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Antifeminismos: os efeitos dos discursos de ódio1 1 *Agradeço a leitura atenta de Maria Claudia Coelho da primeira versão deste artigo e às preciosas indicações dos/das pareceristas. *

Anti-feminisms: The Effects of Hate Speech

Resumo

Neste artigo proponho uma reflexão sobre os efeitos dos discursos de ódio, entrelaçando discursos proferidos por grupos anti-feministas e pela Ministra Damares Alves, incluindo a recepção a essa produção. Atenta à disputa pelas noções de liberdade e de direitos humanos, argumento que o termo “feminista” é transformado em categoria acusatória por meio de desqualificações pessoais, inculcando a dúvida sobre as reivindicações de direitos, refletindo na formulação de políticas públicas. Se a dúvida sobre as mobilizações feministas podem ser mais localizadas no discurso extremo, tento mostrar como o rechaço a algumas pautas abrange os autodenominados, e/ou percebidos como, progressistas, inclusive na multiplicidade dos movimentos feministas.

Palavras-chave:
discursos de ódio; antifeminismo; Damares Alves; emoções; políticas públicas

Abstract

In this article I propose a reflection on the effects of hate speech, intertwining speeches given by anti-feminist groups and by Minister Damares Alves, including the reception of this production. Aware of the dispute over the notions of freedom and human rights, I argue that the term “feminist” is transformed into an accusatory category through personal disqualifications, instilling doubt about the claims of rights, reflecting in the formulation of public policies. If the doubt about feminist mobilizations can be more located in the extreme discourse, I try to show how the rejection of some agendas encompasses the self-styled, and/or perceived as, progressive, including the multiplicity of feminist movements.

Keywords:
hate speeches; anti-feminism; Damares Alves; emotions; public policies

Resumen

En este artículo propongo una reflexión sobre los efectos del discurso del odio, entrelazando discursos de grupos antifeministas y de la ministra Damares Alves, incluyendo la recepción de esta producción. Atenta a la disputa sobre las nociones de libertad y derechos humanos, planteo que el término “feminista” se transforma en una categoría acusatoria a través de descalificaciones personales, poniendo en duda las reivindicaciones de derechos, reflexionando sobre la formulación de políticas públicas. Si la duda sobre las movilizaciones feministas puede ubicarse más en el discurso extremo, trato de mostrar cómo el rechazo de algunas agendas engloba a los autodenominados, y/o percibidos como progresistas, incluso en la multiplicidad de los movimientos feministas.

Palabras clave:
discursos de odio; antifeminismo; Damares Alves; emociones; políticas públicas

Introdução

A maior participação no momento de intensificação da polarização política, que antecedeu a eleição de 2018 no Brasil, aliada às novas tecnologias de comunicação, marcou a maior circulação dos discursos de ódio contra grupos em defesa dos Direitos Humanos - de minorias, partidos políticos associados à esquerda e “gente comum”.2 2 Entendido aqui como pessoas que não fazem parte da cena cultural e midiática e que têm ganhado certo protagonismo justamente por meio da horizontalização da produção de conteúdos nas redes sociais (ver Sibilia, 2008). A ideia de trabalhar com discursos de ódio começou a ser gestada em 2015 com a polêmica em torno da incorporação de um excerto da obra de Simone de Beauvoir no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). As críticas à utilização de parte da obra da filósofa ganharam as redes sociais, veiculando a ideia de que o feminismo e as feministas seriam estimuladoras do caos social. Assustada com essa rejeição escancarada e motivada pelo meu encantamento com as mobilizações das jovens feministas3 3 Entre outros, o movimento #Ele não (2018), articulado por feministas a partir de um grupo de Facebook Mulheres contra Bolsonaro, ganha o cenário nacional com uma única pauta: resistir à eleição de Bolsonaro. A simultaneidade e a fragmentação da autoria, esta sim particular às mídias digitais, apontava para outras formas de fazer política, que prescindia de lideranças partidárias e sindicais na organização. Sobre a articulação dos feminismos em rede, ver Ferreira, 2015. , comecei a buscar outras articulações em rede acerca dos anti-feminismos, clamando pela restauração da ordem. Seguir a produção desse material me levou a outros conteúdos antifeministas que ecoam nas propostas do Ministério da Mulher, Família e Direitos humanos (MMFDH). Restaurar a “ordem” foi parte importante do programa do então candidato à presidência Jair Bolsonaro, cujo mote anticorrupção se imiscuía à vigilância dos costumes. Neste artigo proponho uma reflexão sobre o entrelaçamento dos dicursos de ódio, marca dos grupos anti-feministas, e as incursões midiáticas da Ministra Damares Alves (MMFDH), cuja retórica mobiliza emoções em defesa das mulheres e da proteção da família.

A pesquisa teve início no site Mulheres contra o feminismo/Orgulhosas e felizes de sermos mulheres e se desdobrou em blogs e páginas do Facebook antifeministas entre 2016 e 2020, articulando as declarações de Damares Alves - vídeos do Youtube, site da UOL e no jornal espanhol El País, que dissemina para outras partes do mundo uma visão de Brasil nesses tempos sombrios. A seleção deste extenso material foi feita a partir do que provocava mais comentários, um dos pontos centrais para pensar a recepção dessas produções, mas também para refletir sobre a não coesão do que tem sido apontado como “conservadores” e “progressistas”. Muitas janelas foram abertas durante a pesquisa, mas neste artigo proponho uma reflexão sobre os efeitos dos discursos de ódio nas estreitas relações entre intolerância, diferença e violência, percebendo as articulações entre os discursos anti-feministas e a formulação de políticas públicas que têm rechaçado as demandas dos movimentos sociais organizados em torno da defesa de Direitos, apostando em um projeto que privilegia o indivíduo, incitado à reivindicar o “direito” à opinião pessoal.

A mobilização de ódios e afetos cria verdades a partir de “mecanismos de exclusão e interdição” (Foucault, 1996: 22FOUCAULT, Michel. 2001. A ordem do discurso. 7a ed. São Paulo: Loyola.), provocando embaralhamentos de posições políticas que se deixam ver na disputa pelas noções de liberdade e de direitos humanos - antes associadas a discursos percebidos como progressistas. A partir dessa disputa, tento perceber o “trabalho emocional”, nos termos de Hochschild (1979Hochschild. Arlie Russel . 1979. “Emotion Work, Feeling Rules, and Social Structure”. Disponível em Disponível em https://www.journals.uchicago.edu/doi/pdf/10.1086/227049# [acessado em março de 2021].
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), não no sentido de manipulação ou controle, mas no gerenciamento das emoções por meio dos discursos/imagens.

Neste texto levanto dois pontos. O primeiro é que nesse gerenciamento, menos do que argumentos, o termo “feminista” ganha status de categoria acusatória, cujas desqualificações pessoais embotam o debate democrático de ideias - ilusão inicial da intensificação da comunicação em rede - colocando as feministas como a figura “estraga-prazeres” da suposta “felicidade” encontrada na família. Segundo Ahmed, (2020: 87Ahmed, Sara. 2020. “Estraga-prazeres feministas (e outras sujeitas voluntariosas)”. Revista ECO-Pós,23(3), p. 82-102. Disponível em https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27642 [acessado em dezembro de 2020]
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), “dispor-se a ir contra uma ordem social, que é protegida como uma ordem moral, uma ordem de felicidade, é dispor-se a causar infelicidade, mesmo se infelicidade não for a sua causa”.

O segundo ponto é que essa gestão opera na chave da inculcação da dúvida que, por meio da desinformação, produz a “irrealidade” (Zukerman, 20194 4 Agradeço Thadeus Blanchete por ter me indicado esta leitura. ) ou “realidade paralela”, termo viralizado em variadas mídias, dificultando a organização de projetos em prol de mudanças. Ao acionar a ideia de cidadania participativa, a opinião pública é incitada a compartilhar nas redes sociais certa visão de mundo, angariando seguidores, mas destaco que no bojo desta pesquisa o ódio às feministas é particularmente sustentado na suspeita em relação a narrativas produzidas acerca das demandas por direitos.

Circulação do ódio nas mídias digitais

A maior visibilidade das lutas contra o sexismo, o racismo, a homofobia, entre tantas outras, tem gerado maior intolerância contra grupos em defesa de direitos, banalizando o ódio a pessoas/grupos que interpelam ordenamentos sociais supostamente estabelecidos. Dedicada ao enfrentamento de violação contra os Direitos Humanos, a SaferNet Brasil, nos seus primeiros anos de atuação (2006), apontava que a maioria dos crimes cibernéticos estava ligada à pornografia infantil e à violência sexual contra crianças e adolescentes; a partir de 2015, passam a ter destaque discursos de ódio que envolvem o racismo e a violência contra as mulheres. Rodrigo Nejm, diretor da ONG, ressalta que a internet não é um particular “espaço de violência”, mas reflete “uma sociedade extremamente misógina, intolerante com a liberdade sexual das mulheres, racista e classista”.5 5 http://www.safernet.org.br/site/institucional/projetos/cnd, acesso em novembro de 2016. A afirmação de Nejm remete à recusa da separação on/off-line que, a partir da ideia de continuum (Miller & Slater, 2004MILLER, Daniel; SLATER, Don. 2004. “Etnografia on e off-line: cybercafés em Trinidad”. Horizontes Antropológicos, ano 10, n° 21, Porto Alegre, jan/jun., p.41-65. ), constituem identidades e subjetividades de pessoas e/ou grupos, cuja interação cruza cenários políticos e moralidades. O cruzamento desses cenários permite pensar nos dicursos de ódio como “uma resposta à crença de que alguém quer te destruir” (Stemberg e Stemberg, 2008: 16Sternberg, RJ and Sternberg K . 2008. The Nature of Hate. Cambridge: Cambridge University Press.). Mas essa crença vai além da emoção individual e, afastando-se da ideia de uma patologia, pode ser impregnada no tecido social, cujo ódio é moralmente justificado por amor à uma situação, ao status quo, à patria (Johansen, 2015Johansen, B.S. 2015. “Locating hatred”. Emotion, Space and Society, n.16, p. 48-55.).

A polêmica em torno da utilização de um excerto da obra de Simone de Beauvoir no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM, 20156 6 O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), prova criada pelo Ministério da Educação do Brasil, tem como objetivo testar os conhecimentos dos alunos e serve de instrumento para a atribuição das vagas disponibilizados pelas faculdades inscritas no SISU (Sistema de Seleção Unificada). A nota obtida no Enem por cada candidato/a é usada como referência no processo de atribuição das vagas [https://enem-2019.com]. ) pode ser elucidativa para pensar a “circulação de significantes” (Ahmed, 2004: 44Ahmed, Sara. 2004.The Cultural Politics of Emotion. New York: Routledge.) e os julgamentos morais. O ódio à filósofa e feminista se estendia aos “progressistas”, especialmente ao Partido dos Trabalhadores, provocando debates acalorados nas redes sociais. A contestação aos formuladores da prova foi ampla e rápida. Em sua página no Facebook, o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), opositor contumaz da introdução das discussões de gênero e sexualidade nas escolas, contesta a frase ninguém nasce mulher, expondo sua preocupação sobre o que se deve ensinar aos nossos jovens”.7 7 http://g1.globo.com/educacao/enem/2015/noticia/2015/10/questao-sobre-feminismo-no-enem-2015-e-lembrada-nas-redes-sociais.html. Para uma análise da repercussão da polêmica na Câmara Municipal de Campinas-SP, ver Mano, 2019. Jair Bolsonaro (PP-RJ), então candidato a presidente nas eleições de 2018, adiciona: a doutrinação imposta pelo PT… é mais ou tão grave como a corrupção - dois importantes motes de sua campanha.8 8 Publicado na página do Facebook do então deputado Jair Bolsonaro em 24 de outubro de 2015.

Seguindo as opiniões dos então deputados, o economista Rodrigo Constantino - na época articulista dos jornais Valor Econômico e O Globo - caracterizou aquela prova do ENEM como um show bizarro de doutrinação ideológica, e chama de feminismo tosco a idea absurda de que ninguém nasce mulher ou que gênero é apenas uma construção social, endereçando sua crítica às universidades, especialmente aos departamentos de Humanas.9 9 https://revistaforum.com.br/bolsonaro-feliciano-e-constantino-criticam-questao-sobre-beauvoir-no-enem/ - publicado em 26-10-2015. Na area do judiciário, o promotor de justiça do município paulista de Sorocaba, Jorge Alberto de Oliveira Marum, chamou Beauvoir de baranga francesa que não toma banho, não usa sutiã e não se depila. Após a repercussão negativa, o promotor volta ao Facebook e diz que as declarações foram feitas em tom de ironia, uma forma de se desresponsabilizar por sua virulenta violência. 10 10 [http://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2015/10/promotor-causa-polemica-ao-dizer-que-mulher-nasce-baranga-francesa.html. 30-10-2015].

Assim, o espetáculo - “uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens” (Debord, 1997: 14Debord, Guy. 1997. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto.) - vai sendo armado a partir de um discurso injurioso que, no continuum on/off line, começou a ser operado também na chave da “brincadeira” - uma forma de não levar a sério as imaginações postas na produção de conteúdos na internet, mas principalmente de desresponsabilizar os autores dessa produção (Beleli, 2014BELELI, Iara. 2014. “Imagens de mulheres na mídia: O significado político das brincadeiras”. In: Governo do Estado de Pernambuco; Secretaria da Mulher. (Org.). II Seminário Internacional Repúblicas e Violência: um olhar das mulheres. 1ed. Recife: Governo do Estado de Pernambuco, v. 1, p. 108-118.; Lery, 2018Lery, Julia. 2018. Não é só uma piada - cinismo, ironia e entretenimento nos talk shows “The noite” e “Agora é tarde”. Belo Horizonte: Editora Puc Minas. ). Destaco que a utilização da “brincadeira” para rejeitar os feminismos já estava presente nos anos de 1970, inclusive por aqueles que combatiam ferozmente a ditadura, a exemplo do jornal alternativo O Pasquim, cristalizando atributos que, segundo Soieth (2008SOIETH, Raquel. 2008. “Mulheres investindo contra o feminismo: resguardando privilégios ou manifestação de violência simbólica?” Estudos de Sociologia, Araraquara, v.13, n.24, p.191-207. ), passaram a fazer parte da opinião pública - “feias”, “mal-amadas”.

Na polêmica do ENEM, a “brincadeira” se tornou séria. A intensa produção de imagens, vídeos, memes bolsonaristas (Silva, 2019) reafirma o apoio da “esquerda” à pedofilia, à homossexualidade, às feministas, à política de cotas para negros, ao comunismo, estimulando a polarização. A capilarização dessas ideias indica que o projeto bolsonarista não se sustenta somente com seus fiéis seguidores, por vezes nomeados de “gado” em diferentes conteúdos midiáticos, mas ganha adeptos na opinião pública em nome do direito à livre expressão de ideias, mesmo que essas ideias coloquem em risco a democracia.

A intolerância, um primeiro passo para a perpetração das violências simbólicas, pautadas por “falas injuriosas” (Butler, 2021BUTLER, Judith. 2021 [1997]. Discursos de ódio. Uma política do performativo. São Paulo: Editora da UNESP.), desloca os potenciais argumentos contra a formulação de políticas de proteção dos direitos - das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos pobres, dos migrantes, entre outras - para a desqualificação de pessoas e/ou grupos que assumem a defesa desses direitos, boa parte apoiada em notícias falsas.11 11 As discussões sobre notícias falsas e suas várias formas de veiculação escapam ao escopo deste artigo. Sobre o tema, ver Serelle e Lima Soares (2019). Seja por meio de montagens fotográficas, seja por frases colocadas fora de contexto, expresssões de ódio, mais facilmente localizadas em discursos extremos, também são parte da produção de conteúdos por gente comum, não necessariamente alinhada a um determinado espectro da política. Atribuo essa capilarização à incitação da dúvida articulada à ideia de “um outro imaginado que ameaça ocupar o lugar do sujeito” (Ahmed, 2004Ahmed, Sara. 2004.The Cultural Politics of Emotion. New York: Routledge.: 75). O gerenciamento dessas emoções a partir das desqualificações pessoais entra na vida miúda das pessoas, produzindo uma violência simbólica imiscuída na rotina no trabalho, na família, na rua.12 12 A inspiração aqui é Claudia Fonseca (2000), para quem a violência nas relações sociais, também expressa em “fofocas”, “maledicências”, marca posições de sujeitos.

Como parte importante dos discursos de ódio, a desqualificação pessoal é perpassada por julgamentos morais, associando imagens e discursos que oferecem materialidade ao que se imagina como corpos e ideias odiosas, horizontalizando a “economia afetiva do ódio” (Udupa, 2020Udupa, Sahana. 2020. “Decoloniality and Extreme Speech”. Paper presented at the 65 th e-seminar, Media Anthropology Network, European Association of Social Anthropologists, 17-30 June. ) que, como pretendo demonstrar, não se circunscreve ao discurso extremo.13 13 Inspirada em Kalil (2018), alerto que o espectro conservador da política não deve ser visto como coeso ou apoiador inconteste de Bolsonaro, ainda que se identifique com algumas pautas, a exemplo do “combate à corrupção” e a retórica acerca do “cidadão de bem”. Vale destacar que, na horizontalização da produção, liberdade e direitos parecem constituir significados a partir de subjetivações movidas pela emoção, de modo que a Internet e as redes sociais não são apenas ferramentas, mas se constituem como lugares de experiência, um espaço que habitamos e que nos habita (Lasén, 2014Lasén, A. 2014. Remediaciones móviles de subjetividades y sujeciones en relaciones de pareja. Madrid: CIS. ). O sentimento de bem-estar produzido a partir do reconhecimento - muitas curtidas - e da identificação ativa emoções que validam percepções da vida em sociedade.

Os ataques à “ideologia de gênero”14 14 Segundo Miskolci (2018:s/p), “O espectro ‘ideologia de gênero’ delimita um campo discursivo de ação que... [une] imaginariamente uma suposta ameaça de retorno do comunismo ao pensamento acadêmico feminista, estabelecendo um enquadramento da política em torno do medo de mudanças na ordem das relações entre homens e mulheres e, sobretudo, da extensão de direitos a homossexuais. Ver também Junqueira, 2017. , antes mais reconhecidos em setores associados ao catolicismo conservador, têm reformulado algumas questões em outros termos. A utilização da categoria acusatória feminazi inculca a ideia do revanchismo das feministas contra os homens, acusando-as de totalitárias, violentas e intransigentes. Esses grupos/movimentos vêm ganhando maior expressão nas redes sociais a partir da ascensão da extrema direita no Brasil e em vários países do mundo. A produção de conteúdos anti-feministas também propiciou extensos debates sobre liberdade e democracia, provocando falsos embates entre “liberdade de expressão x discurso de ódio” (Vencato, 2017Vencato, Anna Paula. 2017. “Gênero e sexualidades em tempos instáveis: mídias digitais, identificações e conflitos”. ETD- Educação Temática Digital, v.19 n.4, p.808-823. ). Menos do que atribuir a proliferação dos discursos de ódio a uma reação esperada às mudanças na vida cotidiana produzida pela comunicação digital, seguindo Udupa (2020Udupa, Sahana. 2020. “Decoloniality and Extreme Speech”. Paper presented at the 65 th e-seminar, Media Anthropology Network, European Association of Social Anthropologists, 17-30 June. ), enfatizo que a horizontalização da produção de conteúdos e a desordem da informação propiciam a ampliação dos discursos do ódio como parte de um processo que se escondia no politicamente correto e, cada vez mais, se canaliza nas infraestruturas afetivas no digital, capilarizando discursos misóginos, racistas, homofóbicos, impensáveis em debates públicos há poucas décadas.15 15 Sobre a intrínseca relação entre “politicamente incorreto” e anti-petismo, ver Di Carlo e Kamradt (2018).

As mídias institucionalizadas, das quais sempre fui muito crítica (Beleli, 2014BELELI, Iara. 2014. “Imagens de mulheres na mídia: O significado político das brincadeiras”. In: Governo do Estado de Pernambuco; Secretaria da Mulher. (Org.). II Seminário Internacional Repúblicas e Violência: um olhar das mulheres. 1ed. Recife: Governo do Estado de Pernambuco, v. 1, p. 108-118.), e que estavam perdendo espaço para a informação horizontalizada, têm retomado um espaço importante, (re)investindo no jornalismo investigativo, o que não significa a ausência de viés. No entanto, o debate continua achatado, localizando a vigilância dos costumes no discurso extremo, sem prestar a devida atenção a como as moralidades acionadas por esses grupos e por agentes do Estado podem estar latentes na opinião pública, expressa nos comentários a essa produção, e na míriade que compõe o que se costuma denominar conservadores ou progressistas.

O acúmulo de informações e sua desorganização nos coloca frente a muitas armadilhas (Keen, 2012KEEN, Andrew. 2012. #Vertigem Digital. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda.). E aqui não se trata apenas de ser fato ou fake, se as informações são produzidas ou não por haters16 16 Sobre a atuação dos haters, ver Amaral e Coimbra, 2015. - ainda que considere de extrema importância a apuração dos crimes cibernéticos -, mas sim de atentar para o modo como a circulação dos discursos de ódio inculca a dúvida sobre as demandas dos movimentos sociais, acionando moralidades que ganham as redes sociais, agora expressas na defesa da “opinião pessoal”. A inculcação da dúvida tem angariado apoio às anti-feministas e aos projetos de Damares Alves, provocando identificações morais, não detectadas claramente em um espectro da política. Afinal, quem seria favorável à iniciação sexual de crianças, à pedofilia, recorrentemente associadas à prostituição, ao feminismo, ao movimento LGBTQIA+, aos partidos de “esquerda” englobados no fantasma do comunismo?

Segundo Udupa (2020Udupa, Sahana. 2020. “Decoloniality and Extreme Speech”. Paper presented at the 65 th e-seminar, Media Anthropology Network, European Association of Social Anthropologists, 17-30 June. ), a passagem para o comum ocorre em ciclos contínuos, canalizados sistematicamente pelas emoções (raiva, alegria, inveja e prazeres transgressivos das trocas on-line). A autora argumenta, ainda, que a jocosidade é significativa para a intensificação do discurso extremo online entre comunidades ideológicas de direita em ambientes digitais. É justamente o discurso jocoso, estereotipado, pouco crível, que ganha uma dimensão horizontalizada e constitui imaginações sobre os significados de cidadão de bem e mulher correta, termos acionados por grupos anti-feministas e por agentes de Estado.

Nesse cenário, a noção “liberdade de expressão”, duramente conquistada no período da ditadura brasileira, é ressignificada como “opinião pessoal”, também alçada à categoria do direito de todas/os, não sem constranger/desqualificar pessoas e/ou grupos a partir de categorias acusatórias e vazias - feminazes, comunistas.

Desqualificações pessoais: porcas, putasº

A crítica às pautas feministas não é uma novidade, tampouco foi propiciada pela internet. A frase de Margareth Thatcher não devo nada ao movimento de libertação das mulheres, proferida em 1983, ecoa há tempos nos discursos contra as lutas pelos direitos das mulheres. Diferentemente dos Estados Unidos, onde Phyllis Schalfly, ativista contra o feminismo, assessorou o Partido Republicano nas questões das mulheres, no Brasil várias feministas ocuparam postos em secretarias de Estado e de municípios, propiciando muitos avanços nas questões dos direitos das mulheres. A contestação a esses avanços ganha maior expressão no golpe de 2016, que levou ao impeachment da Presidenta Dilma Roussef. Não por acaso, em fevereiro de 2019 é lançado o livro Feminismo: perversão e subversão, de Ana Caroline CampagnoloCampagnolo, Ana Caroline. 2019. Feminismo: perversão e subversão. 1a. Ed., Campinas-SP: CEDET. , cuja imagem de capa - uma mulher segurando a cabeça de um homem em uma bandeja - ativa imaginações sobre feminismos e feministas, articulando os termos centrais do título.17 17 Campagnolo - Deputada eleita pelo PSL de Santa Catarina em 2018 - é seguidora de Olavo de Carvalho (auto-proclamado filósofo e reconhecidamente um dos influenciadores do governo Bolsonaro), foi assessora de Damares Alves no MMFDH e ficou conhecida pela criação do projeto de lei que previa a gravação de professores nas salas de aula. A polêmica instaurada sobre a produção do livro, largamente veiculada pelas mídias sociais, envolveu de forma perversa a professora Marlene de Fáveri do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), cuja trajetória marcou a constituição do campo de estudos feministas no Brasil.

Os ataques aos feminismos e às feministas, pensadas em bloco, começam a aparecer no Brasil de forma mais articulada na Internet no momento em que a especulação sobre a candidatura Jair Bolsonaro a presidente era alvo de chacota. Criado em 30 de maio de 2012, o site Mulheres contra o feminismo.Orgulhosas e felizes de sermos mulheres18 18 https://mulherescontraofeminismo.wordpress.com. Não há informações sobre suas criadoras. se apresenta como um grupo de combate ao feminismo, apontado como causador de traumas e infelicidade. Os posts publicados definem o feminismo como um beco sem saída de promiscuidade, ancorado na ideia de que as feministas desvalorizam a maternidade, o casamento e, portanto, a família.19 19 Muitas dessas frases são atribuídas a Susanne Venker e Phyllis Schlafly (2016), autoras norte-americanas conhecidas pela produção acadêmica anti-feminista.

A concepção de família reúne bons cidadãos e mulheres de bem. Aos homens (com H maiúsculo) é atribuída a proteção em vários âmbitos, cuja vigilância afastaria as mulheres de bandidos, estupradores, ogros doentes. As mulheres de bem não estão em busca da igualdade, porque sabem que homens e mulheres são diferentes, um completa o outro, argumento recorrente apresentado como a base das relações familiares harmônicas. Acusadas de mutilar a mente e os corpos de filhos meninos em nome da igualdade, as feministas são responsabilizadas pela falta de Homem no Mercado [com] características masculinas que os fazem atraentes... elas criam maricas, homens infantis que não protegem, buscam proteção.20 20 Parte da carta reproduzida no blog, que remete ao diálogo entre Lourdes (uma leitora) e uma feminista, tolerada, segundo ela, porque são amigas há muitos anos [https://mulherescontraofeminismo.wordpress.com/?s=Lourdes - 28-12-2012]. A alusão à perda de masculinidade é associada a ideias feministas de liberdade, referindo-se ao incentivo às múltiplas parcerias sexuais. Essa prática é apontada como uma das causas principais do aumento dos índices de aborto, claramente rechaçado em nome da criança que está por nascer, acusando as feministas de propagandearem a interrupção da gravidez como método contraceptivo.

A igualdade é contestada em várias frentes. A primeira remete à maternidade, que impediria as mulheres de serem vistas como iguais no mercado de trabalho, tanto no período de gestação que as tornaria menos produtivas, como no seu papel fundamental na educação de filhos e na manutenção da harmonia familiar. A segunda alude aos trabalhos menos qualificados que as mulheres não estariam dispostas a exercer - construção civil, limpadores de fossas, etc. - explicitando que se se tratasse de igualdade, as feministas deveriam reivindicar a obrigatoriedade no alistamento militar ou, como aconteceu em debate mais recente, contestar o tempo de trabalho menor para as mulheres para obter o benefício da aposentadoria. A proteção da família, sempre pensada como heterossexual, está no centro da contestação às demandas feministas, que implicam a discussão sobre as relações de poder.

Ao afirmar que as feministas são o câncer da sociedade, a dicotomia bem/mal, acionada a partir da relação saúde/doença, baseia o compêndio para destacar as práticas mais nojentas e repugnantes das idéias feministas (MCF, 30-12-2015). Personagens da cena cultural internacional ilustram narrativas desqualificadoras do movimento feminista, as mais citadas - Madonna e Simone de Beauvoir - recebem a alcunha de feminazi, que se estende a quaisquer grupos e/ou indivíduos em defesa de direitos, associando-os ao comunismo. Se o sujeito “mulher” é pensado como categoria universal, há uma clara separação entre mulheres que merecem ou não ter acesso a direitos. Atenho-me a duas classificações mais reiteradas - porcas e putas.

Porcas é acionado a partir da politização de fluidos corporais, apresentada em imagens de mulheres usando o sangue menstrual em obras de arte, para regar plantas, ou mesmo exibindo-se com roupas manchadas de sangue.21 21 As imagens são atribuídas à estadounidense Jean Lewis e a Ingrid Berthon- Moine, artista francesa, vivendo no Reino Unido, que utilizam o sangue menstrual para fazer arte, por exemplo, pintar os lábios. O “sangue” é retomado em um dos artigos do site para destacar o fato de uma urna eleitoral ter sido danificada por uma mulher descontrolada, que gritava Lula Livre e outras palavras de ordem, ao mesmo tempo em que, supostamente, usava um absorvente ensanguentado para sujar a urna.22 22 A imagem mostra a foto de uma urna eleitoral no Colégio Maria Inês Rodrigues, localizado na cidade paranaense de Ibiropã, com supostas manchas de sangue. “Loucuras feministas da seita esquerdista: feminista suja urna com sangue de absorvente, danifica o equipamento e grita LULA LIVRE”. Mulheres contra o feminismo, 21 de outubro de 2018.

A distorção, presente no debate nacional durante a campanha eleitoral de 2018, ganha outros contornos na associação do feminismo ao Partido dos Trabalhadores, reforçando um sentimento mútuo de repulsa e a polarização entre Bolsonaro e seus apoiadores - atletas, família real, Olavo de Carvalho, o povo - e o PT, apresentado como uma seita de bandidos liderada por Lula, que apoia movimentos terroristas, referindo-se ao Movimento Sem Terra (MST).

Ainda na associação aos esquerdistas, um vídeo de mulheres fazendo xixi em pé, atribuído a um grupo de feministas da Universidade Federal de Pelotas23 23 O artigo publicado no MCF em 11 de março de 2017 reproduz o vídeo de três mulheres fazendo xixi em pé, originalmente veiculado pela realfeminista (42.8000 seguidores) https://vimeo.com/89661582. , amplia a repulsa para o que é produzido nas universidades, vinculando essas práticas à “ideologia de gênero”. Os poucos comentários que apontam para a existência de feministas de verdade, que as distinguiria das feminazes, são rechaçados com o argumento de que todas têm trauma de não terem pênis - evocando a clássica ideia de que as feministas não se depilam porque querem se igualar aos homens. Mas, ironicamente, sugerem que as que depilam as partes íntimas estimulam nos homens desejos por corpos púberes, associando esse estímulo ao avanço da prostituição infantil. Outras alusões remetem à promoção da zoofilia, a exemplo da fotografia de uma jovem mulher abraçada a um cachorro na cama - cena comum de pessoas que adoram animais.

Juízos de teor moral se deixam ver em vários posts e comentários. Para muitos, a ideologia esquerdista não ajuda no combate à violência contra as mulheres; ao contrário, a exibição pública de corpos desnudos é vista como estímulo à barbárie dos machos propensos à violência. No entanto, separam os bárbaros do verdadeiro homem que protege as mulheres e as crianças de sua atávica vulnerabilidade. O repúdio à violência contra as mulheres que se dão ao respeito evoca moralidades que classificam e hierarquizam as que merecem ou não sofrer violência. Entre as que merecem estão as que apoiam os direitos das travestis, das prostitutas, a descriminalização do aborto e as adeptas da Marcha das Vadias24 24 Sobre a Marcha das Vadias, ver Gomes e Sorj, 2014. , associando-as à prostituição.

Ante os dados elevados de feminicídio no Brasil25 25 Ver Atlas da Violência 2019. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brasília/Rio de Janeiro/ ão Paulo, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/ Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019:1-116. , denunciados pelas feministas e veiculados por parte do jornalismo corporativo, a violência contra as mulheres é tratada como mimimi, na maioria dos casos, embasada na supeição das vítimas - o que será que ela andava fazendo ou como será que ela estava vestida.26 26 A culpabilização das mulheres pelas agressões sofridas contesta o clássico trabalho de Mariza Corrêa (1983), que influenciou a mudança da lei ao apontar que tratava-se de julgar os agressores e não as vítimas. Essa suspeição reitera a natural vulnerabilidade das mulheres, que por isso seriam mais expostas à violência.27 27 Sobre a relação entre vítimas e “vulnerabilidade”, ver o dossiê organizado por Coelho et al, 2013. Paradoxalmente, reiteram a máxima crime é crime, não importa a razão ao que se alia o mantra bandido bom é bandido morto, estimulando o armamento da população (pauta do governo Bolsonaro) em nome da proteção da família e da legitimação de atos policiais extremos28 28 Ver Auto de Resistência (2018) - documentário que materializa em imagens a virulenta violência policial no Rio de Janeiro em nome da legítima defesa. Direção: Lula Carvalho e Natasha Neri; Roteiro: Natasha Neri e Juliana Farias [www.autoderesistencia.com.br]. - uma tentativa de desmontar a noção do crime qualificado (feminicídio, racismo, homofobia), fundamental na formulação de políticas públicas direcionadas a populações vilipendiadas, não só no que remete à punição desses crimes, mas especialmente à sua prevenção.

A caricatura, o estereótipo - entranhadas na lógica do excesso - reiteram o ódio que se mistura a certas crenças religiosas assentadas há tempos na separação entre o bem e o mal, não por acaso o mal encarnado atribuído às feministas sustenta a designação de demoníacas, também porque imaginam que não professam nenhuma fé. Nesse sentido, o nojo como retórica política e os valores morais aí acionados se constituem como instrumento de deslegitimação das lutas por direitos civis, materializando em imagens situações e comportamentos a serem evitados, definindo a categoria mulheres de bem.

De forma menos estereotipada, a blogueira Thais Azevedo, uma das expoentes do anti-feminismo, se define anarco-capitalista, marcando sua rejeição à política, ainda que partilhe de ideias bolsonaristas ao afirmar que criminosos não têm sexo, sexualidade, idade, raça e classe social. Sua crítica à militância feminista, especialmente à Marcha das Vadias - cujo lema meu corpo, minhas regras remete a temas como direito ao aborto, humanização do parto, violência contra a mulher, incluindo assédio, cantadas na rua - é embasada no discurso religioso: vc não é dona do seu corpo, Jesus é quem decide29 29 Palestra de Thais Azevedo no 1o. Congresso Antifeminista do Brasil, realizado em 04 de agosto de 2018 no auditório da Igreja de Sant’Ana, no centro do Rio de Janeiro, e organizado por Sara Winter - ex-feminista e militante radical bolsonarista investigada no inquérito das fake news. Thais é intérprete de libras e afirma seu não alinhamento a quaisquer partidos políticos, ao mesmo tempo, faz um gesto de coração para um homem da platéia que diz ter sido de esquerda, mas já não é mais. , apontando o empoderamento das mulheres como uma das maiores falácias do feminismo.

Thais é contrária ao coletivismo, porque ignora o indíviduo em nome de todosafricanistas, gaysistas, feministas…, demarcando que o pensamento dualista - ricos/pobres, brancos/negros, homens/mulheres, hetero/ homossexuais - levaria a conflitos entre grupos sempre em busca de privilégios. Sua defesa do individualismo é pautada em uma ideia de liberdade: cada um faça o que quer, como quer, mas sem ditar regras aos outros. Os discursos de Azevedo, também pautados por desqualificações pessoais, remetem aos fracassos individuais de autoras clássicas do pensamento feminista.

Em tom de deboche, as críticas a Simone de Beauvoir se centram na contestação da frase ninguém nasce mulher. Em uma de suas conferências Thaís pergunta à plateia quem leu os dois tomos de O Segundo Sexo, uma voz masculina afirma que sim e ela responde: você conseguiu ler inteiro sem vomitar? ao que se segue muitas gargalhadas e aplausos do público. Sua crítica à noção violência contra mulher é embasada na ideia de que os homens morrem muito mais do que as mulheres, que também são abusados e estuprados, por isso escutar que “todo homem é um potencial estuprador” me revira o estômago. A refutação a esse mantra, atribuído às feministas, é alocada em sentimentos que produzem sensações corporais, aludindo à rejeição da noção de “homem universal”, que fundamenta sua defesa dos direitos dos homens e meninos. Em um mesmo campo discursivo de ação (Alvarez, 2014ALVAREZ, Sonia. “Para além da sociedade civil: reflexões sobre o campo feminista”. cadernos pagu (43), Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu/Unicamp, janeiro-junho de 2014, p. 13-56. Disnível em https://doi.org/10.1590/0104-8333201400430013 [acessado em novembro de 2014]
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), a contestação à universalidade foi justamente a base da constituição do campo de estudos de gênero, o que levou vertentes do movimento feminista a criticar as feministas radicais exatamente pela centralidade na biologicização dos corpos30 30 Um dos embates com as feministas radicais que tem ganhado a cena midiática remete ao uso da categoria “mulher” baseada no sexo de nascimento, vetando a participação de transgêneros em eventos promovidos por essa vertente do feminismo. Sobre esse debate, ver Lopes, 2014. , incluindo pautas morais, a exemplo do combate à prostituição.

Azevedo marca que homens não são vítimas para o nosso governo, tomando o exemplo das delegacias das mulheres que não existem para defender as mulheres, mas para atacar os homens. Para ela, a falácia do feminicídio prejudica a igualdade, dado que as penas para homens são maiores quando a vítima é uma mulher.31 31 Referindo-se à lei no 13.104/2015 que qualifica o crime contra mulheres - gestantes, menores de 14 anos ou maiores de 60 anos e com deficiência - como feminicídio, aumentando a pena de 1/3 até a metade. Os aplausos da plateia se intensificam ao marcar as decisões monocráticas das mulheres na decisão de interromper a gravidez: se as mulheres decidirem fazer o aborto... - e sou contra o aborto - e o cara contestar “não mate, eu fico com a criança”, - ele não tem voz. O final da conferência, ao som de muitos aplausos e gritos32 32 “Desmascarando o Feminismo” - Palestra realizada na PUC-Goiás em 08 de janeiro de 2018 [87.664 visualizações, 59,7 mil inscritos]. Segundo a autora, esta palestra seria reproduzida na Universidade Federal de Goiás à noite, mas foi impedida pelas manxs, referindo-se aos grupos feministas daquela instituição. , resume seu pensamento - feminismo é coletivismo, coletivismo é escravidão e liberdade individual é a única solução - em uma crítica contundente à campanha feminista “meu corpo, minhas regras” apontada como uma das maiores falsidades do feminismo, porque coloca o homem como seu grande inimigo e não o pensamento coletivista que escraviza a mulher e a faz acreditar que ela não tem valor como indivíduo para lutar por si.

Nesta produção, as feministas - novas bruxas do século XXI - são simbolicamente queimadas pelas fogueiras que renascem das cinzas do conservadorismo, mas vão além dele. Ao nomear as lutas sociais empreendidas desde o século XIX de mimimi, “vitimismo”, esses discursos colocam sob suspeita a legitimidade do sofrimento (ver Sarti, 2011SARTI, Cynthia. 2011. “A vítima como figura contemporânea”. Cadernos CRH, Salvador, v. 24, n. 61, p.51-61. Disponível em Disponível em scielo.br/cadernocrh [acessado em julho de 2021]
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). “Vitimismo” e “ressentimento” - uma das chaves para entender os trolls contemporâneos (Brown, 2019: 70BROWN, Wendy. In the Ruins of Neoliberalism. The Rise of Antidemocratic Politics in the West. New York: Columbia University Press, 2019. ) - são associados para desqualificar quaisquer demandas feministas, acionando o medo das mudanças nas relações de poder. O medo é parte do “fazer” do ódio, que não é simplesmente “feito” no momento de sua articulação, mas produz uma cadeia de efeitos que afetam ao mesmo tempo sua circulação (Ahmed, 2004Ahmed, Sara. 2004.The Cultural Politics of Emotion. New York: Routledge.).

Nesse sentido, os engajamentos emocionais no que Miskolci chama de esfera pública técno-midiatizada explicitam “batalhas morais” (Miskolci, 2021MISKOLCI, Richard. 2021. Batalhas Morais, Política identitária na esfera pública técnico-midiatizadora. São Paulo: Autêntica Editora. ) e, menos do que argumentos, as desqualificações pessoais - idiota, imbecil, louca - obnubilam o debate. Como rastilho de pólvora, esses termos se espraiam nas redes sociais, aliados a uma tendência de confiar mais nos discursos alinhados ao nosso que, longe de formar um grupo coeso, pode estabelecer alianças em torno de preconceitos arraigados.

Restauração da ordem social pelos afetos

No 08 de março de 2019 o presidente Jair Bolsonaro reúne no Palácio do Planalto alguns ministros para comemorar o Dia Internacional da Mulher. Damares Alves afirmou que, pela primeira vez, o Brasil tem um ministério dedicado exclusivamente às mulheres.33 33 A afirmação “pela primeira vez” ignora a existência da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres entre 2003 a 2015, nos governos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT). Em outubro de 2015, a presidente Dilma Rousseff transformou a Secretaria da Mulher em Ministério da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, pasta extinta pelo antecessor de Bolsonaro, presidente Temer, logo após o impeachment. Neste evento foi lançada a campanha #SalveUmaMulher direcionada ao fortalecimento de políticas públicas para combater a violência doméstica. A qualificação desta violência não é semântica, antes aponta para um rechaço à ideia de que as mulheres sofrem violência também porque são mulheres. A proposta de conscientizar a população sobre a violência contra o público feminino naturaliza as diferenças - criar um sentimento já na infância sobre a igualdade de direitos e oportunidades... [ao mesmo tempo propõe] um tratamento diferenciado para as meninas... que precisam ser amadas e respeitadas como mulheres.34 34 A campanha foi destacada em diferentes jornais e redes sociais, somando mais de 500 comentários, mas a notícia foi reverberada num primeiro momento pelo site da uol. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/03/08/damares-vamos-ensinar-meninos-a-levar-flores-e-abrir-porta-para-mulheres.htm O investimento nos afetos como forma de coibir esta violência evoca a fé - Deus no comando - associada às pautas de comportamento - bons costumes, tendo a família como pilar das relações sociais.

A centralidade da família reaparece no projeto salvem nossas crianças. Representantes do alto escalão do Ministério desqualificam a proposta da ONU, entre outros organismos internacionais, sobre a saúde sexual reprodutiva e o “serviço essencial” de aborto seguro durante a pandemia, afirmando, sem apresentar quaisquer dados, que esta é a vontade da maioria das famílias (Folha de S.Paulo, 05/07/202035 35 O artigo “Criança, família e OMS” é assinado por Angela Gandra Martins (na época, Secretária Nacional da Família) e Mauricio Cunha (Secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos).https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/07/crianca-familia-e-oms ). Os ataques à OMS se centram na veiculação do programa para crianças menores de quatro anos de idade contendo homossexualidade, pornografia e masturbação, diretrizes que acarretariam o aumento de casos de exploração sexual, atribuída tanto à indústria do sexo como à pedofilia, reivindicando o protagonismo da família na formação e proteção das crianças.36 36 Veja mais em https://www.uol.com.br/universa/colunas/isabela-del-monde/2021/04/07/criar-o-dia-da-conscientizacao-dos-riscos-do-aborto-e-constranger-a-mulher. Essa “proteção” seria subsidiada com material didático produzido pelo Ministério - Família Protetora e Abuso sexual de crianças e adolescentes, lançado em maio de 2020.37 37 https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/maio/FAMILIAPROTETORA.pdf Recorrendo ao Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/1990), essa narrativa contesta as ações de organismos internacionais que defendem o acesso à educação sexual em textos oficiais, usando a retórica dos direitos de crianças e adolescentes como forma de legitimar discursos homofóbicos ao reivindicar a proibição de propagandas que sugerem relações entre pessoas do mesmo sexo.38 38 https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/04/20/pl-quer-proibir-propagandas-com-pessoas-lgbt-em-sp

Em 1992, Gayle Rubin já apontava para o modo como as crianças são usadas como bode expiatório para vigilância dos corpos e das práticas sexuais, elencando uma série de campanhas morais baseadas no slogan salvem as nossas crianças. Para a autora, essa vigilância não é particular aos “conservadores”, dado que a ideia de “salvação” é também abraçada por “progressistas”, explicitando seu desacordo com o Feminismo Radical anti-pornografia, contra a prostituição.39 39 Rubin se refere ao Feminismo Radical dos anos 1970/1980, particularmente nos Estados Unidos, calcado no conceito de Patriarcado, que trata da “opressão das mulheres” de modo universal e transhistórico. Sobre este movimento no Brasil atual e suas diferenças e similaridades com a proposta original, ver Ribeiro, O’Dwyer e Heilborn, 2018. É justamente neste ponto que o texto de Rubin inspira meu argumento sobre a não homogeneização de grupos. No Brasil, como bem aponta Balieiro (2018, s/pBALIEIRO, Fernando. 2018. “‘Não se meta com meus filhos’, a construção do pânico moral da criança sob ameaça”. cadernos pagu (53), Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu/Unicamp. Disponível em Disponível em scielo.br/cpa [assessado em janeiro de 2019].
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), o mote das “crianças ameaçadas” foi estrategicamente vinculado à expansão dos direitos à população LGBTQIA+, fortalecendo o “fantasma” da ideologia de gênero (Miskolci, 2018MISKOLCI, Richard. 2018. “Exorcizando um fantasma: os interesses por trás do combate à ‘ideologia de gênero’”. cadernos pagu (53). Campinas-SP: Pagu/ Unicamp . Disponível em Disponível em Scielo.br/cpa [acessado em março de 2019].
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, s/p) entre os conservadores, mas também entre parte dos auto-denominados progressistas.

Em 2016, a então Pastora Damares fazia a distinção entre diversidade sexual - que merece respeito e acolhida das igrejas - e a ideologia de gênero, que promove a confusão espiritual ao defender a ideia de que ninguém nasce mulher.40 40 “Ideologia de gênero e livros impróprios” https://www.youtube.com/watch?v=9_PSmCR_r_o Assim, ganharam a cena as mirabolantes ideias de Escola sem Partido que, nos últimos anos, tem se transmutado na defesa do “ensino em casa”, atribuindo aos pais e/ou responsáveis a vigilância dos conteúdos de aprendizado.41 41 Fundado em 2004, o movimento Escola Sem Partido, segundo o site, “é uma inicitiva conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior” (escolasempartido.org). No combate ao que denominam “doutrinação ideológica” refutam as discussões de gênero e sexualidade em sala de aula (ver Leite, 2019). Ainda é cedo para analisarmos se, e como, a pandemia contribuiu para o projeto Escola sem Partido, mas certamente o distanciamento social e as aulas on line foram utilizados por Damares Alves como uma retórica centrada na importância da vigilância familiar sobre os conteúdos do ensino. Apontada como lócus principal do amor e do respeito, a família tradicional, necessariamente heterossexual, é apresentada como o lugar de harmonia, impedindo desequilíbrios afetivos. Contra a manipulação de seres humanos indefesos, o Ministério se coloca como o baluarte da defesa dos direitos das crianças e de sua dignidade, incluindo os fetos, que há tempos tem alavancado campanhas contra a descriminalização do aborto.42 42 A transnacionalização das campanhas anti-aborto - também no escopo da luta contra a ampliação dos direitos das mulheres - tem sido organizada em uma coalização dos Estados Unidos trumpista, Polônia, Hungria e países do mundo árabe. https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/04/06/mesmo-sem-ernesto-brasil-nao-abandonara-alianca-antiaborto-na-onu.htm?cmpid=copiaecola

Claramente delineada pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, a defesa da família passa a ser implementada como um projeto de governo, cuja noção de direitos humanos é renomeada como defesa dos valores humanos, centrando suas campanhas em defesa da vida, contra a descriminalização do aborto, contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo - entendida como uma ameaça à liberdade religiosa - e a retomada do debate sobre a transexualidade como desordem mental. O discurso é montado a partir de polos opostos - bons cidadãos/maus cidadãos, mulheres de bem/feministas - mobilizando a fé como propulsora de certa moral a ser seguida. Mas isso não é novo: a novidade me parece que está em como esse projeto tem ganhado adeptos que, mesmo não ligados a quaisquer movimentos percebidos como conservadores e/ou religiosos, acreditam que a diferença sexual “naturalmente” imprime comportamentos distintos para homens e mulheres, ecoando ideias anti-feministas.

No início do governo Bolsonaro, Damares era alvo de chacota mesmo entre os seguidores do presidente, o que lhe rendeu a alcunha de louca da goiabeira por ter recebido, segundo sua narrativa em vários produtos midiáticos, orientações diretamente de Jesus para enfrentar a violência sexual por ela sofrida. Se as críticas a seus projetos parecem associadas ao rechaço ao governo Bolsonaro, comentários de pessoas comuns, claramente críticos ao governo vigente, mostram a convergência com a importância de vigiar a sexualidade das crianças e dos adolescentes e assinalam pontos positivos no projeto de educar bons cidadãos, que inclui o retardamento da iniciação sexual, não como uma imposição religiosa (nas palavras de Damares), mas incitando a busca da “saúde emocional”, que rege vários âmbitos da vida (Hortelan, 2020HORTELAN, Luiza Terassi. 2020. “’Na contramão do mundo’: gênero, amor e sexualidade no movimento evangélico Eu escolhi esperar”. Dissertação de Mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. ).43 43 Baseado em manuais escritos por dois pastores evangélicos sobre Eu escolhi esperar, o projeto também visa adotar essa produção como material didático nas escolas brasileiras. Segundo a Ministra, o projeto vale para meninas e meninos, mas ressalta a maior dificuldade dos meninos em controlar seus instintos, o que requereria maior investimento dos/nos meninos, naturalizando as diferenças.

A proposta por Damares Alves parece justificar os discursos de ódio capilarizados na Internet e nas redes sociais como parte de um projeto político em vias de institucionalização no Brasil de muitas formas.44 44 Entre os muitos exemplos, destaco as declarações oficiais do governo brasileiro contra a ONU e, especialmente durante a pandemia, a OMS [https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/07/crianca-familia-e-oms.shtml - acesso em agosto de 2020]. Se a “feminilidade correta” produz mulheres de bem, a mobilização dos afetos é dirigida aos bons cidadãos, que cuidam das mulheres como seres especiais, orientada por moralidades que implicam no apagamento de várias formas de violência e na condenação da diversidade de composições de família. Para a Ministra, a contenção da violência contra as mulheres deve ser mobilizada por meio da superioridade moral da família heterosexual para enfrentar o caos atribuído às ações feministas e, especialmente à ideologia de gênero, legitimando uma visão de mundo conservadora-liberal (Netto, Cavalcante e Chaguri, 2019NETTO, Michel Nicolau, CAVALCANTE, Sávio, CHAGURI, Mariana. 2019. “O homem médio e o conservadorismo liberal no Brasil contemporâneo: o lugar da família”. Paper apresentado no 43° Encontro Anual da Anpocs. Disponível em Disponível em academia.edu [acessado em janeiro de 2020].
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). Mas me parece que vai além: a implementação intencional (?) de um projeto de recuperação de “valores tradicionalistas” 45 45 Sempre desconfio das teorias da conspiração, por isso a interrogação, mas o excelente trabalho de Teitelbaum (2020) mostra as articulações transnacionais de assessores a governos de extrema-direita em ascensão em alguns países do mundo pela volta ao Tradicionalismo - Steve Bannon, nos Estados Unidos, Aleksandr Dugin, na Rússia e Olavo de Carvalho, no Brasil. é pautada pela lógica da guerra - temos que destruir muita coisa para depois construir, disse o Presidente Bolsonaro em um vídeo que circulou por várias mídias, ao apresentar seu assessor Olavo de Carvalho no início de sua gestão.

O ponto central dessa discussão está nos engajamentos emocionais que, em um mesmo campo discursivo de ação, remete ao medo das transformações sociais e ao ódio àqueles/as que investem nessas transformações. A proposta de mobilização dos afetos de Damares, central na formação dos bons cidadãos, recuperaria os violadores de mulheres (menos homens) e é apresentada como uma alternativa ao punitivismo. Às feministas resta a alcunha de corruptoras das boas mulheres. Essa díade, pautada pela vigilância dos costumes, tem proliferado nas variadas mídias, especialmente nas redes sociais. Reitero que a rejeição às demandas feministas não deve ser localizada somente no discurso extremo, dado o evidente rechaço às discussões sobre a descriminalização do aborto em um espectro amplo da política, incluindo os auto-denominados e/ou percebidos como progressistas (Machado, 2016MACHADO, Lia Zanotta. 2016. “Feminismos brasileiros nas relações com o Estado. Contextos e incertezas. cadernos pagu (47), Campinas-SP: Pagu/Unicamp. Disponível em Disponível em Scielo.br/cpa [acessado em junho de 2018].
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), mas também no entendimento da categoria mulheres de bem, acionada de forma recorrente nos comentários à produção anti-feminista e às incursões midiáticas de Damares Alves, asseverando a importância da família heterossexual como lócus de preservação da harmonia e felicidade.

Considerações finais

No corpus aqui analisado, ao invés de argumentos, a defesa da família heterosexual e dos valores humanos opera a partir de desqualificações pessoais das “feministas” - apresentadas como as principais ameaças à suposta “felicidade” encontrada na família. Pensadas em bloco e sem levar em conta as tensões dos movimentos feministas ao longo de quase 50 anos, o termo “feminista” ganha status de categoria acusatória. Este cenário é agravado pela inculcação da dúvida, persuadindo os indivíduos a suspeitar de narrativas produzidas acerca das demandas por direitos e incitando a opinião pública a compartilhar nas redes sociais certa visão de mundo sustentada na desinformação e apoiada nas desqualificações pessoais.

Gerenciado pelas emoções a partir da politização dos afetos, o “direito” à opinião pessoal ganha maior visibilidade por meio da horizontalização da produção de conteúdos. Nesse cenário, em nome do amor a uma noção de família, de liberdade e de direitos, os efeitos dos discursos de ódio transformam o adversário em inimigo a ser aniquilado/cancelado. No bojo do projeto de restabelecimento do que se supõe ser a ordem social, políticas públicas duramente conquistadas por meio da atuação dos movimentos sociais e apoiadas por parte do parlamento brasileiro têm sido fortemente ameaçadas, provocando muitos retrocessos, incluindo a desestabilização e/ou destruição de instituições garantidoras da democracia, com a difusa promessa de reconstruí-las em outros moldes.

Nas estreitas relações entre intolerância, diferenças e violência, discursos/imagens que circulam nas mídias digitais possibilitam a criação de sistemas de verdade e obnubilam ainda mais a ilusão inicial de que a horizontalização da produção promoveria o debate democrático de ideias. Se o ódio aos defensores dos direitos humanos pode ser mais facilmente localizado nos discursos de extrema-direita em nome de uma ordem estruturada e da boa convivência social, muitas demandas por direitos - entre outras, o reconhecimento efetivo da violência contra as mulheres e, especialmente, o enfrentamento da questão do aborto, são refutadas pelos discursos anti-feministas, por agentes de Estado e por “gente comum”, expressos nos comentários às notícias, utilizando o mesmo modus operandi da desqualificação pessoal.

Vale lembrar que loucura e insensatez são adjetivos desqualificadores para definir tanto as feministas quanto Damares Alves.

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  • VENKER, Suzanne; SCHLAFLY, Phillis. 2016 [2011]. Do outro lado do feminismo Santos-SP: Simonsen
  • 1
    *Agradeço a leitura atenta de Maria Claudia Coelho da primeira versão deste artigo e às preciosas indicações dos/das pareceristas.
  • 2
    Entendido aqui como pessoas que não fazem parte da cena cultural e midiática e que têm ganhado certo protagonismo justamente por meio da horizontalização da produção de conteúdos nas redes sociais (ver Sibilia, 2008Sibilia, Paula. 2008. O Show do Eu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.).
  • 3
    Entre outros, o movimento #Ele não (2018), articulado por feministas a partir de um grupo de Facebook Mulheres contra Bolsonaro, ganha o cenário nacional com uma única pauta: resistir à eleição de Bolsonaro. A simultaneidade e a fragmentação da autoria, esta sim particular às mídias digitais, apontava para outras formas de fazer política, que prescindia de lideranças partidárias e sindicais na organização. Sobre a articulação dos feminismos em rede, ver Ferreira, 2015Ferreira, Carolina Branco de Castro. 2015. “Feminismos web: linhas de ação e maneiras de atuação no debate feminista contemporâneo”. cadernos pagu (44), Dossiê: Percursos Digitais: corpos, desejos, visibilidades, Campinas-SP, Pagu/Unicamp, janeiro-junho, p. 199-228. .
  • 4
    Agradeço Thadeus Blanchete por ter me indicado esta leitura.
  • 5
    http://www.safernet.org.br/site/institucional/projetos/cnd, acesso em novembro de 2016.
  • 6
    O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), prova criada pelo Ministério da Educação do Brasil, tem como objetivo testar os conhecimentos dos alunos e serve de instrumento para a atribuição das vagas disponibilizados pelas faculdades inscritas no SISU (Sistema de Seleção Unificada). A nota obtida no Enem por cada candidato/a é usada como referência no processo de atribuição das vagas [https://enem-2019.com].
  • 7
    http://g1.globo.com/educacao/enem/2015/noticia/2015/10/questao-sobre-feminismo-no-enem-2015-e-lembrada-nas-redes-sociais.html. Para uma análise da repercussão da polêmica na Câmara Municipal de Campinas-SP, ver Mano, 2019Mano, Maíra Kubík. 2019. “As mulheres desiludidas: de Simone de Beauvoir à ‘ideologia de gênero’”. cadernos pagu (56). Campinas-SP: Pagu/ Unicamp. Disponível em https://doi.org/10.1590/18094449201900560024 [acessado em fevereiro de 2020].
    https://doi.org/10.1590/1809444920190056...
    .
  • 8
    Publicado na página do Facebook do então deputado Jair Bolsonaro em 24 de outubro de 2015.
  • 9
    https://revistaforum.com.br/bolsonaro-feliciano-e-constantino-criticam-questao-sobre-beauvoir-no-enem/ - publicado em 26-10-2015.
  • 10
    [http://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2015/10/promotor-causa-polemica-ao-dizer-que-mulher-nasce-baranga-francesa.html. 30-10-2015].
  • 11
    As discussões sobre notícias falsas e suas várias formas de veiculação escapam ao escopo deste artigo. Sobre o tema, ver Serelle e Lima Soares (2019).
  • 12
    A inspiração aqui é Claudia Fonseca (2000FONSECA, Claudia. 2000. Família, fofoca e honra. Porto Alegre: Editora da UFRGS.), para quem a violência nas relações sociais, também expressa em “fofocas”, “maledicências”, marca posições de sujeitos.
  • 13
    Inspirada em Kalil (2018Kalil, Isabela (coord.). 2018. “Quem são e no que acreditam os eleitores de Jair Bolsonaro”. Disponível em Disponível em https://www.fespsp.org.br [acessado em março de 2020].
    https://www.fespsp.org.br...
    ), alerto que o espectro conservador da política não deve ser visto como coeso ou apoiador inconteste de Bolsonaro, ainda que se identifique com algumas pautas, a exemplo do “combate à corrupção” e a retórica acerca do “cidadão de bem”.
  • 14
    Segundo Miskolci (2018:s/p), “O espectro ‘ideologia de gênero’ delimita um campo discursivo de ação que... [une] imaginariamente uma suposta ameaça de retorno do comunismo ao pensamento acadêmico feminista, estabelecendo um enquadramento da política em torno do medo de mudanças na ordem das relações entre homens e mulheres e, sobretudo, da extensão de direitos a homossexuais. Ver também Junqueira, 2017JUNQUEIRA, Rogério Diniz. 2017. “’Ideologia de gênero’: a gênese de uma categoria política reacionária - ou a promoção dos direitos humanos se tornou uma ameaça à ‘família natural’”? In: RIBEIRO, Paula R. C.; MAGALHÃES, Joanalira C. (ed.). Debates contemporâneas sobre educação para a sexualidade. Rio Grande: Editora da FURG, p. 25-52..
  • 15
    Sobre a intrínseca relação entre “politicamente incorreto” e anti-petismo, ver Di Carlo e Kamradt (2018Di Carlo, Josnei; Kamradt, João. 2018. “Bolsonaro e a Cultura do Politicamente Incorreto na Política Brasileira”. Teoria e Cultura, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais-UFJF, v. 13, n. 2, Dezembro, p. 55-72.).
  • 16
    Sobre a atuação dos haters, ver Amaral e Coimbra, 2015Amaral, Adriana; Coimbra, Michele. 2015. “Expressões de ódio nos sites de redes sociais: o universo dos haters no caso #eunãomereçoser estuprada”. Contemporanea comunicação e cultura, v.13, n.01, maio-ago, 294-310. Disponível em Disponível em www.contenporanea.poscom.ufba.br [acessado em maio de 2019].
    www.contenporanea.poscom.ufba.br...
    .
  • 17
    Campagnolo - Deputada eleita pelo PSL de Santa Catarina em 2018 - é seguidora de Olavo de Carvalho (auto-proclamado filósofo e reconhecidamente um dos influenciadores do governo Bolsonaro), foi assessora de Damares Alves no MMFDH e ficou conhecida pela criação do projeto de lei que previa a gravação de professores nas salas de aula. A polêmica instaurada sobre a produção do livro, largamente veiculada pelas mídias sociais, envolveu de forma perversa a professora Marlene de Fáveri do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), cuja trajetória marcou a constituição do campo de estudos feministas no Brasil.
  • 18
    https://mulherescontraofeminismo.wordpress.com. Não há informações sobre suas criadoras.
  • 19
    Muitas dessas frases são atribuídas a Susanne Venker e Phyllis Schlafly (2016VENKER, Suzanne; SCHLAFLY, Phillis. 2016 [2011]. Do outro lado do feminismo. Santos-SP: Simonsen), autoras norte-americanas conhecidas pela produção acadêmica anti-feminista.
  • 20
    Parte da carta reproduzida no blog, que remete ao diálogo entre Lourdes (uma leitora) e uma feminista, tolerada, segundo ela, porque são amigas há muitos anos [https://mulherescontraofeminismo.wordpress.com/?s=Lourdes - 28-12-2012].
  • 21
    As imagens são atribuídas à estadounidense Jean Lewis e a Ingrid Berthon- Moine, artista francesa, vivendo no Reino Unido, que utilizam o sangue menstrual para fazer arte, por exemplo, pintar os lábios.
  • 22
    A imagem mostra a foto de uma urna eleitoral no Colégio Maria Inês Rodrigues, localizado na cidade paranaense de Ibiropã, com supostas manchas de sangue. “Loucuras feministas da seita esquerdista: feminista suja urna com sangue de absorvente, danifica o equipamento e grita LULA LIVRE”. Mulheres contra o feminismo, 21 de outubro de 2018.
  • 23
    O artigo publicado no MCF em 11 de março de 2017 reproduz o vídeo de três mulheres fazendo xixi em pé, originalmente veiculado pela realfeminista (42.8000 seguidores) https://vimeo.com/89661582.
  • 24
    Sobre a Marcha das Vadias, ver Gomes e Sorj, 2014GOMES, Carla; SORJ, Bila. 2014. “Corpo, geração e identidade: a Marcha das vadias no Brasil”. Revista Sociedade e Estado, v. 29, n.2. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/se/v29n2/07.pdf [acessado em novembro de 2015].
    http://www.scielo.br/pdf/se/v29n2/07.pdf...
    .
  • 25
    Ver Atlas da Violência 2019Atlas da Violência 2019. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brasília/Rio de Janeiro/ São Paulo, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/ Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019, p. 1-116.. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brasília/Rio de Janeiro/ ão Paulo, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/ Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019:1-116.
  • 26
    A culpabilização das mulheres pelas agressões sofridas contesta o clássico trabalho de Mariza Corrêa (1983CORRÊA, Mariza. 1983.Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal.), que influenciou a mudança da lei ao apontar que tratava-se de julgar os agressores e não as vítimas.
  • 27
    Sobre a relação entre vítimas e “vulnerabilidade”, ver o dossiê organizado por Coelho et al, 2013Coelho, Maria Claudia; Russo, Jane; Sarti; Cynthia; Víctora, Ceres. 2013. “Dossiê Vitimização: políticas de moralidade e gramáticas emocionais”. Interseções, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 231-251..
  • 28
    Ver Auto de Resistência (2018) - documentário que materializa em imagens a virulenta violência policial no Rio de Janeiro em nome da legítima defesa. Direção: Lula Carvalho e Natasha Neri; Roteiro: Natasha Neri e Juliana Farias [www.autoderesistencia.com.br].
  • 29
    Palestra de Thais Azevedo no 1o. Congresso Antifeminista do Brasil, realizado em 04 de agosto de 2018 no auditório da Igreja de Sant’Ana, no centro do Rio de Janeiro, e organizado por Sara Winter - ex-feminista e militante radical bolsonarista investigada no inquérito das fake news. Thais é intérprete de libras e afirma seu não alinhamento a quaisquer partidos políticos, ao mesmo tempo, faz um gesto de coração para um homem da platéia que diz ter sido de esquerda, mas já não é mais.
  • 30
    Um dos embates com as feministas radicais que tem ganhado a cena midiática remete ao uso da categoria “mulher” baseada no sexo de nascimento, vetando a participação de transgêneros em eventos promovidos por essa vertente do feminismo. Sobre esse debate, ver Lopes, 2014LOPES, Ízis Morais. 2014. “Quem pode definir os critérios de original e de cópia?: sobre ser mulher nos debates entre feministas radicais e transfeministas em 2012”. PÓS, volume 13, n.1, p. 274-298..
  • 31
    Referindo-se à lei no 13.104/2015 que qualifica o crime contra mulheres - gestantes, menores de 14 anos ou maiores de 60 anos e com deficiência - como feminicídio, aumentando a pena de 1/3 até a metade.
  • 32
    “Desmascarando o Feminismo” - Palestra realizada na PUC-Goiás em 08 de janeiro de 2018 [87.664 visualizações, 59,7 mil inscritos]. Segundo a autora, esta palestra seria reproduzida na Universidade Federal de Goiás à noite, mas foi impedida pelas manxs, referindo-se aos grupos feministas daquela instituição.
  • 33
    A afirmação “pela primeira vez” ignora a existência da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres entre 2003 a 2015, nos governos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT). Em outubro de 2015, a presidente Dilma Rousseff transformou a Secretaria da Mulher em Ministério da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, pasta extinta pelo antecessor de Bolsonaro, presidente Temer, logo após o impeachment.
  • 34
    A campanha foi destacada em diferentes jornais e redes sociais, somando mais de 500 comentários, mas a notícia foi reverberada num primeiro momento pelo site da uol. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/03/08/damares-vamos-ensinar-meninos-a-levar-flores-e-abrir-porta-para-mulheres.htm
  • 35
    O artigo “Criança, família e OMS” é assinado por Angela Gandra Martins (na época, Secretária Nacional da Família) e Mauricio Cunha (Secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos).https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/07/crianca-familia-e-oms
  • 36
    Veja mais em https://www.uol.com.br/universa/colunas/isabela-del-monde/2021/04/07/criar-o-dia-da-conscientizacao-dos-riscos-do-aborto-e-constranger-a-mulher.
  • 37
    https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/maio/FAMILIAPROTETORA.pdf
  • 38
    https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/04/20/pl-quer-proibir-propagandas-com-pessoas-lgbt-em-sp
  • 39
    Rubin se refere ao Feminismo Radical dos anos 1970/1980, particularmente nos Estados Unidos, calcado no conceito de Patriarcado, que trata da “opressão das mulheres” de modo universal e transhistórico. Sobre este movimento no Brasil atual e suas diferenças e similaridades com a proposta original, ver Ribeiro, O’Dwyer e Heilborn, 2018RIBEIRO, Letícia; O’DWYER, Brena; HEILBORN, Maria Luiza. 2018. “Dilemas do feminismo e a possibilidade de radicalização da democracia em meio às diferenças. O caso da Marcha das Vadias do Rio de Janeiro”. Civitas, Porto Alegre, v. 18, n. 1, jan.-abr., p. 83-99. Disponível em https://doi.org/10.15448/1984-7289.2018.1.27560 [acessado em janeiro de 2022]
    https://doi.org/10.15448/1984-7289.2018....
    .
  • 40
    “Ideologia de gênero e livros impróprios” https://www.youtube.com/watch?v=9_PSmCR_r_o
  • 41
    Fundado em 2004, o movimento Escola Sem Partido, segundo o site, “é uma inicitiva conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior” (escolasempartido.org). No combate ao que denominam “doutrinação ideológica” refutam as discussões de gênero e sexualidade em sala de aula (ver Leite, 2019LEITE, Vanessa, 2019, ‘Em defesa das crianças e da família’: refletindo sobre discursos acionados por atores religiosos ‘conservadores’ em controvérisas públicas envolvendo gênero e sexualidade. Sexualidad, Salud y Sociedad, n. 32, Rio de Janeiro, p. 119-142. ). Ainda é cedo para analisarmos se, e como, a pandemia contribuiu para o projeto Escola sem Partido, mas certamente o distanciamento social e as aulas on line foram utilizados por Damares Alves como uma retórica centrada na importância da vigilância familiar sobre os conteúdos do ensino.
  • 42
    A transnacionalização das campanhas anti-aborto - também no escopo da luta contra a ampliação dos direitos das mulheres - tem sido organizada em uma coalização dos Estados Unidos trumpista, Polônia, Hungria e países do mundo árabe. https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/04/06/mesmo-sem-ernesto-brasil-nao-abandonara-alianca-antiaborto-na-onu.htm?cmpid=copiaecola
  • 43
    Baseado em manuais escritos por dois pastores evangélicos sobre Eu escolhi esperar, o projeto também visa adotar essa produção como material didático nas escolas brasileiras.
  • 44
    Entre os muitos exemplos, destaco as declarações oficiais do governo brasileiro contra a ONU e, especialmente durante a pandemia, a OMS [https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/07/crianca-familia-e-oms.shtml - acesso em agosto de 2020].
  • 45
    Sempre desconfio das teorias da conspiração, por isso a interrogação, mas o excelente trabalho de Teitelbaum (2020) mostra as articulações transnacionais de assessores a governos de extrema-direita em ascensão em alguns países do mundo pela volta ao Tradicionalismo - Steve Bannon, nos Estados Unidos, Aleksandr Dugin, na Rússia e Olavo de Carvalho, no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Jan 2022
  • Aceito
    27 Jan 2022
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