sess
Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro)
Sex., Salud Soc. (Rio J.)
1984-6487
Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ)
Resumen
El podcast Femigrantes BR se define como “un espacio de conversación de mujeres feministas e inmigrantes por el mundo”. En mayo de 2022, Femigrantes BR tuvo 21 episodios, que reunieron historias de mujeres brasileñas que viven y trabajan en varios países. En las voces de las entrevistadas, las historias de vida se expanden más allá del relato personal, rico en sí mismo, para conectarse con estructuras firmemente establecidas como las del racismo y de las relaciones desiguales entre el Norte y el Sur Global. A partir del objeto y el escenario descritos, busco investigar cuál ha sido la contribución de los feminismos, como discurso político, al empoderamiento de estas mujeres migrantes y analizar cómo la cobertura mediática del debate feminista se refleja en la forma de actuar en la vida pública del país en el que ahora viven. En el esfuerzo por atender estos puntos, me dedico a un trabajo de inmersión en los medios digitales y, en diálogo con aportes de los estudios feministas de la tecnología, decoloniales, poscoloniales y de la comunicación mediática, busco pensar cómo la ocupación feminista de la internet puede potenciar transformaciones sociales en las estructuras desiguales de género y contribuir a desafiar las jerarquías entre el Norte y el Sur Global.
Bem-vindas e bem-vindos ao Femigrantes BR
- Uhuu!!
- Uau, conseguimoooos! Vencemos o desafio da tecnologia
- [risos]
- Tecnologia versus as mulheres
- [mais risos]
(Lilian Moreira e Priscila Preta festejando o sucesso da gravação de entrevista realizada à distância para o episódio #3 do Femigrantes Podcast BR)
“Vencemos o desafio da tecnologia”, comemora a internacionalista Lilian Moreira, após finalizar mais um episódio do podcast Femigrantes BR. Ao antagonizar “mulheres” à “tecnologia”, Moreira reconhece o alijamento histórico de mulheres do acesso a tecnologias, sobretudo as negras e racializadas.
Negra, de pele clara, como se define, a anfitriã do Femigrantes está em Paris desde quando migrou para cursar mestrado em Direitos Humanos. O projeto do Femigrantes começou em uma parceria tripla entre Lilian Moreira, Lidiane Vieira e Bousso Benussi Thioune, as duas primeiras brasileiras e a última uma italiana de ascendência senegalesa. As três apostaram no formato de podcast como uma mídia capaz de projetar vozes feministas que estão refletindo sobre fronteiras, identidade, gênero e raça.
Na França, essas três mulheres com formação em ensino superior e com pós-graduação realizada em Paris, descobriram-se como uma espécie de “Outro” racializado e, assim, menos “civilizado”. Descobriram também que esse sentimento de inferioridade, que se mistura com uma certa indignação, não era individual, mas experimentado por outras mulheres migrantes, sobretudo aquelas que carregam na pele as marcas de uma origem não-europeia presumida, como no caso de Bousso, a italiana negra que compartilhou com Lilian a bancada do Fémigrantes FR. Ser negra a desloca geograficamente e simbolicamente: 1. Não pode ser europeia; 2. Não deve ser escolarizada.
Bousso, narra2, no primeiro episódio do Fémigrantes FR, no qual o projeto é apresentado às e aos ouvintes, a constante surpresa das pessoas, e mesmo a desconfiança, relativa à sua nacionalidade. Na suposição de ser ela uma imigrante de fora da União Europeia, está implicada a ideia de que sob cada pele negra há uma selva (Bhabha, 1998, p. 39). Percepções que atravessam também o cotidiano de Lilian, que no Brasil foi percebida e se percebeu por muito tempo como “morena”, e de Lidiane, com seus traços indígenas, tantas vezes apagados pelo desejo branqueador, que não é exatamente dela, mas de toda uma região na qual o eurocentrismo naturalizou a experiência das pessoas dentro de um padrão de poder no qual a raça/pele/cor atuam como marcas da colonialidade do poder (Quijano, 2000, p. 343).
A ideia de sistematizar experiências de mulheres migrantes, anônimas, que tivessem uma reflexão feminista sobre o processo migratório se inicia em francês como relembra Lilian:
Na verdade, a gente começou com o podcast em francês, lembra? Eu fiz com minha amiga Bousso3, então, a gente teve a ideia juntas. Fruto de discussões que a gente iniciou o master [mestrado] lá em 2014, 2015, pelo fato de sermos duas imigrantes que não temos o francês como primeira língua, e das nossas conversas. Então, eu acho que foi uma vontade de compartilhar com outras pessoas a tomada de consciência que a gente tava vivendo aqui na condição de mulheres racializadas e migrantes na França. O momento que bateu a luz foi num verão, numa conversa sobre coisas intensas e profundas da vida. Aí a gente começou com o podcast em francês e depois cada uma resolveu lançar um na sua língua materna. (Lílian, em depoimento à pesquisadora, em 28/05/2022, por meio de áudio no WhatsApp).
Neste texto, concentro-me na versão brasileira desse projeto que busca, por meio de uma produção midiática relativamente barata, mesclar a informalidade da oralidade à difusão de conteúdo teórico.
A difusão e compartilhamento digital de conteúdos, tem proporcionado a “formação de comunidades feministas nas mídias digitais que elaboram formas de subjetividade” (Gonzaga, 2018, p. 114). Nessas comunidades, a tendência ao relato pessoal aproxima e sensibiliza um número considerável de jovens mulheres às temáticas relativas às experiências femininas de mulheres cisgêneras e/ou transgêneros, em um mundo atravessado por estruturas que perpetuam as desigualdades de gênero. As mesmas têm também contribuído para uma ideia de “empoderamento4” algo problemática. Para Hamlin e Peters (2018, p.170), no seu percurso, “o conceito de empoderamento feminino passa de uma acepção francamente “coletivista” a uma versão individualizada pode ser situado naquela dinâmica mais ampla do capitalismo tardio”, na qual as mídias digitais e as redes sociais on-line cumprem um papel eminentemente político. Porém, tem sido nesses mesmos meios que os questionamentos acontecem e essas capturas têm sido desafiadas.
Nascido durante a pandemia do Covid-19, o Femigrantes BR Podcast se assume como “um espaço de conversa de mulheres feministas e migrantes pelo mundo” (fala de abertura que se repete a cada episódio). Reunindo histórias de brasileiras que migraram voluntariamente5 para países como Japão, França, Irlanda, Itália, Canadá, Estados Unidos, Senegal, Inglaterra, Dinamarca, Noruega, Alemanha, entre outros, o Femigrantes BR Podcast apoia-se em narrativas que interseccionam gênero, nacionalidade, sexualidade e raça, biografias que atualizam o slogan “o pessoal é político”.
[I]ndividual e coletivo, psíquico e social, pessoal e político são termos interdependentes, que não podem ser observados separadamente quando tratamos das identidades sociais e de suas representações culturais. Entre as diversas narrativas presentes nas mídias e que surgem para contar histórias que ultrapassem os discursos dominantes dicotômicos entre aspectos “internos” ou “externos”, temos aquelas que se valem de gêneros e formatos radiofônicos (ou sonoros) e que podem, assim, dar voz e ouvidos a esses agentes. (Soares; Vicente, 2021, p.12).
Na voz das entrevistadas, as histórias de vida expandem-se para além do relato pessoal, rico em si mesmo, para se conectar com eventos macrossociais como crises econômicas, transformações sociais, políticas públicas e para a reflexão analítica de como estruturas solidamente assentadas, como o racismo e as relações desiguais entre Norte e Sul Global, impactam as biografias das entrevistadas. Se pensar a partir dessa dualidade não significa prender-se a binários divididos por linhas duras, mas justamente se constituir a partir desse entre-lugares, das experiências fronteiriças que possibilitam outras narrativas. Assim, segundo Iqani e Resende (citado por Janotti Junior),
o Sul global pode ser conceitualizado como inscrito dentro de uma ‘territorialidade narrativa’. O objetivo é entender questões de mídia e do Sul global como, de fato, sendo constitutiva e constituinte desta (dentro e desde) territorialidade, o que quer dizer que a mídia não somente se inscreve em um território (o Sul global) mas também é responsável por produzir narrativas sobre isso (Iqani; Resende, 2020, apud Janotti Junior. 2021, p.25).
Nos últimos três anos (2019 a 2022), os podcasts que se dedicam às pautas feministas se multiplicam em um contexto de expansão e reconfiguração do rádio e do sonoro, na qual os debates sobre identidade, igualdade e diferença ganharam centralidade. A pandemia da Covid-19 agudizou as discussões interseccionais, ao mesmo tempo em que contribuiu para o recrudescimento dos conservadorismos, os quais têm se mostrado também antifeministas (Tabuchi; Rossi, 2021).
Os conteúdos gerados para os episódios do Femigrantes BR Podcast, até maio de 2022, apostaram na dimensão biográfica das narrativas para promover uma escuta empática. Os programas, divididos em dois blocos, abrem com relatos que remontam a trajetória migratória da entrevistada, sua história familiar, entre outros temas de cunho mais pessoal para, no segundo momento, explorar uma temática específica associada às pesquisas acadêmicas. Não raro as pesquisas derivaram em atuação militante e reverberam no campo laboral de cada uma das mulheres que ocupam a bancada do podcast6.
O podcast é um ecossistema de comunicação composto principalmente de palavras faladas, com programação de assuntos de interesse comum, em que as restrições de tempo e as questões de acesso são pequenas. É um meio que oferece esforços de baixo investimento para atrair atenção pública substancial. Apesar de que nem todos os indivíduos saibam produzir um podcast, ou mesmo encontrar uma massa crítica de ouvintes para um podcast criado, o ecossistema de podcast exibe uma diversidade de perspectivas, que vão desde o formato, passando pela duração e efeitos sonoros, até as temáticas que conquistam grandes audiências. (Pelúcio, Luvizotto, Silva, 2022, p. 03).
Produzir conteúdos de forma muitas vezes artesanal e encontrar formas gratuitas de difundi-los em meio alternativos tem sido um dos atrativos de podcasts feministas, os quais se tornaram meios de resistência em cenários políticos de inflexão conservadora.
A partir de escuta sistemática dos 21 episódios do Femigrantes BR Podcast e de entrevistas por meio do WhatsApp7 com as idealizadoras da iniciativa, além de participação como convidada em um dos programas, procuro investigar neste artigo (1) qual tem sido a contribuição dos feminismos, enquanto discurso político, para o “empoderamento” dessas mulheres migrantes; (2) compreender como a midiatização das pautas feministas impactam a experiência internacional das entrevistadas, (3) analisar como a midiatização do debate feminista reflete na forma como as migrantes atuam na vida pública do país no qual passaram a viver e/ou como, a partir do exterior, exercem seu feminismo em relação à sociedade de origem.
Organizado em quatro partes, Este artigo, provém das inquietações que o rol dos objetivos acima suscita, o que permite interseccionar gênero, raça e nacionalidade a partir dos aportes do feminismo decolonial e dos estudos pós-coloniais em diálogo com aportes dos estudos feministas da tecnologia e da comunicação midiática. Essas aproximações tocam nos recursos da oralidade e das narrativas biográficas como estratégias de comunicação acionadas pelas podcasters feministas para a difusão do conteúdo que produzem com o Femigrantes BR. Assim, o artigo é dedicado a pensar, a partir de um produto específico, quais têm sido as contribuições dos feminismos para transformar as mídias digitais em espaços menos feudalizados.
O feminismo põe o mundo de cabeça para baixo
“Eu sempre fui feminista sem saber”. Essa é uma frase que ecoa por diversos episódios do Femigrantes BR Podcast. A declaração sugere que as discussões feministas, intensificadas nas últimas duas décadas, vêm fornecendo um vocabulário político fundamental para as entrevistadas organizarem suas experiências pretéritas frente à decisão de migrar. Reflexões que reverberam nas posturas pessoais e engajamentos políticos dessas mulheres.
Como aconteceu com Lilian Moreira, hoje a voz do Femigrantes BR, muitas outras mulheres entrevistadas para o podcast contaram que mesmo antes da migração, ainda meninas, ouviram e viram em suas casas mulheres fortes, decididas e que as ensinaram que ser mulher não é um erro.
Mães, tias, avós aparecem como figuras modelares também quando o tema é cor de pele e textura dos cabelos. São muitas as falas nesse sentido revividas em vozes embargadas:
“Minha filha, tu tem que ter muito orgulho de ser negra”. Pra mim, essa afirmação que minha mãe fez quando eu tinha seis anos de idade, construiu minha identidade;
Meus pais sempre valorizaram muito nossa cor (...) minha mãe sempre valorizando muito nosso cabelo;
Eu vim de um ambiente simples, de poucas ambições, apesar de minha mãe sempre dizer, ‘você precisa continuar os estudos, você precisa não depender de outra pessoa... de marido, ou de qualquer outra pessoa pra te dar suporte material pra que você seja uma pessoa bem-sucedida na vida.
A escuta detida das falas das entrevistadas negras revela que o “sucesso” como uma categoria social de mobilidade que associa investimentos nos estudos ao enfrentamento do racismo. Entre a maioria das entrevistadas que se identificam como negras, a formação básica foi motivo mobilizador da família que fazia sacrifícios para proporcionar à prole uma educação vista como de qualidade8. Não é incomum que entre todas as entrevistadas, independente de cor/etnia, sejam elas as primeiras da família a obterem titulações acadêmicas tão elevadas. Como resenha Martínez,
[g]eógrafos e geógrafas vêm dedicando-se a entender o papel da educação e, para além, a importância do conhecimento na produção de espaço (Geddie, 2015; King; Raghuram; Keynes, 2013; Waters, 2016). Do mesmo modo, acadêmicas feministas vêm produzindo ideias para interrogar conceitos espaciais fundacionais nos estudos de internacionalização da educação (Doerr, 2014; Matus; Talburt, 2009; Sidhu; Dall’alba, 2012). A associação dessas perspectivas vem levando a críticas sobre a celebração da internacionalização da educação superior e tem permitido acadêmicas e acadêmicos a reconhecer desigualdades reproduzidas por práticas descorporeificadas, uma vez que a mobilidade incita mudanças de poder nos corpos à medida em que produz novas formas de viver o espaço por raça, gênero e sexualidade (Hanson, 2010). (Martinez, 2019, p. 3)
Talvez por isso, estudar no exterior apareça como uma ocupação simbólica de uma geografia política prestigiada, assim como como um território que suscita afetos e afetações.
Nas experiências das entrevistadas que mudaram para países do Norte Global, ser brasileira está estreitamente relacionado com ser vista como não-branca9. Para algumas dessas mulheres, esse foi um dos deslocamentos simbólicos que mais as mobilizou politicamente. A racialização da nacionalidade aparece como um tema disparador político que encontrou termos para a reflexão e combate em vocabulários emprestados de múltiplas vertentes do feminismo.
Paradoxalmente, para as mulheres negras a racialização experienciada no exterior as fez enxergar e discutir mais o racismo brasileiro do que os que estavam experimentando nos países de destino. No exterior, muitas encontraram pessoas negras nas universidades, em postos prestigiosos de trabalho e espaços de lazer. Essa ocupação menos segregadas de territórios valorizados as fizeram perceber que no Brasil muitas vezes elas foram as “pretas únicas” na escola privada, no escritório ou no bairro de classe média10.
É revelador que o encontro com um mundo em que negros ocupam lugares diversos tenha se dado em países da Europa.
Metade da minha turma de mestrado era de pessoas negras;
Encontrei os irmãos africanos (...) reconstruindo uma história preta;
Quando eu cheguei, eu participei de um grupo chamado Panafricando, que eu me conectei com diversas pessoas da diáspora, foi muito importante pra mim (...) esse grupo realiza muitos festivais que promovem a cultura de países africanos.
As falas acima são declarações pinçadas de diferentes narrativas de mulheres entrevistadas para o podcast.
Ainda que essa presença negra em países europeus testemunhe a herança de processos violentos como o imperialismo, o que chamei de revelador mais acima, tem a ver com o fato dessa população de imigrantes negros e negras virem de experiências múltiplas, não apenas as marcadas pela exclusão racial e, mais grave, por um passado associado à escravização mercantil. Esses (re)encontros reverberam subjetivamente e, em muitos casos, politicamente para as brasileiras entrevistadas. É quando as narrativas passam a produzir sentidos outros, não apenas tratam de biografias pessoais, mas de processos coletivos de transformação.
O cruzamento de fronteiras também sempre “reposiciona” e transforma subjetividades e visões do mundo (...) Nossos múltiplos “locais” ou posições de sujeito mudam, de forma crucial para a política da tradução, de acordo com nossos movimentos e passagens por “localidades” espaço-temporais. Nossas subjetividades são, ao mesmo tempo, baseadas no lugar e des-locadas ou mal- colocadas (Alvarez, 2009, pp. 744-745).
Não raro, as femigrantes (chamarei também assim as entrevistadas do podcast) se sentiram “des-locadas” e “mal-colocadas”, como argumenta Sônia Alvarez (2009), no fragmento acima, escrevendo sobre outro contexto, mas também olhando para mulheres feministas e migrantes. A sensação de estar mal-colocada aparece em diversas falas a partir de dois referentes: a colonialidade do poder e a colonialidade do saber. A geopolítica do conhecimento as leva a se sentirem mal-colocadas, pois quase sempre, essas mulheres que falam diversas línguas, têm mestrado e/ou doutorado, não conseguem se estabelecer no mercado de trabalho a partir de suas qualificações profissionais. Seja porque precisam percorrer labirintos burocráticos para que consigam validar seus diplomas; seja porque o conhecimento que têm não é valorizado como “universal”, mas visto como “local” e, assim, não aplicável fora de seus países de origem. A persistente desqualificação de suas expertises, as fez, muitas vezes, duvidar de suas capacidades. Os efeitos da colonialidade do poder são insidiosos11. Mesmo quem consegue ter a leitura crítica sobre esses processos históricos hierarquizantes, se prende em suas longas teias, finas o suficiente para penetrar nas subjetividades, mesmo naquelas que estão constituindo-se pela resistência.
A sexualização da nacionalidade brasileira é outra constante nas narrativas das entrevistadas. Não raro, foi esse aspecto cultural que as fez olhar para o gênero tanto quanto para a nacionalidade, entendendo que esta última era, antes de tudo, raça. Em linhas apressadas, mas firmes, esse é o traçado que aparece nas narrativas das entrevistadas quando revisitam a sua tomada de consciência feminista.
Nas narrativas como experiência enraizada da existência humana (Motta, 2013, p.17), o feminismo colabora para construir sentidos para esses deslocamentos. Ao falarem de experiências pretéritas, termos como “machismo”, “sexismo”, “misoginia” sustentam reflexões sobre o processo migratório, tanto no que se refere à decisão de saírem do Brasil, quanto em relação à chegada e à adaptação em um outro país. A “descolonização” do pensamento aparece como um exercício diário de olhar para si mesma nos ambientes estrangeiros, a partir de um repertório intelectual que veio sendo formado por diferentes meios: os estudos universitários, o acesso à literatura feminista e a discussões crescentes sobre raça, gênero e sexualidade em meios digitais.
Do contato com pautas feministas a partir de redes sociais online às discussões no âmbito acadêmico ainda quando estudantes de graduação e mesmo secundaristas, passando por formação mais sistematizada nos estudos de gênero e feministas, as entrevistadas parecem ter encontrado nos feminismos negro, decolonial e interseccional um campo semântico poderoso. A textura geral12 de suas experiências como estrangeiras passa por “questionamentos sobre as consequências coloniais que continuam a interferir na vida de vários sujeitos, principalmente da mulher negra” (Britto, 2018, p. 102)13.
Ao tecerem discursivamente suas biografias, termos como “epistemicídio”, “colonialidade”, “sul global”, pontuam e organizam narrativas que dialogam com produções intelectuais relativamente recentes, por meio das quais as entrevistadas se apropriam de uma gramática decolonial na reflexão crítica das suas experiências como mulheres, brasileiras, feministas e migrantes. Proponho, em eco a Françoise Vergès (2020), que essas vozes Femigrantes que reverberam por mídias transnacionais e falam com e para uma audiência plural, integram as lutas de emancipação das mulheres do Sul global. E o fazem não como uma espécie de nova onda feminista, ou como expoentes de uma nova geração somente, mas como herdeiras de histórias que estão sendo recontadas.
Os persistentes resíduos coloniais que se amalgamam no conceito de colonialidade do poder têm sido sistematicamente desafiados a partir da contribuição de autores e autoras como Aníbal Quijano, Maria Lugones, Walter Mignolo, Ochy Curiel, mas as mais citadas pelas brasileiras entrevistadas para o podcast Femigrantes BR são as autoras estadunidenses do feminismo negro e algumas poucas brasileiras como Lelia Gonzalez e Carla Akotirene. O diálogo Sul-Sul parece ainda frágil. Ainda assim, o Femigrantes BR Podcast se propõe a protagonizar narrativas de mulheres anônimas que, a partir do Norte, possam aportar uma “nova perspectiva de análise para entender de forma mais completa as relações derivadas de ‘raça’, sexo, sexualidade, classe e geopolítica de forma imbrincada” (Curiel, 2019, p. 32). As inspirações de Moreira, assim como das entrevistadas, vêm marcadas pelo que Ochy Curiel (op. cit.) chamou de feminismos críticos. Aquelas que “deram uma reviravolta nas teorias e nas práticas feministas”, propondo outras epistemologias, o que implica em outros olhares e posicionalidades.
Na logomarca atual do Femigrantes BR, essas torções aparecem de forma bastante gráfica. O mapa-múndi é representado de “cabeça para baixo”, ou seja, desenha uma inversão em relação à forma convencional pela qual nos acostumamos a vê-lo representado. Assim, regiões como a América Latina, a África e grande parte da Ásia estão ao norte, desenhando com seus contornos um perfil feminino que remete a uma mulher racializada (Ver figura 1). Essa inversão traduz o caminho crítico e a maior parte dos deslocamentos territoriais e simbólicos pelos quais passaram as entrevistadas.
É a partir dessa posição (de cabeça para baixo) que passo à discussão sobre a midiatização das pautas feministas e as formas de ocupação da internet por essas mulheres.
Figura 1:
logomarca do Podcast Femigrantes
Arte: Patrícia Kuniyasi - PKá
O podcast é político
“Vamo criar uma hashtag e movimentar isso (risos)”, sugere uma das entrevistadas do Femigrantes. Ainda que a proposta tenha sido feita em tom de provocativa brincadeira, ela só faz sentido porque, nas últimas décadas, hashtags têm sido importantes ferramentas digitais na luta de feministas, sobretudo, das mais jovens e as que possuem maior acesso às redes sociais on-line. As hashtags#meuprimeiroassedio, #meuamigosecreto, #eunãomereçoserestuprada, #foracunha, #elenão, contam uma história recente do feminismo brasileiro, na qual o movimento histórico de mulheres se encontra com a mídias digitais14.
As femingrantes, em sua maioria, cresceram em um mundo conectado15. Mesmo aquelas que vieram de lares com limitações orçamentárias significativas ou de meios rurais, têm experiências de adolescência e juventude associadas às redes sociais online e acesso a sites e blogs na internet. Foi por meio dos acessos em cibercafés, nos computadores das escolas ou mesmo em casa, que foram aprendendo a trafegar por um território difuso e plural onde se depararam com temáticas sobre diversidade sexual e de gênero, discussões sobre raça e corpo. Algumas delas, como veremos logo mais, se tornaram também produtoras de conteúdo, motivadas por esse arsenal de ideias. Na partida para o exterior, aquelas discussões acumuladas ao longo dos anos de deambular por espaços online foram em suas bagagens.
A internet, em sua arquitetura contemporânea, tem possibilitado formas mais acessíveis de se difundir e consumir conteúdos (o que não significa que tenha se tornado mais transparente e menos corporativa). Os aparatos tecnológicos, como celulares inteligentes conectados à rede e um sem-número de aplicativos, têm simplificado a produção de material audiovisual e verbovisual como nunca havíamos visto antes na história recente das mídias. Assim, sujeitos coletivos historicamente invisibilizados ou destituídos de poder de enunciação passam a ocupar espaços comunicacionais que se constituíram como um ecossistema de mídias de conectividade - um sistema que alimenta e, por sua vez, é alimentado por normas sociais e culturais que se expandem simultaneamente em nosso mundo cotidiano (Van Dijck, 2016, p. 53).
A apropriação da Web social, de suas diferentes plataformas e linguajes pelo ativismo feminista tem possibilitado uma maior participação e visibilidade no discurso público, ao contar com as ferramentas precisas para o lançamento e difusão de suas demandas, assim como para conseguir apoios em um contexto global. Ainda que o meio digital se constitua como uma esfera há mais da sociedade em que estão presentes as desigualdades e violências do mundo offline, também podem energizar as ações desenvolvidas, dada a potência real e mítica da tecnologia e sua projeção mundial. (Piñero-Otero, 2021, p. 233)16.
Os podcasts fazem parte desse arsenal de novas formas de ação comunicativa. São novas porque podem ser acessadas sob demanda, além da possibilidade tecnológica de se espraiar para além das fronteiras que circunscrevem a radiodifusão a territórios físicos específicos. Além disso, são produções de baixo custo, uma vez que se pode utilizar aplicativos gratuitos para celulares para o registro de voz e inserir efeitos sonoros por meio das ferramentas que estes disponibilizam. Pode-se, ainda, subir o material de forma gratuita para plataformas tocadoras de podcast e se valer de perfis criados nas redes sociais on-line para difundi-los. Os podcast podem ser, como os programas de rádio, acompanhados enquanto realizamos outras tarefas do dia a dia. Facilidade que atende às demandas contemporâneas de uma sociedade altamente produtivista em que o estímulo a sermos multifuncionais (mais que simplesmente funcionais) e permanecer em atividades formativas e produtivas têm sido elementos que nos ajudam a entender o boom dos podcasts (Soares; Vicente, 2021).
À parte essas características, e por conta delas, os podcasts são um espaço possível para vozes historicamente alijadas das mídias mainstream. É assim que o Femigrantes BR se reconhece. Como repete a cada episódio Lilian Moreira, reverberando as vozes da equipe voluntária que hoje integra o projeto, aquele é um “espaço de mulheres feministas e migrantes pelo mundo”. Assumidamente decolonial, o Femigrantes se mantém sem outros financiamentos que não as contribuições modestas de ouvintes recolhidas por meio de crowdfund (fundos digitais solidários de suporte financeiro).
Acompanhar os episódios do Femigrantes BR Podcast é também conhecer a atuação de brasileiras nascidas nas décadas de 1980 e 1990 (apenas duas delas eram mulheres acima dos 50 anos), que buscam, a partir do exterior, desenvolver projetos voltados para mulheres brasileiras, crianças, estudantes de todas as identidades sexuais, imigrantes de diferentes nacionalidade e status migratórios, valendo-se muitas vezes do ecossistema de comunicação digital para viabilizar projetos, propagá-los e possibilitar a interação com o público visado.
Como Jeder Silveira Janotti Junior, acredito de forma assumidamente entusiasta,
que o modo como o ambiente tecnológico da cultura digital entrelaçou as formas de produzir, circular e consumir produtos culturais aponta para a emergência de novos agenciamentos entre cultura, tecnologia e relações sociais (...). Neste contexto, parece-me interessante pensar, junto com José Van Dijck (2013), em uma ambientação comunicacional que se traduz nos termos de uma ecologia.
As ideias de ambiente, ambientação e ecossistema comunicacionais definem conexões em rede que pressupõem mediações e transmissibilidade entre artefatos técnicos (objetos) e humanos, estabelecendo associações que ajuntam, separam e configuram modos de habitar mundos na cultura contemporânea. (Janotti Junior, 2021, p. 25)
Habitar mundos ou O Mundo como mulher latina migrante é uma experiência plural, flagrante na amostra aqui considerada. Mesmo que se trate de mulheres escolarizadas, jovens (em sua maioria) e brasileiras, a interseccionalidade entre classe, regionalidade, tons de pele e sexualidade diversifica as vivências. São marcadores que tramam tessituras que constituem redes específicas de integração local e ação transnacional. As mediações e transitabilidades vão sendo alinhavadas em delicados pontos que integram plataformas que se combinam em um ecossistema que Van Dijck chamou de “mídias de conectividade”. “Um sistema que alimenta e, por sua vez, é alimentado por normas sociais e culturais que se expandem simultaneamente em nosso mundo cotidiano” (Van Dijck apud Janotti Junior, 2021, p. 25).
As transformações sociais pelas quais o Brasil passou, nas últimas duas décadas desse milênio, nos lançaram de ciclos políticos progressistas - momento em que a maior parte das entrevistadas experimentou como adolescentes ou jovens adultas - para um outro ciclo de inflexão conservadora. Orquestrada pelo Estado, desenhou-se no Brasil uma vaga antifeminista, abertamente violenta e indisfarçavelmente racista, avesso às políticas igualitárias que vínhamos conhecendo17. As reverberações e reações a esses cenários possibilitaram, motivaram e provocaram intervenções das brasileiras aqui consideradas, passando elas a serem produtoras de conteúdos midiáticos e não apenas consumidoras destes.
Listo a seguir algumas dessas produções: 1. o perfil no Instagram @brasileirasdomundo com mais de 46 mil seguidoras (em junho de 2022). A iniciativa se propõe a empoderar mulheres brasileiras migrantes e desconstruir estereótipos de gênero e nacionalidade; 2. a revista eletrônica Viajadamente, voltada para a saúde mental de quem migra e inserção laboral no país receptor; 3. ainda no Instagram, o perfil @pretanaitalia (com mais de 17 mil seguidoras, em junho de 2022) que pretende dar dicas sobre viver na Itália a partir do ponto de vista de uma mulher preta e latina; 4. o blog Papacapim18, onde Sandra Guimarães, femigrante de origem rural, ligada ao Movimento dos Sem Terra, discute alimentação e colonialidade, capitalismo, especismo e agronegócio; 5. a campanha “Ninguém Mexe Comigo”, idealizada por Paola Bellucci, para uma educação protetiva para crianças se prevenirem contra o abuso sexual. Lançada em 2020, o clip musical da campanha foi divulgado pela TV Cultura e, em maio de 2021, a canção já tinha versões em 10 idiomas além do português19; 6. ou ainda a iniciativa de Vera Jus, co-coordenadora do Coletivo Encrespa Geral Londres (@encrespageraloficial, perfil com 1.174 seguidores mil seguidoras/es, em junho de 2022, no Instagram e 20 mil e 700, no Facebook).
À parte as citadas iniciativas individuais, na bancada do Femigrantes BR Podcast estiveram também as atuações institucionais. As entrevistadas que integram a Rede de Apoio a Mulheres Brasileiras Vítimas de Violência Doméstica - REVIBRA20 discutiram: relacionamentos binacionais e o mito do príncipe encantado gringo; a racialização na imigração; a descolonização dos projetos migratórios; maternidade e migração, em conversas nas quais a experiência pessoal das entrevistadas aviva a proposição de Donna Haraway (1995) sobre saberes situados.
A inegável potência dessas iniciativas todas não apaga que seu ambiente de repercussão é o da cultura digital, aqui percebida, a partir das lentes críticas de Graciela Nathansohn (2018, s/p), como uma “matriz epistêmica filha da globalização hegemônica e do capitalismo transnacional”. Porém, inspirada por Helena Suárez Val, proponho que podemos fazer usos subversivos dessas ferramentas e desses espaços. Suárez Val chama essas formas de ativismo feminista de “desobedientes”, pois transformam as tecnologias projetadas no Norte global, por (principalmente) homens, em ferramentas para denunciar a violência de gênero.
Meios digitais e não digitais, desobedientemente apropriados por ativistas feministas, adquirem uma vitalidade autopropulsora, “fazendo coisas continuamente” (Bennet, 2009, p.112; ênfase no original) à medida que se movem através de redes e formatos humanos e de computadores, sendo reutilizados, re-significados e re-compartilhados21 Val, 2018, p. 118).
Desobedecer para descolonizar, pode ser uma estratégia para tornar a internet mais feminista? Não ofereço uma resposta a essa inquietante questão, pois, penso, como Graciela Nathansohn (op. cit.) e Evgeny Morozov (2018), que não podemos ser ingênuas quando transitamos por territórios altamente vigiados, controlados e mercantilizados. Ainda assim, resisto na questão para que ela se desacomode em nós.
Midiatização e feminismos: inquietações no lugar de conclusões
Assistimos, na última década desse milênio, uma notável inflexão nas pautas feministas no cenário nacional22, estreitamente relacionada à consolidação do projeto democrático brasileiro, ao amadurecimento de movimentos sociais identitários, como aqueles que lutam por direitos sexuais, raciais e de gênero e a governos mais afeitos às demandas de segmentos historicamente subalternizados. Some-se a esse cenário a intensificação do uso e acesso às mídias digitais23 como Facebook, Twitter e Instragram, por meio das quais usuárias(os) se tonam produtoras(es) de conteúdo e replicadoras/es de discursos diversos, entre estes estão os que podem ser associados a temas das agendas feministas, como direitos sociais iguais, equidade de salário, direitos reprodutivos, descriminalização do aborto, denúncias contra violência doméstica e, mais recentemente, a luta contra o assédio sexual. As pautas associadas ao corpo, como território político, têm formatado diálogos com agendas dos movimentos de pessoas transexuais e travestis, bem como os movimentos negros.
Todas essas recentes mudanças e alianças estão estreitamente vinculadas à midiatização dos ativismos (Aquino; Bittencourt, 2013), a qual, por sua vez, se vincula à ampliação de vocabulário político por meio do qual comportamentos culturalmente naturalizados ou silenciados passam a ser questionados e denunciados. Termos como “misoginia”, “assédio”, “empoderamento feminino”, “racismo estrutural” se somaram ao léxico político que mobiliza palavras como homofobia, lesbofobia, transfobia, transfeminismo, cisheteronomatividade, entre outras, que se converteram em hashtags e est as em tópicos de debate nas redes. De forma que esse vocabulário especializado foi sendo apropriado por diferentes agentes. Assim, conforme retoma Garcia,
Segundo Fausto Neto (2008), o avanço da midiatização causa transformações de regimes de falas, dentro de reformulações de práticas, de contratos, dispositivos, operações e da própria problemática da produção de sentido. Nesses processos, são geradas novas configurações de vida social e individual, de dinâmicas e lógicas, em que há novos formatos de trocas simbólicas e antigos costumes. (Garcia, 2011, p. 216).
O conceito de midiatização pode oferecer elementos teóricos para se pensar nessas práticas e sua associação aos ativismos. Detidamente, aqueles ativismos articulados por mulheres feministas, campo no qual o engajamento é atravessado por lógicas midiáticas. Número de visualizações, “likes”, comentários, entre outras formas de deixar rastros digitais cuja métrica quantifica os ativismos e os individualiza, exigindo acuradas estratégias e negociações entre quem produz conteúdos e a invisibilidade algorítmica que organiza as plataformas na internet.
Feminismo e tecnologias de comunicação cultivam um flerte histórico que conhece seu ponto de inflexão nos anos de 1990, quando o termo ciberfeminismo foi cunhado por Sadie Plant, diretora do Centre for Research into Cybernetic Culture, da Universidade de Warwick, para descrever a convergência entre mulheres e tecnologia. Relação esta que Plant caracterizava como íntima e subversiva (Ureta, 2005, p. 383). O mote “o pessoal é político” já essa relação insinuava essa relação no final da década de 1960. Com a midiatização dos feminismos e da política de gênero e sexualidade, a palavra de ordem cunhada por Carol Hanisch24 há mais de 50 anos ganha também sua versão invertida: o político se torna altamente pessoal.
O espaço virtual da Internet coloca ao alcance do movimento feminista potencias expressivas desconhecidas, entre outras, uma nova significação de comunicação coletiva que converte a as mulheres em autoras, transmissoras e destinatárias de informação (...) Por tudo isso, parece razoável afirmar que o coletivo feminino encontra na nova plataforma digital um cenário reivindicativo sem igual, no qual se pode acessar conteúdos coerentes com seus interesses e necessidades informativas. (Ureta, 2005, p.381).25
Porém, como reconhece Lilian Moreira (via WhatsApp, em 04/06/22), os grupos conservadores parecem ocupar de forma mais eficiente os territórios digitais. Mesmo porque, são os escândalos, as notícias sensacionalistas, as teorias da conspiração os conteúdos mais impulsionados pelas plataformas como Facebook e mesmo redes de conversas privadas como WhatsApp, difíceis de serem monitoradas (Morozov, 2018). Às empresas interessa o extrativismo de nossos dados, mais do que a difusão de conteúdos genuínos e verdadeiros.
Ainda assim,
Estes canais alternativos têm permitido às mulheres situar suas perspectivas e temáticas de interesse na agenda pública, através de processos de automediação de massas no meio digital. De fato, a automediação constitui uma das principais ações do ativismo feminista internacional. A recopilação de notícias ausentes nos meios de comunicação, a mudança de foco no seu tratamento, a introdução de novas vozes ou o revisionismo histórico (a chamada herstoria [a história delas]) não só oferecem uma leitura feminista das diferentes realidades com perspectiva de género, também apresentam um importante trabalho de visibilização e divulgação. Listas de difusão, blogs, redes sociais ou podcast supõem manifestações desse trabalho de automediação feminista. Coletivos e pessoas individuais se lançaram na criação de diferentes tipos de conteúdos, que vão desde temáticas mais próximas à teoria e à práxis feministas, à apresentação de vozes e perspectivas mais diversas e dissidentes. (Piñeiro-Otero, 2021, p, 234)26
O propósito da produção midiática analisada neste artigo foi promover a escuta de anônimas vozes fronteiriças27, cheias de sotaques e regionalismos, que encontram no vocabulário político dos feminismos elementos narrativos que as ajudam a reler suas histórias, ao mesmo tempo que as contam para uma audiência tão imaginada quanto incerta. Ocupar brechas digitais de gênero, raça, classe, nacionalidade, religião, idade etc. e buscar estratégias a fim de superá-las é um dos 16 pontos “reivindicatórios para o fim da hegemonia do mercado e para a livre circulação de ideias na rede”, tirados no II Encontro Internacional Ciberfeminista ocorrido em Salvador, durante o Fórum Social Mundial/FSM.
Sem ilusões de uma ciberutopia, penso que é fundamental que sigamos nos interrogando “como feministas, que tipo de internet queremos e o que necessitamos para alcançá-la?” (Nathansohn, 2018, s/p). “Para tanto será necessário romper o monopólio intelectual e discursivo que as empresas de tecnologia mantêm sobre nossa imaginação política”, escreve Evgeny Morozov (2018, s/p), referindo-se às lutas antineoliberais. Tomo emprestada essa estratégia, pois só entendo o feminismo decolonial do Femigrantes Br como uma produção crítica ao neoliberalismo. Como tal, questionadora de sentidos individualizantes do “empoderamento”.
Como Cecília Sardenbeg (2009), reconheço que apesar das origens radicais do conceito “empoderamento”, o termo passou por processos de teorização acadêmica e de domesticação de Estado que o mergulharam em uma polissemia politicamente escorregadia. Não se trata aqui de querer fixá-lo como conceito, mas de encarar esses usos diversos, situando seus sentidos e tensões no campo em que ele é mobilizado, e das significações que aparecem nas narrativas das mulheres que estiveram na bancada do Femigrantes BR.
No âmbito do campo discursivo de ação dos feminismos, as brasileiras entrevistadas encontraram recursos teóricos e conceituais que fomentaram e expandiram suas reflexões sobre seus projetos e vivência de migração. Ao nomearem experiências de subalternização, reconhecendo-as como produtos de relações desiguais que hierarquizam corpos e países, passaram a produzir resistências. Talvez seja isso o que as femigrantes chamam de “empoderamento”.
Parte desse fortalecimento, que as leva a questionar relações assimétricas de poder, passa pela midiatização dos feminismos, fenômeno que não se separa facilmente da plataformização das agendas feminista por meio da internet. Porém, como ponderam Josemira Reis e Graciela Nathansohn, alcançar a internet que queremos exige que nos lancemos em uma guerra de guerrilha no intento de fissurar as bases androcêntricas que estão na gênese da internet com seu berço militarista e seu corolário comercial, as “empresas de capital de risco, acadêmicos e hackers, todos segmentos sociais controlados eminentemente por homens brancos e falantes de língua inglesa” (Reis; Natansohn, 2017, p.117).
Mulheres racializadas, falando em português brasileiro, têm mostrado que os feminismos têm oferecido uma linguagem de combate eficiente, não só transformando suas vidas privadas como as instrumentalizando para atuações em diversas frentes políticas, decoloniais e antipatriarcais. Como ativistas voluntárias, associadas a organismos internacionais ou atuando como pesquisadoras acadêmicas, as femigrantes têm, mesmo que modestamente, desafiado o privilégio da “voz” masculina na podosfera. Suas vozes falam de experiências de serem mulheres expatriadas, enovelam-se com estruturas macrossociais e conectam-se a lutas pretéritas, revisitadas a partir de uma outra ótica feministas, aquela que tem colocado o mundo de cabeça para baixo.
Referências bibliográficas
AGUIÃO, Silvia. 2017. “Quais políticas, quais sujeitos? Sentidos da promoção da igualdade de gênero e raça no Brasil (2003 - 2015)”. Cadernos Pagu. Dezembro de 2017. nº 51.
AGUIÃO
Silvia
Quais políticas, quais sujeitos? Sentidos da promoção da igualdade de gênero e raça no Brasil (2003 - 2015)
Cadernos Pagu
12
2017
51
ALVAREZ, Sonia E. 2009. “Construindo uma política feminista translocal da tradução”. Revista Estudos Feministas. Dezembro de 2009. Vol. 17, nº 3, p. 743-753.
ALVAREZ
Sonia E.
Construindo uma política feminista translocal da tradução
Revista Estudos Feministas
12
2009
17
3
743
753
AQUINO BITTENCOURT, Maria Clara. 2015. “As narrativas colaborativas nos protestos de 2013 no Brasil: midiatização do ativismo, espalhamento e convergência”. Chasqui. Revista Latinoamericana de Comunicación. Agosto-Novembro de 2015. nº 129, p. 325-343.
AQUINO BITTENCOURT
Maria Clara
As narrativas colaborativas nos protestos de 2013 no Brasil: midiatização do ativismo, espalhamento e convergência
Chasqui. Revista Latinoamericana de Comunicación
11
2015
129
325
343
BHABHA, Homi K. 1998. O local da cultura. 2ª ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG.
BHABHA
Homi K.
1998
O local da cultura
2
Belo Horizonte
Ed. UFMG
BRITTO, Milena. 2018. Um mapa diaspórico nas tramas do cabelo. Afro-Ásia. Março de 2018. nº 57, p. 215-220.
BRITTO
Milena
Um mapa diaspórico nas tramas do cabelo
Afro-Ásia
03
2018
57
215
220
CURIEL, Ochy. 2019. “Construindo metodologias feministas desde o feminismo decolonial”. In: DE MELO, Paula Balduino de Melo et al. (Orgs). Descolonizar o feminismo. Brasília: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília. p. 44.
CURIEL
Ochy
2019
Construindo metodologias feministas desde o feminismo decolonial
DE MELO
Paula Balduino de Melo
Descolonizar o feminismo
Brasília
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília
44
44
DATAFOLHA INSTITUTO DE PESQUISA. 2019. Mulheres Violência e Feminismo. Disponível em: Disponível em: http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2019/04/15/0ccf1b7f5f71464e482dfa38406ec34efem.pdf . [Acessado em 10.06.2022]
DATAFOLHA INSTITUTO DE PESQUISA
2019
Mulheres Violência e Feminismo
Disponível em: http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2019/04/15/0ccf1b7f5f71464e482dfa38406ec34efem.pdf
10.06.2022
GARCIA, Adriana Domingues. 2011. “Nem tudo é midiatização: como entender, ver e analisar a complexidade dos processos comunicacionais sem banalizar”. Revista Emancipação. Vol. 11, nº 2, p.215-224.
GARCIA
Adriana Domingues
2011
Nem tudo é midiatização: como entender, ver e analisar a complexidade dos processos comunicacionais sem banalizar
Revista Emancipação
11
2
215
224
GONZAGA, Juliane. 2018. Novo feminismo: acontecimento e insurreição de saberes nas mídias digitais. Tese entregue ao Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras -UNESP/Araraquara.
GONZAGA
Juliane
2018
Novo feminismo: acontecimento e insurreição de saberes nas mídias digitais
Faculdade de Ciências e Letras, UNESP
Araraquara
HAMLIN, Cynthia; PETERS, Gabriel. 2018. “Consumindo como uma Garota: Subjetivação e Empoderamento na Publicidade Voltada para Mulheres”. Lua Nova. Abril de 2018. nº 103, p. 167-202.
HAMLIN
Cynthia
PETERS
Gabriel
Consumindo como uma Garota: Subjetivação e Empoderamento na Publicidade Voltada para Mulheres
Lua Nova
04
2018
103
167
202
HARAWAY, Donna. 1995. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu . Abril de 2015. nº 5, p. 7-41.
HARAWAY
Donna
Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial
Cadernos Pagu
04
2015
5
7
41
JANOTTI JUNIOR, Jeder Silveira. 2021. “Cultura Pop, Conectividade e Rasuras em Tempos de Ambientações Comunicacionais Digitais”. Cult De Cultura: Revista interdisciplinar sobre arte sequencial, mídias e cultura pop. Vol. 1, nº 01, p. 23-33.
JANOTTI
Jeder Silveira
JUNIOR
2021
Cultura Pop, Conectividade e Rasuras em Tempos de Ambientações Comunicacionais Digitais
Cult De Cultura: Revista interdisciplinar sobre arte sequencial, mídias e cultura pop
1
01
23
33
MARTINEZ, César A. F. 2019. Geografias Afetivas: Nação, Gênero E Sexualidade Nas Narrativas De Estudantes Internacionais. Trabalho apresentado no XIII ENANPEGE, São Paulo.
MARTINEZ
César A. F.
2019
Geografias Afetivas: Nação, Gênero E Sexualidade Nas Narrativas De Estudantes Internacionais
XIIIENANPEGE
São Paulo
MOROZOV, Evgeny. 2018. Big Tech: A ascensão dos dados e a morte da política. 1ª ed. São Paulo: Ubu Editora.
MOROZOV
Evgeny
2018
Big Tech: A ascensão dos dados e a morte da política
1
São Paulo
Ubu Editora
MOTTA, Luiz Gonzaga. 2013. Análise crítica da narrativa. 1ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
MOTTA
Luiz Gonzaga
2013
Análise crítica da narrativa
1
Brasília
Editora Universidade de Brasília
NATHANSOHN, Graciela. 2018. Por Uma Internet Feminista e Decolonial. Anais XX Encontro Internacional da Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa sobre Mulher e Relações de Gênero (REDOR). Disponível em: Disponível em: https://www.redor2018.sinteseeventos.com.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNDoiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjM6IjE5MSI7fSI7czoxOiJoIjtzOjMyOiI1MjNhZDIwNDVjZTY2ZjFjNGJjZWNkZDE0MWYzZjMwMCI7fQ%3D%3D [Acessado em 31.07.2023]
NATHANSOHN
Graciela
2018
Por Uma Internet Feminista e Decolonial
XXEncontro Internacional da Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa sobre Mulher e Relações de Gênero
REDOR
Disponível em: https://www.redor2018.sinteseeventos.com.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNDoiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjM6IjE5MSI7fSI7czoxOiJoIjtzOjMyOiI1MjNhZDIwNDVjZTY2ZjFjNGJjZWNkZDE0MWYzZjMwMCI7fQ%3D%3D
31.07.2023
PELÚCIO, Larissa, LUVIZOTTO, Caroline, SILVA, Thamires. 2022. “Podcast Fé-Mi-Grantes e A Intersecção entre Gênero, Raça e Nacionalidade”. Manuscrito não publicado.
PELÚCIO
Larissa
LUVIZOTTO
Caroline
SILVA
Thamires
2022
Podcast Fé-Mi-Grantes e A Intersecção entre Gênero, Raça e Nacionalidade
Manuscrito não publicado
PIÑEIRO-OTERO, Teresa. 2021. “Los nuevos modelos de publicidad en revistas nativas digitales deportivas: el caso de Marca Plus”. Revista Inclusiones. Vol. 8, nº 8, Especial, p. 231-254.
PIÑEIRO-OTERO
Teresa
2021
Los nuevos modelos de publicidad en revistas nativas digitales deportivas: el caso de Marca Plus
Revista Inclusiones
8
8
231
254
QUIJANO, Aníbal. 2000. “Colonialidad del poder y clasificación social”. Journal of World-systems Research. Special Issue: Festchrift for Immanuel Wallerstein. Vol. 2, p. 342-386.
QUIJANO
Aníbal
2000
Colonialidad del poder y clasificación social
Journal of World-systems Research
Special Issue: Festchrift for Immanuel Wallerstein
2
342
386
REIS, Josemira Silva; NATHANSOHN, Graciela. 2017. “Com quantas hashtags se constrói um movimento? O que nos diz a “Primavera Feminista” brasileira”. Tríade: comunicação, cultura e mídia. Vol. 5, nº 10, p. 114-130.
REIS
Josemira Silva
NATHANSOHN
Graciela
2017
Com quantas hashtags se constrói um movimento? O que nos diz a “Primavera Feminista” brasileira
Tríade: comunicação, cultura e mídia
5
10
114
130
SARDENBERG, Cecília Maria Bacellar. 2019. Conceituando “empoderamento” na perspectiva feminista. Comunicação oral apresentada ao I Seminário Internacional: Trilhas do Empoderamento de Mulheres. Salvador.
SARDENBERG
Cecília Maria Bacellar
2019
Conceituando “empoderamento” na perspectiva feminista
Comunicação oral
ISeminário Internacional: Trilhas do Empoderamento de Mulheres
Salvador
SOARES, Rosana de Lima ; VICENTE, Eduardo. 2021. “Áudio e ativismo social: uso das práticas do podcast para a visibilidade de um discurso feminista”. In: RADAKOVICH, Rosario; WORTMAN, Ana Elisa. Nuevas Mutaciones del Consumo Cultural en el Siglo XXI: Tecnologías, Espacios y Experiencias. 1ª ed. Buenos Aires: ALAS. p. 9-23.
SOARES
Rosana de Lima
VICENTE
Eduardo
2021
Áudio e ativismo social: uso das práticas do podcast para a visibilidade de um discurso feminista
RADAKOVICH
Rosario
WORTMAN
Ana Elisa
Nuevas Mutaciones del Consumo Cultural en el Siglo XXI: Tecnologías, Espacios y Experiencias
1
Buenos Aires
ALAS
9
23
TABUCHI, Mariana Garcia; ROSSI, Amélia Sampaio. 2021. “Neoliberalismo E Antifeminismo: a Escalada Global Contra as Mulheres”. Revista Culturas Jurídicas. Vol. 8, nº 20, p. 460-486.
TABUCHI
Mariana Garcia
ROSSI
Amélia Sampaio
2021
Neoliberalismo E Antifeminismo: a Escalada Global Contra as Mulheres
Revista Culturas Jurídicas
8
20
460
486
URETA, Ainara. 2005. “La Red al servicio de las mujeres. Aproximación a la relación mujer y medios de comunicación en Internet”. Estudios sobre el Mensaje Periodístico. nº 11, p. 375-392.
URETA
Ainara
2005
La Red al servicio de las mujeres. Aproximación a la relación mujer y medios de comunicación en Internet
Estudios sobre el Mensaje Periodístico
11
375
392
VAL, Helena Suárez. 2018. “Vibrant Maps: exploring the reverberations of feminist digital mapping”. Diseño, Arte y Sociedad. Vol. 3, nº 5, p. 113-139.
VAL
Helena Suárez
2018
Vibrant Maps: exploring the reverberations of feminist digital mapping
Diseño, Arte y Sociedad
3
5
113
139
VAN DIJCK, Jose. 2016. La cultura de la conectividad: una historia crítica de las redes sociales. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores.
VAN DIJCK
Jose
2016
La cultura de la conectividad: una historia crítica de las redes sociales
Buenos Aires
Siglo Veintiuno Editores
VERGÈS, Françoise. 2020. Um feminismo decolonial. 1ª ed. Ubu Editora.
VERGÈS
Françoise
2020
Um feminismo decolonial
1
Ubu Editora
1
Este texto deriva do projeto de Pesquisa “Que comece o Matriarcado”, a construção de ativismo on-line e solidariedades off-line entre brasileiras vivendo em Paris, referente à Bolsa Produtividade Nível 2 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Brasil, processo 307378/2019-5.
2
Milena Britto discute a narrativa de si tal como ela é adotada no estilo literário de autoras brasileiras contemporâneas como uma estratégia política. Ao analisar o livro Este Cabelo, de Djaimilia Pereira, Britto propõe que a voz na primeira pessoa que se expande em um “narrar a si [...] passa por uma proposta da autora de se descobrir como parte de um processo histórico e ao mesmo tempo, ao se reconhecer como participante de um certo grupo social, questionar com a escrita tanto quanto com a temática” (Britto, 2018, p. 103-104). Daí nossa escolha pelo verbo narrar.
3
Bousso é italiana filha de pais senegaleses, formada em Letras e no momento de escrita deste artigo estava se dedicando ao Femigrantes em italiano. O Fémigrantes em francês registrou 8 episódios. O Femigrantes BR se inicia com a parceria de Lidiane Vieira, socióloga, amapaense, também fazendo mestrado em Paris. Lidiane integrou o projeto durante 06 episódios, se desligando do projeto por razões pessoais. Hoje a equipe do Femigrantes BR é composta por Gabriela de Carvalho, Luciana Gransotto, Mairê Carli, a identidade visual é de Patrícia Kuniyasi (a PKá) e Glauco Salmazio, responsável pela edição, sonorização e criador da identidade sonora do podcast.
4
Adiamos essa discussão para a seção final deste artigo.
5
A maior parte das entrevistadas é composta por mulheres que migraram para realizar seus estudos de nível superior (sejam cursos completos ou parciais) no exterior. O fato de se reconhecerem como migrantes e não como em “mobilidade científica” ou “cientistas internacionais” é relevante para a comunicação, pois outorga valor político às suas identidades. Como explica Thaís França (2016, p. 208), “cada vez mais imigração e imigrantes referem-se a sujeitos estigmatizados como perigosos, problemáticos, que atravessam fronteiras sem estar resguardados por privilégios legais sendo, portanto, indesejados. Já a mobilidade científica alude ao deslocamento geográfico de uma elite intelectual e laboral, portanto, bem-vindo”.
6
Já foram debatidos temas como interseccionalidade e saúde de imigrantes(#2); afro turismo (#03); mídia e migração (#04); maternidade e migração (#05); abuso sexual de crianças e adolescente (#06); decolonialidade da migração (#07); hisperssexualização de brasileiras (#08); pandemia e restrições migratórias para estudantes (#09); migração reversa (#10); migração e indicadores de felicidade (#11); inserção profissional como imigrante (#13); histórias marcantes narradas por entrevistadas (#14); Corpos e raízes afro-brasileiras (#15); nutrição e colonialidade (#16); amores binacionais e hierarquias globais (#12 e #17); especial 8 de Março (#18); Mulheres refugiadas da Ucrânia (#19); síndrome da impostora e migrantes mulheres (#20); música e a redescoberta da identidade migrante (#21). Aqui não trataremos nos cinco especiais chamados de Choquitos Culturais, quadros lançados entre os episódios e nem das discussões que ocorrem por meio do grupo na plataforma Telegram, o Femigrupo.
7
Lilian Moreira é uma das integrantes de um grupo de brasileiras feministas, o qual aqui vou chamar de Fridas e a Resistência, nome ficcional. O coletivo se formou após o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais de 2018, no intuito de reunir brasileiras residentes na França para discutir caminhos para angariar votos para Fernando Haddad (PT), opositor do candidato de extrema direita, Jair Bolsonaro. Fui convidada por Lilian a participar de reuniões do grupo, assim nosso contato se estreitou. Quando o projeto do Fémigrantes FR se iniciou, mostrei meu interesse pelo mesmo, nascendo assim uma interlocução que se estabeleceu por WhatsApp e em encontros presenciais, sempre que estive em Paris. Foi no mesmo grupo que conheci Lidiane Vieira, com quem também passei a conversar por meios digitais e encontros presenciais, já sinalizando meu interesse de pesquisa em relação à produção e ao conteúdo dos podcasts. Quanto a Boussou, não cheguei a conhecê-la, mas ela estava ciente do desenvolvimento da pesquisa e forneceu informações por meio de Lilian, sempre por WhatsApp. O WhatsApp mostrou-se como eficiente meio para comunicações pontuais e mais ágeis. Por intermédio daquele aplicativo pude sanar algumas dúvidas em relação ao projeto, complementar informações sobre as entrevistadas e ainda se mostrou um canal de solidificação de afetos. As trocas de mensagens digitais, somadas aos emojis, figurinhas e gifs (materiais visuais disponíveis no aplicativo) fomentaram vínculos de confiança e amizade, fundamentados de início em parceria política entre a pesquisadora e as produtoras do Femigrantes BR.
8
Nem todas cursaram escolas privadas ou tiveram esse acesso durante todo o ensino básico. Mas é patente o esforço dos pais em proporcionar para elas um “bom ensino”, o que muitas vezes as colocou em ambientes sociais hostis, fosse relativo a serem elas mulheres não-brancas ou por serem das classes populares.
9
Apenas duas entrevistadas tiveram experiências distintas, sintomaticamente as que mudaram para países fora da União Europeia (Senegal e Japão).
10
“A gente vai falar como mudar de país nos fez abraçar a nossa identidade afro-brasileira”, anuncia Moreira, na abertura do episódio 15, “Corpos e raízes afro-brasileiras pelo mundo”. Esse abraço é chamado muitas vezes de “encontro com a África” e aparece mais sublinhado no episódio citado, mas está presente na fala de todas as entrevistadas negras.
11
A colonialidade é a ordem discursiva e epistemológica que, na proposta de Quijano (2000), deu sustentação à modernidade. Este componente foi gestado a partir da expansão europeia sobre outras regiões do planeta e que continua, na contemporaneidade, a orientar a maneira como lugares e pessoas são hierarquizados. A colonialidade nasce com o colonialismo, reconhece Quijano, mas este último, ao contrário da primeira, nem sempre implica em relações racista de poder.
12
Luiz Gonzaga Motta (2013, pp. 17-18), a partir de Roger Silverstone, define a textura geral da experiência como a “atitude ativa do ser humano de perseguir fins, moldar sua vida e a dos outros, refletir e criar em constante interação”. Esta se constitui “intersubjetivamente, de maneira compartilhada, através de contínua interação e comunicação com os demais”. Para Motta, essa tessitura é de ordem narrativa, mais do que conceitual, quer dizer, mais espontânea. Porém, argumento que o conceitual tem se mostrado fundamental na ressignificação das experiências. Ele estrutura novas narrativas, disputando significados com outras já estabelecidas e mesmo levando a reconfigurações subjetivas daquela que narra a si mesma.
13
Escreve Milena Britto, referindo-se ao livro Esse Cabelo, de Djaimilia Pereira de Almeida, autora angolana vivendo em Lisboa. Considerei essa proposição apropriada para a discussão que desenvolvo nesta seção.
14
Para uma discussão aprofundada sobre as hashtags feministas ver Josemira Reis e Graciela Nathansohn, 2017.
15
Das 18 entrevistadas, nove nasceram nos anos de 1990; sete nos anos 80; apenas uma na década de 60 e outra nos anos de 1940. Duas vieram de contextos rurais, sendo três delas dos subúrbios cariocas e uma de Petrópolis. Nove viveram a maior parte de suas vidas em capitais: São Paulo (02), Campo Grande (02), Florianópolis (01), Porto Alegre (01), Belo Horizonte, (01) Salvador (02). Vindas do interior dos estados são duas: Ribeirão Preto (SP) e Joinville (SC).
16
Original em espanhol: La apropiación de la Web social, de sus diferentes plataformas y lenguajes, por el activismo feminista ha posibilitado su mayor participación y visibilidad en el discurso público, al contar con las herramientas precisas para el lanzamiento y difusión de sus demandas, así como para la consecución de apoyos en un contexto global. Aunque el medio digital constituye una esfera más de la sociedad, en la que están presentes las desigualdades y violencias del mundo offline, también puede energizar las acciones desarrolladas, dada la potencia real y mítica de la tecnología, y su proyección mundial.
17
Entre 2002 e 2015, houve uma intensificação das políticas de Estado de promoção da igualdade de gênero e raça, como a implantação da política de cotas raciais na UFRJ e na UNEB, em 2002; no ano seguinte, a formação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres - SPM. Ainda em 2003, criou-se a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR/PR), que, em 2015, foi incorporada ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, unindo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria de Direitos Humanos, e a Secretaria de Políticas para as Mulheres; em 2004, surge o Programa Brasil Sem Homofobia. Em oito anos do governo Lula, o Estado promoveu 74 Conferências que versaram sobre 40 temas diferentes: crianças e adolescentes, Mulheres, Meio Ambiente, Raça, Saúde, Educação, Pessoas com Deficiências, só para listar algumas dessas temáticas.Em 2008, tivemos a primeira Conferência Nacional de Direitos LGBT (Aguião, 2017, s/p).
18
http://www.papacapim.org/
19
Acesso ao clip da campanha, gravado durante a pandemia da Covid-19, com as e os voluntários em suas casas: https://www.youtube.com/watch?v=J1RHieEwRNE. No Instagram, o perfil é @ninguem.mexe.comigo
20
A Rede atua em diferentes países para a proteção jurídica e assistência psicológica de conterrâneas, mas também de outras nacionalidades que estejam em situação de vulnerabilidade de gênero e de nacionalidade.
21
Original em inglês: “digital and non-digital media disobediently appropriated by feminist activists, acquire a self-propelling vitality, “continually doing things” (Bennet, 2009, p.112; emphasis in the original) as they move through human and computer networks and formats, being re-used, re-signified and re-shared”.
22
Pesquisa realizada pelo Instituto DataFolha em 2019 mostra que mulheres com curso superior tendem a se identificar mais com o feminismo (44%) do que aquelas que cursaram apenas o ensino médio (33%). O mesmo levantamento aponta que “entre mulheres de cor preta, 47% são feministas, índice que fica em 37% entre paradas e 36% entre brancas” (Datafolha, 2019, s/p). Esses resultados aparecem encarnados nas biografias das brasileiras que estiveram na bancada do Femigrantes BR.
23
De acordo com PNAD Contínua TIC 2017 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, que investiga o acesso à Internet e à televisão, além da posse de telefone celular para uso pessoal, a Internet chega hoje a três em cada quatro domicílios do país. Porém, o acesso à rede mundial de computadores é feito por 97% das pessoas ouvidas por meio do celular, o qual é usado sobretudo para envio ou recebimento de mensagens de texto, voz ou imagens por aplicativos diferentes de e-mail (https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23445-pnad-continua-tic-2017-internet-chega-a-tres-em-cada-quatro-domicilios-do-pais). Última consulta em 10/06/2022. Pesquisa realizada pelo IBOPE, em 2019, mostrou que mulheres formam a maior parte de usuárias da internet (53%).
24
Carol Hanisch cunhou o slogan “o pessoal é político”, em 1969. Considerada radical por alguns/algumas críticos/as. Jornalista engajada na luta pelos diretos civis de negros e outras minorias políticas, esteve à frente de protestos como pelo fim dos concursos de misses, engajou-se em diferentes lutas, como a livrada pelo fim do apartheid na África do Sul. Ainda viva, Hanisch defende o ativismo presencial, ainda que reconheça os efeitos mobilizadores das mídias sociais digitais. Para uma entrevista com Hanisch ver: https://medium.com/@feminismoclasse/entrevista-com-carol-hanisch-b9016b1d5375 (última consulta em 16/06/2022).
25
Original em espanhol: “El espacio virtual de Internet pone al alcance del movimiento feminista potencias expresivas desconocidas, entre otras, una nueva significación de comunicación colectiva que convierte a las mujeres en autoras, transmisoras y destinatarias de información (...) Por todo ello, parece razonable afirmar que el colectivo femenino encuentra en la nueva plataforma digital un escenario reivindicativo sin igual, en el que poder acceder a contenidos coherentes con sus intereses y necesidades informativas.”
26
Original em espanhol: “Estos canales alternativos han permitido a las mujeres situar sus perspectivas y temáticas de interés en la agenda pública, a través de procesos de automediación de masas en el medio digital. De hecho, la automediación constituye una de las principales acciones del activismo feminista internacional. La recopilación de noticias ausentes en los medios de comunicación, el cambio de foco en su tratamiento, la introducción de nuevas voces o el revisionismo histórico (la llamada herstoria7) no sólo ofrecen una lectura feminista de las diferentes realidades con perspectiva de género, también presentan una importante labor de visibilización y divulgación. Listas de difusión, blogs, redes sociales o podcast suponen manifestaciones de esta labor de automediación feminista. Colectividades y personas individuales se han lanzado a la creación de diferentes tipos de contenidos, que van desde temáticas más próximas a la teoría y praxis feministas, a la presentación de voces y perspectivas más diversas y disidentes”.
27
A equipe do Femigrantes Br Podcast pretende alargar essa escuta para pessoas que migraram em condições menos favoráveis e mesmo precárias.
10.1590/1984-6487.sess.2023.39.e22302.a.en
DOSSIER
Voices from the Global South: the mediatization of feminisms in a podcast by Brazilian women around the world1
Abstract
The podcast Femigrantes BR is defined as “a space for conversation among feminist-immigrant women around the world”. The podcast had 21 episodes, gathering stories of Brazilian women who live and work in several countries. In the voices of the interviewees, life stories expand beyond the personal account and connect with firmly established structures such as racism and the unequal relations between the Global North and South. Taking that object and scenario, I investigate what has been the contribution of feminisms, as political discourse, to the “empowerment” of those migrant women and analyse how the media coverage of the feminist debate reflects on the way they act in the public life of the country in which they now live. In the effort to attend to these points, I engage in an immersion in digital media and, in dialogue with contributions from feminist media, technology, decolonial, postcolonial studies, I discuss how the feminist occupation of the internet can potentiate social transformations in unequal gender structures and contribute to challenge hierarchies between North and Global South.
Keywords:
Femigrantes BR
feminist podcast
mediatisation
decolonial feminism
Global South
- Uhuu!!
- Wow, we did it!!! We’ve won the technology challenge
- [laughther]
- Technology versus women
- [more laughter]
(Lilian Moreira and Priscila Preta celebrating their success recording a remote interview for episode #3 of the Femigrantes Podcast BR)
“We’ve won the technology challenge”, celebrates the internationalist Lilian Moreira, after finishing another episode of the podcast Femigrantes BR. By antagonising “women” to “technology”, Moreira acknowledges the historical exclusion of women, especially black and racialized women, in terms of their access to technology.
Light-skinned Black, as she defines herself, the host of Femigrantes has been in Paris ever since she migrated to pursue her master’s degree in Human Rights. The Femigrantes project began as a triple partnership between Lilian Moreira, Lidiane Vieira and Bousso Benussi Thioune, the former two Brazilian and the latter Italian of Senegalese ancestry. The three of them invested in the podcast format as a media capable of projecting feminist voices that reflect about borders, identity, gender and race.
In France, these three college graduates who went to graduate school in Paris found themselves in a position of racialized “Other”, therefore less “civilised”. They also found out that this feeling of inferiority, mixed with a certain amount of outrage, was not individual, but also experienced by other migrant women, especially those who carry in their skin the marks of a presumed non-European origin, as in the case of Bousso, the black Italian who shared with Lilian the Fémigrantes FR studio board. Being black shifts her location geographically and symbolically: 1. She cannot be European; 2. She is probably not educated.
In the first episode, in which the project is presented to the audience, of Fémigrantes FR, Bousso narrates2 people’s constant surprise, and even suspicion, regarding her nationality. In the assumption that she is an immigrant from outside the European Union there is an embedded idea that, under every black skin, there is a jungle (Bhabha, 1998, p. 39). That perception also comes across Lilian’s everyday life. In Brazil, for a long time, she was perceived and perceived herself as “morena” (brown skinned). Lidiane too, with her Indigenous features, so many times erased by a longing for whiteness, which is not exactly hers, but of an entire region where eurocentrism has naturalised people’s experience within a power standard by which race/skin/colour act as markers of the coloniality of power (Quijano, 2000, p. 343).
The idea of systematising experiences of anonymous women migrants who have had a feminist reflection about the migrating process begins in French, as Lilian recalls:
We actually started the podcast in French, remember? I did it with my friend Bousso3, so we had the idea together. A product of discussions that we started during our master’s, back in 2014, 2015, because we are two immigrants that do not speak French as our first language, and because of our conversations. So, I think it was an eagerness to share with other people our awareness of our condition as racialized and migrant women in France. The moment it hit us was in summer during a conversation about intense and profound things of life. Then, we started with the podcast in French and, after that, each one of us decided to launch our own in our mother tongues. (Lílian, in audio testimony to the researcher, 05/28/2022, via WhatsApp).
In this text I focus on the Brazilian version of that project which, by means of a relatively cheap media production, seeks to combine the informality of orality with the spread of theoretical content.
The digital dissemination and sharing of content has allowed to “form feminist communities on digital media that elaborate forms of subjectivity” (Gonzaga, 2018, p. 114). In them, the privilege of personal narratives brings closer and sensitises a considerable number of young women to female issues relative to the experiences of cisgender and/or transgender women in a world pervaded by structures that perpetuate gender inequalities That has also contributed to an somewhat problematic idea of “empowerment4”. Hamlin and Peters (2018, p.170) argue that the itinerary of “the concept of female empowerment goes from a clearly “collectivist” definition to an individualised version can be situated in that broader dynamic of late capitalism”, in which digital media and online social networks play a blatant political role. However, contestation takes place and those captures have been challenged on those same media.
Born during the Covid-19 pandemic, the Femigrantes BR Podcast sees itself as “a conversation space for feminist and migrant women around the world” (opening speech repeated on every episode). Gathering stories of Brazilian women who have voluntarily5 migrated to countries such as Japan, France, Ireland, Italy, Canada, the United States, Senegal, England, Denmark, Norway, Germany, among others, the Femigrantes BR Podcast is based on narratives that intersect gender, nationality, sexuality and race. Biographies that update the slogan “personal is political”.
[I]ndividual and collective, psychic and social, personal and political, are interdependent terms that cannot be observed separately when dealing with social identities and their cultural representations. Among the several narratives present in media, which emerge to tell stories that go beyond the dominant discourse about a dichotomy between “internal” or “external” aspects, there are those that make use of radio (or sound) genres and formats, who can, therefore, give voice and ears to those agents. (Soares; Vicente, 2021, p.12).
In the voice of the interviewees, the life stories expand beyond the personal account-itself rich-to connect with macrosocial events such as economic crises, social transformations, public policy and the analytical reflection on how solidly established structures, such as racism and the unequal relations between the Global North and South, impact the interviewees’ biographies. Thinking from the point of view of this duality does not mean sticking to binaries divided by hard lines, but a form of self-constitution from those in-between places and from border experiences that make other narratives possible. In words of Iquani e Resende,
o Global South can be conceptualised as inscribed within a ‘narrative territoriality’. The goal is to understand media and global south issues as, in fact, constitutive and constituent of this territoriality (in it and from it), which means that media not is only inscribed in a territory (the global south) but also responsible for producing narratives about this (Iqani; Resende, 2020, apud Janotti Junior. 2021, p.25).
In the past three years (2019 to 2022), podcasts dedicated to feminist agendas have multiplied in a context of expansion and reconfiguration of radio and sound, in which debates about identity, equality and difference have become central. The Covid-19 pandemic has heightened intersectional debates and, at the same time, has contributed to the resurgence of conservative activisms, which have also shown their anti-feminism (Tabuchi; Rossi, 2021).
The content created for the episodes of the Femigrantes BR Podcast, up until May 2022, relied on the biographical dimension of narratives to promote empathetic listening. The programs, divided into two blocks, open with accounts that go back to the migrant trajectory of the interviewee, her family history, and other, more personal, topics. At a second moment, it explores a specific theme associated with academic research. It was not uncommon that research led to activism and reverberated in the history of employment of each of the women who took the podcast interviewee bench6.
A podcast is a communication ecosystem made up mainly of spoken words, with a schedule of common interest subjects, where time limitations and access concerns are minor. It is a medium that offers low investment efforts to attract substantial public attention. Although not all individuals know how to produce a podcast, or even how to find a targeted audience of listeners for the podcast created, the podcast ecosystem displays a diversity of perspectives, ranging from the format, duration and sound effects, all the way to the topics that appeal to large audiences. (Pelúcio; Luvizotto; Silva, 2022, p. 03).
Producing often amateur content and finding free ways to disseminate it through alternative media has been an appeal of feminist podcasts, which have become means of resistance in conservative-leaning political scenarios.
In this article, based on systematic listening of the 21 episodes of the Femigrantes BR Podcast, and on WhatsApp7 interviews with its creators, in addition to participating as a guest in one of the programs, I: (1) investigate what has been the contribution of feminisms, as a political discourse, for the “empowerment” of those migrant women; (2) seek to understand how the mediatization of feminist agendas impact the international experience of interviewees; (3) analyse how the mediatization of the feminist debate reflects on the way in which migrant women act in the public life of the country to which they have resettled and/or how, from abroad, they exercise their feminism in relation to their original society.
This piece is organised in four parts. It begins with concerns raised by the list of objectives above, which introduce the intersection of gender, race and nationality based on the contributions of decolonial feminism and of postcolonial studies, in dialogue with contributions from feminist studies of technology and media communication. These approaches touch on the resources of orality and biographical narratives as communication strategies operated by the feminist podcasters to disseminate the content they produce at Femigrantes BR.
In short, this article is dedicated to thinking, from a specific product, what have been the contributions of feminisms to transform digital media into less feudalized spaces.
Feminism turns the world upside down
“I’ve always been a feminist without knowing it.” This phrase echoes in several episodes of the Femigrantes BR Podcast. The statement suggests that feminist discussions, intensified over the past two decades, have been providing a fundamental political vocabulary for the interviewees to organise their past experiences in face of the decision to migrate. Reflections that reverberate in these women’s personal stances and political engagements.
As has happened with Lilian Moreira, today the voice of Femigrantes BR, many other women interviewed for the podcast reported that, even before migrating, when they were just little girls, at home they would hear and see strong, determined women who taught them that being a woman is not a mistake.
Mothers, aunts, grandmothers also appear as role models when the subject is skin colour and hair texture. This is recollected in many tales like the following, told in a broken voice:
“You must be very proud of being black, my daughter”. For me, this statement my mother made to me when I was six years old shaped my identity;
My parents always put a high value on our colour (...) my mother always valued our hair highly;
I came from a simple background, with little ambition, but my mother always said, “you need to continue your studies, you need to not depend on anyone else... on a husband or on anyone else to give you material support so that you can be a successful person in life’.
Listening closely to the statements of the black interviewees reveals that “success” is a social category of mobility that associates investing in studies with the confrontation against racism. Among the majority of the interviewees who identify as black, basic education was a motive to mobilise the family, who made sacrifices to provide their offspring with what was seen as a quality education8. It is not uncommon that, among all the interviewees, regardless of colour or ethnicity, they are the first in their family to obtain academic degrees as high as they did.
Geographers have been dedicated to understanding the role of education and, beyond that, the importance of knowledge in the production of space (Geddie, 2015; King; Raghuram; Keynes, 2013; Waters, 2016). Likewise, feminist scholars have produced ideas that interrogate foundational spatial concepts in studies of the internationalisation of education (Doerr, 2014; Matus; Talburt, 2009; Sidhu; Dall’alba, 2012). The association of these perspectives has led to a critique of the celebration of the internationalisation of higher education and has allowed academics to acknowledge inequalities reproduced by disembodied practices, since mobility incites power changes in the body, as it produces new ways of living the spaces according to race, gender and sexuality (Hanson, 2010). (Martinez, 2019, p. 3)
Perhaps for this reason, studying abroad appears as a symbolic occupation of a prestigious political geography, as well as a territory that raises affections and affectations.
In the experiences of the interviewees who moved to countries in the Global North, being Brazilian is closely related to being seen as non-white9. For some of these women, this was one of the symbolic shifts that most mobilised them politically. The racialization of nationality acts as a trigger political issue, by borrowing terms for reflection and struggle in vocabularies from multiple strands of feminism.
Paradoxically, for black women, the racialization experienced abroad made them see and discuss Brazilian racism more than the one they were experiencing in their countries of destination. Abroad, many found black people in universities, in prestigious jobs and leisure spaces. That less segregated occupation of esteemed territories made them realise that in Brazil they were often the “unique black women” (pretas únicas) in private school, in the office or in the middle-class neighbourhood10.
It is revealing that the encounter with a world in which Black people occupy different places happened in European countries.
Half of my master’s class was made up of black people;
I found the African brothers (...) reconstructing a black (preta) history;
When I arrived, I participated in a group called Panafricando, where I connected with several people from the diaspora, it was very important to me (...) this group holds many festivals that promote the culture of African countries”.
The above are testimonies taken from different narratives of women interviewed in the podcast.
Although this Black presence in European countries bears witness to the legacy of violent processes such as imperialism, what I called revealing above is related to the fact that this population of Black immigrants come from multiple experiences, not just those marked by racial exclusion and, more seriously, by a past associated with mercantile enslavement. These (re)unions resonate subjectively and, in many cases, politically, for the Brazilian women interviewed. That is when the narratives start to produce other meanings. They do not deal only with personal biographies, but with collective processes of transformation.
Crossing borders also always “relocates” and transforms subjectivities and worldviews (...) Our multiple “places” or subject positions change significantly for translation policies, according to our movements and passages through spatiotemporal “locations”. Our subjectivities are, at the same time, based on the place and dis-placed or mis-placed (Alvarez, 2009, p.744-745).
Not rarely, femigrants (I will also use this term to refer to podcast interviewees) felt “dis-placed” and “mis-placed”, as Sônia Alvarez argues in the excerpt above, writing about another context, but also looking at feminist and migrant women.
The feeling of being mis-placed appears in several tales with regard to two issues: the coloniality of power and the coloniality of knowledge. The geopolitics of knowledge makes them feel mis-placed because these women who speak different languages and have masters’ or PhD degrees are usually unable to establish themselves in the job market based on their professional qualifications. Either because they face bureaucratic mazes in order to validate their diplomas; or because their knowledge is not valued as “universal”, but is rather seen as “local” and, therefore, not applicable outside their countries of origin. The persistent disqualification of their expertise has often made them doubt their skills. The effects of the coloniality of power are insidious11. Even those who manage to critically read those hierarchical historical processes are caught in their wide webs, whose thread is thin enough to penetrate subjectivities, even those being made by resistance.
The sexualization of Brazilian nationality is another constant in interviewees’ narratives. This was often the cultural aspect that made them look at gender, as much as at nationality, granted that the latter was, above all, race. In hasty but steady lines, this is the outline of the interviewees narratives when they revisit their feminist awakening.
In the narratives as embedded experience of human existence (Motta, 2013, p.17), feminism collaborates in the elaboration of meanings for those shifts. When talking about past experiences, terms such as “machismo”, “sexism” and “misogyny” provide support for reflections about the migration process, both with regard to the decision to leave Brazil and in relation to the arrival and adaptation to another country. The “decolonization” of thought appears as a daily exercise of looking at oneself in foreign environments, based on an intellectual repertoire that has been formed through different means: university studies, the access to feminist literature, and the growing discussions about race, gender and sexuality in digital media.
From the contact with feminist agendas on online social media to discussions in the academic sphere still as undergraduates and even as high school students, passing through a more systematic education in gender and feminist studies, the interviewees seem to have found a powerful semantic field in Black, decolonial and intersectional feminisms. The general texture39 of their experiences as foreigners involves “questioning the colonial consequences that continue to interfere in the lives of various subjects, especially of Black women” (Brito, 2018, p. 102) 13.
By discursively weaving their biographies, terms such as “epistemicide”, “coloniality”, and “global South”, punctuate and organise narratives that dialogue with relatively recent intellectual productions, by which the interviewees claim ownership to a decolonial grammar in their critical reflection upon their experiences as women, Brazilians, feminists and migrants. Echoing Françoise Vergès (2020), I propose that these Femigrant voices that reverberate through transnational media and speak with and to a plural audience take part in the emancipation struggles of Global South women. And they do so not as some kind of new feminist wave, or only as representatives of a new generation, but as heirs of stories that are being retold.
The persistent colonial residues that merge in the concept of coloniality of power have been systematically challenged based on the contribution of authors such as Aníbal Quijano, Maria Lugones, Walter Mignolo, Ochy Curiel. But the ones most frequently mentioned by Brazilian interviewees at Femigrantes BR podcast are the American authors of Black feminism, and a few Brazilian writers such as Lelia Gonzalez and Carla Akotirene. The South-South dialogue seems still fragile. Nevertheless, the Femigrantes BR Podcast intends to provide narratives by anonymous women who, from the North, can bring a “new perspective of analysis for a more complete understanding of the relationships derived from ‘race’, sex, sexuality, class and geopolitics, intertwined” (Curiel, 2019, p. 32). Moreira’s inspirations, as well as those of the interviewees, are marked by what Ochy Curiel (op. cit.) has called critical feminisms. Those that “turned feminist theories and practices upside down”, proposing other epistemologies, which imply other perspectives and positionalities.
Such twists show quite graphically in the current logo of Femigrantes BR, where the world map is represented “upside down”, i.e, its representation is inverted in relation to the conventional way we are used to seeing it. That way, regions such as Latin America, Africa and much of Asia are in the North. Its contours design a female profile that suggests the figure of a racialized woman (see Figure 1). This inversion translates the critical path and most of the territorial and symbolic dislocations through which the interviewees have gone.
It is from that position (upside down) that I move on to the discussion about the mediatization of feminist agendas and the ways in which these women occupy the internet.
Figure 1
Femigrantes Podcast logo
Art by Patrícia Kuniyasi - PKá
The podcast is political
“Let’s create a hashtag and shake this up (laughter)”, suggests one of Femigrantes interviewees. Although the proposal was made as a provocative joke, it only makes sense because, in recent decades, hashtags have been important digital tools in feminist struggles, especially the younger and the ones with greater access to online social networks. The hashtags #meuprimeiroassedio (#myfirstharassment); #meuamigosecreto (#mysecretfriend), an online viral wave of testimonies of past stories of sexual abuse of female teens and children by closely related male adults; #eunãomereçoserestuprada (#Idontdeservetoberaped), #foracunha (#getoutcunha), #elenão (#nothim)14 tell a recent path in the history of Brazilian feminism, in which the historical women’s movement meets digital media15.
Femigrants grew up, for the most part, in a connected world16. Even those who came from homes with a significantly limited budget, or from rural areas, have teenage and youth experiences associated with online social media and had access to websites and blogs on the internet. It was at internet cafés, school computers or even at home that they learned how to travel in a blurry and plural territory where they came across sexual and gender diversity, discussions about race and the body. Some of them, as we will see later, also became content creators, motivated by this arsenal of ideas. When they left the country, the discussions gathered over years of roaming online spaces travelled with them, as their personal baggage.
The internet, with its current architecture, has provided more accessible ways to disseminate and consume content (which does not mean becoming more transparent and less corporate). Technological devices, such as smartphones connected to the network, and countless apps, have simplified the production of audiovisual and verbo-visual materials as never seen before in the recent history of media. Thus, collective subjects who have been historically made invisible or deprived of the power to make claims begin to occupy communicative spaces established as an connective media ecosystem-a system that feeds and, in turn, is fed by social and cultural norms that simultaneously expand in our everyday world (Van Dijck, 2016, p. 53).
The appropriation of the social Web, of its different platforms and languages by feminist activism has enabled greater participation and visibility in public discourse, by counting on the precise toolsets to launch and disseminate its demands, as well as to obtain support in a global context. Although the digital medium is established as one additional sphere of society in which the inequalities and violence of the offline world are present, they can also energise actions, given the real and mythical power of technology and its worldwide projection. (Piñero-Otero, 2021, p. 233).17
Podcasts are part of this arsenal of new forms of communicative action. They are new because they can be accessed on demand, in addition to the technological possibility of spreading beyond the borders that limit broadcasting to specific physical territories. In addition, they are low-cost productions, since free applications for cell phones can be used to record voices and insert sound effects by means of the tools they provide. You can also upload the material for free to platforms that play podcasts and make use of accounts created on online social networks to disseminate them. Podcasts, like radio shows, can be listened to while we carry out other day-to-day tasks. That convenience meets contemporary demands of a highly productivist society, in which the drive to be multifunctional (rather than simply functional) and endure in training and productive activities are elements that help understand the boom of podcasts (Soares; Vicente, 2021).
Apart from these characteristics, and because of them, podcasts are a possible space for voices historically excluded from mainstream media. This is how Femigrantes BR identifies. As Lilian Moreira repeats in every episode, echoing the voices of the volunteer team that is now part of the project, it is a “space for feminist and migrant women around the world”. Admittedly decolonial, Femigrantes maintains itself without funding, other than modest crowdfunding among listeners. Following the episodes of the Femigrantes BR Podcast also means getting to know the role of Brazilian women born in the 1980s and 1990s (only two of them were women over 50 years old), who seek, from abroad, to develop projects aimed at Brazilian women, children, students of all sexual identities, immigrants of different nationalities and migrant status. They often use the digital communication ecosystem to make projects viable, to promote them and to enable interaction with the targeted audience.
I enthusiastically believe, like Jeder Silveira Janotti Junior,
the way in which the technological environment of digital culture has intertwined the ways of producing, circulating and consuming cultural products points to the emergence of new agencies between culture, technology and social relations (...). In this context, it seems interesting to think, along with José Van Dijck (2013), of a communicational environment that translates into the terms of an ecology.
The ideas of communicational environment, ambience and ecosystem define network connections that presuppose mediations and transmissibility between technical artefacts (objects) and humans, establishing associations that gather, separate and configure ways of inhabiting worlds in contemporary culture. (Janotti Junior, 2021, p. 25)
Inhabiting worlds or The World as a migrant Latin woman is a plural experience, evident in the sample considered here. Even if they are educated, (mostly) young and Brazilian women, the intersectionality between class, region, skin tonalities and sexuality diversifies their experiences. They are markers that weave textures that constitute specific networks of local integration and transnational action. Mediations and transitabilities are sewn together in delicate stitches that integrate platforms combined in an ecosystem that Van Dijck called “connectivity media”: “A system that feeds and, in turn, is fed by social and cultural norms that expand simultaneously in our everyday world” (Van Dijck apud Janotti Junior, 2021, p.25).
The social transformations Brazil has gone through in the last two decades of this millennium have thrown us from progressive political cycles-a moment which most of the interviewees experienced, as teenagers or young adults-to another conservative inflection cycle. Orchestrated by the State, an anti-feminist wave emerged in Brazil, openly violent and racist, averse to the egalitarian policies we had come to know18. The reverberations and reactions to these scenarios enabled, motivated and provoked interventions by the Brazilian women considered here, turning them into media content creators, and not only consumers.
I list some of these productions below: 1. the Instagram account @brasileirasdomundo, with more than 46,000 followers (as of June 2022), an initiative to empower Brazilian migrant women and to deconstruct gender and nationality stereotypes; 2. the electronic magazine Viajadamente, focused on the mental health of those who migrate and on employment in the receiving country; 3. also on Instagram, the account @pretanaitalia (with more than 17,000 followers as of June 2022), to provide tips on living in Italy from the point of view of a Black Latino woman; 4. the blog Papacapim19, where Sandra Guimarães, a femigrant of rural origin, linked to the Landless Workers Movement (Movimento dos Sem Terra), discusses food and coloniality, capitalism, speciesism and agribusiness; 5. the “No one messes with me” (“Ninguém Mexe Comigo”) campaign, created by Paola Bellucci, to educate, prevent and protect children from sexual abuse. Launched in 2020, the campaign’s music videoclip was released by the channel TV Cultura and, in May 2021, the song already had versions in 10 different languages besides Portuguese20; and 6. the initiative of Vera Jus, co-coordinator of the Coletivo Encrespa Geral Londres (@encrespageraloficial, account with 1,174 thousand followers in June 2022 e 20,700 on Facebook).
Apart from the aforementioned individual initiatives, the Femigrantes BR Podcast has also featured institutional interviews. Interviewees part of the Support Network for Brazilian Women Victims of Domestic Violence - REVIBRA21 discussed: binational relationships and the myth of the foreign prince charming; racialization in immigration; the decolonization of migratory projects; maternity and migration, in conversations in which the personal experience of the interviewees enlivens Donna Haraway’s proposition (1995) about situated knowledge.
The undeniable power of all of these initiatives does not erase the fact that their environment of repercussion is that of digital culture. Graciela Natansohn’s critical lenses (2018, s/p) considers that an “epistemic matrix, daughter of hegemonic globalisation and of transnational capitalism”. However, inspired by Helena Suárez Val, I propose we can make subversive uses of those tools and spaces. Suárez Val calls these forms of feminist activism “disobedient”, as they transform technologies designed in the global North, (mainly) by men, into tools to report gender violence.
digital and non-digital media, disobediently appropriated by feminist activists, acquire a self-propelling vitality, “continually doing things” (Bennet, 2009, p.112; emphasis in the original) as they move through human and computer networks and formats, being re-used, re-signified and re-shared. (Suárez Val, 2018, p. 118, English original).
Can “disobey to decolonize” be a strategy to make the Internet more feminist? I do not offer an answer to this uncomfortable question, as I believe, similar to Graciela Natansohn (op. cit.) and Evgeny Morozov (2018), that we cannot be naive when we travel through highly guarded, controlled and commodified territories. Still, I insist on the question so that it remains uncomfortable to us.
Mediatization and feminisms: concerns instead of conclusions
We have witnessed, in the past decade of this millennium, an inflection in feminist agendas in the national scene22, closely related to the consolidation of the Brazilian democratic project, the maturation of identity-driven social movements, such as those that struggle for sexual, racial and gender rights, and to governments more fond of demands of historically subordinated segments. Add to this scenario the intensification of the use and access to digital media23 such as Facebook, Twitter and Instagram, whereby users become content creators and replicators of varied discourses. Among those, the ones associated with feminist agendas, such as equal social rights, equal wages, reproductive rights, decriminalization of abortion, complaints against domestic violence and, more recently, the struggle against sexual harassment. The agendas associated with the body as a political territory have shaped dialogues with the agendas of trans movements, as well as with Black movements.
All of these recent changes and alliances are closely related to the mediatization of activisms (Aquino, Bittencourt, 2013) and this, to the flagrant expansion of the political vocabulary by which culturally naturalised or silenced behaviours are questioned and reported. Terms such as “misogyny”, “harassment”, “female empowerment”, “structural racism”, have been added to the political lexicon that mobilises words such as homophobia, lesbophobia, transphobia, transfeminism, cisheteronomativity, among others that have become hashtags and network debate topics. That way, this specialised vocabulary has been increasingly appropriated by different agents, as Garcia reminds below.
According to Fausto Neto (2008), the progress of mediatization causes transformations of speech regimes, within reformulations of practices, of contracts, devices, operations, and of the issue of how meaning is produced. In these processes, new configurations of social and individual life, of dynamics and logic are created, in which there are new formats of symbolic exchanges and old customs. (Garcia, 2011, p. 216).
The concept of mediatization may offer theoretical elements to think about those practices and their association with activisms. More precisely, with activisms articulated by feminist women, a field whose engagement is penetrated by media logics. Number of views, likes, comments, among other ways of leaving digital traces, form a metric that quantifies activisms and individualises them, demanding accurate negotiation strategies between those who produce content and the algorithmic invisibility that organises internet platforms.
Feminism and communication technologies cultivate a historical flirting that reached its turning point in the 1990s, when the term cyberfeminism was coined by Sadie Plant, director of the Centre for Research into Cybernetic Culture, of the University of Warwick, to describe the convergence between women and technology. A relationship that Plant described as intimate and subversive (Ureta, 2005, p. 383). The motto “the personal is political” already brought this insinuated relationship at the end of the 1960s. With the mediatization of feminisms and of the politics of gender and sexuality, the slogan coined by Carol Hanisch24 over 50 years ago also got inverted: the political becomes highly personal.
The virtual realm of the Internet places unknown expressive potential within the reach of the feminist movement. Among other aspects, collective communication acquires a new significance that converts women into authors, transmitters and recipients of information (...) For all of these reasons, it seems reasonable to state that the female collective finds in the new digital platform an unrivalled scenario for its claims, one in which one can access content consistent with their interests and information needs. (Ureta, 2005, p, 381).25
However, as acknowledged by Lilian Moreira (via WhatsApp, on 06/04/22), conservative groups seem to occupy digital territories more efficiently. Particularly because scandals, sensationalist take on news and conspiracy theories are the favourite boosted content boosted by platforms such as Facebook, and even by private conversation networks, such as WhatsApp, harder to monitor (Morozov, 2018). Companies are interested in the extraction of our data, more than in the dissemination of genuine and true content.
However,
These alternative channels have allowed women to place their perspectives and topics of interest on the public agenda through mass self-mediation processes in the digital environment. Indeed, self-mediation constitutes one of the main actions of international feminist activism. The compilation of missing news in the media, the change of focus in its treatment, the introduction of new voices or historical revisionism (known as herstory) not only offer a feminist reading of different realities with a gender perspective, but also present an important labour of visibility and dissemination. Broadcast lists, blogs, social networks or podcasts are built on manifestations of this work of feminist self-mediation. Collectives and individuals have explored the creation of different types of content, ranging from themes closer to feminist theory and praxis, to the presentation of more diverse and dissident voices and perspectives. (Piñeiro-Otero, 2021, p, 234)26
The purpose of media production analysed in this article was to promote listening to anonymous border voices27, with heavy accents and regionalisms, which find narrative elements in the political vocabulary of feminisms that help them reread their stories, while telling them to an audience as imagined as uncertain. Occupying gender, race, class, nationality, religion, age, etc. digital gaps and seeking strategies to overcome them is one of the 16 topics that “claim the end of market hegemony and the free circulation of ideas on the web”, taken from the II International Cyberfeminist Meeting held in Salvador during the World Social Forum/WSF.
Without illusions of a cyber-utopia, I think it is fundamental for us to keep asking ourselves “as feminists, what kind of internet do we want, and what do we need in order to achieve it?” (Nathansohn, 2018, n/p). “For that, it will be necessary to break off the intellectual and discursive monopoly that technology companies maintain over our political imagination”, writes Evgeny Morozov (2018, s/p), referring to anti-neoliberal fights. I borrow that strategy, as I only see the decolonial feminism of the Femigrantes Br as a production critical of neoliberalism. As such, it questions the individualising meanings of “empowerment”.
I recognize, like Cecília Sardenbeg (2009), that despite the radical origins of the concept of “empowerment”, the term has gone through processes of academic theorization and domestication by the State, which plunged it into a politically slippery polysemy. This critique is not about wanting to fix it as a concept, but facing its different uses, situating their meanings and tensions in the field where it is deployed, and understanding the meanings that emerge in the narratives of the women at the studio bench of Femigrantes BR.
Within the discursive field of action of feminisms, the Brazilian interviewees have found theoretical and conceptual resources that fostered and expanded their reflections on their projects and migration experience. By naming experiences of subalternization, recognizing them as products of unequal relations that hierarchize bodies and countries, they began to produce resistance. Perhaps this is what femigrants call “empowerment”.
Part of this strengthening, which leads them to question asymmetrical relations of power, involves the mediatization of feminisms, a phenomenon that is not easily separated from the platforming of feminist agendas by the Internet. However, as Josemira Reis and Graciela Natansohn argue, achieving the internet we want requires us to dive into a guerrilla war in an attempt to crack the androcentric foundations at the genesis of the internet, with its militaristic cradle and its commercial corollary, the “venture capital companies, scholars and hackers, all social segments controlled mainly by white men and English speakers” (Reis; Natansohn, 2017, p.117).
Racialized women, speaking in Brazilian Portuguese, have shown that feminisms have offered an efficient combat language, not only transforming their private lives, but also equipping them to act on several political, decolonial and anti-patriarchal fronts. As activist volunteers, associated with international organisations or acting as academic researchers, femigrantes have, however modestly, challenged the privilege of the male “voice” in the podosphere. Their voices speak of experiences of being expatriate women, intertwine with macro-social structures, and connect to past struggles, revisited from a different feminist perspective, the one that has turned the world upside down.
1
This text derives from the Research project “May Matriarchy begin”, the construction of online activism and off-line solidarities among Brazilian women living in Paris (“Que comece o Matriarcado”, a construção de ativismo on-line e solidariedades off-line entre brasileiras vivendo em Paris), endowed with a National Council for Scientific and Technological Development (CNPq) Productivity Scholarship, Level 2 (Bolsa Produtividade Nível 2), process 307378/2019-5.
2
Regarding our use of the verb “to narrate”, Milena Britto discusses self-narrative as adopted in the literary style of contemporary Brazilian authors as a political strategy. In her analysis of the book That Hair, by Djaimilia Pereira, Brito claims that the voice in the first person that expands into a “narrating the self [...] involves the author’s project of discovering oneself as part of a historical process and, at the same time, by recognizing herself as participant of a certain social group, questioning by writing as well as by its theme” (Britto, 2018, p. 103-104). Translator’s note: all citations in this English version have been translated from the author’s Portuguese version.
3
Bousso is Italian and her parents are Senegalese. She has a Literature degree and, at the moment this paper was being written, she was making Femigrantes in Italian. Femigrantes in French has had 8 episodes. Femigrantes BR begins with the partnership of Lidiane Vieira, a sociologist from the state of Amapá, also doing her master’s in Paris. Lidiane has been part of the project for 6 episodes and withdrew from it for personal reasons. Today, the team of Femigrantes BR consists of Gabriela de Carvalho; Luciana Gransotto; Mairê Carli; the visual identity is developed by Patriícia Kuniyasi (PKá) and Glauco Salmazio is responsible for editing, sound editing, and he is also creator of the podcast’s sound identity.
4
We will postpone this discussion to the last section of this article.
5
Most of the interviewees are women who have migrated to pursue their higher education (for full or partial completion) abroad. The fact that they recognize themselves as migrants and not in “scientific mobility” or “international scientists” is relevant for communication, as it grants their identities political value. As Thaís França (2016, p. 208) explains, “more and more immigration and immigrants refer to subjects stigmatised as dangerous, problematic, who cross borders without being protected by legal privileges and who are, therefore, unwanted. Scientific mobility, on the other hand, alludes to the geographical relocation of an intellectual and occupational elite who is, therefore, welcome”.
6
Topics discussed have so far included: intersectionality and immigrant health (#2); afro tourism (#03); media and migration (#04); motherhood and migration (#05); sexual abuse of children and adolescents (#06); decoloniality of migration (#07); hypersexualization of Brazilian women (#08); pandemic and immigration restrictions for students (#09); reverse migration (#10); migration and happiness indicators (#11); professional insertion as an immigrant (#13); striking stories narrated by interviewees (#14); Afro-Brazilian Bodies and Roots (#15); nutrition and coloniality (#16); binational love and global hierarchies (#12 and #17); March 8 special (#18); Female refugees from Ukraine (#19); imposter syndrome and female migrants (#20); music and the rediscovery of migrant identity (#21). In this paper we will not deal with the five specials called Choquitos Culturais (Cultural Little Shocks), frames released between episodes, nor with the discussions that take place in the group on Telegram, the Femigrupo.
7
Lilian Moreira is one of the members of a group of Brazilian feminists, which I will call Fridas e a Resistência (Fridas and the Resistance), a fictional name. The collective was formed after the release of results from the first round of the 2018 presidential elections, with the aim of bringing together Brazilian residents in France to discuss ways to raise votes for Fernando Haddad, the Workers’ Party (PT) candidate, opponent of the far-right candidate, Jair Bolsonaro. I was invited by Lilian to participate in the group’s meetings, so our contact became closer. When the Fémigrantes FR project started, I showed my interest in it, which led to establishing an interlocution on WhatsApp and in meeting face-to-face whenever I was in Paris. It was in the same group that I met Lidiane Vieira, with whom I also started to talk by digital means and face-to-face, already signalling my research interest in relation to the production and content of podcasts. As for Bousso, I never got to know her, but she was aware of the development of my research and provided information through Lilian, always via WhatsApp. WhatsApp proved to be an efficient means for timely and more agile communications. The application enabled me to solve occasional doubts about the project, complement information about the interviewees, and it also proved to be a channel to solidify emotional ties. The exchange of digital messages, in addition to emojis, stickers and gifs (visual materials available in the application) fostered bonds of trust and friendship, initially based on a political partnership between the researcher and the producers of Femigrantes BR.
8
Not all attended private schools or had that access throughout basic education. But the parents’ efforts to provide them with a “good education” is evident, which often placed them in hostile social environments, whether related to their being non-white women or because of their working-class background.
9
Only two interviewees had experiences different from this, incidentally those who moved to countries outside the European Union (Senegal and Japan).
10
“We’re going to talk about how moving to another country made us embrace our Afro-Brazilian identity”, announces Moreira at the opening of episode 15, “Afro-Brazilian bodies and roots around the world”. This embrace is often called “encounter with Africa”, highlighted more strongly in the cited episode, but present in the narratives of all Black interviewees.
11
Coloniality is the discursive and epistemological order that, according to Quijano (2000) on which Modernity finds support. This component was generated based on the European expansion into other regions of the planet and continues, in contemporary times, to guide the way places and people are hierarchized. Coloniality is born with colonialism, recognizes Quijano, but the latter, unlike the former, does not always imply racist power relations.
13
Writes Milena Brito, referring to That Hair, a book by Dajaimilia Pereira de Almeida, an Angolan author living in Lisbon. I considered this proposition appropriate for the discussion I develop in this section.
14
TN: The hashtag “#foracunha (#cunhagetout)” refers to the then President of the Chamber of Deputies, Eduardo Cunha. The hashtag “#elenão (#nothim)” was directed at Jair Bolsonaro, then presidential candidate.
15
For an in-depth discussion of feminist hashtags, see Josemira Reis and Graciela Natahsohn, 2017.
16
Of the 18 interviewees, nine were born in the 1990s; seven in the 80s; only one in the 60s and another in the 1940s. Two came from rural contexts; three came from the suburbs of Rio de Janeiro and one from Petrópolis in the State of Rio de Janeiro. Nine lived most of their lives in capital cities: São Paulo (02), Campo Grande (02), Florianópolis (01), Porto Alegre (01), Belo Horizonte, (01) Salvador (02). Two came from inland cities: Ribeirão Preto (SP) and Joinville (SC).
17
Spanish original: La apropiación de la Web social, de sus diferentes plataformas y lenguajes, por el activismo feminista ha posibilitado su mayor participación y visibilidad en el discurso público, al contar con las herramientas precisas para el lanzamiento y difusión de sus demandas, así como para la consecución de apoyos en un contexto global. Aunque el medio digital constituye una esfera más de la sociedad, en la que están presentes las desigualdades y violencias del mundo offline, también puede energizar las acciones desarrolladas, dada la potencia real y mítica de la tecnología, y su proyección mundial.
18
Between 2002 and 2015, the State intensified policies to promote gender and race equality, such as the implementation of the policy of racial quotas, in 2002, at the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ) and Bahia State University. The following year, the Special Secretariat of Policies for Women - SPM was created. Also in 2003, the Secretariat of Policies for the Promotion of Racial Equality (SEPPIR/PR) and in 2015 be incorporated as part Ministry of Women, Racial Equality and Human Rights, combining the Secretariat of Policies for the Promotion of Racial Equality, the Secretariat of Human Rights, and the Secretariat of Policies for Women. In 2004, the Program Brazil Without Homophobia was created. In eight years, while President Luiz Inácio Lula da Silva was President, 74 State-promoted conferences dealt with 40 different themes: Children and Adolescents, Women, the Environment, Race, Health, Education, People with Disabilities, just to list a few. In 2008, the first National Conference on LGBT Rights took place (AGUIÃO, 2017, s/p).
19
http://www.papacapim.org/
20
Access to the campaign videoclip, recorded during the Covid-19 pandemic, with volunteers in their homes: https://www.youtube.com/watch?v=J1RHieEwRNE. On Instagram, the account is @ninguem.mexe.comigo
21
The Network operates in different countries for the legal protection and psychological assistance of fellow countrywomen, but also of other nationalities, who are in a situation of vulnerability based on gender and nationality.
22
A survey carried out by the DataFolha Institute in 2019 reveals that women with college education tend to identify more with feminism (44%) than those who only attended high school (33%). The same survey points out that “among Black women, 47% are feminists, a rate that stands at 37% among brown women, and 36% among whites” (DATAFOLHA, 2019, s/p). These results are embodied in the biographies of the Brazilian women who have been at Femigrantes BR.
23
According to the IBGE Continuous PNAD TIC 2017 (National Household Sample Survey), on access to the Internet and television, in addition to owning a cell phone for personal use, the Internet currently reaches three out of four households in the country. However, 97% of the people heard access the World Wide Web by cell phone, which is mainly used for sending or receiving text, voice or image messages through applications other than e-mail (https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23445-pnad-continua-tic-2017-internet-chega-a-tres-em-cada-quatro-domicilios-do-pais). Last accessed on 06/10/2022. Research carried out by IBOPE in 2019 showed that women form the majority of internet users (53%).
24
Carol Hanisch coined the slogan “the personal is political” in 1969. She was considered radical by some critics. A journalist engaged in the fight for the civil rights of blacks and other political minorities, she was at the forefront of protests such as those for the end of Miss pageants. She engaged in different struggles, such as the one for the end of Apartheid in South Africa. Today still with us, Hanisch defends face-to-face activism, even though she acknowledges the mobilising effects of digital social media. For an interview with Hanisch, see: https://medium.com/@feminismoclasse/entrevista-com-carol-hanisch-b9016b1d5375 (last accessed on 06/16/2022).
25
Original in Spanish: “El espacio virtual de Internet pone al alcance del movimiento feminista potencias expresivas desconocidas, entre otras, una nueva significación de comunicación colectiva que convierte a las mujeres en autoras, transmisoras y destinatarias de información (...) Por todo ello, parece razonable afirmar que el colectivo femenino encuentra en la nueva plataforma digital un escenario reivindicativo sin igual, en el que poder acceder a contenidos coherentes con sus intereses y necesidades informativas.”
26
Original in Spanish: “Estos canales alternativos han permitido a las mujeres situar sus perspectivas y temáticas de interés en la agenda pública, a través de procesos de automediación de masas en el medio digital. De hecho, la automediación constituye una de las principales acciones del activismo feminista internacional. La recopilación de noticias ausentes en los medios de comunicación, el cambio de foco en su tratamiento, la introducción de nuevas voces o el revisionismo histórico (la llamada herstoria7) no sólo ofrecen una lectura feminista de las diferentes realidades con perspectiva de género, también presentan una importante labor de visibilización y divulgación. Listas de difusión, blogs, redes sociales o podcast suponen manifestaciones de esta labor de automediación feminista. Colectividades y personas individuales se han lanzado a la creación de diferentes tipos de contenidos, que van desde temáticas más próximas a la teoría y praxis feministas, a la presentación de voces y perspectivas más diversas y disidentes”.
27
The Femigrantes Br Podcast team intends to extend this listening to people who have migrated in less favourable and even precarious conditions.
12
Luiz Gonzaga Motta (2013, p.17-18), based on Roger Silverstone, defines the general texture of experience as the “active attitude of human beings to pursue goals, shape their lives and the lives of others, to reflect and create in a constant interaction”. This is constituted “intersubjectively, in a shared way, through continuous interaction and communication with others”. For Motta, this texture is of a narrative nature, more than conceptual, that is, more spontaneous. However, I argue that the conceptual has been shown to be fundamental in reframing experiences and structuring new narratives, disputing meanings with already established others and even leading to subjective reconfigurations of the one who narrates herself.
Translation
Isabel Hargrave
Technical Revision
Horacio Sívori
Autoría
Larissa Pelúcio
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, Bauru, BrasilUniversidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”BrazilBauru, BrazilUniversidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, Bauru, Brasil
Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ)R. São Francisco Xavier, 524, 6º andar, Bloco E 20550-013 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel./Fax: (21) 2568-0599 -
Rio de Janeiro -
RJ -
Brazil E-mail: sexualidadsaludysociedad@gmail.com
rss_feed
Stay informed of issues for this journal through your RSS reader