, estabelecimentos, medicamentos, equipamentos, conhecimento); a organização desses serviços e sua prestação (Souza, Bahia, 2014).

Além da trajetória nos serviços de saúde, também foram analisadas buscas por diagnóstico ou tratamento das IST, a fim de responder como as TrMT significam as infecções por sífilis e outras IST, a quem recorrem e quais as principais estratégias de resolução destas infecções. Destacam-se dois eixos principais acerca dos IT de TrMT para cuidado das IST, com destaque para sífilis: 1) conhecimentos e experiências sobre sífilis e IST e 2) trajetórias nos serviços de saúde.

Estratégia de produção dos dados

Grupos focais

Foram realizados 05 GF com o apoio de 02 educadoras pares, uma mulher trans e outra travesti, que possuíam ampla inserção nos espaços de sociabilidade trans em Salvador. Elas foram responsáveis pelos convites às TrMT para participação na pesquisa. Estes GF foram classificados como: (i) GF exploratórios sobre significados atribuídos a IST, níveis de conhecimento de IST e cuidado com IST (total de três, cada um com a média de 09 participantes e tempo de duração médio de 2h); e (ii) GF direcionados apenas a TrMT que tiveram sífilis (total de dois, cada um com a média de 6 participantes e 1h40min de tempo de duração). Duas pesquisadoras realizaram os GF e 02 pesquisadores atuaram no registro das falas e observação das interações.

Para uma melhor identificação das características e perfil destas TrMT, antes da realização dos GF, as pesquisadoras aplicaram um questionário estruturado com informações de identidade de gênero, sociodemográficas, profissionais e de experiência anterior ou atual com alguma IST. Estas informações prévias auxiliaram na distribuição das participantes nos diferentes grupos.

Grupos focais exploratórios

As participantes dos GF exploratórios foram agrupadas de acordo com as seguintes características: profissão/trabalho, nível de escolaridade e inserção no ativismo. Nesse sentido, o primeiro GF foi constituído por profissionais do sexo, o segundo por TrMT de outras ocupações/profissões e o terceiro, em sua maioria, foi constituído por TrMT que atuavam no ativismo em prol dos direitos da população LGBTQIA+.

Grupos focais direcionados

A partir da realização dos GF exploratórios e da aplicação do questionário estruturado sobre perfil das participantes e experiências com as IST, foram selecionadas apenas pessoas com experiência anterior de diagnóstico de sífilis para realização dos GF direcionados, que foram realizados após 7 dias dos GF exploratórios. Os GF direcionados buscaram a percepção das participantes sobre sífilis e suas experiências de terem recebido diagnóstico de sífilis e outras IST.

Entrevistas semiestruturadas

Foram realizadas 06 entrevistas semiestruturadas com TrMT que haviam participado dos GF, selecionadas após a identificação dos casos mais significativos para compreensão dos IT e de tratamento a essas infecções, especialmente sífilis, com duração média de 01 hora para cada entrevista. O roteiro semiestruturado contemplou aspectos em torno dos cuidados à saúde de um modo geral, serviços de saúde utilizados, mudanças corporais, uso de silicone e as experiências em torno do diagnóstico e tratamento para sífilis ou outras IST. As entrevistas foram realizadas em um centro de apoio à população LGBTQIA+ no centro histórico da capital baiana pelas duas pesquisadoras que conduziram os GF.

Análise dos dados

O GF e as entrevistas foram transcritas, categorizadas, codificadas e analisadas. Realizou-se análise de conteúdo temática (Bardin 2016BARDIN, L., 2016. Análise de conteúdo. 3. São Paulo: Edições 70.) envolvendo as etapas de pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. A organização dos resultados contemplou o perfil das entrevistadas e participantes dos GF, e as principais categorias de análise foram: concepções sobre saúde sexual, conhecimento sobre e experiências, trajetórias nos serviços de saúde e outras possibilidades de tratamento da sífilis e outras IST.

Critérios éticos

O estudo foi aprovado em comitê de ética em pesquisa com seres humanos pelo Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS, pelo Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde (1880217). As TrMT expressaram desejo de participar da pesquisa através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Resultados e discussão

Perfil das participantes

As TrMT participantes dos GF possuíam perfis diversificados: as idades variaram entre 19 e 53 anos (média de 31 anos), quase todas pretas e pardas, cuja autodeclaração se deu de acordo com as categorias do IBGE (apenas 02 TrMT se declararam brancas), e a maioria dessas morava em bairros periféricos ou em regiões empobrecidas do centro histórico. Apenas 04 viviam em bairros considerados como de classe média. Quanto à escolaridade, 09 possuíam nível superior completo ou em curso; 13 o ensino médio e 08 o ensino fundamental. Em relação à ocupação profissional, 08 TrMT eram trabalhadoras do sexo, e a grande maioria se distribuía em atividades como babá, diarista, cozinheira e cabelereira. Professora, arquiteta e pedagoga eram as atuações das três participantes com nível superior de escolaridade. Das 30 participantes, 14 já haviam alterado seus nomes em documentos oficiais e 12 relataram ter tido sífilis e/ou outra IST (Quadro 1). No que diz respeito à identidade de gênero, a maioria delas se identificou como “mulher transexual” (23), seguida de travesti (4), não binária (1) e mulher (2). Entre as 06 TrMT entrevistadas, suas idades variaram entre 23 e 53, com média de idade de 39 anos, todas pretas ou pardas, com atuações distintas: autônomas, profissionais do sexo, ou vivendo de bolsa da assistência social. Todas as entrevistadas possuíam histórico de atuação como profissional do sexo, mesmo que no momento da entrevista já estivessem atuando em outras atividades. Cinco possuíam apenas o ensino fundamental incompleto. As seis foram escolhidas para as entrevistas em profundidade por possuírem histórico de infecção por sífilis e representarem diferentes experiências em busca do diagnóstico e tratamento. Duas delas tinham HIV/aids.

Quadro 1:
Distribuição de idade, raça/cor, situação de moradia, atividade/trabalho, renda e histórico de infecções das participantes do estudo TransOdara, Salvador/BA, 2019.

Foram identificadas diferenças nos posicionamentos e falas entre as mais jovens e as mais velhas, tensionando questões em torno da identidade travesti, identidade trans e não binária. Para as mais velhas, posicionar-se como TrMT exigiu e ainda exige “muitos sacrifícios” e enfrentamentos políticos, sociais e estéticos, que, em sua visão, não são devidamente assumidos e enfrentados pelas mais jovens. Nas narrativas das TrMT com idade superior a 50 anos, ser binário ou “homem de saia e batom” não sseriam suficientes para utilização da identidade e nome femininos. O trecho abaixo destaca o incômodo de uma mulher trans de 51 anos:

(...) temos os não binários, são os homens, homens de bigode e de batom, e que eles estão brigando por nome de mulher, eu não aceito, (...) nós antigas não aceitamos (...) Vira uma palhaçada. Virar travesti, passar por tipos de doenças, viver em um mundo promíscuo, é difícil, aí chega as gays hoje, de 16, 17 anos, de bigode, de barba e com saia, e querendo dar nome para mulher, (...), eu sou contra (A23, 51 anos, autônoma).

Tais tensionamentos representam a “fluidez e a instabilidade” com que se expressam as categorias identitárias na contemporaneidade, marcando uma arena de possibilidades múltiplas e na qual as identidades travesti e transexual continuam em disputa, negociação e constantes “deslocamentos identitários” (Magno et al., 2018MAGNO, L., DOURADO, I. e SILVA, L. A. V. da, 2018. Estigma e resistência entre travestis e mulheres transexuais em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública [em linha]. 2018. vol. 34, no. 5. DOI 10.1590/0102-311X00135917
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). O sacrifício do feminino presente no relato acima destaca não apenas um processo de “insubordinação ao poder das sociedades heteronormativas” (Magno et al., 2018), como também tensiona com as formas mais híbridas dos sujeitos que se colocam para além do feminino e do masculino na atualidade.

Necessidades em saúde geral e sexual

As trajetórias foram compostas por percepções, significados e vivências de adoecimento ou necessidades de saúde imbricados nas relações estabelecidas em diferentes níveis e espaços sociais. Algumas delas referiram cuidados regulares com sua saúde sexual, reportando realização frequente de exames para detecção de diferentes IST.

A discussão sobre o tópico de saúde sexual foi marcada por um tensionamento relativo ao processo de estigmatização que associa TrMT às IST. Segundo as participantes, a sociedade trata as TrMT como “bombas de IST”. Essa perspectiva é reforçada pela abordagem de profissionais de saúde, restrita a essa temática, ignorando outras necessidades de saúde, como hormonização e questões de saúde mental.

As participantes questionaram, em especial, a conexão direta entre trabalho sexual e IST, destacando que há, por parte de pesquisadores e profissionais da saúde, uma “hiperresponsabilização” das profissionais do sexo pela disseminação destas doenças. Elas relatam que as IST ocorrem, mais frequentemente, em esferas de intimidade (relações afetivo-sexuais) e não na prática profissional com sexo.

Outro destaque feito por elas aponta para o fato de que os homens cis deveriam ser mais responsabilizados pela disseminação de IST, porque muitas vezes são eles que não querem se prevenir. A culpa e responsabilização sobre as IST também foram retratadas por outros autores ao analisar a contaminação nas infecções por HIV vinculada à figura masculina (Hamann et al., 2017HAMANN, C. et al., 2017. Narrativas sobre risco e culpa entre usuários e usuárias de um serviço especializado em infecções por HIV: implicações para o cuidado em saúde sexual. Saúde e Sociedade. 1 julho 2017. vol. 26, no. 3, p. 651-663. DOI 10.1590/S0104-12902017170669
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).

Reforçaram o fato de que tais IST (as mais citadas pelas participantes foram HIV/aids, sífilis, gonorreia, HPV, herpes e hepatites) também são transmitidas em outras situações, fora do contexto do trabalho sexual, citando casos de transmissão por via sanguínea, por exemplo, através de agulhas e seringas compartilhadas. Neste aspecto ainda, fizeram longas críticas aos impedimentos que TrMT e profissionais do sexo sofrem por não poderem doar sangue. No estudo sobre impedimento de doação de sangue por pessoas homoafetivas também foi apontada a negação da autonomia, beneficência e justiça (de Souza Júnior et al., 2020DE SOUZA JÚNIOR, E. V. et al., 2020. Proibição de doação sanguínea por pessoas homoafetivas: estudo bioético. Revista Bioética [em linha]. 2020. vol. 28, no. 1, p. 89-97. DOI 10.1590/1983-80422020281371
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).

Estudos mostram que muitas TrMT no Brasil e em vários países possuem uma vida marcada por violência, estigma, processo de marginalização e exclusão social, que podem afetar a saúde mental, gerando intenso sofrimento psíquico, tais como tentativa de suicídio, depressão, ansiedade, uso abusivo de álcool e outras drogas, bem como desfechos negativos como isolamento social e medo de discriminação e transfobia (Benevides, Nogueira, 2020BENEVIDES, B. G. e NOGUEIRA, S. N. B., 2020. Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019. 2020; Magno, Dourado, Silva, 2018MAGNO, L., DOURADO, I. e SILVA, L. A. V. da, 2018. Estigma e resistência entre travestis e mulheres transexuais em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública [em linha]. 2018. vol. 34, no. 5. DOI 10.1590/0102-311X00135917
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; Perez-Brumer et al., 2017PEREZ-BRUMER, A. et al., 2017. Prevalence and Correlates of Suicidal Ideation Among Transgender Youth in California: Findings From a Representative, Population-Based Sample of High School Students. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry [em linha]. 5 julho 2017. vol. 56, no. 9, p. 739-746; Health, 2020HEALTH, The Lancet Public, 2020. Transgender health, identity, and dignity. The Lancet Public Health [em linha]. 1 abril 2020. vol. 5, no. 4, p. e177. DOI 10.1016/S2468-2667(20)30059-1
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; Reis et al., 2021REIS, A. et al., 2021. A Cross-Sectional Study of Mental Health and Suicidality Among Trans Women in São Paulo, Brazil. [em linha]. 22 julho 2021. [Acesso em 5 outubro 2021]. DOI 10.21203/RS.3.RS-701934/V1
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).

A gente é muito mais. Falar sobre saúde sexual é uma parte que precisamos, temos outras necessidades em questão de saúde, (...) temos outras demandas específicas, hormonioterapia, colocação de próteses, temos outras questões também e vai impactar em nossas vidas (A27, 32 anos, pedagoga empregada).

muitas de nós travestis já sofremos abusos, ou qualquer tipo de violência, e as pessoas não falam sobre isso,(...) algumas de nós não nos sentimos à vontade com órgão genital, com a vida sexual(...)(A9, 23 anos, empregada com carteira de trabalho).

Além disso, elas apontaram para um processo de sofrimento psíquico, que estaria relacionado às pressões de padrões estéticos da sociedade, no sentido de atrai-las para uso de hormônios e silicone, e criando uma relação problemática com o próprio corpo. Algumas relatam que seus corpos são tensionados por uma objetificação em torno de fetiches e imposição de “padrões femininos”.

Sofremos com essa pressão [padrão estético feminino], não temos seios, não temos próteses, não tem quadril. Enfim, ainda tem pelos no rosto ou em outras partes (A20,33 anos, servidora pública).

Conforme relatado por estudos brasileiros e internacionais, o uso de hormônios femininos e silicone é muito comum e pode representar o início da transição de gênero no corpo (Monteiro, Brigeiro, 2019MONTEIRO, S. e BRIGEIRO, M., 2019. Experiências de acesso de mulheres trans/travestis aos serviços de saúde: avanços, limites e tensões. Cadernos de Saúde Pública . 2019. vol. 35, no. 4, p. e00111318-e00111318. DOI 10.1590/0102-311X00111318
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; Mazaro, Cardin, 2017MAZARO, J. L. e CARDIN, V. S. G., 2017. Da precariedade do acesso à saúde, das políticas públicas ineficazes e das técnicas clandestinas de modificação corporal utilizadas pelas travestis e mulheres trans. Revista da Faculdade de Direito [em linha]. 2017. vol. 1, no. 37. DOI 10.22456/0104-6594.73403
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). O uso dessas ferramentas para modificação corporal, quando não é acompanhado por profissionais de saúde, pode representar risco à saúde das TrMT (Lerri et al., 2017LERRI, M. R. et al., 2017. Clinical Characteristics in a Sample of Transsexual People. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia / RBGO Gynecology and Obstetrics [em linha]. 2017. vol. 39, no. 10, p. 545-551. DOI 10.1055/S-0037-1604134
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). Esse é o caso de muitas TrMT no contexto brasileiro (Silva et al., 2020SILVA, R. A. da et al., 2020. Uso de hormônios não prescritos na modificação corporal de travestis e mulheres transexuais de Salvador/Bahia - Artigos - Revista Ciência & Saúde Coletiva. Ciencia e Saude Coletiva [em linha]. 2020; Monteiro, Brigeiro, 2019; Pinto et al., 2017PINTO, T. P. et al., 2017. Silicone líquido industrial para transformar o corpo: prevalência e fatores associados ao seu uso entre travestis e mulheres transexuais em São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública [em linha]. 27 julho 2017. vol. 33, no. 7. [Acesso em 5 outubro 2021]. DOI 10.1590/0102-311X00113316
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).

A discussão sobre saúde sexual refletiu os efeitos da estigmatização, preconceitos sofridos por TrMT, distintas concepções sobre IST, a importância da prevenção e uma crítica ao tema das IST ser sempre relacionado às TrMT. Também foi notado pouca atenção aos sinais e sintomas que pudessem ser indicativos de alguma IST. Por exemplo, as verrugas na região anal foram referidas ironicamente como artefato ou enfeite no ânus, subestimando a necessidade de diagnóstico e tratamento. De qualquer maneira, outras identificaram algumas manchas ou mudanças corporais que as levaram a procurar atendimento médico para cuidado de determinadas IST.

“Não é aids. Você só está com sífilis!”: conhecimento, percepção e experiências com o diagnóstico e tratamento da sífilis

A experiência de infecção por sífilis foi sentida por algumas participantes como uma doença produtora de “abalos psicológicos”, repercutindo numa visão de si como pessoa com “corpo sujo” e impedida de ter relacionamentos afetivo-

-sexuais. O conhecimento sobre sífilis é confuso, disperso, contraditório e carregado por informações desencontradas. De um modo geral, as TrMT pouco sabem sobre sífilis e, quando o diagnóstico lhes é apresentado, é visto como algo grave, catastrófico em suas vidas: “Eu achei que eu ia morrer. (...)Eu nunca tinha tido doença nenhuma, aí tomei aquele susto. Eu falei, ‘estou com aids’. A médica: ‘não é aids, você só está com sífilis” (A16, 23 anos, profissional do sexo).

Por outro lado, a percepção de que se está “só com sífilis” trazida pela profissional de saúde também aparece nas narrativas de outras e aponta para uma concepção de uma doença que não é muito grave e pode ser menosprezada.

A percepção/significado sobre sífilis assume posições polares entre uma doença gravíssima que pode levar à morte e algo banal. O baixo conhecimento sobre a sífilis aparece entre as TrMT. Apenas aquelas que atuaram como profissionais do sexo no passado ou que eram ativistas enfatizaram a importância do cuidado do corpo e da necessidade da prevenção às IST e, em especial, à sífilis. As distintas percepções sobre sífilis podem representar diferenças geracionais e vivências quanto às ISTs, mas também as diferentes inserções nos movimentos ativistas na luta pelas políticas de HIV/aids. Destaca-se a importância dos agentes que atuavam no campo militante ou ativistas na construção das políticas de HIV/aids no Brasil (Barros, 2018BARROS, S. G. Política Nacional de Aids: construção da resposta governamental à epidemia HIV/aids no Brasil. 2018. Salvador: EDUFBA. 335p.). Sífilis como “bobagem” ou sífilis como possibilidade de morte iminente constroem significações em torno do que pode ser essa doença: algo inesperado, até mesmo inespecífico, mas de ampla recorrência e parte do ser TrMT: “Se travesti nunca teve sífilis, não é travesti” (ED11 1 ED = Educadora de par , 50 anos, militante).

Esta concepção confere naturalização no sentido de que muitas se infectam com sífilis no Brasil em um contexto de aumento de casos de sífilis na população de 13 a 30 anos (Brasil, 2019), mas também uma banalização por ser uma doença que apresenta “cura” e tratamento disponível. Aqui destaca-se a pertinência da discussão sobre as vulnerabilidades que integram conjunturas macrossociais e dimensões pessoais (Moura et al., 2021), opondo-se à culpabilização dos sujeitos e considerando os fatores éticos, políticos e técnicos que influenciam na incidência do risco, mas também no enfrentamento possível (Carmo, Guizardi, 2018CARMO, M. E. e GUIZARDI, F. L., 2018. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cadernos de Saúde Pública [em linha]. 2018. vol. 34, no. 3. DOI 10.1590/0102-311X00101417
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).

De acordo com Carrara (1996), a construção social da sífilis, ao longo da história dessa doença no Brasil, país que já foi considerado “sifilítico, associado a excessos sexuais e prostituição”, conecta-se com dimensões de autocontrole dos indivíduos (controle de seus corpos, emoções, sexualidade e instintos), e, ao mesmo tempo, autocontrole das populações na tentativa de consolidação do estado-nação brasileiro, através da moral e abstinência sexual.Destaca-se, assim, os desafios que se colocam no cuidado ofertado às TrMT em virtude de diferentes percepções sobre sífilis. A percepção de adoecimento por uma IST (sífilis, neste caso), pode serentendida como um processo que se dá em interação(Alves, 2016ALVES, P. C., 2016. Itinerário terapêutico, cuidados à saúde e a experiência do adoecimento. Em: IT: integralidade no cuidado, avaliação e formação em saúde. Rio de Janeiro: CEPESC, IMS/UERJ, ABRASCO. p. 125-146), nas relações estabelecidas entre as TrMT e a multiplicidade de perspectivas e sujeitos que se apresentam em seus caminhos. A sífilis, nestes casos, é uma doença que se inscreve em um corpo trans, carregado e emoldurado por uma negação ou diferenciação do sexo do nascimento, um corpo que por si mesmo provoca, irrompe, questiona e sofre com uma doença carregada por contradições para essas mulheres e, ao mesmo tempo, crescente em números e em demandas aos serviços (van Griensven et al., 2021VAN GRIENSVEN, F. et al., 2021. Uptake of Primary Care Services and HIV and Syphilis Infection among Transgender Women attending the Tangerine Community Health Clinic, Bangkok, Thailand, 2016 - 2019. Journal of the International AIDS Society. junho 2021. vol. 24, no. 6. DOI 10.1002/jia2.25683
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; Drückler et al., 2021DRÜCKLER, S. et al., 2021. HIV and STI positivity rates among transgender people attending two large STI clinics in the Netherlands. Sexually transmitted infections. abril 2021. DOI 10.1136/sextrans-2020-054875
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).

Outro aspecto merecedor de destaque sobre as principais concepções da sífilis envolve os modelos explicativos de como se “contaminou com a doença”. De um modo geral, as TrMT não identificavam que a infecção pudesse se dar a partir de relações desprotegidas. As explicações giraram em torno de cortes e ferimentos, carocinhos, bolhas ou coceiras que ocorreram - em algumas situações, fora das cenas de sexo - e que, quase imediatamente na visão delas, desencadearam os sintomas e incômodos no corpo:

(...)meu Deus do céu, o que é isso, o que aconteceu, por que essas bolhas estão no meu rosto, será que foi consequência de algum peixe venenoso que eu pisei, que me furou… (A11, 53 anos, empregada sem carteira de trabalho).

Em uma situação narrada, as bolhas no rosto surgiram como um problema dermatológico que poderia ter sido causado por um suposto peixe venenoso no banho de mar, mas que que ao saber do diagnóstico é imediatamente reconhecido como associado a uma relação sexual em que o preservativo se rompera. Os sintomas são bastante incômodos no momento em que buscam o atendimento ou tratamento, e são representados por sinais que, a priori, na perspectiva dessas TrMT, não teriam relação com IST: coceiras, enjôos, entre outros.

As reconstruções de significados em torno do adoecimento pela sífilis deixam claro que se trata de uma doença pouco conhecida e compreendida em seus sinais e sintomas entre as participantes, apesar de ser recorrente entre elas. Durante a realização dos GF, destacou-se também a presença de dúvidas sobre ser a sífilis uma doença causada por vírus ou bactéria, denotando, mais uma vez, os desafios para o tratamento em função do pouco conhecimento sobre essa doença. Os aspectos aqui levantados em torno das significações sobre a sífilis influenciaram nas escolhas e trajetórias de atenção, tratamento e cuidado.

Trajetórias nos serviços de saúde: o “não lugar”

O avanço na testagem e tratamento das IST no Brasil se deve à organização da política nacional de Aids e, sobretudo, organização dos Serviços de Atenção Especializada (SAE), ambulatorial e inseridos em policlínicas e hospitais (Melo et al., 2018MELO, Eduardo Alves, MAKSUD, Ivia, AGOSTINI, Rafael. 2018. “Cuidado, HIV/Aids e atenção primária no Brasil: desafio para a atenção no Sistema Único de Saúde?”. Revista Panamericana Salud Publica. Novembro 2018. vol 42, no. 151.). Outros serviços e níveis de atenção foram se somando na oferta de cuidado e enfrentamento às IST e HIV/Aids (Centros de Testagem e Aconselhamento CTA e inclusão da testagem e acompanhamento de pessoas Vivendo com HIV/ Aids nos serviços de Atenção Básica (Melo et al., 2018).

Os SAE são unidades assistenciais que ofertam atendimento multiprofissional, buscando garantir integralidade, resolutividade e vínculo com os usuários diagnosticados com HIV/Aids ou outras IST (Silva, 2007). Em Salvador, os centros especializados estão distribuídos em serviços geridos pelas esferas municipal (03 SAE), estadual (Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa - CEDAP) e federal (Complexo Hospitalar Universitário Edgard Santos - HUPES).

Dois conjuntos de trajetórias até o diagnóstico e tratamento foram caracterizados: i) trajetórias inteiramente relacionadas aos serviços do SUS (Paim et al., 2011PAIM, J. S. et al., 2011. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. The Lancet (North American edition). 2011. vol. 377, p. 9-28); e ii) aquelas relacionadas à realização de consultas em serviços privados de saúde de baixa complexidade e exames laboratoriais privados (Figura 1). Chama atenção o fato de não haver relato de uso do subsetor de saúde suplementar.

Figura 1
Distintas trajetórias adotadas por mulheres trans para diagnóstico e tratamento de IST, Salvador/BA, TransOdara, 2019

No primeiro grupo de trajetórias (SUS), o diagnóstico e tratamento da sífilis foi realizado em Unidades de Saúde da Família e Unidades Básicas de Saúde, mas também em unidades especializadas como o CEDAP e da Atenção Hospitalar, como por exemplo, o HUPES e o Hospital Geral Roberto Santos (HGRS). Destaca-se também o uso de Unidades de Pronto Atendimento (UPA) durante o turno noturno tendo em vista que os demais serviços não apresentavam funcionamento neste período. Nestes serviços, o principal meio de diagnóstico indicado pelas participantes foi por meio de teste rápido (TR) ou exames laboratoriais.

No segundo conjunto de trajetórias, observou-se que a experiência das TrMT foi marcada por consultas com médicos generalistas ou dermatologistas em clínicas populares e realização de exames em laboratórios privados. Os relatos evidenciam o uso do serviço privado de forma pontual e nunca de forma exclusiva do diagnóstico ao tratamento. Algumas que relataram o diagnóstico no setor privado, citaram a realização subsequente do tratamento e acompanhamento em serviços públicos: “(...) deu positivo para sífilis, eu fui e voltei para um médico particular, um clínico, e aí o clínico disse que o sistema (público) que fazia acompanhamento de sífilis e IST, todas IST” (A11, 53 anos, empregada sem carteira).

Outra participante relatou tratamento em centro de referência no interior da Bahia, ressaltando a importância da descentralização da rede de serviços especializados no SUS. F.M., 33 anos, ensino fundamental incompleto, profissional do sexo, relatou que buscou o serviço de referência na cidade de Itabuna/BA pois percebeu algumas “manchas vermelhas na pele” e próximo ao seu órgão genital. Ela realizou o diagnóstico e tratamento neste centro de testagem e aconselhamento-CTA/SAE, tendo avaliado bem o atendimento recebido.

Na trajetória de outra participante, uma mulher trans, 36 anos, preta, que já foi profissional do sexo, relata-se o diagnóstico para HIV no sistema prisional com posterior tratamento em serviços de saúde. Aqui, observa-se uma experiência de desrespeito à condição de saúde da pessoa em situação de prisão, pois seu estado sorológico foi anunciado publicamente, gerando constrangimento e estigmatização entre as demais pessoas. Já outra participante iniciou o tratamento para HIV quando foi liberada do presídio. Ela também relatou experiência com sífilis, durante o período da prisão, tendo recebido diagnóstico e tratamento durante uma internação por pneumonia no HGRS. Estudo sobre a experiência de travestis no sistema prisional brasileiro mostrou que o cárcere amplificou as violências e violações dos direitos humanos sofridas fora dele, com a reprodução do modelo biomédico, biologizante, excludente e individual (Oliveira et al., 2018OLIVEIRA, J. W. de et al., 2018. “Sabe a Minha Identidade? Nada a Ver com Genital”: Vivências Travestis no Cárcere. Psicologia: Ciência e Profissão [em linha]. 2018. vol. 38, no. spe2, p. 159-174. DOI 10.1590/1982-3703000212382
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).

A escassez de serviços de saúde do SUS que funcionem à noite foi apontada como barreira de acesso. A ausência do diagnóstico para sífilis e do tratamento no tempo oportuno podem ocasionar piora do estado de saúde do indivíduo. Uma participante narrou, por exemplo, que procurou uma UPA durante a noite, com sinais e sintomas de febre, mal-estar e manchas no corpo. Entretanto, não foi realizado exame laboratorial ou mesmo teste rápido, e a implementação do cuidado foi baseada apenas na analgesia. Após oito dias,buscou o serviço especializado (CEDAP), pois estava desconfiada de que pudesse estar com a doença, e realizou uma testagem que revelou diagnóstico de sífilis e, assim, foi adequadamente tratada.

Do mesmo modo, as recorrentes infecções também sinalizam o agravamento do quadro: uma participante observou “bolhas” em seu corpo passado um tempo de uma relação sexual, tendo realizado o diagnóstico de sífilis e tratamento no CEDAP. Ela fez tratamento para sífilis algumas vezes e atualmente faz acompanhamento para HIV/aids.

O serviço especializado também foi citado como serviço de escolha para o tratamento da sífilis por outras participantes, tanto nas entrevistas como nos GF. A importância deste serviço, que existe desde 2001 na capital baiana, foi destacada por muitas participantes. Observou-se experiências distintas, com relatos de muitas participantes. Existiam críticas, mas também um reconhecimento de que “se eu chegar no posto de saúde eu não vou ter o mesmo tratamento que eu teria no CEDAP, porque já é um centro de referência para trans e travestis” (A15, 22 anos, estudante).

Há ênfase das TrMT sobre desrespeito ao nome social e tratamento discriminatório em serviços públicos e privados. Destaca-se que a discriminação praticada por funcionários da recepção e profissionais de saúde devido à identidade de gênero também se constituiu uma barreira importante que impediu a busca pelo acesso, acompanhamento ou até mesmo implicando em abandono do tratamento. Souza e Pereira (2016SOUZA, Matha e PEREIRA, Pedro Paulo Gomes, 2016. Em busca de atendimento à saúde: IT das travestis de Santa Maria-RS. Em: IT: integralidade no cuidado, avaliação e formação em saúde. Rio de Janeiro: CEPESC / IMS/UERJ - ABRASCO. p. 289-306) ratificam que as barreiras no atendimento a travestis tiveram início na identificação.

Quando você vai procurar um setor de saúde, tem a questão do preconceito, da discriminação, tem um atendente fundamentalista, [...] não quer chamar [...] pelo nome que você adotou, então você se sente constrangida e não mais quer voltar naquele atendimento, abandona o tratamento por causa do preconceito e discriminação que você todo dia sofre (A11, 53 anos, empregada s/ carteira de trabalho).

Nos GF, foi expresso o sentimento de indignação pelas participantes e o relato do “não lugar” as mobilizou emocionalmente e foi unânime entre elas. O “não lugar” diz respeito à sensação de não poder frequentar os serviços de saúde. Neste sentido, outros autores destacam a possibilidade de resistência na construção de organizações sociais de luta e afirmação da identidade trans nos espaços ocupados (Magno, Dourado, Silva, 2018MAGNO, L., DOURADO, I. e SILVA, L. A. V. da, 2018. Estigma e resistência entre travestis e mulheres transexuais em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública [em linha]. 2018. vol. 34, no. 5. DOI 10.1590/0102-311X00135917
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).

A falta de treinamento dos funcionários, do sistema público de saúde, e até dos outros também, para com pessoas trans, causa essa sensação de não lugar, que é o que você sentiu em um ambiente de saúde quando você queria ser atendida(...) a gente sente em vários ambientes como pessoas trans, na família, na escola, senti muitas vezes na faculdade(...)em tudo que é lugar, por sermos de grupos marginalizados, a gente também não pode generalizar, porque algumas de nós têm uma resiliência maior para continuar nesses espaços (A9, 23 anos, empregada com carteira de trabalho).

Em uma revisão sistemática, Magno et al (2019MAGNO, L. et al., 2019. Estigma e discriminação relacionados à identidade de gênero e à vulnerabilidade ao HIV/aids entre mulheres transgênero: revisão sistemática. Cadernos de Saúde Pública [em linha]. 2019. vol. 35, no. 4. DOI 10.1590/0102-311X00112718
https://doi.org/10.1590/0102-311X0011271...
) destacam como violência, discriminação, estigma relacionado ao gênero e transfobia são estruturantes da vulnerabilidade ao HIV/aids entre as mulheres trans e sugerem que as ações de saúde sexual e prevenção respeitem a diversidade de gênero. Cardoso e Ferro (2012) apontam a importância da atenção dos profissionais da saúde no cuidado em saúde para a população LGBT, tendo em vista que podem gerar mais adoecimento. Outro estudo apontou o atraso na busca de serviços de saúde por medo da discriminação acarretando piora no estado de saúde de pessoas trans (Seelman et al., 2017SEELMAN, K. L. et al., 2017. Transgender Noninclusive Healthcare and Delaying Care Because of Fear: Connections to General Health and Mental Health Among Transgender Adults. Transgender Health [em linha]. 1 fevereiro 2017. vol. 2, no. 1, p. 17-28. DOI 10.1089/trgh.2016.0024
https://doi.org/10.1089/trgh.2016.0024...
).

Em outro estudo, Magno et al (2018MAGNO, L., DOURADO, I. e SILVA, L. A. V. da, 2018. Estigma e resistência entre travestis e mulheres transexuais em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública [em linha]. 2018. vol. 34, no. 5. DOI 10.1590/0102-311X00135917
https://doi.org/10.1590/0102-311X0013591...
) analisaram as experiências e trajetórias de mulheres trans e seus processos de estigmatização de seus corpos e o destaque para a identidade de gênero como um elemento de resistência contra os processos heteronormativos e estigmatizantes. Os dois últimos estudos destacam nuances de estigma e transfobia que impactam nas trajetórias de saúde e prevenção das TrMT. Souza e Pereira (2016SOUZA, Matha e PEREIRA, Pedro Paulo Gomes, 2016. Em busca de atendimento à saúde: IT das travestis de Santa Maria-RS. Em: IT: integralidade no cuidado, avaliação e formação em saúde. Rio de Janeiro: CEPESC / IMS/UERJ - ABRASCO. p. 289-306), em pesquisa sobre sobre IT de travestis, também apontaram o sentimento de serem tratados como “não humanos” nos serviços de saúde e em diversos lugares.

O tratamento para IST adotado pelas participantes do estudo foi realizado em serviços de saúde com utilização de antibiótico. Não se constatou alternativas exclusivas de tratamento fora dos serviços de saúde.

(...) um trabalho, uma beberagem, uma cura para dar a cliente para curar a doença espiritual, não tem como, ele tem que procurar uma assistência médica para poder ser tratado (A12, 36 anos, autônoma).

Acerca do tratamento, o uso da penicilina benzatina injetável foi retratado como “doloroso”, mas necessário. As participantes apresentavam preferência pelo tratamento injetável, referindo ser “mais rápido” e mais seguro. O tratamento via oral com a doxiciclina esteve relacionado aos casos em que TrMT tinham silicone no local da aplicação, mas com dificuldades relacionadas à continuidade do tratamento por ser mais prolongado e às restrições no consumo de álcool.

[...]fez a Benzetacil mesmo, porque o comprimido é isso, que você tem o tempo que está tomando tem que se privar de tudo, de tudo entendeu, que corta o efeito do remédio (AA16, 23 anos, profissional do sexo).

Ainda persistem lacunas que merecem atenção, enfrentamento e investimentos no que se refere aos cuidados em saúde para a população TrMT. Entretanto, destaca-se que discriminação nos serviços de saúde é uma barreira de acesso, assim como a resposta adequada às suas necessidades de saúde. Essas estratégias envolvem a inclusão da discussão desde a formação em saúde e qualificação profissional, melhoria do acolhimento nos serviços de saúde com garantia de acesso, melhor articulação dos serviços de atenção à saúde e comunicação com a sociedade, além das possibilidades de vinculação aos serviços e resultados satisfatórios de cuidado frente às necessidades de saúde, respeitando-se a multiplicidade de fatores e modelos explicativos de saúde e doença (Travassos, Martins, 2004TRAVASSOS, C. e MARTINS, M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cadernos de Saúde Pública [online]. Novembro 2004, vol. 20, suppl 2 [Acessado 10 Novembro 2021], pp. S190-S198. Disponível em: <https://doi. org/10.1590/S0102-311X2004000800014>. Epub 28 Ago 2006. ISSN 1678-4464. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2004000800014.
https://doi. org/10.1590/S0102-311X20040...
).

Considerações finais

O estudo focou em experiências de TrMT em torno de suas concepções sobre IST, com destaque para a sífilis, e os IT percorridos para diagnóstico, cuidado e tratamento. Essas experiências são atravessadas por falta de conhecimento sobre a doença, bem como vivência de estigma, discriminação e violência em diferentes serviços. As trajetórias de cuidado se distribuíram em torno de dois grandes caminhos: acesso a serviços exclusivamente públicos ou uma trajetória mista, conjugada por consultas e realização de exames em serviços particulares e acesso também a serviços públicos. A concretização dessas trajetórias nos diferentes serviços de saúde destaca a fragmentação da rede e os desafios que se apresentam no SUS. Entretanto, também apontam para a importância dos serviços públicos especializados, presentes em quase todos os itinerários de tratamento à sífilis das participantes do estudo, e capazes de garantir atendimento de qualidade e respeito às necessidades mais sensíveis dessa população.

A sífilis se mostrou uma doença controversa, oscilando entre um agravo de saúde de pouca importância e um grave problema para a saúde e os corpos de TrMT, expondo os desafios das ações de prevenção às IST, sobretudo à sífilis, por relacionarem dimensões e necessidades individuais (emocionais, afetivas e sexuais) e problemas e necessidades coletivas (controle epidemiológico, por exemplo)

Reconhece-se, também, que as diferentes significações em torno da sífilis e suas percepções sobre sinais e sintomas de algum modo interferiram nas trajetórias, retardando procedimentos e condutas para diagnóstico e tratamento dessa infecção. Os IT destacaram a importância da rede de relações das TrMT entre si, com apoio para escuta, acolhimento de alguma aflição e indicações de locais mais adequados para realização de exames e consultas. Os serviços formais de saúde - públicos e privados - foram os únicos acionados para diagnóstico e tratamento da sífilis e outras IST entre as participantes. Seja para sífilis ou para quaisquer outras demandas de saúde de TrMT, há que se considerar não apenas o reforço às melhorias dos serviços especializados, mas também à toda rede de saúde, reconhecendo seus diferentes pontos de entrada para os problemas de saúde das TrMT.

Nossos achados apontam para a importância do reconhecimento das necessidades dessa população nos serviços de saúde para além do enfrentamento às IST, em especial à sífilis entre as TrMT. A discriminação constituiu uma barreira de acesso que deve ser enfrentada, integrando a política em distintos âmbitos com as estratégias em diferentes áreas. Ademais, considera-se a possibilidade de ampliação das estratégias de prevenção às IST e novos tratamentos para a sífilis, contemplando técnicas que promovam maior autonomia, ética, privacidade, mais sigilo e cuidado às TrMT, sem desconsiderar a importância de profissionais que respeitem as modificações corporais, identidade de gênero e promovam cuidado integral a essa população.

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  • 1
    ED = Educadora de par

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2021
  • Aceito
    10 Nov 2021
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